“Somos todos irmãos!”
“Não! Nós não somos todos irmãos!”
O Insulto precisa ser encarado como um exercício cinematográfico ultra objetivo de justiça. Como um retrato fiel e cativo de um conflito aparentemente indissolúvel, em especial para nós, forasteiros do continente americano. É ai que mora a diferença entre os cineastas Ziad Doueiri e Asghar Farhadi. Se o segundo tenta em A Separação (o clássico moderno que exclama na nossa memória enquanto assistimos a O Insulto) nos integrar na enorme tensão que existe entre dois povos a partir do reflexo desse problema político sem sequer tocar nele, mas interpretando-o e reencenando-o em outras questões, outros interesses e, por fim, outras situações, Doueiri objetifica o impasse cultural entre libaneses e palestinos indo direto a fonte do problema, sem pudor nem desvio ou maquiagem nenhuma, e sob um pretexto único: quem está correto nessa guerra xenofóbica, de proporções continentais.
De certo, o grande mérito do filme em questão é um tiro no pé de toda a trama justamente por ser unilateralmente valoroso: a coragem em representar, em totalidade, e sob a desculpa da briga de dois homens devido a um cano mal colocado numa construção, e o xingamento proveniente do atrito entre egos masculinos, a disputa ideológica que por qualquer motivo toma corpo, exteriorizando os preconceitos enraizados de dois povos em eterno embate de superioridade entre si. O grande problema é que, para isso, a sensação é que o conflito precisou ser banalizado para ser universalmente entendido, como se fosse necessário resumi-lo para poder ser retratado numa briga de orgulhos entre dois homens. Um que não consegue se desculpar, o que custa sua paz, seu emprego e sua sanidade mental, e o outro que começa a ser ameaçado de morte, e tudo vira uma algazarra até o tribunal; pano de manga pra mídia cair matando, e outras obviedades que a obra não abre mão de apostar seu motivo de ser, nas agruras históricas que são baseadas as verdades nacionalistas.
O etnocentrismo, aqui, é latente, e pinga em cada olhar entre os dois inimigos que guardam tanto em comum, mas que devido a história por trás de seus antepassados, não veem isso – algo equivalente, no Brasil, aos crimes que ainda são cometidos entre os bisnetos dos colonizadores europeus e os também descendentes dos indígenas que em 1500 avistaram as caravelas e seus bandeirantes assassinos atracando, em nossas baías. Como superar o ranço, a mágoa e as pré opiniões que teimam em durar, de geração em geração?
O filme não busca a explicação, e ainda bem pois aqui não haveria potência o bastante para consegui-la, pois, mesmo com o conflito de libaneses e palestinos posto sob uma identificação universal para o mundo inteiro compreendê-lo, e na tentativa de desdobrá-lo num olhar nativo e nele vivenciado e participante, O Insulto carece afinal de contas de peso real sobre a situação difícil sequer de se comentar, quanto mais de abrange-la em absoluto, retificando, novamente, que a impressão de banalização de algo tão grava, é grande. Filme banhado de boas intenções, e regularmente bem executadas, dado que conseguiu reconhecimento mundial em inúmeros festivais em 2017, inclusive na temporada correspondente do Oscar, mas sabe de uma coisa? Na contemporaneidade dos fatos, Farhadi fez melhor.
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