Se para Machado de Assis, ainda no séc. XIX, o jeito certo de começar uma crônica era por meio de uma trivialidade, indo do calor as conjeturas sobre o sol e a lua, expandindo o pensamento sobre a vida através de uma dialética extremamente elegante e, francamente, arcaica, Luis Fernando Veríssimo também usa de armas e estratégias parecidas com as do autor de Dom Casmurro, mas muito mais propícias de se ver, hoje em dia, escritas numa rede social ou ditas, em uma conversa em público. A começar que Veríssimo não tem papas na língua, um tragicômico nato, desses loucos geniais que riem do que choram, e depois, choram por ter rido.
A isso alguns chamam de existencialismo, outros poucos de irreverência, mas uma grande parcela apenas apelida essa volatilidade como se fosse insanidade, mesmo. Digamos então que seja apenas uma inteligência emocional mais afiada que a da maioria das pessoas, uma tese que explicaria porque essa maioria não escreve crônica bem-humoradas sobre as agruras da vida, deixando essa tarefa só aos loucos geniais que conseguem, num único livro, juntar Batman, sexo e Picasso. Eu disse que isso é uma tarefa para poucos, até porque, poucos pensariam nessas possibilidades que brotam da cabeça dos que não estão vivendo, e sim, analisando o viver.
Em Diálogos Impossíveis, Luis Fernando Veríssimo extrai do cotidiano o encantamento que muitas vezes precisamos receber, diante de uma rotina que nos joga, muitas vezes, ao tédio desenfreado das coisas. Para isso, o autor de A Mesa Voadora sabe muito bem qual remédio nos dar contra essa chatice, e normalidades incômodas: uma porção de diálogos imaginários goela abaixo, e dos mais inspirados e charmosos que (já) sonhamos em provar, alguma vez. Aqui, sua função básica é destacar a soberba dificuldade de comunicação entre dois ou mais interlocutores, tão improváveis quanto o encontro inusitado entre as estátuas de Pessoa, Drummond e Quintana, em conversas insufladas mais por tudo aquilo que não é dito, que pelos anseios e revelações utópicas que temos, um pelo outro, impossivelmente postas na impossibilidade de palavras impossíveis.
Mas por que tão inviáveis, assim? Ora, tanto por serem palavras ainda não inventadas, quanto por, antes de sua criação, já portarem as verdades que o decoro social não nos permite dizer – como ser sincero ao ponto de revelar ao ex-alguma coisa que nos separamos pelo jeito que a pessoa chupava laranjas? Temos muito a perder, e com esta premiada publicação da editora Objetiva, Veríssimo diverte e instiga de uma maneira cada vez mais magistral e recompensadora, a leitura, num chamado delicioso a nos fazer averiguar – e constatar – que o não-dito rege, de fato, boa parte das relações humanas, irônicas e triviais por natureza, e que por mais desesperador ou acalentador que isso seja, não há muitas maneiras de mudar a situação. Exceto para o cronista. Entre o realismo e o riso, quase sempre o segundo tem um gosto bem melhor.