Categoria: Críticas

  • Crítica | Entre Abelhas

    Crítica | Entre Abelhas

    Entre abelhas 1

    Unindo grande parte dos que produzem o conteúdo para o canal de vídeos Porta dos Fundos, incluindo entre eles o diretor e corroteirista Ian SBF, além de grande parte do elenco, o longa Entre Abelhas remonta uma tragicômica jornada que discute causas sérias, apesar da face jocosa de seu principal astro, Fábio Porchat. O ator/comediante apresenta uma afetação poucas vezes vistas em sua extensa carreira, interpretando o melancólico – ao menos por momento – editor de vídeo Bruno, reforçando a aura de metalinguagem que permeia o roteiro.

    Bruno se vê em uma situação calamitosa com o fim de seu casamento com Regina (Giovana Lancellotti) e a recente mudança para o quartinho no apartamento de sua mãe (Irene Ravache), tendo toda a configuração de sua rotina mudada, apesar dos esforços contínuos de seus amigos mais próximos. Para piorar a situação, sua contraparte semi-fraterna é vivida por Marcos Veras, que interpreta Davi, uma figura quase tão pedante quanto a carreira do assistente de palco de Encontro.

    Em meio ao cenário caótico e depressivo que se tornou seu cotidiano, ocorrem eventos entrópicos, com lampejos de possíveis alucinações no dia a dia do rapaz. A câmera SBF o persegue, servindo como um stalker da situação, antevendo a questão que só seria revelada após muito tempo de tela, remetendo à solidão em que Bruno se meteria.

    Porchat consegue imprimir uma atuação inspirada, sendo vívida dentro das limitações do próprio artista, que se vale dos próprios esforços no roteiro para não se expor além do devido. Sua persona invoca um homem comum, que se vê em uma situação estranhíssima, fazendo alusão a alguns maus modernos, entre eles a depressão, a sensação de isolamento e agorafobia. Aos poucos, o profissional de áudio visual vê as pessoas sumindo com uma incidência cada vez maior, e isso faz com que entre em pânico, lançando mão de uma gama de prováveis soluções, alternativas das mais esdrúxulas.

    Os elementos visuais do roteiro ajudam a compor o belo quadro que se pinta. O uso contínuo do transporte público por parte do personagem, mesmo tendo ele um veículo, remete ao desespero por uma coletividade, o completo inverso da solidão que vive e que foi agravada pela nova “condição”. A sensação de que está em uma eterna transição também se manifesta através das caixas que ocupam a casa de sua mãe, nunca desfeitas, fruto da necessidade que têm de não aceitar seu novo estado conjugal.

    O desespero de Bruno é tanto que ele faz algo impensável, e começa a se consultar com um psicanalista, com o qual trata de contar cada possível trauma de sua vida, tudo obviamente em vão. A negação do óbvio não garante qualquer alívio a sua alma, pelo contrário, só piora o teatro agridoce a que se submete, fazendo de seu oikos um palco para figuras bizarras e grotescas, mesmo aqueles que o cercaram a vida inteira.

    Apesar da narrativa não usual, especialmente se comparada à carreira dos artistas, o filme corre bem. É curto e grosso em sua abordagem, mas transborda riqueza de detalhes em relação aos sentimentos, dissabores e emoções nele compreendidos. O final beira o inconclusivo. Mesmo diante da possibilidade de cura, o desfecho não consegue ser otimista, uma vez que a mostra de que alguma recuperação pode ocorrer se manifesta em uma pessoa que vende afeto, demonstrando a fala do psiquiatra de que o subconsciente de Bruno é quem escolhe quem some e quem fica, zerando todos os que não conseguem resolver sua carência. Diante das teorias, Entre Abelhas consegue ser cativante, empático e moderno, sem apelar para piadas fracas, nem pra maneirismos exagerados. Uma história tão comum que poderia ser verdadeira.

  • Crítica | Mad Max: Estrada da Fúria

    Crítica | Mad Max: Estrada da Fúria

    Mad Max surgiu na década de 1980 como um representante dos filmes de baixo orçamento australianos, em específico o clássico O Menino e seu Cachorro. Tornou-se um western moderno em sua continuação (Mad Max: A Caçada Continua), e posteriormente garantiu traços mais claros de sci-fi no terceiro, Mad Max: Além da Cúpula do Trovão, que, apesar de mais heterogêneo e desconjuntado, é também o maior sucesso da franquia até então. Quando lançado, este filme alçou Mel Gibson ao status de estrela e redefiniu o cinema de ação e o futuro distópico no cinema.

    Em Mad Max: Estrada da Fúria, Max Rockatansky (Tom Hardy) é um ex-policial rodoviário que tem sua família assassinada e se vê às voltas de um mundo onde a água e o combustível são escassos, fazendo das estradas locais dominados por gangues de todo tipo. Acidentes nucleares mutantes são comuns, a terra é árida e infértil, e o mar é apenas sal. Nesta espécie de reboot (O filme se localiza entre o segundo e o terceiro Mad Max, ficando na penumbra da classificação), pode-se ver o quanto a mitologia compreendida neste universo solidifica-se e personifica essas três vertentes pelas quais passou George Miller, diretor dos quatro filmes da franquia, para estabelecer seu mundo pós-apocalíptico durante sua, até então, trilogia. É salientado aqui a tradição western do herói sem passado e sem nome vivido por Clint Eastwood na Trilogia dos Dólares, com sua moral ambígua e egocêntrica, destinado a lutar contra seu próprio caminho em uma jornada de destino exploratório, onde as leis são forjadas ao sabor das necessidades e desta moral de quem é sobrevivente. Este anti-herói define-se na busca por redenção, e a redenção neste caso resume-se na busca de um futuro que antes precisa credenciar-se como digno de tão escassa esperança.

    Dentre todos os aspectos de um filme, a narrativa é seu recurso mais poderoso, e o único essencialmente cinematográfico. Sem narrativa não há cinema. Extremamente visual, não há trama a que se ater em Mad Max, sendo possível contar quantas palavras Tom Hardy recita durante os 121 minutos de projeção. Nada mais natural, já que a solidão do isolamento e da culpa torna palavras amargas, e assim Max grunhe os primeiros verbos após diversos minutos de muita areia e vento.

    Ideologicamente atrelado às suas raízes em filmes de baixo orçamento, o diretor filma seus acidentes como quem pinta uma obra de arte, abusando de quadros abertos, para que a audiência aprecie e se deixe levar pela diagramação bem pensada de cada uma das cenas. Sendo assim, Mad Max é, antes de tudo, um exercício extremo de narrativa. Detentor deste poder, George Miller preocupa-se em contar sua história através de olhares, ritmos e a inserção do espectador para dentro da corrida a qual o personagem Max assume ao lado da Imperatriz Furiosa (Charlize Theron), a fim de levar um grupo de mulheres, “As Parideiras”, para longe do julgo violento do líder Inmortal Joe (Hugh Keays-Byrne, ator que viveu o vilão Toecutter do filme original). Outrora imperatriz de um pedaço odioso de mundo, Furiosa assume a missão quando, durante sua fuga dos “Meninos da Guerra”  os servos de Joe , seu caminho cruza com o de Max.

    Como todo bom sci-fi, Mad Max olha clinicamente para o presente, e dele extrai o futuro. Peça ímpar da cultura pop, é possível observar como a construção daquele mundo remete à composição de nossa cultura atual, onde palavras que hoje são veladamente adoradas tornam-se símbolo divino por comparação à nossa própria cultura, e a cultura passada deturpa-se para formar a próxima, como numa representante rococó do passado. “Divindades” de hoje, como o automóvel, o McDonald’s, a Coca-Cola, ou peças de mitologias nórdicas, tornam-se o portfólio cultural do mundo de Mad Max, e essa mistura é o toque de genialidade de Miller ao usar da bagagem comum do espectador para inseri-lo naquele ambiente de maneira familiar, mas sem abandonar a estranheza que um representante das culturas desérticas que deram origem à civilização cristã teria ao ver o mundo de hoje.

    A religião atua como aspecto importante aqui, e assim como nas religiões desérticas (Cristã, Islâmica e Judaica), a solidão e aridez do deserto levam à busca por atenção e perdão divinos, salientando que só há vida gloriosa se for destinada ao paraíso, já que a vida em carne e osso resume-se à penitência. Para salientar este aspecto como crítica, a religião é o destino e forma de vida dos Meninos da Guerra, especialmente do personagem de Nicholas Hoult, tornando-os capazes de qualquer tipo de ato para galgar sua busca sagrada. Na contrapartida, personagens oram diante do medo, unindo diversos gestos ritualísticos das religiões atuais. Quando uma das parideiras é perguntada sobre para quem rezava, denuncia: “Para seja lá quem estiver ouvindo.”

    Ainda em seu papel como produto da cultura pop, Mad Max é o “Transformers que deu certo”, pois é capaz de relacionar cenas de ação grandiosas e montá-las de maneira a ir além de um simples filme, originando uma experiência sensorial. Conhecedor do cinema, George Miller usa inclusive recursos cinematográficos pouco considerados pela crítica no intuito de fazer de seu filme algo inenarrável, como o recurso informal conhecido por Rule of Cool. Normalmente exemplificada nos verbetes de dicionários cinematográficos como “uma caveira tocando guitarra no topo de uma montanha”, a expressão justifica o fato de algo ser considerado legal, como uma peça de enfeite estilístico que vale por si só. Em suas alucinações com a filha falecida, Max visualiza um ambiente de loucura e aspecto visual propositadamente datado e que remete a peças de filmes B.

    A decisão pelo uso de efeitos práticos torna cada frame da película inacreditável, fazendo surgir a dúvida sobre quantas pessoas morreram durante as gravações. Tal coragem é capaz de demonstrar o pleno domínio e lucidez da produção sobre aquilo que é visto em tela, tornando capaz a realização de um filme de 1980 nos dias de hoje. Apesar de truculentas, as cenas de perseguição estão lá não apenas para dar ao filme a pecha de blockbuster ou para atrair o público de maneira fácil, mas sim para interceder pela narrativa. No cinema de ação, os diálogos são traçados com socos, explosões e pela necessidade da perfeição dos gestos. O cinema de ação baseia-se na ideia de domínio sobre o espaço e o tempo; o vencedor é aquele que atira primeiro, alcança mais longe, corre mais rápido e atinge o alvo, ou seja, aquele que melhor controla estas duas variáveis físicas. Nenhuma cena de ação seria relevante sem trazer consigo a significância correta, e pelo domínio do espaço-tempo, Mad Max está entre os melhores representantes do gênero no cinema.

    Atualizado e representante de seu tempo, talvez por algumas gerações de filmes, George Miller reconhece o alcance da ficção científica e traz questões sobre o feminismo e o papel da mulher na sociedade, fazendo da Imperatriz Furiosa a verdadeira protagonista do filme, sendo ela que garante o mote e o desenrolar da trama (e quem dá nome ao subtítulo do filme). Num visual poderoso, é uma personagem que carrega a amargura de uma vida de violência e privações, resumidas em mutilações corporais, na habilidade em sobreviver e na profunda necessidade de redenção. Este poder de síntese pode soar raso numa primeira análise, ou para quem necessite de diálogos mais expositivos, mas é mais do que o necessário para representar neste personagem o estado da arte daquela sociedade.

    Já Max é a própria paisagem. Tão lacônico quanto o próprio deserto, a falta de comunicação reflete um ambiente onde não há espaço para o diálogo na resolução dos conflitos. Embora não seja o protagonista clássico, Max é a balança daquele mundo, é um agente do destino fatalista da Terra pós-apocalíptica, que transforma pessoas em aberrações sociais, incapazes de garantir valor à vida. Essa balança não é justa e sua moral é maquiavélica, mas é a estrada que resta para seguir.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

    Ouça nosso podcast sobre a série Mad Max.

  • Crítica | Cinderela (2015)

    Crítica | Cinderela (2015)

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    E viveram felizes para sempre (Ninguém precisa saber o que vem depois, porque o depois existe tanto quanto Branca de Neve e Aladdin). Porque viver nas “delícias da incerteza” para sempre é o melhor ponto final que um filme poderia ter, sendo que, mesmo a um esquizofrênico, a vida não acolhe infinitos. Mas no cinema, num livro, na arte, querer saber o depois é demais, não interessa. Perde-se a elegância, e o sonho já começa a virar real. Perde-se a graça, indo embora o que faz do sonho um sonho – nada mais, nada menos. E sabe quando você assiste a um filme e dois minutos depois do início você sabe perfeitamente como tudo vai ser? Essa obviedade de sentidos é o grande trunfo de Cinderela, a melhor e mais serena releitura do filme que salvou os estúdios Disney em 1950, fato. Um bom exercício de interpretação é assistir a esse encantador manifesto de Kenneth Branagh e emendar com a versão Romero Britto de Alice, de Tim Burton. O que há de diferente e qual proposta (intenção) combina e enriquece mais a abordagem (realização)? É tudo apenas uma questão de estilo e gosto? Perguntas que convido o leitor a responder.

    Um manifesto a favor do que de melhor o Cinema pode oferecer a um material caído no colo da cultura popular – a jovem borralheira de madrasta má, blábláblá –, e que por isso não carece de cópia ou desconstrução da mitologia original. Um manifesto pelo direito de dar continuidade à magia sem vomitar regras, e principalmente, de seduzir o público pelo resgate dessa magia em tempos tão realistas quanto o nosso. Choram as rosas, poesia é o que não falta, e cor, clareza nas ideias e olhos nos olhos, dança e sorrisos, lágrimas e trilha sonora num filme-spoiler assumido e orgulhoso por ser assim: deliciosamente previsível. Um filme renascentista, no melhor uso do termo, em que a harmonia entre os conflitos é inquebrável, como nas peças de Shakespeare, e o luto do erudito é incabível como nos poemas de Florbela.

    Tudo parece tão frágil e tão quebradiço que o respeito e admiração ao universo da gata borralheira são inevitáveis. A própria construção do caráter amargo da madrasta gira em torno da magia: é simplesmente uma mulher enterrada numa realidade burguesa de aparências e que não pertence ao mundo de emoções puras de nossa princesa, num belíssimo jogo de figurinos que parecem disputar na tela, senão pelo ótimo equilíbrio presente entre os elementos visuais, a quem isso possa interessar, qual o mais belo. O cineasta e romântico Branagh (o professor Lockhart do segundo Harry Potter) faz de Cinderela uma alternativa dialética à celebração vazia do novo, e uma ovação declarada às glórias indiferentes às mudanças do tempo. A história é contada como se fosse da primeira vez, exaltando e promovendo mitologias na pegada mais deslumbrante e direta possível, com o gato da malvada perseguindo os ratos tratados com amor pelo coração inocente, por exemplo, numa clara metáfora dos abusos a ser cometidos ao longo do conto.

    Entre cenas criativas (a transformação da abóbora em carruagem e da carruagem em abóbora são extraordinárias) e a preservação da elegância da história refletida na fluidez dos planos, a Disney finalmente combina, aqui, a evolução do Cinema com a necessidade do espetáculo para assegurar uma bilheteria alta, sem esquecer-se do seu próprio estilo de criação épica. A vontade não era essa, mas a fábula humilha quaisquer outras versões recentes do lendário estúdio americano, entre juízos de fato e valores que mais remetem a Princesa Kaguya, animação sublime dos estúdios Ghibli, de Hayao Miyazaki.

    Era uma vez uma comparação válida, tamanho o esmero concedido e júbilos derivados, inclusive, de atores inspirados em condições que favorecem suas presenças. E assim como a antiga releitura francesa de Jean Cocteau para o clássico A Bela e a Fera de 1946, em 2015, com Cinderela a nos encantar, temos uma obra ciente do que pode ser e do que não precisa ser, e que por isso se compromete a honrar o passado sem deixar de conseguir novas opções, para que as visões e os vastos compromissos da arte possam ser, felizmente para sempre, recriados a partir de suas fundações.

  • Crítica | Jogada de Mestre

    Crítica | Jogada de Mestre

    Jogada de Mestre - poster
    Diretor responsável pelas duas partes finais da trilogia sueca Millennium, William Brookfield retoma um fato real acontecido em 1983, quando um dos presidentes da companhia Heineken foi sequestrado por um grupo de amigos, sucedendo uma ação destacada na imprensa como um dos resgates mais caros da história.

    Jim Sturgess, Sam Worthington e Ryan Kwante estrelam Jogada de Mestre, produção que parece testar a popularidade destes atores ainda em início de carreira com apoio de Anthony Hopkins como coadjuvante, um nome de peso para dar credibilidade à trama. Vivendo um momento delicado em um empreendimento realizado em conjunto, os amigos decidem mudar de vida após um empréstimo negado pelo banco. Diante desta adversidade natural, evitam qualquer conceito moral e escolhem o sequestro de um homem rico como a maneira de lhes salvar.

    A situação crítica vivida pelo grupo se apresenta nos primeiros momentos da produção, mas sem a carga dramática necessária que justifique uma transgressão deste porte. O grupo arquiteta o sequestro com detalhes, realizando o assalto a um banco para construir, dentro de um galpão, o cativeiro no qual ficará o homem. Enquanto aguardam a resposta para o pedido de resgate, o tempo da ação se torna maior do que o esperado, e embates começam a surgir no grupo.

    O roteiro escrito por William Brookfield se baseia no livro de Peter R.  de Vries, que também assina o roteiro,  o qual é desenvolvido a partir de depoimentos que apresentam a visão de um dos sequestradores. No filme, porém, a história transcorre de maneira linear, apresentando um grupo como um todo. A ausência de um ponto específico não traz nenhuma particularidade para a narrativa. Os atores centrais, que sempre representaram personagens carismáticas em outros filmes, não desenvolvem nenhum aspecto que faça o público ao menos torcer temporariamente por eles. Assim como o veterano Hopkins faz uma interpretação no automático representando o personagem rico que parece não se importar com o sequestro, sentindo falta apenas do ambiente de conforto onde normalmente vive.

    Permanece a impressão de que a trama deseja apenas uma apresentação e dramatização dos fatos, sem nenhuma profundidade ou empatia com personagens e dramas envolvidos em um sequestro. O resultado é uma história comum e apática que nem mesmo o prestígio do nome de Hopkins faz valer a exibição.

  • Crítica | O Irmão Mais Esperto de Sherlock Holmes

    Crítica | O Irmão Mais Esperto de Sherlock Holmes

    irmão mais esperto de Sherlock Holmes 1

    A comédia de Gene Wilder, escrita, dirigida e protagonizada pelo artista, começa numa atrapalhada cena do servil homem no Palácio de Buckingham, em 1891, ano em que o “detetive imortal” pereceu segundo o original O Problema Final. Como o detetive de Baker Street (Douglas Wilmer) – apresentado numa cena hilária, para logo após sair do filme travestido de mulher –, tem de se ausentar, encarrega seu irmão mais moço de resolver os casos mais urgentes. Sigerson Holmes sempre vivera à sombra do irmão mais famoso.

    O 1° longa dirigido por Wilder traz uma versão jocosa do mito Sherlock Holmes, com pastiches à maneira da sua comédia, tomando emprestado o humor típico de sua filmografia, especialmente nas parcerias com Mel Brooks. O teatro de absurdos presentes no filme é vasto: uma máquina de esgrima que é acionada com o pedalar da bicicleta; trechos inteiros cantados como em um musical; um padre eletrônico no covil do vilão movido a moedas; uma batalha acima de uma carruagem onde os agressores se municiam de luvas e sapatos gigantes etc. A forma do comicidade é notadamente a tentativa de um norte-americano emular o nonsense do humor inglês.

    Sigerson tem o seu próprio Watson, o Sg. Orville Stanley, maravilhosamente executado por Marty Feldman, e também possui uma Irene Adler às avessas, com Madeline Kahn fazendo sua Jenny Hill. As piadas do roteiro são pontuais e fazem muito sentido para quem conhece a história do detetive e a obra de A. Conan Doyle, inclusive no comportamento do protagonista, completamente desligado, só encontrando as pistas quando elas lhe caem no colo – o total avesso do investigador completo que é o Holmes clássico. Sigerson é um Sherlock cru, impulsivo e desatento ao extremo, ignora o óbvio de uma forma extremamente atrapalhada, quase sempre sendo superado por seu auxiliar Mr. Stanley. O humor físico de Gene Wilder cabe muito bem à trama e maximiza a inabilidade do caçula Holmes.

    A meia hora final perde um pouco do ritmo: as piadas se repetem muito e parecem estar na esteira das primeiras. O quadro melhora substancialmente com as reaparições de Madeline Kahn e seu belíssimo semblante, além, é claro, de sua portentosa voz. Os momentos de perseguição em meio à execução de uma ópera tem um tom de inacreditável e inescrutável absurdo, e mesmo com tudo isso o show não para.

    O quarto onde se armazenam os manequins, bonecos e apetrechos do teatro é por si só um lugar amedrontador, e o duelo de espadas entre Sigerson e Moriarty (Leo McKern) é bem filmada, emulando os duelos dos filmes de Errol Flynn de uma forma debochada. O irmão famoso estava o tempo todo à espreita, incógnito, auxiliando o protagonista, prestando a ele uma distração em seu momento de maior melancolia. Apesar da crueza na direção – a qual melhoraria com o passar dos anos –, Gene Wilder tem uma atuação bastante à vontade, sem amarra nenhuma. Seu talento humorístico funciona muito mais assim. A medida entre a liberdade artística e o respeito à obra original é perfeita, pois não há nenhum excesso na película absolutamente execrável, pelo contrário, esta obra só enriquece o mito de Doyle.

  • Crítica | Velozes e Furiosos: Desafio em Tóquio

    Crítica | Velozes e Furiosos: Desafio em Tóquio

     Velozes e Furiosos Desafio em Toquio 1

    Sean Boswell (Lucas Black) nem precisa sair de seu país para demonstrar o quanto é deslocado. Nas primeiras cenas, no trabalho que ocupa como mecânico de carros, ele olha impassível para um ato de bullying, mas é incapaz de agir contra aquilo, como se não houvesse em seus atos força de caráter o suficiente para estabelecer a justiça. Seu ânimo é mostrado antes da primeira corrida, ao aceitar as provocações de um valentão, que além de o agredir, ainda põe a própria namorada como prêmio pela disputa.

    Os prejuízos à propriedade pública fazem o garoto problema viajar para o outro lado do mundo, no filme mais difuso da franquia Velozes e Furiosos, sem qualquer dos personagens antes mostrados. A rebeldia de Sean é um pouco explicada pela presença de sua voluptuosa mãe, que usa da própria sensualidade para aplacar os erros do filho. Cansada de tentar mudá-lo sempre, é ela quem decide enviar o rapaz para Tóquio para morar com seu pai, sendo assim transferido o problema para o pai relapso, que o esquece no aeroporto.

    Não demora muito para Sean encontrar problemas, se afeiçoando pelos poucos personagens não asiáticos presentes em tela, como o negro falastrão e muambeiro Twinkie (Bow Bow) além da bela Neela (Nathalie Kelley), que namora outro superficial garoto problema, D.K. (Brian Tee), que teria envolvimento com a Yakuza. Para que haja uma disputa de egos machões, há uma outra intervenção, do único oriental que não é retratado de modo xenofóbico. Han é um rapaz comedido e sábio, afeito a paz mesmo sendo um contraventor, o que faria do seu intérprete Sung Sang, uma persona frequente na franquia.

    É o carro de Han que Sean usa para disputar seu primeiro drift, e, ao ser derrotado, o americano é cooptado pela lábia do rapaz, semelhante à relação em VF 1, de Dom e Brian. A partir daí, Boswell começa a dever favores, fazendo um sem número de deveres esquisitos, como ser o seu chofer, e ser expulso de uma sauna vestindo roupas, mesmo que em poucos instantes estivesse semi-nu.

    Ainda que o roteiro de Chris Morgan seja ruim e apesar de Sean não ter metade do carisma ou talento com o carro dos outros protagonistas, é neste filme em que é apresentado o primeiro personagem tridimensional da franquia. Han não é puro magnetismo visual, tanto é verdade essa afirmação que é a partir dele que Sean começa a mudar seu ímpeto e enxergar no seu pai semelhanças consigo, como o amor pelos carros. Boswell vai morar com seu mestre para aprender melhor a arte do drift, tornando o que antes era só entusiasmo em algum tipo de evolução, tanto de conduta quanto de corrida.

    Ao menos em adrenalina e edição, Desafio em Tóquio retoma o que deu certo em Velozes e Furiosos, muito por mérito de Justin Lin, que mesmo à frente do mais diferenciado espécime da franquia, conseguiu ser o diretor dos próximos três filmes, sendo o mais frequente e único cineasta que repetiu o feito, até então.

    Após o “acidente” que encerrou os dias de Han, Sean busca força no que lhe restou de família, em seu pai e nos remanescentes da oficina de seu antigo mestre. Mesmo com as sabotagens e a aparente rejeição da donzela que o acompanhava, o garoto prossegue trabalhando, para poder desafiar D.K. na frente do seu tio mafioso, a bordo do seu Ford Mustang. A vitória do herói restabelece a honra e o eleva a um novo nível, sendo assim apto a disputar um pega com o Dodge Charger dos personagens mais marcante da franquia, na maior inserção possível dentro daquele universo, o que reafirma a necessidade da presença de Vin Diesel.

  • Crítica | Kingsman: Serviço Secreto

    Crítica | Kingsman: Serviço Secreto

    Kingsman - Serviço Secreto

    A semelhança estabelecida entre Kingsman, a história em quadrinhos, e o filme, é parcial. Há um mote fundamental e cada desenvolvimento é feito à sua maneira, levando-se em consideração as diferentes mídias abordadas. Evitando apropriações indevidas, quadrinhos e cinema dialogam de maneira sincronizada, sem que um exagero de recurso de um ou de outro destoe da história.

    A narrativa de um grupo especial focado em operações especiais sigilosas surgiu durante a parceria do diretor Matthew Vaughn e o roteirista Mark Millar na adaptação de Kick Ass – Quebrando Tudo. Dessa maneira, cada um trabalhou com o mesmo ponto de partida, mantendo certa originalidade nesta obra, que é uma homenagem explícita aos filmes de espionagem antigos que apresentavam um mundo mais polarizado entre bem e mal.

    A referência quadrinesca do longa se mantém nas cenas de ação impossível, mas o foco principal é a paródia dos cinemas de espionagem. Mantêm-se, assim, as referências conhecidas pelo público, modificadas por uma visão que demonstra o quanto tais personagens são anacrônicas e estereotipadas.

    Vaughn continua seguindo em sua carreira uma tendência mista de adaptar quadrinhos mantendo o estilo de cada um mas trabalhando simultaneamente com a linguagem do cinema. As cenas de ação são bem compostas e evitam as câmeras lentas – usadas somente em uma cena de alto impacto –, preservando a referência contemporânea de filmes de ação com cenas ágeis ou brutas.

    Samuel L. Jackson interpreta outro personagem coadjuvante interessante, outra tipificação após o papel de velho escravo em Django Livre. Dessa maneira, o habitual excesso interpretativo do ator (conhecido como o motherfucker Jackson ou o massavéio dos massavéios) é deixado de lado para dar vida a um vilão bobo, um plano maligno e megalomaníaco como de costume, e uma língua presa que explicita sua caracterização de bobo.

    Na fronte dos mocinhos, representando um dos agentes Kinsgman, está Colin Firth como o tradicional britânico educado. O ator evidencia conforto nesse papel de ação e comprova estar sempre coerente em sua interpretação sendo, sem dúvida, um dos britânicos em atividade com maior habilidade em sustentar uma gama de personagens diferentes.

    Exagerando na metalinguagem, com personagens que falam sobre a própria impossibilidade dos filmes de espionagem, Kingsman ri do gênero como Kick-Ass riu dos super-heróis, uma replicação de um conceito realista que, mesmo parecendo cópia, foi bem-sucedida. Como roteirista, Millar demonstra talento em criar narrativas do zero, sem personagem pré-fabricados do eixo DC/Marvel. Ainda que uma parcela de seus leitores aponte-o hoje como um escritor que compõe suas tramas pensando na futura adaptação cinematográfica, o sucesso da produção confirma que o gênero quadrinhos é hoje uma das fontes de inspiração do cinema, tanto como novo argumento quanto como reciclagem de novas maneiras de narrar velhas histórias.

  • Crítica | Super Velozes, Mega Furiosos

    Crítica | Super Velozes, Mega Furiosos

    Super velozes 1

    Se valendo da trama (já idiotizada) de Velozes e Furiosos, mas com o timing do humor, Super Fast 8, ou Super Velozes, Mega Furiosos é uma paródia estúpida da franquia de carros super-poderosos, organizada  pelos mesmos realizadores de Espartalhões, Deu a Louca em Hollywood e Os Vampiros que se Mordam, e dirigida e escrita por Aaron Seltzer e Jason Friedberg.

    O bate-bumbum comum aos sete filmes da franquia Velozes e Furiosos está presente já nas primeiras cenas, assim como em todas as presepadas dos corredores sem personalidade, ainda que este seja ainda mais irritante e repleto de piadas óbvias, com alguns personagens amalgamados para ocupar menos tempo em tela do que o script julga necessário.

    Os primeiros filmes da cinessérie Todo Mundo em Pânico, escritos pela dupla de cineastas, não eram brilhantes, mas garantiam muito mais gargalhadas do que os de Seltzer e Friedberger. A falta de um diretor mais experiente causou na montagem final de praticamente todos os espécimes da filmografia dos dois, enquanto realizadores, uma dificuldade imensa em entreter ou distrair o público. Escolher entre a desculpa de os dois perderem inspiração de outros tempos, ou não haver outros roteiristas com ideias de gags cômicas não tão óbvias, chega a ser um pensamento enfadonho, dada a completa falta de qualidade dos escroques em reprisar o excesso de testosterona dos filmes originais, exagerando e muito na acefalia do texto.

    As aventuras dos personagens compreendem alguns momentos de Mais Velozes e Mais Furiosos, do reboot/remake e até de Operação Rio, fazendo referência a uma fuga que envolveria um grupo de elite, especialista em assaltos e em fugas super velozes. No entanto, não há qualquer cena de corrida que seja feita ao menos em um nível aceitável, ou comparável com os filmes do John Sigleton, Rob Cohen, Justin Lin e James Wan. As referências a Toretto e Brian são meramente de se aproveitar do sucesso de suas fitas, sem qualquer compromisso em imitá-los de maneira satisfatória.

    Talvez a única imitação realmente semelhante seja a performance tola de Dio Johnsson, que emula as características de Dwayne “The Rock” Johnson e sua mania de exibição, utilizando óleo de bebê para maximizar seus músculos bombados. No entanto, a aura de bobeira barata segue tanto no seu operar quanto em todos os outros personagens, exibindo um resultado final frívolo, com piadas que em maioria absoluta não funcionam em nada. As partes que conseguem fazer rir somente incluem (algumas) cenas pós-créditos, de erros de gravação, mas pouco barulho fazem. Super Velozes, Mega Furiosos é um absoluto desperdício de dinheiro, sem ao menos contar com qualquer sub-celebridade que topasse a empreitada fracassada.

  • Crítica | Vingadores: Era de Ultron

    Crítica | Vingadores: Era de Ultron

    Vingadores 1

    Fechando a Fase Dois dos filmes da Marvel, passando por qualquer expectativa ao filme de 2012, Joss Whedon finalmente se despede dos filmes da Marvel Studios, utilizando uma desculpa até hoje mal contada, mas que não o impediu de produzir um filme que atingisse todos os requisitos de uma boa sequência, ainda que sua produção tenha alguns defeitos pontuais.

    O início da trama é frenético, com sequências de ação desenfreadas que fazem o filme se assemelhar à fita de Simon West, Os Mercenários 2. Não perdendo qualquer segundo com explicações, o filme já demonstra como os heróis agem em grupo e o quão coesa é aquela união, mais intensa graças à queda do sigilo e das operações da antiga S.H.I.E.L.D, como mostrado em Capitão América 2 – O Soldado Invernal. Os opositores seguem como os membros da HYDRA, ainda que toda a confecção dos vilões seja um óbvio MacGuffin, como Hitchcock adorava fazer, um despiste que não consegue ludibriar qualquer espectador mais experiente.

    Tal artifício cobre seus efeitos, já que toda a construção prévia rui em questão de minutos, mesmo com toda a crescente de importância dos até então vilões. O fato do roteiro se basear em uma história recente de sucesso por um lado compromete a cena pós-créditos de Vingadores, mas consegue manter o clima de escapismo, equilibrando pontuais questões sérias, adicionando cor e docilidade, com cenas de ação ainda mais bem orquestradas – marca forte de Whedon enquanto diretor – mesmo que o exército dos inimigos seja absolutamente descartável, como tantos capangas acéfalos dos tokusatsus famosos, equiparando a antiga tropa de Tony Stark (Robert Downey Junior) aos esquálidos bonecos de massa que enfrentavam os Power Rangers.

    A ideia de explorar as diferenças entre os membros do grupo segue concentrando um enorme pedaço do desenvolvimento do roteiro.  Não há nisto qualquer novidade, mesmo o acréscimo dos novos personagens – os gêmeos Feiticeira Escarlate (Elizabeth Olsen) e Mercúrio (Aaron Taylor-Johnson) – já era esperado, por ser um clichê de filme de equipe. O fato de não precisar mais contar qualquer origem gera no público uma avidez por mais aspectos novos, que não são plenamente cumpridos, ainda que o excesso de adrenalina quase chegue a cumprir essa expectativa.

    A discussão a respeito da antiga questão da supervisão do vigilantismo beira o brilhantismo. Diferente do executado por Zack Snyder em Watchmen, a indagação do “quem vigiará os vigilantes” não é tratada de modo pasteurizado, ao contrário, pois os pecados de Banner/Hulk (Mark Ruffalo) e do Homem de Ferro são cobrados com os próprios em vida, sem qualquer tentativa de fuga da responsabilidade ou de complacência dos seus atos impensados. Ultron é fruto do medo da humanidade de ser perseguida, e toda a sua arrogância – unida ao potente trabalho vocal de James Spader – faz com que todo o pânico inerente aos homens de sangue quente se fortifique, manifestando-se através de uma liderança insensível e absolutista, referência claras à tirania de personagens históricos, tradicionalmente trazendo a ideia de arquétipo vilanesco.

    O ritmo veloz quase faz com que se esqueçam os problemas pontuais do argumento, como a troca de interpretação do androide Ultron, relegando a Hank Pym um papel absolutamente subalterno, já definido como coadjuvante de “seu” futuro filme solo. Outro aspecto que não fica exatamente claro é até onde o filme do gigante esmeralda protagonizado por Norton foi descontinuado, já que não há qualquer referência à vida – ou não – de Betty Ross, mesmo sendo este um dos pilares do personagem.

    Apesar das reprimendas, o background do Hulk é o aspecto mais rico e melhor trabalhado, além, é claro, da acessória questão da humanizada Natasha Romannoff, além de fazer uso – finalmente – dos dotes dramáticos de Scarlett Johansson, afora suas já tão conhecidas curvas. Sua importância no filme é magnânima, cabendo a Viúva restaurar o equilíbrio do grupo, tanto no proceder com o Monstro – em outra referência ótima ao canône do personagem – quanto no importante lembrete de que, além de todo o poder e destruição potencial dos heróis, e com toda a magnitude dos semi deuses, ainda sobravam nos personagens aspectos humanos que fazem emocionar, unindo personagens e público no mesmo invólucro de emoções.

    Apesar de ter conceitos pouco explorados, graças à pressa dos produtores do filme – como a absoluta e interessante ação dos gêmeos, ou o sub-aproveitamento do Falcão no filme – há mais a se destacar positivamente do operar dos Vingadores do que reclamações. Thor (Chris Hemsworth) segue no automático, assim como Stark, apesar de neste filme o filantropo se achar muito mais vulnerável, assim como em Homem de Ferro 3. Mas é o acréscimo do conceito de evolução que mais se destaca, usando como avatar a figura do Visão, de Paul Bettany, que cumpre todos os papéis que deveriam ser do Ultron perfeito, reunindo aspectos de onisciência e onipotência, com uma destacável questão pretensamente filosófica. De modo bem pragmático, o filme salienta que o complexo do Doutor Manhattan não precisava ser tão ligado ao autismo, como no filme de Snyder de 2008.

    Mesmo que a cena pós-créditos seja bem menos empolgante do que se imaginava – ainda mais em comparação com a suposta cena do Cabeça-de-Teia, vazada há pouco tempo – o desfecho do filme remete à esperança da humanidade no panteão de heróis liderados por um Capitão América (Chris Evans) bem mais inspirado que anteriormente. Um filme que organiza elementos dissonantes de modo harmônico e coeso, sem fazer perder o fôlego em momento algum. Que não supera seu antecessor em termos de qualidade, mas que entrega o esperado de modo idôneo, sem apelar para fórmulas batidas em detrimento de conteúdo.

  • Crítica | Velozes e Furiosos 4

    Crítica | Velozes e Furiosos 4

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    Surgido da experiência internacional de Dominic Toretto (Vin Diesel) em terras estrangeiras, com sua amada Letty (Michelle Rodriguez), Velozes e Furiosos 4 retorna finalmente ao sub-gênero de filmes de assalto, pondo a dicotomia entre ser fora da lei e o modo assertivo de vida mais uma vez em pauta, com cenas estapafúrdias que aumentam exponencialmente o escapismo, capaz de mostrar um caminhoneiro pular de um veículo em alta velocidade e sair sem um arranhão, ao mesmo tempo que encerra a participação de um dos heróis da jornada já no início.

    O recém viúvo Dom não consegue lidar bem com sua perda. Mesmo nas cenas antes da perda de sua amada, já parece resignado, arrependido por não dar ouvidos à companheira, que queria ir para o Rio de Janeiro. Paralelamente, Brian O’Conner, vestindo trajes sociais, corre atrás de um bandido, utilizando todo seu talento em parkour, mais tarde visto em 13º Distrito. Seu retorno à ação policial praticamente ignora Mais Velozes e Mais Furiosos, já que lá o personagem não mais trabalha como tira.

    O reencontro dos dois aliados quase ocorre quando no sepultamento de Letty, mas estão longe pelos lados distintos da lei e por alguns quilômetros de moral. A fila de carros coloridos quase quebra o clima de luto que as personagens tentam preservar. De volta ao território estadunidense, Toretto vai atrás de quem possivelmente tem informações sobre o assassinato de sua amada, buscando vingança. No mesmo encalço, Dom e Brian vão servir Braga, acompanhados por sua assistente Gisele (Gal Gadot), que os instrui nos diversos serviços que prestam.

    Justin Lin acaba abusando demais das cenas em CGI, especialmente nas subterrâneas, onde já em 2009 notava-se uma abrupta diferença, uma tecnologia ultrapassada atualmente. Outro defeito latente é o ritmo do filme. Há uma gigantesca falha de roteiro que faz denegrir muito o resultado final da película. Em alguns pontos, parece que o foco narrativo se confunde, como se emulasse a dificuldade de O’Conner em finalmente se definir e assumir a sua tomada de decisão, sem temer mais nada.

    O vagar do vilão pelas sombras também atrapalha a empatia do público com os personagens. A unidade existente em Velozes e Furiosos não habita nesse. Como se cada um dos personagens vivesse em seu microuniverso, e esses lugares tornam-se intocáveis, graças ao distanciamento que cada um deles permitiu, problemas causados especialmente pela fuga de Toretto e pela saída de Brian do oikos familiar. Aos poucos, os mundos se aproximam para causar finalmente a interseção que fariam do grupo unido novamente, e isso tudo começa com a lenta reconciliação dos dois personagens masculinos, que não conseguem ficar separados um do outro por muito tempo.

    As perseguições finais sempre garantiam bons momentos aos filmes da franquia, mas a repetição do pior cenário possível de Velozes e Furiosos denigre seu resultado final. Com ares de refilmagem de Velozes e Furiosos, claro, se levando bem mais a sério, quase logra êxito ao mostrar um final mais condizente com o real, onde os personagens são julgados finalmente pelas leis que quebraram, além de retornar a jornada ao estado original da Califórnia, explorando seus meandros.

    O recomeço seria bem mais sóbrio do que anteriormente. Conduzido pela dupla Justin Lin e Chris Morgan – que retorna aos roteiros – e reativando rivalidades e amores antigos, o filme faz uma espécie de reboot sem descontinuar todos os eventos anteriores. O tom sério não fica tão caricato quanto se previa, mas os pecados da edição não permitem ao filme cumprir todo o seu potencial positivo, ficando apenas no quase.

  • Crítica | As Pontes de Madison

    Crítica | As Pontes de Madison

    As Pontes de Madison - Dvd - Capa

    Não é de hoje que atores são também diretores, e muitas vezes acabam dirigindo a si mesmos, como é o caso de Woody Allen, premiado roteirista de Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, Hannah e suas Irmãs (1986) e Meia Noite em Paris, além do recente Blue Jasmine, cujo roteiro original também foi indicado ao Oscar, mas apenas Cate Blanchett recebeu o prêmio de Melhor Atriz, pela interpretação de Jasmine.

    Em As Pontes de Madison, baseado no romance homônimo de Robert James Waller, e dirigido por Clint Eastwood, um trecho de um poema do irlandês W. B. Yeats, “Quando as mariposas alçarem voo…”, é usado poeticamente num bilhete que Francesca deixa para Robert, para designar o anoitecer, já que a maioria das mariposas só voa à noite. Yeats é citado algumas vezes pelo par romântico ao longo da história, agregando-se a toda a poesia que permeia a película, declamada nas paisagens, nos blues que vestem a trilha, nas falas cuidadosamente escolhidas e interpretadas com brilhantismo, mais precisamente por Meryl Streep. Com relação a Clint, há dois aspectos a serem considerados: seu trabalho na direção e seu desempenho como ator.

    Não sei qual teria sido o resultado da direção se Steven Spielberg ou Synney Pollack assumissem o projeto (possibilidades cogitadas anteriormente), mas não há muito a dizer sobre o trabalho de Eastwood, positiva ou negativamente, já que o filme é sustentado pelo cenário/fotografia (Jennine Oppewal/Jack N. Green), roteiro (Richard LaGravenese) e a atuação de Meryl Streep, pela qual foi indicada ao Oscar de Melhor Atriz.

    Fica ainda mais difícil tecer elogios à mão que dirigiu As Pontes de Madison, se lembrarmos a eficiência de Eastwood em Os Imperdoáveis ou Menina de Ouro, os quais arrebataram o Oscar de Melhor Filme e Melhor Direção, e até mesmo Bird e Sobre Meninos e Lobos, que receberam, respectivamente, Globo de Ouro e Cannes, de Melhor Direção.

    Como ator, colocando de lado o fato de sua expressão carrancuda ter sido estigmatizada, é inegável que os papéis que lhe caem melhor são aqueles em que o personagem é um homem mais bruto. Apesar de não ter conseguido, ao longo de sua carreira, qualquer Oscar como Melhor Ator (foi indicado em Os Imperdoáveis e Menina de Ouro), considero, sim, que Eastwood teve algumas atuações de grande peso, e ressalto, aqui, Walt Kowalski em Gran Torino (em 2009, a National Board of Review concedeu-lhe o prêmio de melhor ator). Seu primeiro desempenho de destaque foi na trilogia de Sergio Leone (onde destaco Três Homens em Conflito), mas ele também convence em outros filmes como O Estranho sem Nome e Alcatraz.

    Já como o fotógrafo Robert Kincaid, Clint é totalmente ofuscado por Streep e, para mim, a única cena em que imprimiu um pouco mais de força foi no final do filme, quando anseia por uma resposta positiva de Francesca, no meio da rua, sob a chuva. Mesmo assim, nesta mesma cena, é Francesca quem rouba as atenções e nos provoca um certa inquietação compartilhada, quando sua expressão corporal e facial transbordam todo o dilema vivido pela personagem.

    Não é à toa que Meryl Streep foi indicada ao Oscar de Melhor Atriz, perdendo para Susan Sarandon por sua atuação com Irmã Helen em Os Últimos Passos de um Homem. São incríveis a veracidade e intensidade que ela imprime à apagada dona de casa dos anos 1960, na pacata cidade de Madison, Iowa, transitando pela mulher que se descobre sensual e apaixonada, até à amadurecida e consciente mãe e esposa que abdica de um grande amor, exatamente para preservá-lo. Isabella Rossellini, Cher, Susan Sarandon, Jessica Lange e Anjelica Huston estavam na lista para o papel de Francesca, mas Eastwood desde o início preferiu Streep, a qual teve que engordar alguns quilos para encarná-la, o que fez de corpo e alma.

    Aclamada como uma grande atriz, tanto pelo público quanto pela crítica, sendo que esta já reconhecia seu talento pelos três filmes, lançados em 1979 (Manhattan, Julia e Kramer vs. Kramer), nos quais atuou como coadjuvante, e levou o Oscar e o Globo de Ouro, nesta categoria, pelo terceiro. São inúmeros os troféus que Streep recebeu de várias organizações voltadas para a premiação do cinema, e entre elas podemos contar 15 indicações a Melhor Atriz, das quais ganhou duas (A Escolha de Sofia e A Dama de Ferro).

    Com tantos filmes no currículo, um grande número de indicações e premiações, e uma incrível diversidade de personalidades interpretadas, Meryl Streep ainda canta (a exemplo de Mamma Mia!), e apresenta uma impecável mimetização de sotaques, como o inglês britânico (A Dama de Ferro e outros), o polonês (A Escolha de Sofia), o dinamarquês (Entre Dois Amores), o irlandês em Ironweed, e o italiano em As Pontes de Madison.

    Depois de uma viagem no tempo pelas obras, desempenhos e premiações dos atores que protagonizam este drama romântico, volto agora ao filme em si, e convido você a vir comigo, num passeio pela história, pelos cenários, pelas falas deste longa que, se não entra para a lista das obras-primas cinematográficas é, com certeza uma proposta de mais de duas horas agradáveis. Concordo que haja alguns momentos um tanto açucarados, mas há também aqueles que se envolvem de sensualidade, de beleza singela ou de reflexão.

    A história toda nos é contada pela visão da protagonista Francesca (Meryl Streep), em flashback, a partir do momento em que seus filhos, Carolyn (Annie Corley) e Michael (Victor Slezac) surpresos com o pedido de cremação, começam a revirar um baú, e encontram um diário e uma carta destinada a eles.

    É então que eles tomam conhecimento da existência, na vida da mãe, do fotógrafo Robert Kincaid. A princípio resistentes a aceitar o romance vivido por Francesca, aos poucos vão se deixando envolver por toda a paixão que transpira em seu relato, até que acabam revendo seus conceitos morais e repensam seus casamentos.

    Logo no início da carta há uma frase de Francesca (“quando ficamos velhos perdemos nossos medos”), cuja essência se mostra como pilar para a revolução, interna e externa, que acontece em sua vida desde o momento em que, numa tarde de 1965, um fotógrafo da National Geographic, em busca das famosas pontes do condado, estaciona à sua porta pedindo-lhe informações, e esta se dispõe a acompanhá-lo até a Roseman Bridge.

    Ainda que você não seja fotógrafo(a), atrevo-me a suspeitar que, assim como eu, tenha se sentido com uma câmera na mão, querendo registrar, num click, a beleza que a paisagem deste momento inspira. Não há cenários montados, as locações são autênticas e a ponte realmente existe, apenas tendo passado por um envelhecimento e a retirada de algumas tábuas laterais. Mas não é só a ponte, as plantas silvestres ou a luz do sol mesclando-se a tudo, que queremos fotografar. Há também a sutileza do interesse que Robert desperta em Francesca, através do olhar da mesma.

    A linguagem corporal de Meryl Streep é impecável, envolvente (eu cheguei a me contorcer, invadida por cada sentimento que a personagem experimentava), e empresta uma beleza de sublime erotismo a momentos como quando Francesca, sozinha na varanda da sua casa (esta casa estava abandonada havia 30 nos, e foi restaurada pela equipe de arte), abre o penhoar e se entrega à brisa da noite, ou quando, preparando-se para o segundo jantar com Robert (o que de fato inicia o romance), a dona de casa até então tão adormecida sente despertar sua sensualidade, numa banheira, sob a percepção de que, minutos antes, aquele homem estivera nu, naquele mesmo lugar.

    Mas talvez o ápice do filme esteja na cena em que, na cidade, sob o cair da chuva, Francesca e Robert se veem pela última vez. Após esperar, no meio da rua, em sua mudez e imobilidade por uma resposta, Robert entra em sua caminhonete. Francesca tenta conter um explosão de choro, e se debate entre as duas possíveis decisões (fugir com o grande amor de sua vida, ou permanecer cuidando de seu marido e filhos). Johnson (Jim Hayne), o marido, ocupa o banco do motorista, ao seu lado, e percebe que algo não está bem, mas ela não lhe responde.

    A tomada da câmera sobre a mão de Francesca segurando, inquietamente, a maçaneta da porta, entre o ir e o ficar, é tão forte que quase nos afoga em expectativa, e faz com que nos sintamos impulsionados a decidir por ela.

    Talvez pareça um exagero dizer que, tendo Clint, o cenário e o roteiro como coadjuvantes, Meryl Streep é o filme, mas… ainda estou sob o efeito desta magnífica atuação. Então… assista e confira o grau dos meus exageros (se é que os há, mesmo)!

    Texto de autoria de Cristina Ribeiro.

  • Crítica | Os Homens que Não Amavam as Mulheres (2009)

    Crítica | Os Homens que Não Amavam as Mulheres (2009)

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    O mundo é um lugar terrivelmente perigoso para aquele que não detém poder, seja do domínio físico, financeiro ou social. Dentre todas as minorias, a adição de um cromossomo X é capaz de tornar o indivíduo ainda mais propenso a toda sorte de violências, físicas e morais. O principal olhar a que o diretor Daniel Alfredson se volta é o da mulher como objeto dos desejos do mundo, e coloca o homem como potencial causador de danos. Isso é claro e reflete boa parte da realidade, onde a violência doméstica é uma realidade na vida de tantas meninas, e onde o assassinato é “uma consequência natural do estupro”.

    Baseado na obra literária de Stieg LarssonOs Homens que não Amavam Mulheres (de Niels Arden Oplev) é o primeiro de uma trilogia de filmes policiais muito bem-sucedidos em amarrar as vidas de seus dois protagonistas, Lisbeth Salander (Noomi Rapace) e Mikael Blomkvist (Michael Nyqvist), em uma trama de mistérios e dramas do passado sem jamais sugerir um abuso de coincidências, ou carregar um excesso de bagagem. A obra desenvolve seus personagens secundários em cima de estereótipos conhecidos e, mesmo aqueles que pouco aparecem, quando surgem, motivam o desenvolvimento da história.

    Traumas do passado são estabelecidos em flashbacks inseridos de forma inteligente para que o espectador conheça Lisbeth apenas o quanto Mikael a conhece, e apresentando a quem assiste as mesmas conexões emocionais que o jornalista tem com a hacker: a paixão. O repórter idealista é fascinado por seu trabalho e sua função na sociedade, e desta forma aceita ajudar o industriário Vanger a encontrar sua sobrinha Harriet, morta há mais de 40 anos, em meio a uma trama de conspiração e abusos. Inicialmente relutante, o mistério o provoca e convida Lisbeth para uma parceria, bem como ao envolvimento emocional. Enquanto isso, a hacker Lisbeth torna-se a representante máxima das mudanças de um mundo complexo e objetificante, pois ela é antes de tudo uma apaixonada. De acordo com Aristóteles, paixão é a falta daquilo que se quer, pois logo que se tem não há mais espaço para a paixão, apenas para o dia a dia e para a monotonia. E desta forma Lisbeth interessa-se mais por mistérios do que por pessoas, abandonando ambos assim que sejam dissolvidos ou saciados.

    É um filme sintético em todas suas características, e usa-se disso para resolver de forma coerente o desfecho do repórter Mikael e do mistério, que para muitos pode soar menos impactante do que deveria. Falta, porém, um fechamento melhor para Lisbeth Salander que, apesar de ser o real fio condutor e a síntese de toda trama, sai assim como veio. O motivo disso é a forma como o filme se monta sobre uma trilogia, esperando para desenvolver outros aspectos da personagem em algum outro momento. Neste ponto, a versão americana, de David Fincher, se mostra melhor sucedida no retrato dos dois protagonistas, fazendo com que as pequenas mudanças da trama ou detalhes de suas jornadas trabalhem mais em função de Lisbeth e seu arco-íris de emoções, tão complexo em sua formação, mas primário na forma como se expõe.

    Com uma fotografia mais quente do que se poderia esperar, o longa prefere utilizar-se da cenografia para dar às paisagens suecas o tom inóspito e potencialmente perigoso que a narrativa exige. Em Estocolmo, personagens são sufocados pela simples proximidade de pessoas; já na ilha onde ocorre boa parte da trama, a solidão é desoladora, e mesmo a mínima cabana que age de quartel general para as investigações da dupla mostra-se maior em seu interior do que exteriormente. Ao olhar em volta, tudo parecerá longínquo, trabalhoso e misterioso demais. Esta cidade fantasma ressalta a ideia de que somente pessoas com motivações prioritariamente introspectivas seriam capazes de se atrair por qualquer coisa que resida sob aquela neve e segredos.

    Reprimida por aqueles que a rodeiam, Lisbeth torna-se uma pessoa agressiva e de difícil convivência, e encontra em seus processos mentais um ponto de fuga para a gigantesca pressão do mundo em lhe frustrar e machucar. Eis que então o sexo é outra constante na trama, especialmente por ser um ato polissêmico, de natureza complexa, porém de fácil aplicação, capaz de atuar como barganha, método coercivo e compensação afetiva, que exemplifica a forma como age o sexo na mente daquele que é violentado.

    Enquanto para o autor da violência o ato não passa de alguns segundos dentre toda uma vida, para quem sofre da violência é um ato que persegue e assombra. Não à toa, vítimas de estupro relatam duvidar da veracidade do ato, colocando a violência para dentro de suas mentes, aceitando posições de inferioridade e trazendo pra dentro de si dragões que lhes rasgam ao sair.

    Velado, latente e introspectivo, o machismo é uma condição não aparente que desperta uma forma corrosiva de convivência onde a moral está no centro do jogo. É permitida a quebra da moral (resumida naquilo que se faz em seus porões, longe da vigilância do mundo), não a quebra da aparência, pois a aparência é essencial para o prejulgamento social. Enquanto emoldura o violento em um quadro como uma caricatura fascista, ajuda a esconder os demônios pessoais que a sociedade compartilha ao fomentar, mesmo que com palavras, todo tipo de misoginia, discriminação e violência.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | Tempos Modernos

    Crítica | Tempos Modernos

    Lançado em 1936, após três anos de produção, Tempos Modernos é uma das grandes obras de Charlie Chaplin, densa como arte e significativa como retrato de uma época, sobre a potência do capitalismo e as forças opostas entre trabalhadores e donos dos meios de produção. Estruturas criticadas pela narrativa que ainda reflete movimentos vividos no presente.

    Antes do lançamento de O Artista, a produção era considerada o último filme mudo americano. Uma escolha narrativa proposital de Chaplin, que utiliza habilmente a voz somente através de objetos eletrônicos, representando o avanço tecnológico. Seria também o último filme com a marcante personagem de Carlitos, o vagabundo mambembe que, de maneira bem-humorada, representava um tipo marginalizado que sobrevivia por suas peripécias. Um ícone que se confunde com o seu criador, sendo uma das maiores figuras do cinema, sem dúvida. Reconhecendo que a personagem era uma clássica representação do humor físico, o vagabundo perderia a eloquência dos gestos apurados pela interpretação física do ator. Assim, o vagabundo sai de cena em um grande retrato crítico.

    O tema de Tempos Modernos é introduzido por uma frase exibida em cena, configurando a relação analítica entre a sociedade e a indústria, e estabelecendo a análise da importância do indivíduo diante do mundo capitalista. Um mote representando a história que seria apresentada e bem justificada na primeira cena do longa, com ovelhas correndo por um corredor estreito para, em seguida, um corte de cena mostrar um grande grupo de trabalhadores saindo de um metrô. Em ambas a cenas, é possível notar, além do simbolismo óbvio, um único personagem destoante: uma ovelha negra e um homem trajando chapéu preto, respectivamente. Uma primeira provocação de Chaplin sobre o individualismo na sociedade que, em ambas cenas, não parece ter nenhum significado diante da multidão coletiva.

    A obra é uma das mais poéticas e críticas do autor, e se vale da narrativa pela imagem do cinema mudo como ênfase para retratar acontecimentos envolvendo o vagabundo. Atos que podem ser vistos como episódios, desenvolvidos em pequenas partes, que poderiam figurar em curtas-metragens mas que, formatados sob um mesmo tema, estabelecem uma crítica contra a Revolução Industrial e a Grande Depressão americana.

    A habilidade narrativa de Chaplin, responsável pela direção e roteiro, é impressionante. O domínio da técnica gera uma multiplicidade narrativa para diversas cenas, mantendo o cômico como toante ao mesmo tempo em que a crítica é interpretada pelo público. A imagem mais icônica desta obra, o homem sendo engolido pela máquina, é um exemplo de sua genialidade. De maneira quase infantil, mantendo a vertente do riso, o público compreende a crítica sobre a modificação estrutural da sociedade, na qual o homem não é maior do que o império do capitalismo industrial.

    O vagabundo é um personagem de humor inserido em um difícil contexto da história da América. Chaplin equilibra com perfeição a marginalidade dramática e mantém a comédia em cenas bem delineadas e simples, e com significado. A imagem era a única – ou maior – forma de mensagem dos filmes mudos. Em comparação a filmes contemporâneos – principalmente os lançamentos de verão –, há muito mais uso de cenas simbólicas e interpretativas, que evitam o óbvio mas retratam com eficiência como o trabalho era visto na época.
    Os excessos da jornada de trabalho geram uma das primeiras cenas cômicas. Trabalhando na linha de produção em um trabalho de repetição contínua de movimentos, o vagabundo se condiciona ao esforço manual e enlouquece, vendo em qualquer lugar parafusos para apertar. A comédia adquire o ar crítico sem precisar ser agressiva. A mensagem é recebida claramente pelo público, e o riso se estabelece de maneira fácil.

    Em seus longas-metragens envolvendo a personagem, Chaplin sempre narrava uma história múltipla, dando vazão ao elemento dramático sem perder o cômico. Além disso, explorava personagens femininos que estabeleciam uma jornada em paralelo a do vagabundo para, posteriormente, instaurar um caminho mútuo. Como a vendedora de flores em Luzes da Cidade, uma órfã representa outro tipo marginalizado pela sociedade, a menor cujo pai está desempregado e vaga pela cidade à procura de alimento. O pai da garota se torna uma baixa em um protesto por melhores salários. Mesmo que esta morte não seja explícita, reconhecemos dois tipos em cena: o grupo que luta por maiores direitos e outro que reprime com violência este grupo.

    Como engrenagens de uma máquina, o roteiro se articula com perfeição entre ambas protagonistas e suas peripécias para continuar vivendo. O vagabundo como operário, a órfã como ladra; cada um sobrevivendo como pode. Chaplin produz candura no encontro das personagens, que reconhecem sua marginalidade, sem retirar as gags cômicas, mantendo a firmeza nos dois frontes: drama e comédia, sem perder força em nenhum dos dois, mesmo após 79 anos.

    Além do retrato urbano, o filme é lembrado por sua canções também compostas por Chaplin, um talento múltiplo do artista que se dedicava também às trilhas de suas produções. A Canção Sem Sentido, cantada pelo personagem em seu trabalho como garçom, é o momento mais cênico da produção e, novamente, varia drama e comédia. O público sabe que é necessário para o vagabundo cantar em seu emprego, uma exigência para ser contratado. Diante da necessidade, a personagem realiza uma apresentação quase circense, como um palhaço em frente às câmeras apresentando um número. Mesmo sem compreendermos a canção inteligível feita com partes em italiano e francês, o gestual de Chaplin narra uma história e, novamente, sua precisão de humor físico e pantomima transformam a cena em um dos grandes momentos da película.

    A canção Smile, inicialmente concebida como instrumental e, décadas depois, acrescida de uma bonita letra, é um dos temas que se apresentam no decorrer do longa, e resume melodiosamente a mensagem de esperança por detrás de toda frieza mecânica da sociedade. Mesmo com todas as peripécias vistas em cena, as personagens voltam ao ponto de partida como dois vagabundos desempregados, mas reconfigurados em outra situação: estão unidos. Chaplin deixa uma mensagem poética simples e precisa sobre a necessidade de enfrentar as adversidades de frente e, mesmo em momentos ruins, sorrir. Ao lado da garota, sai de cena rumo a lugar algum, um momento presente em obras anteriores mas, dessa vez, carregado de poesia e melancolia: a despedida de um grande personagem em um grande filme crítico.

  • Crítica | Quando Meus Pais Não Estão Em Casa

    Crítica | Quando Meus Pais Não Estão Em Casa

    Quando Meus Pais Não Estão Em Casa 1

    Apesar do título em português remeter a uma trama simples, o filme de Antony Chen mostra um panorama complicado, ligado à crise financeira que acometeu a Ásia nos anos noventa. O conto é narrado através da visão ingênua e infantil de uma criança disciplinada no ambiente escolar.

    A trama se passa em Singapura, e mostra uma tradicional família convivendo com a chegada de um elemento externo, uma empregada filipina que vai trabalhar na residência em virtude dos graves problemas financeiros de seu país. Teresa (ou Terry, interpretada por Angeli Bayani) é uma mulher de simplicidade inegável, que sofre o choque cultural já na chegada ao país, com a rejeição do pequeno Jiale (Koh Jia Ler) e problemas relacionados a sua religião, que parece não incomodar seus novos patrões, mas que a faz se destacar enormemente destes.

    Pouco a pouco, Terry e Jiale se aproximam e se afeiçoam um ao outro, fazendo da dupla um oásis de tranquilidade em comparação com a caótica situação em que estão os outros membros do clã. A adversidade e o aperto não determinam somente as finanças dos familiares, mas também suas relações internas, cada vez mais difíceis em virtude da gravidez em péssima hora e da completa falta de paciência e comunicação do casal, onde a sonegação de informações ocorre até mesmo quando nos vícios do patriarca.

    A rivalidade entre patroa e empregada torna-se um evento inevitável, especialmente por Jiale confiar mais em sua cuidadora do que em sua mãe. Hwee Leng (Yann Yann Yeo) faz questão de deixar bem clara a posição subalterna da filipina, para que não haja qualquer possibilidade de motim ou de confusão hierárquica. Além disso, apresenta sinais claro de ciúmes e inveja, por ser ela mais digna de confiança dos dois homens da casa. De semblante baixo, Teresa aguarda, submissa, tentando em vão ser invisível no processo de educação do menino.

    O roteiro de Chen consegue sem alarde ou escândalo apresentar uma história simples e tocante, transpirando singeleza em cada momento. A obra mostra o ruir da célula familiar de um ponto de vista frio, com a câmera estática, como em um documentário, sem trilha ou qualquer artifício de comoção automática. As sensações que o espectador usufrui vêm das ações do belo elenco, que imprime um conjunto de sentimentos reais, inexoráveis diante da existência humana e situações limite que insistem em esmagar o homem diante do mundo. Uma obra que analisa como o fracasso do capitalismo influi nas vidas humanas.

  • Crítica | Para O Que Der e Vier

    Crítica | Para O Que Der e Vier

    Para O Que Der e Vier 1

    Começando como um monólogo, a criação de Matthew Weiner narra as desventuras emocionais de Steve Dallas (Owen Wilson), que faz total questão de explicar para cada um dos seus pares sexuais as razões que o fazem optar pela solteirice e completa ausência de apreço a uma vida de compromissos amorosos. Mesmo neste primeiro momento, não se esconde o quão miserável é a sua vivência, ainda que o escopo seja muito mais agridoce que melancólico.

    Logo, Dallas tem um estranho reencontro com seu amigo de infância, Ben Barker (Zach Galifianakis), recebido de maneira agressiva e paranoica, remetendo ao comum aspecto que o fumo da maconha causa em alguns seres. Uma simples análise do ambiente ao redor de Barker revela uma tardia imaturidade, já que todo o cenário de seu quarto lembra o aspecto grotesco e pitoresco de um adolescente em idade pré-universitária, longe de qualquer preocupação mais rebuscada, comum a qualquer ser humano de rotina adulta.

    O cotidiano de Steve é repleto de atitudes banais e egoístas. Seus serviços como apresentador de um jornal local revelam uma enorme irresponsabilidade de sua parte, não tendo qualquer compromisso com prazos e horários, tanto que o chamado à aventura com seu amigo é aceito de bom grado, sem qualquer discussão. Sem jeito, a dupla faz uma viagem de carro para presenciar o enterro de Mister Barker, e ter a assustadora surpresa de ser Ben o seu maior beneficiário, a despeito de sua irmã Terri (Amy Poehler) e de sua bela madrasta Angela (Laura Ramsey), que foram muito mais presentes na vida do patriarca.

    A paranoia segue como comportamento padrão de Ben, já que ao receber o prêmio ele acha que aquilo é mais um artifício de seu pai para controlá-lo. A maturidade chega perto de acometê-lo ao decidir mudar seu estilo de vida, ainda que não saiba qual o direcionamento correto, nem para si e menos ainda para a pequena fortuna de que agora era dono. Mas a completa falta de noção faz o personagem enveredar por caminhos dionisíacos, tentando sem qualquer base teórica fundar uma ONG para mudar o mundo.

    Os trôpegos passos do confuso homem de meia-idade são observados por Angela e ao longe por Steve. Pioram-se os imbróglios familiares de sua irmã, que tenta restringir legalmente o uso do dinheiro herdado, visto que ainda é movida pela mágoa que sente de sua “mãe substituta”. A complexidade da estrutura familiar conservadora é prontamente debochada por um roteiro que teima em não se levar a sério, apesar de tocar em questões bastante espinhosas.

    O roteiro de Weiner divaga um pouco, perdendo o ritmo interessante da metade para o final da obra, ocasionando um círculo vicioso que tenta em vão achar virtudes em suas personagens, imitando aspectos comuns da vida dos homens. O script consegue ser tão confuso quanta a psique do personagem de Galifianakis, e é bem intencionado em essência, mas repleto de erros de ação contínua, fruto, talvez, da inexperiência do autor em dirigir filmes.

    Em alguns pontos, o texto lembra demasiado as fitas que Nick Hornby ajudou a compor, especialmente pela inevitabilidade dos destinos dos espécimes apresentados, que tem em seu carisma o principal ponto louvável, já que o currículo destes está longe de acumular grandes feitos. As curvas finais do script revelam uma inesperada evolução da parte de Ben, movida por uma sequência de entrópicas relações, que, além de fazerem-no levantar, acabam por findar a boa interação que tinha com seu antigo parceiro. Ambos afastam-se de uma maneira até então inédita, necessária para as duas contrapartes terem finalmente uma evolução franca e sóbria. Um afastamento que flerta com o pieguismo, mas que se sustenta em uma forte mensagem edificante, algo condizente com toda a trajetória de Ben e Steve, até mesmo nos defeitos, com um saldo extremamente positivo.

  • Crítica | O Destino de Júpiter

    Crítica | O Destino de Júpiter

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    A premissa do filme parecia clara: uma space opera ambientada em um grande planeta alaranjado e na qual questões puramente humanas eram abordadas em localidades inóspitas, por vezes hostis. Ação, perseguições, aparatos tecnológicos e demais recursos seriam de grande importância para somar fluidez ao roteiro, afinal até as melhores histórias precisam de progressão, de ritmo, senão estariam fadadas a desinteressar seu receptor. No entanto, em O Destino de Júpiter tais modos de dinamizar a trama acabam por suprimi-la, aumentando o espetáculo visual em detrimento do conteúdo.

    Com o nome incomum dado pelo pai, um astrólogo já falecido, Júpiter (Mila Kunis) é uma jovem que sonha com uma vida melhor para si e sua família, trabalhando arduamente ao lado da mãe limpando banheiros para se sustentar. Ainda nos minutos iniciais, descobrimos que a família teve a casa invadida por bandidos, e o pai, ao não deixá-los levar um telescópio, seu instrumento de trabalho, é assassinado por um dos ladrões. Além disso, a moça explica o fato de estar destinada a grandes feitos, pois nasceu sob o signo de Leão, com Júpiter ascendendo a 23 graus. Uma antecipação medíocre de sua “realeza galáctica” ainda não descoberta.

    Na sequência, um grupo de caçadores de recompensa segue um caçador de recompensa (!?), enquanto este vasculha arquivos de uma clínica de fertilização. O renegado Caine Wise (Channing Tatum), um híbrido metade humano, metade lobo, busca uma redenção junto a um velho amigo, Stinger (Sean Bean), que foi destituído de suas asas (sim, asas!) ao assumir sua culpa pelo homicídio de um nobre literalmente de outro mundo.

    A partir daí, a trama segue um caminho difícil de argumentos fracos, em que Júpiter é a reencarnação de uma rainha, morta há milhares de anos e dona da Terra. Dois de seus três filhos descobrem a “recorrência” na terráquea e resolvem levá-la de volta ao lugar que lhe era direito, para que pudesse governar e reaver o astro. Por outro lado, Balem (a figura insana interpretada por Eddie Redmayne) quer dar um fim à vida da moça, pois o retorno da mãe tiraria seu poder sobre o corpo celeste.

    Um detalhe importante é que eles são uma família de industriais, que povoam planetas com o intuito de coletar genes humanos para comercializá-los, como um elixir, uma forma de prolongar a existência de quem fizer seu uso. Inclusive, Stinger conta a Júpiter sobre esse comando superior exercido por eles também sobre outros mundos, e como os utilizam como plantação, além de relatar uma gênese humana fora da Terra esdrúxula, ideia igualmente mal desenvolvida em Prometheus.

    Os cenários intergalácticos (e nenhum deles é em Júpiter, sinto muito!) enchem os olhos por sua beleza criada em CGI e pelos momentos de contemplação, até nos esquecemos da protagonista engessada e levada pelo braço a qualquer lugar, sem questionar para onde vai ou aceitando tranquilamente ser a nova dona do mundo. Uma pena, pois Kunis não fez feio em Cisne Negro. Channing Tatum consegue se sair bem, não compromete em nada, e ainda tem os apetrechos mais legais do filme inteiro: um par de botas flutuantes. O destaque fica mesmo por conta de Redmayne que, de forma brilhante, traz à tona o filho ingrato, louco e assassino da mãe… duas vezes! Digo, quase duas vezes. Os demais coadjuvantes fazem seu devido papel, apesar de alguns simplesmente sumirem sem motivo aparente, como é o caso dos outros filhos.

    Nas duas horas de reprodução do filme, não é difícil se perguntar o que continuar esperando da obra. Fora as raras atuações louváveis, batemos de frente com piadas mal colocadas, figurinos e maquiagens de gosto duvidoso e uma epopeia espacial sem sentido. Para não dizer que a película é totalmente equivocada, a sequência em que Júpiter e Caise partem por vários planetas e setores visando reconhecer legalmente o título real da personagem me lembrou O Guia do Mochileiro das Galáxias, onde os personagens também esbarram na burocracia, nas papeladas e carimbos etc. Uma referência interessante que os irmãos Andy e Lana Wachowski empregaram.

    No final, assumindo sua nova vida e enfatizando não mais permitir colheitas de DNA humano onde quer que seja, Júpiter e Caise voam juntos pelos céus. Ele com suas asas restituídas; ela usando as botas flutuantes. E o mundo embaixo dos arranha-céus se mantém estático e indiferente a tudo o que se passou nas nuvens e além delas. Mesma sensação que o espectador tem ao ver os créditos subirem.

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    Texto de autoria de Carolina Esperança.

  • Crítica | Vingadores: Era de Ultron

    Crítica | Vingadores: Era de Ultron

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    Três anos, quatro filmes e uma série (e meia). Isso é que separa as duas aventuras dos Maiores Heróis da Terra no já mais do que estabelecido Universo Marvel cinematográfico. Mas a sensação em A Era de Ultron é de que pouca coisa teve importância nessa pós-Batalha de NY. Para o bem e para o mal: as besteiras de Homem de Ferro 3 sumariamente ignoradas é de lavar a alma, não deixa de ser um desperdício os elementos de O Soldado Invernal e de Agentes da S. H. I. E. L. D. (fim da Shield, Hidra, Inumanos) na prática não fazerem muita diferença.

    A Hidra está lá, claro, mas apenas como um gatilho para o início da trama. Após atacar a última base da organização terrorista, os heróis recuperam o cetro de Loki. Fazendo uso do imenso poder do artefato, Tony Stark coloca em prática um projeto de inteligência artificial que deveria ser a solução final em termos de paz mundial (e substituir os Vingadores). Como em qualquer história com esse tema, as coisas obviamente dão errado, e surge o vilão Ultron, uma ameaça que vai colocar à prova não somente a capacidade da super equipe de proteger o planeta, como também a confiança entre seus membros.

    A força do filme, a exemplo do primeiro, está no equilíbrio que já virou marca registrada da Marvel no cinema. Há um passo além no desenvolvimento de personagens e no que se pode chamar de maior maturidade, mas as cenas de ação de encher os olhos e o bom humor (felizmente bem dosado e colocado) estão lá. E enquanto sequência, o longa habilmente se aproveita do universo e indivíduos já familiares para se concentrar em contar sua história em ritmo acelerado, sem qualquer enrolação ou preocupação com didatismo ao introduzir os vários novos personagens.

    Wanda e Pietro são rapidamente estabelecidos como “vilões por engano”, e organicamente fazem a transição. Havia potencial para maior exploração de ambos, principalmente do velocista, mas como micro origem num contexto maior, a participação dos gêmeos foi satisfatória. Em relação ao vilão de fato, Ultron sofreu um pouco com a expectativa: os trailers sugeriam algo muito mais sinistro. Contudo, considerada a proposta Marvel de ser, ele desempenhou bem seu papel de ameaça da vez. Além de claramente servir muito mais como ferramenta para desenvolver outros personagens, como Stark e o Visão.

    Visão, aliás, que foi a mais gratificante das novidades e talvez o grande acerto do filme. O conceito de um ser que está entre o artificial e o humano ficou bem representado, passando pela inteligente adaptação da origem do personagem e pela atuação precisa de Paul Betany. A dignidade semifilosófica e semimelancólica do herói foi transposta com perfeição dos quadrinhos para a telona.

    Dentre os velhos conhecidos, é interessante notar as relações de afinidade entre os membros da equipe, moldada a partir dos ideais e visões de mundo de cada um. Capitão América e Thor aparecem bem entrosados em batalha, o soldado e o guerreiro, ambos confortáveis em continuar travando o bom combate em prol dos inocentes. Na contramão, claramente, Stark e Banner. Cientistas, não lutadores, ambos concordam que o foco deve ser o de acabar com a necessidade de lutar. E por sua vez, Clint e Natasha ficam num meio-termo, mostrando um certo cansaço dessa vida, mas cientes de seu papel. Os dois também se assemelham no sentido de que o roteiro busca humanizá-los ainda mais; só que enquanto o espaço maior dedicado ao Gavião Arqueiro surpreende e agrada muito, o romance da Viúva com o Hulk soa pouco convincente.

    Em linhas gerais, A Era de Ultron sem dúvida entrega o que promete, perdendo talvez alguns pontos por não trazer nada efetivamente bombástico ou inovador. Como uma boa megassaga dos quadrinhos, o filme é divertido, grandioso, traz mudanças no status quo e entrega pistas do que vem por aí. Mas, como nos quadrinhos, há a sensação de mais do mesmo, ainda não um problema de fato, mas já perceptível. Fica a expectativa para as cenas dos próximos capítulos: a discordância entre Tony e Steve, Wakanda e mais uma vez as Joias do Infinito são elementos que até podem passar sem grande alarde para os não entendedores, mas mantêm aceso o interesse dos fãs.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | Chappie

    Crítica | Chappie

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    A cotação é maior do que o filme realmente merece. As três estrelas são por todas as boas ideias e sacadas que mereciam ter sido melhor exploradas no roteiro. Boas intenções não fazem um bom filme, mas achei que valiam ao menos para incrementar a nota dada à história de um engenheiro – Deon (Dev Patel) – que, depois de ser o responsável pela invenção de droides autônomos, utilizados como força policial, esforça-se para desenvolver uma inteligência artificial que consiga replicar a consciência humana. Frustrado com a executiva da empresa onde trabalha, – Michelle Bradley (Sigourney Weaver) -, mais interessada em vender armas que poetas, resolve agir por conta própria.

    Desde Distrito 9, o público espera que Neill Blomkamp repita a dose do que se tornou sua “especialidade”: misturar ficção científica com crítica social. Elysium parecia promissor, mas deixou bastante a desejar. E este, apesar da boa premissa, também não chega aos pés do maior sucesso do diretor/roteirista.

    A maior falha é o roteiro não saber para que lado vai. A narrativa não se decide entre fazer graça, fazer crítica social ou partir para cenas de ação. Sem contar a infinidade de incongruências tecnológicas que deixam qualquer nerd indignado. Ok, é uma obra de ficção, mas um mínimo de bom senso e verossimilhança ajudam muito a mergulhar o espectador no universo da história. E o roteiro falha ostensivamente nisso. Vale reparar que essa “indecisão” vem desde os trailers. O primeiro dá impressão de que é um filme quase infantil, algo como Wall-E + ET. Enquanto o segundo já parte para a pancadaria, mais parecendo Robocop, dando enfoque ao vilão, Vincent Moore (Hugh Jackman).

    Inicialmente, parece que o roteiro irá focar na discussão sobre a substituição do contingente humano por um robótico no policiamento e em suas consequências, boas ou ruins. O filme avança mais um pouco, e o foco passa a ser a evolução da inteligência artificial, a possibilidade de construir máquinas (quase) à nossa imagem e semelhança, com capacidade para aprender e sentir. O espectador pensa “Ah, o filme é sobre a ética da IA.”. Ledo engano. Alguns minutos se passam, e o enfoque é o preconceito, a aceitação (ou não) de estranhos ou ‘diferentes’ em um grupo social. Mais adiante, é sobre a capacidade de adaptação e aprendizado de um ser inteligente não-biológico. Nesse meio tempo, o tom da narrativa também muda, mas de forma irregular e pouco consistente. Nenhuma história, nenhuma pessoa é séria ou cômica o tempo inteiro. Porém, neste roteiro o que fica nítida é a indecisão quanto à forma de contar a história de Chappie. Essa variação no tom mostra-se pouco “orgânica” – para usar um termo da moda. E incomoda quem assiste. Pois uma coisa é ir ao cinema achando que é um filme infanto-juvenil sobre um robô engraçadinho e descobrir logo nos primeiros minutos que é algo mais sério e violento. Outra coisa é o filme mudar essa perspectiva a cada cena.

    Falando dos personagens, apesar de algumas falhas na construção – perdão pelo trocadilho – Chappie é de longe o personagem mais bem estruturado, com mais profundidade. Os demais, em sua maioria, são estereotipados e, em alguns casos, pouco críveis. Michelle Bradley, diretora da OCP, digo, Tetravaal, é apenas uma executiva padrão. Ou até menos, pois que executivo não se apegaria à possibilidade de testar uma nova tecnologia que o deixaria à frente da concorrência? Deon Wilson é o engenheiro responsável pela criação do modelo de robôs policiais similares a Chappie. É um nerd típico que passa a noite em claro programando e movido a energéticos. E, convenhamos, por mais nerd que seja, ninguém deixaria sua própria criação, um salto tecnológico em IA, nas mãos de qualquer um. A gangue que “acolhe” Chappie – Ninja, Yolandi (Ninja e Yo-Landi Visser, vocalistas da banda sul africana de rap-rave Die Antwoord, responsável pela trilha sonora) e Yankie (Jose Pablo Cantillo) – está longe de ser ameaçadora, mais parece um grupo de comédia pastelão. Mas mesmo assim, em termos de complexidade e identificação com o público, estão anos-luz à frente de Vincent Moore. Mais clichê impossível. O engenheiro com ideias diametralmente opostas às de Deon, não é apenas um estereótipo, mas uma caricatura. Chega a ser chato, de tão previsível. Sua animosidade em relação a Deon é exagerada demais, teatral demais. Enfim, apesar dos personagens deixarem a desejar, não há o que reclamar do elenco, que faz o que pode com o material que tem em mãos.

    E há, como dito anteriormente, inconsistências, não apenas tecnológicas, que certamente atrapalham a suspensão de descrença necessária para comprar a ideia do filme: Douglas, parceiro no blog Cafeína Literária ajudou a lembrar as mais gritantes:

    1- O departamento, ou empresa, que cuida da segurança da Tetravaal deveria ser inteiramente dispensado. Que (falta de) segurança é aquela? Em que praticamente qualquer um tem acesso ao chip responsável pela programação dos robôs. Em que um funcionário consegue sair das instalações levando não apenas material da empresa mas também armas. E para que servem as câmeras de segurança que filmam essas ações, se aparentemente não há ninguém assistindo a elas?

    2- Como um capacete feito para ler ondas cerebrais – de novo, ce-re-brais – consegue ler o “cérebro” de um robô? Ok, são pulsos eletromagnéticos, mas até mesmo um leigo sabe que os pulsos emitidos por uma máquina, um forno micro ondas por exemplo, são beeeem diferentes da ondas emitidas pelo cérebro humano

    3- Se, como afirma Deon, Chappie tem poder de aprendizado acima da média, conseguindo inclusive descobrir como transferir a consciência de uma pessoa para um pendrive, por que continua falando como criança ou usando as gírias tolas de seus colegas de bando? Poderia, ao menos, sair falando feito He-man.

    É uma premissa muito boa, perdida em um roteiro mal construído. Na torcida para que o próximo Alien seja melhor que isso.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | O Fim de Uma Era

    Crítica | O Fim de Uma Era

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    O mais teatral, e também repleto de classicismo, filme da trilogia de Sonia Silk, O Fim de Uma Era, contém prelúdios, mesmo com uma duração inferior ao tempo cronometrado de uma partida de futebol. O roteiro de Bruno Safadi e Ricardo Pretti (também diretores) contempla o ócio de quem já trabalhou com a arte, ainda que o texto seja o hiato entre as obras, focando a metalinguagem inerente à busca por inspiração poética.

    Os momentos do filme se dividem segundo as etapas do processo criativo que desemboca na produção cinematográfica, incluindo Ricardo Pretti como elemento narrativo da história, uma vez que seu filme é uma ode ao “fazer um filme”. Os recursos de quebra entre os segredos de público e cineastas inclui uma reciprocidade poucas vezes vistas no cinema comercial, agravada e muito pelo caráter ensaísta, que insistentemente goteja sobre a cabeça do espectador, relembrando o espírito de experimento da fita.

    A narração e a ausência de cores faz lembrar o recente filme de Taciano Valério e Jean-Claude Bernardet, Pingo D’água, inclusive nos problemas de ritmo e de captura de atenção do público. Da trilogia, este é o filme de estética menos palatável para o público médio, exigindo de quem assiste a ele uma atroz paciência com os recorrentes maneirismos  e propostas que atravessam a normalidade cinematográfica.

    As viagens de carro visam remontar o deslocamento comum entre uma locação e outra, fazendo menção à falta de um lar que o artista tem ao se lançar no nomadismo comum em rotinas de viagens. O roteiro até tenta acompanhar a beleza das imagens, mas sem lograr êxito, somente arranhando a superfície do que deveria ser uma redação realmente profunda.

    Mesmo com uma duração somente um pouco maior que uma hora, é às vezes necessário o público acordar entre uma cena e outra, tendo interesse genuíno em poucas falas, excetuando, talvez, os diálogos que desconstroem a figura mítica do ator. Um caminho inverso da supervalorização do ofício da interpretação, cargo em que, normalmente, se atribuem os maiores méritos do sucesso de uma empreitada audiovisual.

    O enfado e cansaço tornam-se sensações comuns ao espectador, que prossegue até o final de O Fim de Uma Era, sem maiores conclusões ou aprofundamento filosófico. É na poesia rasa o mote de sua trama, com dificuldades tanto em emocionar quanto em fazer qualquer sentido além da simples frivolidade pretensiosa de um artista iniciante, pecados esses incondizentes com as filmografias e carreiras de Safadi e Pretti.

  • Crítica | O Rio Nos Pertence

    Crítica | O Rio Nos Pertence

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    O segundo capítulo da chamada Operação Sonia Silk – iniciada com O Uivo da Gaita – inicia-se em um breu absoluto, onde a fúria do som predomina sob a paz que a escuridão deveria propagar. Após os preâmbulos, notam-se duas pessoas interagindo, com Marina (Leandra Leal) nua, poetizando sobre o corpo desnudo de seu parceiro, em um momento de extrema intimidade, convidando o público a usufruir do instante de epifania de ambos. O significado de amor líquido prossegue na nova história.

    O filme dirigido por Ricardo Pretti reúne uma aura de mistério exacerbada. Iniciada pelo retorno de Marina a sua terra natal, que se deu por motivos misteriosos, com conhecimentos aquém de sua existência. Ao atravessar as areias praianas, a bela mulher ouve urros, sons indecifráveis de criaturas possivelmente sobrenaturais, responsáveis por uma insônia que a assola, que aumenta a angústia de sua vida e a faz se isolar ainda mais.

    A paranoia fomentada por cartas recebidas em casa, com os dizeres “O RIO NOS PERTENCE”, convive  junto a afeição pela filosofia nietzschiana, profetizada pelo professor e estudioso vivido por Jiddu Pinheiro, um antigo amor de Marina. O reencontro entre ambos passa longe de ser tão calmo e resoluto quanto são as aulas do docente, excetuando os olhos atentos dos alunos ávidos por conhecimento. O que sobra são desprezos que visam retribuir  a ignorância ocorrida no pretérito, reflexos de uma parte da vida que o homem preferia esquecer, mas que insistentemente retorna.

    O regresso de Marina traz muitos infortúnios. Indagações da parte da personagem de Mariana Ximenes, que, impossibilitada de movimentar as pernas, anda com ajuda de muletas e faz questão de despejar sobre a protagonista seu azedume, o amargor do desprezo que ela achou sofrer com a partida de sua “igual”. A discussão que Marina tenta impetrar é adulta, diferente da fuga que sua irmã faz. O confronto aos fantasmas do passado é demasiado traumática para a mulher incapacitada, e bastante incômodo à “filha pródiga” que seguiu seus instintos.

    A ideia de remontar e costurar referências aos contos macabros de Edgar Allan Poe e H. P. Lovecraft é válida, apesar de não ser inédita em produções brasileiras – em especial o seriado Contos do Edgar –. Mas apesar das belas intenções, o sentido presente no roteiro de Pretti é vago em essência, supervalorizando o suspense e todo o misterioso caráter dele proveniente. Em muitos momentos, o texto soa pretensioso, com as mesmas características negativas do primeiro episódio de Sonia Silk. Utilizando elementos de filmes de terror, no entanto, a obra se faz ligeiramente mais interessante.

    A dubiedade presente na incerteza entre toda a aura maligna ser fruto de uma ação espiritual ou apenas um reflexo de uma depressão ideológica e de sonho da psique frágil de Marina, O Rio Nos Pertence se perde em meio a uma trama que pretende muito e entrega pouco, reeditando a tentativa vã de utilizar um viés erudito. Ainda que a experiência de assistir a O Rio Nos Pertence seja bem menos tediosa do que no filme de Bruno Safadi, falta consistência ao produto final.

  • Crítica | Capitão América (1990)

    Crítica | Capitão América (1990)

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    Sob a tutela do expoente máximo dos estúdios 21st Century Films, Capitão América trouxe à luz uma adaptação das aventuras do herói da bandeira norte-americana, de modo ruim e bastante diferente dos quadrinhos iniciais de Jack Kirby e Joe Simon. O filme de Albert Pyun, começa mostrando uma coalizão científica, unindo a Alemanha nazista e a Itália de Mussolini, que logo trata de raptar um jovenzinho italiano, exímio pianista, que é retirado de seu lar para sofrer um experimento agressivo, que lhe daria capacidades físicas superiores de um homem comum.

    A maldade no entanto é assistida pela cientista Doutora Vaselli (Carla Cassola), que logo foge da ação malvada, lamentando e, claro, fugindo para outras paragens. Sua próxima aparição é nos Estados Unidos, onde produz uma fórmula menos agressiva que auxilia o jovem deficiente Steve Rogers (Matt Salinger). Logo depois de se prover do soro, o personagem torna-se tão forte que sobrevive aos disparos que mataram sua mentora, Dra. Vaselli. Steve então jura vingar sua “amiga” e defender sua pátria em meio a Segunda Guerra Mundial, e, sem qualquer preparo, munido de um uniforme que aparenta ser feito de massa de modelar, corre o território inimigo até encontrar seu arquirrival, o Caveira Vermelha (Scott Paulin), a criança carcamana que sofreu o experimento inicial.

    O facínora amarra o símbolo dos Aliados a um foguete para envergonhar seus rivais, mesmo que o plano esdrúxulo o faça passar por muito mais humilhação, especialmente quando o herói azulado faz o personagem cortar a própria mão em um movimento praticamente impossível. Antes de chegar ao presente, é apresentada mais uma gama de personagens, começando com o jovem filho de um membro do governo em seu quintal, o céu de Washington. Seu nome era Tom Kimball, e por pouco ele não morreu, já que o Capitão conseguiu desviar o foguete que o assassinaria e destruiria a Casa Branca.

    No futuro, Kimball seria interpretado por Ronny Cox como o presidente do país após uma longa jornada, lembrada de maneira tosca pelos informes de jornais, em uma exibição de trajetória exacerbadamente cômica, sempre motivada pela figura que o salvou. A trajetória do político incomoda estranhos membros de um escuso partido que planejam sua morte, até a sugestão louca de Tadzio de Santis, um cientista que planeja raptar o presidente e implantar nele um chip de controle mental.

    Enquanto isso, no Alaska, convenientemente um grupo de escavadores encontra o herói congelado, resgatando as esperanças de Kimball na sua figura exemplar, não duvidando por momento nenhum da inverossímil possibilidade de renascimento. De Santis também percebe, e intui – automaticamente –, que o herói tentará detê-lo, porque atrás de sua desfigurada face se esconde a identidade do vilão dos anos quarenta.

    Após uma perseguição louca de Valentina de Santis (Francesca Neri), a voluptuosa filha do vilão, que lembra todo o arquétipo visual de Talia Al Ghull (o motivo para tal é um mistério, já que o filme é da Marvel), o descongelado e inábil homem é salvo por um aliado do presidente, que o atualiza da situação mundial. O ponto de encontro para a consciência de Steve é na casa de Bernie, sua namorada de adolescência que envelheceu e teve uma filha idêntica a ela, Sharon, interpretada pela mesma Kim Gillingham, uma personagem que seria, a partir dali, sua companheira de aventuras.

    Após raptos de personagens desimportantes, inicia-se uma perseguição frenética que seria detida por qualquer ação mais bem pensada do protagonista, o qual em nada lembra o heroísmo do capitão nos quadrinhos da Marvel. As tomadas contempladas por Pyun são de um humor que se torna ainda mais caricato pelo caráter involuntário: as maquiagens, frases de efeito imbecis e aparições do herói em momentos convenientes, inclusive quando segura a mão do presidente na queda que provoca a morte do governante.

    As lutas entre o herói e os capangas são repletas de metralhadoras, que têm o mágico poder de atingir somente os personagens descartáveis, não trazendo perigo nem ao Capitão América, tampouco ao político, que até consegue ludibriar os emburrecidos bandidos. Ao final, Rogers agradece ao mandatário do país, que em suma age como Bucky, um auxiliar do potente justiceiro.

    Curiosíssimo é como o Capitão tenta vencer o Caveira, relembrando, através de uma gravação antiga, o rapto que sofreu ainda criançae. O vilão contempla o vento, em seu castelo medieval, ao lado de um piano clássico, que se localiza – terrivelmente – em um telhado. É com o escudo – guiado telepaticamente, afinal só isso explica a trajetória  física do armamento – que o prejudicado protagonista vence seu oponente, exibindo o belo modo de defesa estadunidense, pautado em uma arma de defesa tão fajuta e hipócrita quanto o script desta produção de Menahem-Globus.