Em Devoradores de Mortos, Michael Crichton (1942-2008) nos presenteia com o relato de Ahmad Ibn Fadlan, contando as diversas aventuras vividas por ele junto a um grupo de nórdicos no ano de 922.
Fadlan foi enviado como embaixador de Bagdá ao rei dos búlgaros, missão essa que não chegou a se concretizar, pois, durante a trajetória, encontrou um grupo de vikings, uma experiência que, depois de relatada, se tornou o documento mais antigo que se tem notícia, escrito por alguém que testemunhou um pouco a cultura e sociedade viking.
Este documento tem um valor histórico inestimável, pois podemos ter uma clara ideia da visão que os povos civilizados tinham dos ditos bárbaros e o choque cultural que havia no convívio entre eles. Assim que Fadlan encontra o grupo de nórdicos, logo embarca a contragosto em uma missão de socorro a um reino que está sendo assolado pelo Wendol, a névoa que encobre os demônios comedores de mortos.
É no desenrolar dessa missão que mergulhamos de cabeça na cultura nórdica, pois Fadlan é minucioso em relatar todo o modo de vida de seus novos companheiros de viagem, desde os costumes mais triviais, como a higiene duvidosa, o trato com suas esposas e escravas, até o seu modo peculiar de encarar vida e morte, mas, principalmente, sua religião. O árabe é questionado diversas vezes pelo fato de ser monoteísta com diálogos como este: “É arriscado demais. Um homem não pode depositar demasiada fé numa coisa só, seja uma mulher, um cavalo, uma arma, qualquer coisa única”.
Obviamente, o manuscrito não atravessou mais de mil anos intacto, restando apenas versões e trechos aleatórios em diversas línguas. E é aqui que entra Crichton (autor de O Parque dos Dinossauros) que se utilizou da versão do Professor norueguês de literatura Fraus-Dolus, o qual compilou todas as fontes conhecidas do relato. Crichton admite que fez poucas alterações no texto original, suprimiu passagens desnecessárias e deixou-o com uma sintaxe contemporânea mais dinâmica e inteligível. Alguns dos pontos altos do livro são as ricas notas de rodapé, que denotam um trabalho de pesquisa hercúleo.
Não há como o leitor passar incólume por essa leitura, Devoradores de Mortos não nos faz apenas viajar no tempo a bordo de um barco viking empunhando um machado e desejando o Valhalla. Aprendemos, através da leitura, uma lição de tolerância de mil anos de culturas opostas que, por um breve período de tempo, souberam aproveitar o que havia de bom uma na outra.
Vale lembrar que Crichton foi um dos mais talentosos roteiristas de cinema americano e trabalhou como produtor e roteirista na adaptação deste livro para o cinema, que ganhou o nome de O 13° Guerreiro, estrelado por Antonio Banderas no papel de Ibn Fadlan. Em comparação com o livro, a adaptação para as telas é rasa, mas não chega a ser desprezível e vale a pena conferir.
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Texto de autoria de Fabio Monteiro.