Categoria: Críticas

  • Crítica | Caçadores de Emoção

    Crítica | Caçadores de Emoção

    Caçadores de Emoção - Capa - Blu Ray

    Causa estranhamento no espectador que analisa a fita do primeiro sucesso comercial de Kathryn Bigelow. Sob as fortes ondas da praia da parte costeira da Califórnia, estão as cenas de ação, em um chuvoso stand de tiro do FBI. O espírito de Caçadores de Emoção é resumido ainda nos créditos iniciais, com a apresentação de John Utah, vivido por um Keanu Reeves ainda cru.

    O cenário de eterno veraneio serviria como despiste para os olhos e para a alma de Utah, que, apesar da figura de certinho, não esconde a ambiguidade no olhar e no proceder policial. Sua apresentação ao seu novo parceiro, Angelo Pappas (do canastrão Gary Busey), deveria ser responsável por mais um pé na realidade, o que acaba por tornar-se um agravo na obsessão. O primeiro trabalho dos dois é analisar um bando de assaltantes, homens que, munidos de máscaras de presidentes, assaltam bancos fazendo arruaças barulhentas.

    O excesso de novidade e adrenalina faz Utah gritar e tentar motivar seu parceiro entediado, convencendo-o com argumentos vazios a se aprofundar na procura pela identidade dos “Nixons” e “Reagans”. Logo, os dois tiras percebem que no bando há ao menos um surfista, e John é indicado por seu parceiro a aprender a surfar, quase se afogando em sua primeira tentativa. A câmera debaixo d’água exibe um desespero quase suicida, um clamor de alma em busca de algo que claramente lhe falta. No caso, adrenalina.

    O primeiro contato do tira é com a mulher que o salva, Tyler Ann Endicott (Lori Petty), uma bela moça com antecedentes criminais a quem ele pediria ajuda para surfar, quebrando o gelo com seu óbvio charme, cedendo aos caprichos noventistas de realizar uma montagem musical treinando no esporte. Logo, o namorado da moça reaparece para demonstrar seus ciúmes e ser introduzido na história. Bodhi é um homem vidrado em adrenalina, um Patrick Swayze de cabelos enormes, que somente após um jogo de futebol americano na areia aceita o novo rapaz no grupo.

    Após sofrer duras críticas – a pergunta certa seria: “por que tão tarde?!” – John e Angelo são questionados por resultados, e é neste momento em que a dupla tem a brilhante ideia de coletar fios de cabelos dos surfistas para comparar com os dos assaltantes, e, assim, demarcar se aquela era a praia correta para a investigação. Depois de um imbróglio com outro grupo de surfistas, Johnny é salvo por Bodhi, que a partir daí começa uma intensa relação fraterna com ele, imune às ameaças de amor livre, aos enormes buracos de roteiro e às inúmeras gírias datadas.

    Caçadores de Emoção não tem qualquer semelhança narrativa com outros filmes de desafio e ondas, fora o óbvio visual. O espírito aventuresco tenta associar a vida burlesca ao comum ato de contravenção, onde os limites morais e éticos não são tão claros, mas ligados ao apolíneo. O comportamento de John aos poucos muda, assumindo esse caráter após fracassos em empreitadas policiais, distantes do estilo e do crescimento da subida que faz junto aos surfistas. Seu ethos é tomado por uma grande provação quando ele começa a associar a figura de seus novos amigos aos assaltantes de bancos, mesmo que a semelhança estivesse exposta ao público desde o começo do filme.

    Diante da obrigação empregatícia de pegar os fugitivos, Utah titubeia, se acovarda por não querer ferir o grupo que passou a chamar de família. A partir daí, ele sofre reprimendas e provações dos dois lados distintos que já defendeu. Após uma prova de morte, tem um mirabolante plano de redenção através de um assalto junto com seus novos companheiros. Apesar da justificativa patética, a cena em que todos os planos chegam a ruína se exacerba de emoção, causada por ações completamente irresponsáveis da parte dos que são agentes da lei.

    A tragédia e a confusão unem as almas gêmeas de John e Bodhi numa relação homoafetiva e platônica, que persiste mesmo diante do trabalho do policial e da fria letra da lei. Após brigas, ameaças de morte e prisão, os dois personagens olham um para o outro para somente enxergar o próprio reflexo e a vontade mútua de tornar carnal aquela união. Uma relação semelhante a de Top Gun – Ases Indomáveis, ainda que Caçadores de Emoção seja bem mais sutil. A aura de divertimento quase justifica as enormes falhas do roteiro, especialmente pelas belas cenas de ação e pelo embrião do que viria a ser o cinema de Bigelow.

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  • Crítica | O Uivo da Gaita

    Crítica | O Uivo da Gaita

    O Uivo da Gaita 1

    Primeira parte de uma trilogia de “amor líquido”, O Uivo da Gaita é uma história regida por Bruno Safadi que tem na rotina amorosa a pauta da segurança enquanto unidade familiar. O início, contemplativo, revela belas imagens da costa litorânea carioca, reunindo todos os sentidos possíveis da história de amor. Já na areia, as duas personagens femininas fazem uma descompromissada corrida atrás do vento, sem qualquer sentido ou moral, unicamente seguindo seus instintos.

    Luana e Antônia se entregam ao prazer proibido, maximizado por suas duas belas intérpretes, Leandra Leal e Mariana Ximenes, que fazem produzir cenas tórridas, dignas de qualquer fantasia heterossexual masculina, possantes e potentes, mesmo nos parcos minutos iniciais, para logo depois revelar o presente, momento em que o roteiro pretende montar sua história.

    Abrindo mão de falas que poderiam prever qualquer movimento, o roteiro contempla a “vida real” de Antônia, presa em uma relação comum com Pedro (Jiddu Pinheiro), relacionamento cujo cotidiano pesa mais do que qualquer outro aspecto. Os ecos audíveis das pessoas flagradas em cena só ocorrem aos quinze minutos, com quase um quarto de filme, somente para reforçar a ideia de discussão de relação, ainda que a abordagem entre os antes iguais esteja claramente na curva descendente, às vésperas de acabar.

    É em uma das interações entre Pedro e Antônia que Luana surge, a princípio para “brincar” com eles, dançando em um ritmo louco, levantando possibilidades de poligamia, artifício comum em relações em fase de degradação, mas aos poucos os paradigmas mudam. Os jogos de sedução começam brandos, algo bem diferente do explícito exibido no começo da fita.

    Os ângulos que Safadi escolhe primam pela sensualidade, esbanjando bom gosto especialmente ao analisar as voluptuosas curvas de Leandra Leal e seu poder de alcançar o fetiche das duas partes do casal. A naturalidade dos seus movimentos mostra-se também para a câmera, que causa choro e emoção às duas partes do casal, mas que não consegue passar tal ebriedade ao público, pelo caráter lento da narrativa, ambiciosamente dividida em três longas-metragens.

    Mostrando pessoalidade na confecção de seus heróis, o realizador insere uma desolação de alma no comportamento distinto de Luana, mostrando-a desagradável em sua rotina comum, longe das outras duas personagens. O affair construído causa uma interdependência que se assemelha à sensação abstêmia de quem é obrigado subitamente a deixar de usar uma substância da qual é dependente.

    O desfecho é inconclusivo, referenciando a segunda parte, O Rio Nos Pertence, que explora o mesmo elenco mas em tramas diferentes, tendo em comum o cenário da cidade maravilhosa. Depois das dedicatórias, há uma cena pós crédito que relembra a lentidão narrativa da obra, tornando erudito um texto simples, mas que pouco foge das convenções sofisticas. Apesar das boas imagens, o filme é mais digno de reprimendas do que de aplausos.

  • Crítica | O Conto da Princesa Kaguya

    Crítica | O Conto da Princesa Kaguya

    O Conto da Princesa Kaguya 1

    Concorrente ao Oscar de Melhor Animação, O Conto da Princesa Kaguya é um filme repleto de aquarelas, com cores leves em alto relevo. Se valendo de um conto tradicional, que por sua vez remete aos ritos comuns na nação milenar japonesa, a história mostra uma minúscula criatura em forma de menina, que é encontrada por um chefe de família. Chamada de princesa, toda natureza no entorno se dobra a ela, se condicionando ao seu estado de recém-nascido, como as cortes se dobram ante as necessidades de seus nobres, mas sem o maniqueísmo dos contos ocidentais. A obra não se preocupa em inserir juízo de valor na equação, pela origem e essência humilde de seus personagens adultos.

    O rápido crescimento prossegue surpreendendo positivamente seus pais idosos. A infância, uma fase onde descobertas são feitas, é ainda mais reveladora para a Princesa. A história contada é um mergulho aos clássicos orientais, pontuando os comuns aspectos culturais, mesmo com as reviravoltas do roteiro.

    O intuito dos céus parecia ser outro para a “Pequena Bambu”, longe demais da origem humilde que lhe caia bem, já que seu pai, o cortador de bambu, sempre encontrava ouro e tecidos finos no mesmo lugar onde “encontrou” sua filha. O entender do idoso era de que ela devia ter uma vida de luxo na cidade, distante da aldeia camponesa onde habitava. A sensação é compartilhada pelo infante Sutemaru, que obviamente lamenta a possível perda de sua amiga amada de criancice. A partida ocorre sem delongas, rumo à capital.

    Na cidade, os métodos e modos da família transformam-se: os ruralistas viram cosmopolitas, e o luxo logo atinge a feição da Princesa, que logo se mostra empolgada, só diminuindo o entusiasmo diante do arquétipo de sua treinadora, que lhe ensina os modos da nobreza. Um lembrete do roteiro de que a vida precisa de seus limites, mesmo na riqueza.

    O desenrolar lento da história compensa o crescimento acelerado da Princesa, além de fazer menção às diferenças narrativas presentes no modo de contar histórias do Japão, sem pressas e recorrendo pouco ou nada a fórmulas e clichês piegas. A discussão torna-se ainda mais adulta quando a menina discute os meandros do comportamento da classe real, como a negação ao suor, sorrisos e alegrias. A recusa de simplesmente existir é uma bronca interessante que tenta tirar o peso da supervalorização da formalidade.

    O amadurecimento da Pequena Bambu mostra-se em detalhes, quando ela é apresentada a um ancião rico, que até acha graciosas suas ações típicas da juventude, mas que se encanta de verdade a partir do momento em que ela segue as regras de sua instrutora Lady Sagami, recebendo então a alcunha de Kaguya, que faz menção ao brilho que ela exala. Ao perceber o que a espera, a Princesa se desespera, correndo rumo ao desconhecido, enfrentando de pés descalços os percalços naturais de pedras, madeiras e vias tortuosas, recusando o chamado de sua desventura, retornando a sua casinha, até vê-la ocupada por outra família.

    As marcas de sua infância se perdem. Perceber que tudo mudou é péssima para a nova Kaguya. O ciclo da personagem naquele lugar se fechou, como os ciclos naturais da montanha. Como se tivesse acordado de um sonho, Kaguya se levanta e aceita a sina de se enjaular como o pobre passarinho ao seu lado, deixando-o livre para voar, invejando a liberdade da pequena ave.

    A corrida dos nobres pretendentes em busca da possibilidade de casar com a mulher de fama lendária surge trazendo ainda mais confusão ao pensamento familiar, mas não à infante, que sabe bem que não conseguirá desejar um companheiro sem conhecê-lo. Munida da autoridade, dada a ela somente por sua fama, a pretendida pede prêmios, difíceis de encontrar, para cada um dos homens que se aproximam, para afastar o agouro de ter que decidir seus rumos e futuro.

    Após encontrar seu antigo amigo Futemaru, a Princesa começa a, enfim, ter paz de novo, mesmo vendo o rapaz passando por uma péssima fortuna. Ter noção de que ele estava vivo era um alívio, mas tal condição cairia por terra com o presente que o Príncipe lhe enviou. Sendo o único que respondeu à prenda que lhe foi imposta, o personagem passa por cima do orgulho próprio somente para ver a aura de Kaguya. O altruísmo logo é desbaratado, em mais uma mostra de enorme maturidade do roteiro.

    A moça finalmente toma coragem para enfim recusar os incômodos que se aproximam, tomando para si a virtude de ser a mais adulta da casa, a única capaz de refutar a hipocrisia do casório armado. A raiva pela necessidade de ser obrigada a pertencer a alguém revela a verdadeira origem e natureza da Princesa, que se faz mulher para perceber todas as agruras da vida enquanto ser feminino.

    Após dez anos, a Pequena Bambu retorna às montanhas para se entregar aos seres originários, não sem antes se encontrar com seu amigo Sutemaru, uma década modificado, mas ainda repleto de orgulho e vontade de lutar pelos seus. Kaguya, ou Pequena Bambu, finalmente tem sua jornada concluída, findada como um sopro, um sonho, um breve instante de brilho na existência dos terrenos, presentes em poucos momentos por ser este um mundo indigno de sua permanência. Mesmo com sua superioridade comprovada, a menina não queria se livrar das lembranças terrenas, nem dos defeitos e virtudes da mortalidade, ainda que o aspecto divino fosse inexorável. Ao final, O Conto da Princesa Kaguya é uma ode à mensagem positiva presente no budismo, repleta da sabedoria típica do milenar pensamento oriental.

  • Crítica | Cake: Uma Razão Para Viver

    Crítica | Cake: Uma Razão Para Viver

    Cake 1

    Apontando a desistência da vida como mote para a mudança de postura, o filme de Daniel Barnz mostra um grupo de apoio mútuo formado por mulheres, em sua maioria depressivas, que sofrem dores intensas devido a doenças raras. Juntas, elas lamentam o suicídio de uma das integrantes mais novas, Nina (Anna Kendrick). O ato quase teatral é valorizado através das ações de uma desfigurada Jennifer Aniston, que abre mão de sua intensa beleza para interpretar Claire Simmons, uma mulher desesperançada, que guarda em sua face marcas e sinais de descuido próprio, que em suma representam as muitas feridas que ainda manifestam-se dentro de si.

    Assistida somente por sua serviçal Silvana (Azana Bezerra), Claire não tem qualquer alento em sua rotina. Mesmo os poucos sentimentos passionais a que tem direito são frutos do comércio, com visitas noturnas de um amante que sequer entra pela porta da frente. Do alto de seu desespero sentimental, a protagonista não aparenta dar muito valor à mulher que a ajuda, suprimindo até seus vícios ilícitos. O momento primário em que a heroína, falida e monotônica, demonstra qualquer reação destemperada é quando esta assiste à própria piscina. A despeito de seu ateísmo, a protagonista vê boiando a figura de Nina, trajada de maneira sensual, conversando com ela através do além-túmulo.

    Sem ter certeza se a aparição era fruto de um delírio após o uso das substâncias das quais lançava mão, Claire começa a se interessar pelo dia a dia de Nina, chegando a ponto de dar vazão à agressividade que já era anunciada anteriormente ao ameaçar a organizadora do grupo, pedindo os dados e o endereço da menina que viu. Na antiga casa da moça, ela encontra Roy, interpretado por Sam Worthington, o marido da falecida, o qual permite que a depressiva mulher dê vazão ao seu comportamento tresloucado.

    Toda a compreensão que Claire não achava nas forçadas reuniões, ela passa a achar nas interações com Roy, unidos pela dor, desespero e também por interesses sexuais – que, ao próprio entender destes, significam intenções escusas – de ambas as partes. Trabalhando a culpa pelos atos ainda não praticados, um vê no outro a chance de finalmente se reabilitar, trabalhando os traumas de uma forma que, em algum dia, ambos possam finalmente dar prosseguimento a sua existência.

    O que se vê na segunda metade do filme é uma jornada de combate ao medo, onde a confiança de ambos é posta à prova, envolvendo os seres que dependem deles, como o filho de Nina e Roy, o pequeno Casey  (Evan O’Toole). É bastante curioso observar o quão tacanho é o flerte entre ambos e o quão pesado é o modo de lidar com seus fantasmas. Quando está começando a mostrar alguma melhora, Claire tem um terrível encontro com a figura de Leonard (William H. Macy), que seria o catalisador de sua angústia existencial. O dramático reencontro faz a protagonista ter uma recaída nos seus antigos erros.

    As “visitas” de Nina seguem crescentes, manifestando, entre outros sentimentos, a vontade de suicídio, além do profundo remorso por estar roubando da defunta a possibilidade de uma boa vida, sentimentalmente plena, apesar das dores. O desespero aumenta de tal forma que os espíritos, da delirante mulher e da personagem espectral, quase se encontram.

    A trajetória vista no roteiro de Patrick Tobin é de total reconstrução, de moral e autoestima através de ações espontâneas. Um panorama que não demonstra compadecimento de suas personagens, tampouco aplaca ou suaviza a mensagem para o espectador, ainda que todo o conteúdo se baseie em conceitos do senso comum. O mérito maior certamente está na atuação de Jennifer Aniston, ainda que não seja algo tão digno de nota quanto foi alardeado, especialmente pela proximidade de outra obra em que se destaca o desempenho de Juliane Moore, em Para Sempre Alice. Em Cake – Uma Razão Para Viver, sobressai uma atuação de sua maior estrela  conduzida na monotonia de um espírito único, sem liberdade para nuances.

  • Crítica | Mortdecai: A Arte da Trapaça

    Crítica | Mortdecai: A Arte da Trapaça

    Mortdecai - A Arte da trapaça - capa - poster

    Retomando a parceria com o diretor e roteirista David Koepp, com quem realizou o bom suspense Janela Secreta, adaptado de um conto de Stephen King, Johnny Depp retorna às telas com mais um papel evidenciando sua predileção por personagens bem caracterizados pela estranheza e afetação.

    Mortdecai – A Arte da Trapaça se baseia em uma personagem criada por Kyril Bonfiglioli, um romancista britânico que compôs uma trilogia cômica sobre um anti-herói aristocrata negociador de artes, principalmente no circuito alternativo. Com um proeminente bigode francês, a personagem, ao lado de seu fiel ajudante Jock (Paul Bettany), é considerado um pícaro. Um tipo que representa uma espécie de malandro, um homem que transita na sociedade sobrevivendo como possível dentro ou fora da lei. Normalmente nessas obras, o riso é provocado pelas situações, uma maneira de satirizar o conjunto da sociedade.

    Na trama, o Lord Mortdecai passa por uma crise financeira e aceita a proposta do inspetor Martland (Ewan McGregor) para investigar a morte de uma restauradora de quadros em troca da dívida perdoada. Ao mesmo tempo, tenta manter o investigador longe de sua esposa Johanna (Gwyneth Paltrow), pela qual é apaixonado. O humor focado em uma personagem estranha não é cativante. Afetado em demasia, como se vivesse em um mundo à parte, Mortdecai e o roteiro parecem ambientar-se em dois momentos diferentes. Mesmo que o anacronismo seja proposital para criticar uma visão atrasada da aristocracia britânica, o riso crítico se perde em meio a muitas piadas cênicas e corporais.

    Depp dá prosseguimento a sua má fase na carreira em mais um papel afetado que revela uma repetição dos trejeitos de outros personagens recentes e bizarros, como o capitão Sparrow de Piratas do Caribe e o vampiro de Sombras da Noite. Ainda popular devido a outras caracterizações marcantes, há certo tempo o ator não entrega uma grande interpretação, tanto de sua vertente estranha quanto de um papel mais tradicional, como o cientista do péssimo Transcendence – A Revolução.

    Esteticamente, o filme utiliza recursos de computação gráfica e ângulos diferentes em cenas de transição para promover uma agilidade à farsa. Mas esses procedimentos aumentam o tom bobo e superficial da trama e não são capazes de trazer o timing cômico à história. As piadas estão presentes, mas não trazem a carga de efeito necessária. E o roteiro frágil ajuda a ampliar a sensação de vazio, como uma obra trabalhando um potencial bom personagem, composto sem o cuidado adequado, como se o humor não fosse tão requintado quanto o drama.

  • Crítica | Mais Velozes e Mais Furiosos

    Crítica | Mais Velozes e Mais Furiosos

    Mais Velozes e Mais Furiosos 1

    Do alto de luzes neon, com muito mais cor saturada e blusões desproporcionais à magreza de seu astro Paul Walker, Mais Velozes e Mais Furiosos consegue perder completamente o aspecto visual e a ambientação do filme de Rob Cohen, Velozes e Furiosos. Repleto de super closes nos olhos, o filme já começa dentro de uma corrida, apresentando quase todos os personagens centrais: Ludacris Bridges (Ludacris), a oriental Suki (Devon Aoki), Brian, que não justifica os fatos ocorridos no primeiro filme, e a voluptuosa Monica Fuentes (Eva Mendes), a policial a quem o protagonista se reportaria, ainda não introduzida.

    Depois da corrida encerrada, os que conseguiram finalizá-la certamente comemoram, mostrando uma mediocridade não vista no primeiro episódio. Mais pasteurizado ainda, o conteúdo inconveniente é reprisado neste, até a captura do tira, que deveria mais uma vez realizar uma ação infiltrada em um cartel de drogas de Miami, claramente imitando alguns seriados famosos. Brian O’Connor escolhe então um parceiro condizente com sua paixão por carros, Roman Pierce (Tyrese Gibson), para justificar a química e tensão racial, que jamais se justificam no filme todo.

    As razões que envolvem as ações de O’Connor e Pierce são fracas, seguidas de cenas cômicas mal concebidas, com uma direção pesada e a pecha de alívio cômico de Gibson muito mal encaixada, uma vez que quase nenhuma de suas piadas consegue fazer rir. É curioso como a manobra de aposta do próprio veículo, usada por Brian como fator surpresa, vira rotina em Mais Velozes e Mais Furiosos, e é usada até em outros momentos da franquia. O que antes era uma novidade é brutalmente banalizado, assim como todos os fatores positivos da episódio original.

    Toda a exploração do tema é realizada como nos blaxploitation, desde a palheta de cores até o alto número de negros no elenco principal. John Singleton já havia realizado Baby Boy e Shaft, produções muito mais inspiradas. O tom de completo exagero faz com que o roteiro vazio consiga denegrir até as invenções das câmeras de Singleton, quase sempre artificiais, tentando explorar uma erudição que não combina em nada com o estilo dos filmes.

    Não há qualquer rastro de naturalidade nos personagens. Mesmo as cenas de tortura com ratos são risíveis. A longa duração também é um incômodo, não só por ter quase duas horas de exibição, mas também porque a trama não sustenta sequer um média metragem. As artimanhas de despiste, repletas de piadinhas e acenos para os policiais, fazem acreditar que o filme foi montado para atender a atenção de crianças pré-escolares, o que explicaria a violência sem sangue, as trapalhadas e piadas físicas, além dos cenários e figurinos semelhantes a Bambuluá, além da ausência de mortes, como nos desenhos de G.I. JOE.

    Exceto pela excessiva beleza de Eva Mendes, pouco há de positivo a se mencionar no filme. As cenas em CGI são muito mal feitas, os personagens não têm nem carisma nem profundidade, o vilão não convence em sua malignidade e não há plasticidade nas cenas de corrida. Possivelmente, a mudança de localidade ocorreu para distanciar a franquia do que ocorreu neste filme e sua trilha sonora fraca regada a PitBull – essa amálgama de defeitos faz deste disparado o mais vexatório de uma saga muito criticada.

  • Crítica | Caçador de Recompensas

    Crítica | Caçador de Recompensas

    Caçador de Recompensas - Poster

    Reunindo dois ícones das comédias românticas, Caçador de Recompensas põe frente a frente os personagens Millo Boyd (Gerard Butler), um caçador de recompensas que sempre está às voltas com os agentes da lei oficiais, e sua ex-esposa Nicole Hurly (Jennifer Aniston), uma atraente repórter que misteriosamente seria um dos alvos do primeiro personagem. Os dois surgem numa introdução que não possui nenhuma explicação prévia, já que, após a chamada inicial, a trama volta no tempo em vinte e quatro horas.

    Aos poucos, as diferenças básicas de estilos de vida de Millo e Nicole são notados, tendo em comum entre ambos a total dificuldade em lidar com autoridades, a ausência de pontualidade e a dificuldade de lidar com ordens superiores. Por algum motivo esdrúxulo, Nicole tem de comparecer ao julgamento que discutiria sua pena após a sua prisão, mas não consegue por ir atrás de uma matéria jornalística igualmente desimportante. Uma recompensa é avisada para que ela compareça em juízo, e um mandato é expedido, atendido convenientemente por seu antigo companheiro, que seria pago para encarcerar seu velho amor.

    Todos o entorno serve de pretexto para uma quantidade exorbitante de desencontros, além de uma caça mútua de Millo por sua “amada”, e de Nicole pelo seu desejo maior de se superar enquanto comunicóloga. As subtramas são na verdade um artifício bobo de roteiro para reunir os dois companheiros em volta do mesmo objetivo, que é a sobrevivência mútua, uma vez que o caso que a jornalista analisa tem forte ligação com o crime organizado, pondo em seu encalço o perigoso Earl Mahler, interpretado pelo sumido Peter Greene.

    Entre tantas incursões que visam reunir de volta os personagens que não se suportam, há um sem número de constrangedores momentos, que ao menos não irritam tanto quanto outros filmes adocicados que Butler tanto faz. O pouco uso da cafonice para contar a história do diretor Andy Tennant (de Hitch: O Conselheiro Amoroso) e da roteirista Sara Thorp (do suspense A Marca) consegue apresentar uma trama sem muita profundidade, mas que não é ofensiva para o espectador que não é o público-alvo.

    O final de Caçador de Recompensas guarda algumas cenas de ação bastante malfadadas, cuja orquestra patética faz perguntar o porquê de tanta falta de esmero com a direção. Como era esperado, os amores impossíveis ganham liga, claro, recheando o desfecho de humor, com uma entrega voluntária de ambas as partes. Eles preferem estar juntos, mesmo que todo o entorno e as circunstâncias lutem contra a obviedade do amor entre os protagonistas. É curioso como a cena final mostra Butler conseguindo pôr a cabeça entre o pequeno vão entre as barras prisionais, o que faz se perguntar se ele teria poderes sensoriais, ou se há qualquer preocupação da produção em tornar a cena algo que se enquadre no mundo real, mesmo em se tratando de uma comédia pasteurizada.

  • Crítica | O Biscoito Assassino

    Crítica | O Biscoito Assassino

    Tomando por base a fúria urbana, mostrada através de um perigoso assalto a uma lanchonete, e sem qualquer introdução, O Biscoito Assassino inicia-se com um fugitivo da lei chamado Millard Findlemeyer (do sempre canastrão Gary Busey), que ouve vozes do além, supostamente de sua falecida mãe. O vilão tem em sua mira uma família inteira, mas após assassinar um pai e um filho, ele opta por permitir que Sarah Leigh (Robin Sydney), a moça mais nova, viva, ignorando as ordens de sua mãe, que se comunica mentalmente com ele, como um Norman Bates mal instruído. Claro, sem que isso seja esclarecido jamais.

    O aspecto paupérrimo faz a fita parecer oriunda dos anos 70, mesmo que tenha surgido em 2005. Um entregador de capuz e capa preta deixa uma caixa de papelão, cujo conteúdo é incógnito, e misteriosamente vai parar dentro do estabelecimento, o que mostra que a personagem Sarah está fadada a sofrer. Neste momento, ela surge como uma confeiteira de mão cheia, que seguiu junto a sua “pinguça” mãe Betty Leigh (Margaret Blye) em uma padaria de pequeno porte.

    Nesse ínterim, percebe-se que Findlemeyer foi condenado à cadeira elétrica e, por isso, pereceu. Aliviados, os Leigh podem enfim concentrar-se em seus problemas mais flagrantes, que é o advento de uma megaestrutura, que feriria o público da panificadora, atrapalhando demais o sustento da família. É uma ode ao micro empresariado e uma crítica à globalização, mas feito nos moldes das esquetes cômicas do Chespirito, ainda que a defasagem de O Biscoito Assassino seja de três décadas posteriores.

    O padeiro abre a caixa da discórdia, que contém um saco de farinha deveras suspeitos. Após se cortar, gotas de sangue caem sobre o pó, em uma velocidade reduzida, num esforço do diretor Charles Band em emular um movimento sacro, de origem sobrenatural. Dentro da massa, em meio à batedeira gigante surge uma mão, preconizando o monstro que atacaria as pessoas dentro de muito pouco tempo.

    Após uma série de acontecimentos escabrosos, Sarah faz um biscoito com aquela massa, e a põe dentro do forno – que aliás é grande o suficiente para comportar ao menos dez pessoas. No entanto o patrimônio dos Leigh está bem mal, os amigos de Sarah atentam para isso, insistindo para que ela olhe para uma reforma do local. A moça prontamente diz algo, mostrando estar ciente dessa situação e de tantas outras: “não é só aqui que precisa de reforma, nossas almas também, mamãe voltou a beber”. Por onde passam os personagens, encontram-se garrafas e mais garrafas de Jack Daniels.

    O gestual das atrizes se assemelha muito às peças tipicamente encenadas em teatros de colégio. Todo o rami-rami tipicamente adolescente envolvendo Sarah, Lorna Dean (Alexia Aleman), e Amos (Ryan Locke), namorado da última é absolutamente desprezível e desinteressante. Um raio atinge o forno gigante para dar vida à massa assassina, que começa a atacar os pobres meninos.

    A continuidade do filme inexiste. Não há qualquer compromisso por parte da produção em fazer quaisquer as situações mostradas em tela terem lógica ou sentido. Repentinamente, um biscoito de pão e gengibre ganha vida graças ao raio, à farinha e graças a um roteiro completamente louco e que não explica nenhuma motivação para que essas coisas ocorram. Pior do que isso é quando o tal assassinato, com seu espírito preso ao tal alimento, passa no meio de todos os homens sem ser impedido em momento algum.

    Os personagens entram e saem sem justificativa e morrem do mesmo modo louco com que são apresentados. Mas isso é desimportante, uma vez que Sarah pretende reatar a relação antiga com Amos, eliminando a friendzone existente e deixada em segundo plano há anos. Na prática, ela guardou sua virgindade para um sujeito que não sabe nem ligar um gerador de energia, e que é péssimo de conta, já que sua principal fala é “não erro duas vezes” – frase proferida exatamente após disparar para o ar três tiros.

    Sem qualquer razão aparente, o padeiro Brick Fields (Jonathan Chase) retorna para acabar com Fiflemeyer, mas o ocaso se inverte e ele se torna o assassino de gengibre para logo depois ser assassinado, dentro do forno gigantesco. Impressiona como, apesar da curta duração (60 minutos, fora os créditos enormes de 11 minutos), todo o conteúdo da fita é muitíssimo enfadonho e pouco divertido. No quesito trash, há pouco gore, as atuações são tacanhas, claro (ponto positivo), e nem há tantas mortes. Havia um potencial enorme do filme em dar certo por seu caráter bronco e agreste, mas a obra não se mostrou tão exitosa quanto o esperado, nem em matéria de comicidade involuntária.

  • Crítica | A Caçada ao Outubro Vermelho

    Crítica | A Caçada ao Outubro Vermelho

    Caçada ao Outubro Vermelho - Poster - dvd

    Ao longo de sua duração, a Guerra Fria rendeu histórias maravilhosas, seja sobre eventos reais que ocorreram durante seu período, seja sobre eventos ficcionais inspirados por ela. No ano de 1984, praticamente no fim da guerra, o historiador e novelista Tom Clancy nos apresentou ao livro A Caçada ao Outubro Vermelho, primeiro de uma série protagonizada pelo personagem Jack Ryan. Em 1990, o livro foi adaptado para as telas do cinema com direção de John McTiernan, protagonizado por Alec Baldwin e Sean Connery, e com ótimo elenco coadjuvante.

    A trama do filme nos apresenta Markus Ramius (Connery), lendário comandante soviético que recebe a missão de capitanear o Outubro Vermelho, moderno submarino que possui um sistema revolucionário de propulsão que o torna praticamente invisível para sonares. Porém, Ramius desobedece ordens diretas da marinha soviética, vira o submarino para os Estados Unidos e segue em viagem, fazendo com que todos pensem em um ataque nuclear ao solo estadunidense. Entretanto, o analista Jack Ryan (Alec Baldwin) não crê em um ataque, mas em deserção, o que o faz entrar numa luta contra o tempo para provar sua teoria para seus superiores e à tripulação do navio USS Dallas, embarcação que conseguiu rastrear o submarino soviético e planeja afundá-lo.

    O diretor John McTiernan estava em grande forma na época, principalmente por ter dirigido Duro de Matar, um dos maiores clássicos do cinema de ação. Porém, enquanto seu trabalho anterior primava por sequências eletrizantes de ação, o diretor aqui prioriza a construção de uma sufocante atmosfera de tensão, uma vez que o filme possui uma série de núcleos narrativos onde se passam diversas partes da ação, tais como o submarino Outubro Vermelho, o USS Dallas, a Casa Branca, o outro submarino soviético V.K. Konovalov e ainda Jack Ryan, pois o protagonista passeia por grande parte desses núcleos. Em nenhum momento o diretor deixa o ritmo do filme cair, contando com a ajuda de uma bem orquestrada edição ágil da dupla Dennis Virkler e John Wright. A fotografia de Jan De Bont também ajuda a construir a atmosfera do filme.

    O roteiro da dupla Larry Ferguson e Donald E. Stewart é bem amarrado e interessante. Novamente, é necessário ressaltar a quantidade de núcleos narrativos. Seria muito fácil que o roteiro se perdesse em algum ponto ou que viesse a negligenciar algum dos núcleos, mesmo todos sendo tão importantes e necessários para o desenvolvimento da história, ainda que o foco principal da narrativa seja Jack Ryan e Markus Ramius. Porém, todos têm a sua importância bem delineada no roteiro. Os diálogos dos personagens são bem claros e objetivos, ainda quando vêm carregados de alguma linguagem mais técnica que precise de esclarecimento para o espectador. Nada fica didático demais, ou mesmo gratuito. Talvez o grande problema do roteiro seja a questão do sabotador, que até é abordada pontualmente, mas acaba ganhando uma importância excessiva no final. Por falar em final, a reviravolta que ocorre e se relaciona ao submarino Outubro Vermelho é muito inventiva e crível.

    O elenco do filme esbanja competência. Sean Connery entrega uma excelente interpretação para o comandante Markus Ramius. Sua imponência em cena reflete bem a importância da patente do personagem. Por ser um analista da CIA e não um agente de campo, Alec Baldwin cria um Jack Ryan meio deslocado e vulnerável, e isso acaba sendo uma escolha muita acertada do ator, afinal o personagem não se familiariza com o mundo em que acabou entrando quase que por imposição. Sam Neill interpreta o imediato do Outubro Vermelho e grande amigo do comandante Ramius com bastante competência, assim como Scott Glenn, que interpreta o implacável e inteligente comandante do USS Dallas. As breves aparições de James Earl Jones como o diretor da CIA a quem Jack Ryan é subordinado, e de John Gielgud como um diplomata soviético abrilhantam a fita. E um ainda desconhecido Stellan Skarsgard entrega ótima performance como o alucinado comandante do V.K. Konovalov, ainda que também tenha pouco tempo de cena.

    A Caçada ao Outubro Vermelho é um ótimo exemplar de thriller de espionagem e mostra que nem sempre os filmes do gênero precisam apelar para superespiões e sequências mirabolantes de ação.

  • Crítica | Sherlock Holmes: A Voz do Terror

    Crítica | Sherlock Holmes: A Voz do Terror

    SH A Voz do Terror 1

    Primeiro dos doze filmes feitos pela Universal com Basil Rathbone e Nigel Bruce fazendo os canônicos personagens de Arthur Conan DoyleSherlock Holmes: A Voz do Terror é regido por John Rawlins (de As Mil e Uma Noites, Dick Tracy em Luta e Dick Tracy Contra o Monstro). A primeira história do detetive se passa em tempos atuais, no ano de 1942, e toca em um assunto relevante, a Segunda Guerra Mundial. Iniciando-se com uma transmissão de rádio de cunho sensacionalista, A Voz do Terror remete a Alemanha do III Reich na tentativa de apavorar o “bravo” povo inglês, anunciando um grande número de atos de guerra com o claro intuito de minar a autoestima dos estrategistas e do povo.

    Após uma reunião da inteligência nacional, a portas fechadas, uma parcela dos presente sugere a inclusão do detetive particular no encontro, ideia que seria prontamente rebatida pela ala mais temerosa. Rathbone encarna um Sherlock mais sério que nos filmes anteriores, menos piadista e mais autocentrado, um sujeito mais experiente, talhado pelo tempo. A escolha da iluminação do figurino junto a fotografia dão à obra uma atmosfera noir inexistente nos episódios da 20th Century Fox, o que faz do filme como um todo bastante pitoresco e competente.

    O trabalho de investigação de Holmes não funciona perfeitamente com o excesso de interferências e relatórios, o que deixa aqueles que eram contra a sua convocação em polvorosa. Sherlock é quase tão onisciente quanto o público, o que prova ainda mais o seu valor como investigador. Pouco depois de comprovar em tela quem teria entregue informações ao inimigo, Holmes chega à conclusão de que alguém trabalhara contra a causa.

    É complicado acreditar que o protótipo do MI6 aceitaria de forma tão condescendente as orientações de um profissional como Holmes, ainda mais após uma tratativa fracassada à primeira vista. Mesmo com toda a superioridade do protagonista em relação aos outros personagens, a explicação do herói mostra que o seu método de dedução não obteve o êxito esperado graças à ação e interferência de seus ditos superiores, tendo que terminar o seu raciocínio discursando aos presentes numa espécie de tribunal improvisado – que de forma profética antevia Nuremberg – desmascarando um agente infiltrado que agiu no alto escalão britânico por longos 24 anos.

    Apesar de inverossímil, e até infantil, a trama é intrigante. Como cinema-resposta aos filmes de propaganda partidária de Joseph Goebbels, na Germânia, a obra contempla uma mensagem positiva de “marcha em frente” contra o vil inimigo nazista, traduzindo-se em um discurso motivador para a Inglaterra e as forças do bem contra o Eixo.

  • Crítica | As Maravilhas

    Crítica | As Maravilhas

    As Maravilhas 1

    O  bucólico mundo da aldeia interiorana de Úmbria é muito bem flagrada pelas câmeras de Alice Rohrwacher. Com o raiar do sol, Gelsomina (Maria Alexandra Lungu) acorda seu pai, Wolfgang (Sam Louwyck), para cuidar da chácara e do serviço de apicultor. Após também despertar suas irmãs, a menina anda pela propriedade, até achar uma movimentação estranha, próxima dos rochedos onde corre uma cachoeira. Em meio ao brilho do sol, ela nota uma figura igualmente iluminada, olhando meramente para cada passo da artista que protagoniza a gravação de um programa de TV. Milly Catena (Monica Belluci) é o resumo de tudo o que Gelsomina e suas irmãs jamais serão, uma cidadã do mundo, livre para viver exatamente o que quer.

    A rigidez da criação que seu pai impõe faz o quarteto de filhas gastar cada minuto nos outros cuidados típicos da fazenda, como o cultivo de leguminosas, flores e frutos. O comportamento assemelha-se demais a um regime escravo, remetendo ao conceitos do clássico dos irmãos Taviani, Pai Patrão, no qual a figura patriarcal é dona de qualquer direito e esforço de seus rebentos, utilizando-se deles ao seu bel prazer.

    A proximidade entre as locações das gravações e o sítio faz a menina protagonista enxergar no show um oásis, uma ilha paradisíaca se comparada à morada desértica em que vive, concentrando no local possivelmente a única fonte de tranquilidade, alento e alívio de sua árdua existência. No entanto, o roteiro faz questão de mostrar todo o esforço que Wolfgang faz para manter as contas em dia e a rotina de sua família em ordem, assemelhando demais à estrutura familiar e a opressão entre pai e filho do recente Árvore da Vida, mostrando que a a rigidez de caráter não esconde a preocupação entre os iguais.

    É curioso notar toda a contemplação presente na película, com cortes secos que resultam em imediatos entreveros e conflitos existenciais, seguidos de qualquer introdução mínima, como se aspectos tão distintos tivessem habitação harmônica dentro do universo contido na ilha/aldeia, algo previsto na calmaria do trabalho braçal, seguindo o tratamento aos insetos capazes de matar um homem adulto.

    As semelhanças narrativas com o recente fenômeno pernambucano O Som ao Redor são muitas, especialmente por flagrar o ócio e observar a falta de movimentação da rotina, ainda que o escopo de As Maravilhas não esteja voltado para o urbano, e sim para o cidadão interiorano. Em determinados momentos, a obra serve de entretenimento ao cidadão cosmopolita, um motivo de deboche e riso, semelhante à chacota feita com arquétipos como os de Jeca Tatu de Monteiro Lobato.

    A exibição dos herdeiros de Wolfgang tenta compensar a vergonha do homem em estar no palco, mas o número perigoso, envolvendo as abelhas que provêm o sustento do clãs, não serve para nada, além de fomentar o quão grotescas e pitorescas são as pessoas que habitam o picadeiro, diante dos olhos dos civilizados espectadores. O final da fita remete à mesma escuridão presente no começo do filme, que antes anunciava a chegada dos integrantes do programa e que no fim despede as pessoas da aldeia daquela rotina com potencial de glamourização. Mesmo sem o brilho dos holofotes e sem as condições mínimas de conforto, é possível desejar a felicidade encontrada no alento por dias melhores, ao mesmo tempo não descarta a desesperança como modo de vida.

  • Crítica | Pecados do Meu Pai

    Crítica | Pecados do Meu Pai

    Pecados do Meu Pai 1

    Documentário confessional, Pecados de Mi Padre inicia-se na análise da efervescente cena política colombiana, mostrando um país violento, com queimas de carros e revoltas populares em pleno asfalto, eventos que ajudaram a cercear algumas vidas do panorama nacional. É nesse cenário que será explorada a história de Pablo Escobar, narrada por seu filho, radicado na Argentina, e que até o nome mudou, de Juan Pablo para Sebastian Marroquin, factoide utilizado para livrar-se de maiores ligações da controversa figura paterna.

    Chega a ser curioso que a justificativa das ações do conhecido negociador de drogas seja feita pela pessoa que refutou o próprio nome, renunciando ao sangue que, para muitos, era maldito. Sem ignorar todo o poder que Escobar tinha do tráfico de cocaína, sendo ele um barão da mundial da droga, o documentário de Nicolas Entel mostra uma faceta normalmente ignorada pela opinião pública norte-americana. Relacionada a ambições políticas, a figura compreendia ações filantrópicas, com construções de casas populares e até mesmo o subsídio a populações mais pobres, além de sua enorme vontade de participar diretamente do pleito eleitoral, apoiando candidatos que lhe eram caros.

    A extrema agressividade de Pablo com seus adversários é muito bem escrutinada, com cenas de arquivos visuais da época, mostrando o carro, onde ocorreria um dos assassinatos, ainda repleto de sangue do vitimado, e uma entrevista com parentes de alguns dos mortos. Mortes encomendadas pelo chefe do cartel.

    O crime que causou a maior cisão entre Escobar e a opinião pública civil foi o assassinato do candidato à presidência Luis Carlos Galán, que era uma das esperanças do início de um processo de limpeza moral. A partir daí, o antigo ativista passou a ser visto como terroristame inimigo número um do país latino, perseguido por cada um dos membros normativos da sociedade colombiana. O estilo de vida esbanjador prosseguiu vivo mesmo com o criminoso encarcerado.

    Quase tão assustadora quanto a volúpia por sangue e violência presente no comportamento do “facínora”, foi a resposta da população com os remanescentes da família Escobar, logo após o falecimento de seu patriarca, sendo cada um deles caçado como se tivesse culpa dos atos de seu pai. Curiosamente, o principal aliado dos parentes, especialmente de Marroquin, foi exatamente o filho de Galán, Rodrigo Lara, eleito senador e configurando-se em um voraz defensor da legalização das drogas em território nacional.

    Pecados do Meu Pai dá voz a uma parcela importante da história da civilização moderna da Colômbia, sem fazer concessões ao principal personagem biografado, mas também fugindo de qualquer possibilidade de maniqueísmo, apresentando um panorama político e social ainda bastante presente, e em nada aplacado pelo brutal assassinato do personagem focado pela lente e estudo da película de Entel.

  • Crítica | Não Olhe Para Trás

    Crítica | Não Olhe Para Trás

    Não Olhe Para Trás 1

    Estreando na cadeira de direção, após um longo currículo como roteirista, Dan Folgerton realiza seu filme como uma peça de redenção, baseada em uma figura supostamente real que remeteria aos longevos musicistas sexagenários que tiveram seu auge nos anos sessenta e setenta. Danny Collins – ou Não Olhe Para Trás (principal música do astro de rock biografado) – inicia-se com um jovem Eric Michael Roy para mostrar o personagem-título ainda cru, comentando sua influência enquanto compositor através de John Lennon. Ainda assim, uma figura estranha, uma vez que todos os discos espalhados pelo filme usam as imagens do acervo fotográfico de Al Pacino.

    As próximas cenas mostram a entrada de Collins em uma palco, toscamente abrindo uma porta que o leva diretamente ao centro – cena esta que seria pervertida no futuro –, exibindo um homem preguiçoso e acomodado pela eterna questão de ser rico, famoso e de ter o mundo aos seus pés. O uso abusivo de drogas ajuda a montar um arquétipo de bad boy geriátrico, repleto de whiskey e cocaína, enquadrando o idoso interpretado por Pacino como um homem cujos luxos e desilusões o dominam.

    O quadro de tranquilidade muda quando seu único amigo remanescente, e empresário, Frank Grubman (de um subaproveitado Christopher Plummer), lhe entrega um presente, uma carta que John Lennon lhe escreveu em 1971 sobre a entrevista que ele deu a revista Chime In, presa com o então editor, para que pudesse barganhá-la por muito dinheiro. O entrevistador faleceu, e a mensagem foi parar nas mãos de um colecionador, até ser comprada pelo manager, que tinha em mãos algo semelhante a uma garrafa perdida ao mar.

    A postura visual de Danny muda, quando, em sua cama, se permite ser ele mesmo, de óculos espessos e grande armação, que pretensamente o fariam ler melhor a carta, livre de qualquer aparência pré-fabricada do ser extremamente sexual que precisava pintar no passado, e que na vida idosa já não fazia quase efeito nenhum. O texto da carta envolvia a superação de qualquer condição monetária ante o ofício artístico da composição. Envergonhado, em frente a um outdoor com a sua imagem anunciando o volume três de uma coleção de Greatest Hits, o sujeito decide abandonar as drogas e rumar a Nova Jersey para escrever novas canções e uma nova história.

    Em um hotel modesto, Danny se interessa visualmente pela gerente Mary Sinclair (Annete Benning), que não chega perto das beldades com quem costuma transar, interesse este certamente ligado ao fato de perceber estar envelhecendo. A realidade, em uma análise frívola, revela somente uma crise de meia-idade. A busca por elementos diferentes faz com que encontre pessoas que deveriam ser de sua rotina, mas nunca foram.

    O cantor visita então seu filho perdido, encontrando sua nora Samantha (Jennifer Garner), grávida de seis meses, além da brava e linda Hope (Giselle Eisenberg), sua neta que sofre do transtorno de déficit de atenção. Ao encontrar Tom (Bobby Cannavale), ele é rejeitado, tendo enfim a retribuição por décadas de ignorância.

    Não Olhe Para Trás relaciona-se a Mesmo Se Nada Der Certo, mas em versão madura, tendo muitos dos elementos do roteiro de Última Viagem a Vegas. No entanto, falta o carisma dos filmes citados, e claro, o ponto alto do escritor em Amor a Toda Prova. Depois de compor apenas um pedaço de uma futura música, Danny decide ajudar sua neta a despeito do desprezo de Tom, começando uma miniaventura nessa jornada de reconstrução.

    O caso se agrava com a descoberta de que seu filho tem uma doença, o que acumula ainda mais a barra de clichês, um traço comum entre as gerações – que inclui também o roteiro –: a petulância. Em um dos poucos movimentos inesperados, Danny decide montar um modesta apresentação final, que até começa promissora na entrada do músico por uma porta de saída. Porém, logo a aura é quebrada com o retorno do showman e sua música tema, exibindo os ecos de uma carreira viciada que se importa com o público caquético que o acompanha, mas não o suficiente para o cantor sair de sua zona de conforto.

    Apesar do belo elenco de apoio, há poucas luzes da ribalta, mesmo para o redescoberto Al Pacino. A mensagem final é de que a natureza humana não muda, mas os préstimos de atenção e carinho podem ser presentes, mesmo na rotina de um velho homem, algo já foi visto em praticamente toda a filmografia do roteirista/diretor, mas sem a mesma inspiração das obras anteriores.

  • Crítica | Frank

    Crítica | Frank

    Frank - Poster

    O romance O Homem Que Encarava Cabras, de Jon Ronson, demonstrava o gosto do autor pelo bizarro como vertente narrativa de suas histórias. Mais do que apreço a um estilo de escrita, Ronson viveu momentos peculiares ao ser integrante de uma banda que tinha como líder um homem com uma cabeça de papel machê. Com base nos escritos do próprio autor sobre este período, ao lado do roteirista Peter Straughan (O Espião Que Sabia Demais), o diretor Lenny Abrahamson lança este estranho filme de humor negro sobre a criatividade na arte.

    A história de Frank (Michael Fassbender) se baseia no alterego de Chris Sievey, um comediante britânico de meados de 70, criador deste personagem que aparecia em programas televisivos com a cabeça de papel machê e pelo qual conquistou aura cult ao realizar uma turnê com um show cômico que se dividia entre stand-up e performances musicais. Como diversos produtos artísticos baseados em fatos reais, o filme modificou a estrutura da personagem, transformando-a em um símbolo do bizarro, desassociando-a da biografia de Sievey, como se ganhasse vida própria.

    O narrador da história é Jon Burroughs (Domhnall Gleeson), um músico-compositor à procura de seu estilo próprio. Caminhando pela ruas da cidade, observa a população com esperança de encontrar a fagulha para compor um grande hit de sucesso. Em seu ponto de vista, a inspiração vinha de atos mundanos, e ele, diariamente, trabalha neste exercício de observação. A oportunidade de participar de uma banda surge literalmente à sua frente ao presenciar a tentativa de suicídio do tecladista da banda The Soronprfbs, oferecendo-se para o posto vago enquanto o tecladista oficial está em observação e repouso em um hospital.

    O líder da banda, Frank, é um homem com um passado desconhecido que se esconde dentro de uma grande cabeça feita de papel machê. Com documentos que lhe dão autorização legal para usá-la, a personagem se sente desconfortável com rostos humanos e escolhe uma aparência fixa – uma máscara que não retira nem mesmo ao tomar banho – para ser observado pelo mundo. O jovem tecladista sofre um breve estranhamento diante deste homem diferente, mas reconhece que por baixo da cabeça falsa, existe um artista verdadeiro e muito inspirado.

    Frank representa o artista extremamente excêntrico que acredita na música como fruição vinda de qualquer local. Sua banda é intencionalmente alternativa, produzindo um som próximo do noise rock com distorções exageradas, e um teremim que dá maior intensidade caótica à melodia. Nos vocais, as letras beiram o non sense, com frases poéticas misturadas a descrições e palavras não usuais da língua. É sua liderança que guia a banda e promove verdadeiros rituais de composição musical.

    Enquanto a banda permanece em local isolado para gravar um novo disco, o músico produz um diário eletrônico sobre o dia a dia com os colegas, e publica diversas gravações dos ensaios e dos malucos rituais de liberação inspiracional. Consequentemente, a banda e Frank se tornam populares na rede e são convidados a participar de um festival nos Estados Unidos.

    Se Frank apresenta o que há de mais estranho em uma personalidade, Burroughs deseja levar a banda a um novo patamar pop com canções acessíveis que lhe trariam um sucesso maior. Uma mudança estrutural suficiente para gerar atrito entre a equipe que considera o som experimental o ápice da musicalidade. Os problemas internos são frutos de objetivos diferentes de cada um, e Frank aceita as mudanças por conta da simpatia que tem pelo novo tecladista. De maneira passiva, o líder de cabeça de papel machê vai cedendo aos desejos musicais do garoto e vendo a banda implodir lentamente.

    O bizarro é tratado com naturalidade pelas personagens, mas causa estranhamento no público. Mesmo baseando-se parcialmente em uma história real, é a diferença extrema entre a costumeira realidade que nos faz refletir sobre a mensagem da obra. Um diálogo que usa o estranho como meio de demonstrar a impossibilidade de definir o que é o artístico, já que não há códigos de conduta ou vestimenta que automaticamente produzam bons artistas. A figura de Frank é carregada de um mistério que o público deseja descobrir para compreender suas motivações.

    O estranho se revela com maior fragilidade do que se pressupõe inicialmente. Aumenta a ambiguidade da personalidade forte enquanto usa a máscara, mas delicada quando humana. Uma história que transita em extremos para se revelar mais sutil do que parece e, pelo exagero cênico, ser capaz de se diferenciar de tantas outras obras recentes que se articulam sob a arte e a composição artística.

  • Crítica | The Rover: A Caçada

    Crítica | The Rover: A Caçada

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    The Rover: A Caçada, trabalho mais recente do cineasta australiano David Michôd, se debruça novamente sobre a violência e a degradação de uma sociedade como tema principal, da mesma forma com que realizou anteriormente Reino Animal, de 2010.

    A trama aqui desenvolvida é construída de forma crua e fria, seja nas atuações, fotografia ou na própria direção. O cenário utilizado só reforça essa temática: extremamente desolador, empoeirado e vazio. Apenas a miséria tem espaço na trama. Michôd reforça isso paulatinamente na tela, assim como o roteiro nos apresenta um mundo que passou por alguma espécie de cataclisma econômico ou ambiental, e o transforma num cenário pós-apocalíptico que ainda respira por aparelhos até o seu derradeiro fim. O mesmo vale para o desenvolvimento dessa história, que se dá de maneira lenta, com ritmo próprio. O que temos é um fim gradual, lento e doloroso.

    A trama inicia-se em algum lugar de um inóspito deserto australiano, onde a lei deu lugar apenas a um estado de violência latente. Neste cenário, somos apresentados a Eric (Guy Pearce), que, após ter seu carro roubado por três homens, decide segui-los para recuperar o veículo. Em sua busca encontra Rey (Robert Pattinson), irmão de um dos assaltantes que roubou o carro de Eric, e havia sido deixado pelo grupo após ser ferido em um assalto. Eric vê em Rey a oportunidade de recuperar o automóvel, enquanto Rey encontra a chance de se vingar por ter sido deixado para trás por seus companheiros.

    Interessante notar como a química entre os dois atores funcionam bem. Pearce novamente entrega uma performance bastante comedida, de poucas palavras, mas repleta de nuances que se desenvolvem ao longo da trama. Pattinson, por sua vez, procura se desvencilhar de seu passado na série Crepúsculo, e assim como já havia sido feito em Cosmopolis, de David Cronenberg, o ator confere uma boa caracterização de um personagem com certa dose de loucura e forte inclinação para a violência. Um belo trabalho do ator que a princípio se esconde atrás de tiques, distúrbio de temporalização da fala e uma prótese dentária, para escancarar um estudo de personagem comovente, voltado ao desespero e à violência contidos dentro de todos nós.

    Michôd parece evocar os trabalhos iniciais de John Hillcoat, A Proposta e A Estrada, além do próprio cenário desolador de Mad Max, para evidenciar sua visão em The Rover. O road movie distópico do diretor expõe uma violência gráfica, e por vezes fetichista, ao longo da trama, reforçada pela visão de mundo cético de suas personagens, com auxílio da fotografia, sempre saturada pelo sol escaldante do deserto ou do próprio cenário poeirento deste mundo.

    The Rover – A Caçada é construído de forma lenta, utilizando o silêncio como método narrativo. Longe de ser um filme óbvio, embora a própria personagem de Pattinson relate em dado momento da trama que “nem tudo precisa ter um significado”, o longa traz importantes reflexões para quem estiver disposto a fazer esses questionamentos.

  • Crítica | Grandes Olhos

    Crítica | Grandes Olhos

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    Em plena audiência, diante do juiz e sob o olhar atento dos jurados, uma mulher vai deslizando seu pincel pela tela, imprimindo no espaço em branco traços de melancolia que transbordam dos grandes olhos de um rosto de criança!

    Parece cena de um filme, e o é, na verdade! Mas é também uma cena que retrata a realidade da vida de uma mulher dos anos 50, e marca o emergir de sua liberdade. No entanto, tanto quanto um discurso feminista ou uma evidência de como o papel da mulher, fora dos afazeres domésticos, nada mais era do que uma apagada sombra do marido, Grandes Olhos é quase uma metalinguagem. É uma criação visual (paleta de cores que sussurram e que gritam), orquestrada com sensibilidade, onde o diretor expõe a dualidade de Margaret (silêncio e voz), a qual, por sua vez, se mostra através das expressões dela mesma e do que nos falam os grandes olhos das suas obras.

    Em sua segunda cinebiografia (a primeira foi Ed Wood, de 1994), Tim Burton conta a história da artista plástica Margaret Keane, cujos quadros, com nuances peculiarmente perturbadores, representavam o conjunto de obras mais rentáveis comercialmente das décadas de 1950 e 1960. Ainda que ela e sua filha pudessem usufruir do conforto proporcionado pela venda dos quadros, e das cópias impressas que os popularizaram, era Walter Keane, seu marido, quem recebia os holofotes da fama pelo sucesso das obras, já que induzira sua mulher a assinar com o sobrenome comum aos dois.

    Trancada em seu estúdio, escondida do mundo e mesmo da filha, era no movimento do pincel e no preencher da tela, que Margaret (Amy Adams) desabafava sua frustração e melancolia. A sociedade estabelecia as regras! Artistas do sexo feminino eram colocados à margem, ou sequer percebidos! E Walter (Christoph Waltz), que não mostrava qualquer talento para a pintura, o tinha de sobra para convencer a esposa a curvar-se diante das normas. Mas não para sempre! A angústia que se contorcia em sua alma, ao perceber que lhe eram roubadas suas sensações mais íntimas, refletidas na pintura, resolve rasgar as amarras da submissão, e enfrentar um tribunal para legitimar a autoria das obras.

    Christoph Waltz tem em seu histórico dois brilhantes desempenhos, os quais, sob a direção de Quentin Tarantino, lhe renderam dois troféus no Oscar (e outras premiações) como Melhor Ator Coadjuvante. Quem não se lembra do incrível personagem Landa, em Bastardos Inglórios, e do Dr. King Schultz em Django Livre? Mas permita-me confessar que, ainda que alguns tenham ovacionado a atuação de Waltz em Grandes Olhos, destacando a cena do tribunal, eu o vejo uma tanto caricato, e é inegável que perde a cena para Adams.

    Amy Adams incorporou, com intensidade, uma mulher dos anos 50, cuja alma de artista lhe dá a capacidade de tecer traduções sobre os códigos da vida, mas que se vê transitando entre a coragem em romper padrões sociais e a coragem (sim, eu escrevi “coragem”) em se curvar a eles.

    Não é por acaso que esta atuação lhe rendeu o Globo de Ouro de Melhor Atriz de Filme Musical ou Comédia. No ano anterior, havia ganho também por Trapaça, filme pelo qual também recebeu uma indicação ao Oscar, após outras nomeações ao prêmio da Academia como Melhor Atriz Coadjuvante em Retratos da Vida, Dúvida, O Lutador e O Mestre.

    Talvez, numa primeira impressão, você não reconheça a assinatura de Burton em razão do realismo do filme, em contraste com o tema fantasioso do envolvente Edward Mãos de Tesoura, Batman: O Retorno e Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas, entre outros. Mas perceba como Tim deixa as suas digitais! Se não por outros aspectos, pincelados aqui e ali, elas estão visualmente traçadas nas olheiras escuras das crianças, pintadas por Margaret, numa incrível identificação com a mesma característica constante em tantos outros personagens do diretor, como o tímido Edward, o barbeiro Benjamin Baker, o corajoso Jack Sparrow… Seria isto apenas uma coincidência? E coincidências existem, principalmente em um universo onde cada detalhe, sob a lente da câmera, é minuciosamente escolhido?

    Texto de autoria de Cristina Ribeiro.

  • Crítica | Alice no País das Maravilhas

    Crítica | Alice no País das Maravilhas

    O conceito de re-conto permeia toda a produção do filme da Disney encabeçado por Tim Burton, não só pelas dezenas de outras adaptações do romance de Lewis Carroll, mas também por apresentar a personagem-título vivendo outros paradigmas, que não só os de discutir os devaneios que teve ao ter contato com o mágico mundo visitado em sua infância. Aproximadamente dez anos após os eventos do livro, Alice (Mia Wasikowska) não se lembra da viagem ácida que fez no passado, sempre relegando estes eventos a lembranças de sonhos, destacando um ou outro elemento enquanto frequenta uma festa pomposa, repleta de socialites.

    Já próxima da fase adulta, Alice vê em si a responsabilidade de salvar sua família da crise financeira que a acometeu desde que sua mãe (Lindsay Duncan) ficou viúva, restando à garota um casamento forçado com uma figura efeminada, que certamente não supriria quaisquer de suas necessidades maritais, factoide este aplacado, claro, pelo fato desta obra ser uma fábula infantil.

    Para Alice, mais interessante é dar vazão à perseguição ao Coelho. A busca pela clarividência dos fatos esquecidos pela personagem principal ocorre em meio a um grotesco cenário, com uma paleta de cores que não tem identidade, nem ser clara o suficiente para remeter aos desenhos animados dos tempos áureos de Walt Disney, mas não tão escura o suficiente para reproduzir o barroco comum da filmografia de Burton. É curioso como a completa falta de espírito alastra-se na fita tanto quanto com a representação de sua heroína, fazendo se perguntar se o erro não é proposital, desconsiderando a costumeira incompetência do diretor em apresentar histórias simples.

    Os desencontros seguem com uma enorme gama de personagens descartáveis e sem carisma, praticamente proibindo qualquer rastro de empatia com a jornada. O script de Linda Woolverton é banguela, sem qualquer possibilidade de uma digestão saudável por parte do público. Tudo é motivado pelo péssimo e enorme conjunto de falhas e incongruências que fazem discutir a culpabilidade da ruim qualidade da obra, se da roteirista ou do diretor. Burton costuma transformar bons textos em apresentações demasiadamente incongruentes, fator que faz pesar a responsabilidade, uma vez que Woolverton coleciona muito menos pecados filmográficos que o cineasta.

     O Chapeleiro Louco de Johnny Depp nem é tão irritante se comparado ao pastiche do ator através dos anos com a saturação de Jack Sparrow, Tonto, seu personagem em Sombras da Noite – também de Burton –, e, claro, se confrontado com o porre causado pela Rainha de Copas de Helena Bonham Carter. O grotesco da maquiagem e as colocações verbais não conseguem ofuscar todo o equívoco que é sua performance dramática, certamente um dos mais lamentáveis aspectos do já combalido filme.

    Outra infeliz coincidência de erro dentro da trama é a aleatoriedade do tamanho de Alice, que em muitos momentos tomava algum tipo de poção que a fazia aumentar e diminuir de tamanho, uma tentativa óbvia de exibir que, para uma adulta, aquele mundo louco já não era cabível, tornando a inadequação o ponto máximo do incômodo que é terminar de assistir à película. Evidencia-se, assim, o quão banal é toda aquela caracterização grotesca e descabida, que serve quase que somente para desvirtuar os rumos dos personagens clássicos de Lewis Carroll. A falta de resolução de tamanhos também remete à dificuldade de propor uma identidade do filme, que demonstra problemas em demonstrar o variável entre pesado e/ou infantil, sendo enfadonho em ambos os aspectos.

    O ponto de partida, onde o roteiro poderia finalmente ser maduro, é completamente ignorado, dando lugar a uma pífia batalha épica, que seria comum no futuro em outros filmes semelhantes – a lembrar-se de Branca de Neve e o Caçador – jogando por terra qualquer possibilidade de discussão minimamente interessante, tudo para apelar ao óbvio hype de Game of Thrones que tomava as noites da HBO.

    De todas as criaturas birutas que habitam aquele cenário, Absolem (voz de Alan Rickman), que, assim como Alice, também está em fase de maturação, tornando física – também igual à personagem-título – sua transformação em algo maior. A máscara de mentor lhe serve perfeitamente, pois é no drama que Alice perceberá que são necessários uma movimentação maior e um desprendimento das certezas pseudo-amadurecidas que tem, tendo no encontro com a forma em casulo do seu mestre a ciência de tudo que viveu quando ainda era muito jovem.

    Basicamente, o roteiro demoniza os deformados, mostrando-os como seres ressentidos e amargurados, que têm sua dor causada pela rejeição, uma vez que a tirania é vazada a partir de um deles. O pretenso crescimento espiritual da protagonista é interrompida por dancinhas constrangedoras com a intenção de quebrar o decoro da forçada cordialidade dos nobres presentes no mundo real, mas que, em essência, só ridicularizam a nova postura da personagem. Mia Wasokwska, aliás, não parece inspiradora mesmo quando consegue vencer os preconceitos que a cercam. A versão de Burton acerta em poucos aspectos, tendo uma trilha sonora acertada, mas que nem incorre como deveria. A sensação da análise final é de que Alice no País das Maravilhas é um equívoco completo: bobo, patético e deslocado.

  • Crítica | Velozes e Furiosos 7

    Crítica | Velozes e Furiosos 7

    Velozes e Furiosos 7 A

    De começo intimista, focando uma conversa do personagem de Jason Statham, Deckard Shaw – finalmente nominado depois da cena pós-crédito do capítulo seis – ao visitar seu irmão no hospital já demonstra seu potencial incendiário, o mesmo ímpeto de violência extrema visto no incidente da última cena pós-crédito da franquia. Logo após o acontecido, ocorre uma corrida ao estilo do filme original, inclusive com resgate a personagens chave do início da jornada, como Letty (Michelle Rodriguez), que finalmente retorna à sua rotina de adrenalina e perigo em alta velocidade. Após vencer o certame, diante dos olhos de seu amado Dominic Toretto (Vin Diesel), ela surta, pondo à prova sua recuperação pós-trauma. É nesta tônica em que a direção de James Wan se baseia, rediscutindo toda a trama da franquia Velozes e Furiosos com um estilo mais certeiro e visualmente mais belo.

    Mesmo ao retratar as cenas com certo exagero visual, há um refino bem mais extenso do que o da quadrilogia de Justin Lin. É na alteração da rotina que se concentra a maior mudança dramática, concentrada em demasia na nova trajetória de Brian, transformado no pacato motorista de seu filho. Mais uma ação terrorista de Shaw interrompe sua rotina, consistindo basicamente em um chamado à aventura, não só dele e de Torretto, mas também do ferido Hobbs (Dwayne Johnson). Em um hospital, Dom e Hobbsem se encontram, mais uma mostra de como os paradigmas estão diferentes, já que os antes inalcançáveis super-heróis já não são mais tão indestrutíveis. A partir deste momento, hematomas e ferimentos ficariam em suas carnes, músculos, ferindo tendões e especialmente seus orgulhos.

    O cuidado em reunir os laços de uma franquia de seis filmes é muito bem executado, com retornos de quase todos os aventureiros que acrescentaram qualquer aspecto minimamente interessante à longa estrada percorrida pelos membros da família, com austeridade suficiente de um diretor que até então não tinha participado da série de filmes, sob os cuidados do escritor Chris Morgan. A atmosfera mais séria não invalida qualquer possibilidade de escapismo visual, unindo verossimilhança pautada na sobriedade e manifestada na personagem de Kurt Russell, Mr. Nobody, designado para apontar possíveis alvos e aliados de Shaw, sendo o novo contato deste com a lei. Hobbs permanece hospitalizado, servindo como orelha ao explanar os outros contatos terroristas.

    Através de seus contatos, Shaw reúne o resto do time – Tej (Ludacris), Roman (Tyrese Gibson) e, claro, Brian e até Letty – sem que Dom soubesse, unindo-os sob sua tutela em uma repaginada fase, baseada agora na lei, pervertendo ainda mais o código ético anti-heroico. O tom não é exatamente de sobriedade, mesmo porque nos trailers já se revelava que o céu seria o lugar de onde muitos carros brotariam, como em pancadas de chuva, causando um temporal metálico no Azerbaijão. No entanto, mesmo os arroubos e falácias visuais servem melhor aos esforços da trupe de velocistas.

    Qualquer construção de realidade é prontamente debochada pelo exacerbado escapismo da fita, em cenas em que carros atravessam três prédios, entre janelas e buracos onde armazenam-se aparelhos de ar condicionado, destruindo pilastras e artefatos artísticos antigos. Uma metalinguística mensagem de Wan, que tenta superar a pretensa falta de valor artístico de blockbusters como os da franquia, convencendo os críticos ranzinzas, seja pelo amor ou pela dor.

    Brian volta a ter uma importância indispensável na trama, justificando todo o seu treinamento como agente do FBI ao ser o responsável pelo resgate da misteriosa Ramsey (Nathalie Emmanuel), enfrentando o personagem de Tony Jaa em uma curta porém interessante luta, mais bem construída do que todas as porradarias anteriores. Ainda que prossiga relegado a ser um coadjuvante de luxo, seu papel no enredo acaba bastante valorizado, mesmo em comparação com Dominic.

    Velozes e Furiosos 7 é um capítulo bastante diferente de seus antecessores, deixando o conceito de filme de assalto de lado para se tornar um filme de super agente, como na Trilogia Bourne, especialmente as películas de Paul Greeengrass. A qualidade das sequências de ação evoluiu de uma forma absurda, com uma crescente de qualidade e conseguindo quebrar o estigma de involução em continuações, fazendo deste o melhor da franquia, semelhança vista nos clássicos de James Cameron: Exterminador do Futuro 1 e 2.

    Mesmo com um elenco enorme e recheado de personas famosas, com celebridades que teriam segundos em tela, há um equilíbrio narrativo, sem desperdícios de talentos. A obra pontua o epitáfio de Paul Walker, equilibrando emoção, sentimento e lágrimas contidas. Por mais que sobre pieguice, a decisão do roteiro foi a mais acertada possível, especialmente ao dedicar o filme à memória e fechar o sétimo episódio em uma estrada bifurcada, que honraria a trajetória de ambos os personagens, os quais seguiriam em frente diante da irônica tragédia que tirou Paul Walker de cena. Velozes 7 consegue elevar o nível da franquia, aumentando qualquer expectativa do futuro. Tudo graças à direção de James Wan, que superou o receito de mudar da praça dos filmes de terror para os de ação desenfreada.

  • Crítica | Mad Max

    Crítica | Mad Max

    Mad Max - Poster

    Mad Max tem possivelmente duas das cenas que mais me marcaram em toda a minha vida. Ficou gravada em minha mente a primeira sequência em que o maluco que se auto intitula Nightrider parte em uma louca escapada pelas rodovias australianas berrando seu próprio nome e provocando o caos. Seu olhar de insanidade é substituído por um de pavor quando o bandido avista o Interceptor pilotado pelo policial Max Rockatansky no seu encalço. É simplesmente sensacional toda a sequência que culmina em um espetacular acidente com um trailer que pertencia ao próprio diretor George Miller. A outra sequência marcante ocorre quando a gangue à qual Nightrider pertencia mata a esposa e o filho de Max. Após uma longa sequência de tortura psicológica, a mulher escapa do cativeiro com a criança e uma amiga idosa. Porém, a fuga acaba frustrada quando o carro deles quebra e ela foge com a criança nos braços. Enquanto ela corre, os motoqueiros avançam alucinadamente em seu encalço. Um rápido corte, e a morte dos dois fica somente representada pelo sapatinho da criança e um brinquedinho caindo no asfalto.

    A trama estabelecida pelo diretor/roteirista George Miller em conjunto com Byron Kennedy mostra um distópico e pós-apocalíptico futuro em que combustível é o principal estopim para disputas e crimes. O policial “Mad” Max Rockatansky patrulha as estradas combatendo implacavelmente os criminosos. Porém, ao acabar com a vida de Nightrider durante uma perseguição, acaba vendo seu mundo ruir ao passo que os companheiros do criminoso empreendem vingança contra sua família e amigos.

    George Miller, a despeito de todas as restrições orçamentárias, se esmerou em fazer algo memorável. As sequências de perseguição são incrivelmente bem orquestradas, com tomadas bem ousadas para a época. Talvez por serem mais cruas e não usarem nenhum tipo de efeito especial, elas acabam sendo muito mais vertiginosas do que as de qualquer filme sobre carros lançado recentemente (saga Velozes e Furiosos, eu estou falando com você). Mais interessante ainda de reparar é o excelente uso que o diretor faz das paisagens da Austrália. A aridez e o calor expressos na tela só tornam os eventos apresentados na tela ainda mais chocantes para o espectador.

    O diretor e o corroteirista Byron Kennedy criaram um roteiro bem amarrado e coerente, que flui naturalmente retratando toda a trama de vingança que se inicia com a morte de Nightrider e que muda de foco com o assassinato da família de Mad Max. Além do mais, conseguem estruturar bem os personagens centrais da trama, mesmo os membros da gangue de Nightrider que têm suas motivações muito bem delineadas, ainda que simples. Max poderia ser um simples herói unidimensional tal e qual vários outros da história do cinema, mas, favorecido pela sensacional atuação de um jovem Mel Gibson e pela idealização dos roteiristas, acabou se tornando um personagem cativante e, mais importante, marcante. Os vilões Johnny “The Boy” e Toecutter, interpretados respectivamente pelos desconhecidos Tim Burns e Hugh Keays-Byrne (que estará em Mad Max: Estrada da Fúria como Immortan Joe) também tem um ótimo desempenho em cena. Já Joanne Samuel, a esposa de Max, atua em um nível muito abaixo do restante.

    Talvez o grande ponto dissonante em todo o filme seja a trilha sonora, que em nenhum momento empolga ou magnifica o que acontece em tela. Porém, o conjunto figurino/fotografia/sequências de ação/bons personagens acaba suprindo esse defeito, e a música mal faz falta durante a duração da fita. Creio que George Miller não esperava, mas o diretor acabou criando uma obra-prima que entrou para a história do cinema e até hoje serve como referência para novas obras do gênero.

    Ouça nosso podcast sobre Mad Max.

  • Crítica | O Inferno de Henri-Georges Clouzot

    Crítica | O Inferno de Henri-Georges Clouzot

    O Inferno de Henri-Georges Clouzot-poster

    É cruel afirmar que só quem aprecia documentários carrega em si uma alma investigativa, mas é a verdade. Em 1991, Francis Ford Coppola foi a estrela do longo registro Francis Ford Coppola – O Apocalipse de um Cineasta, cuja existência prova, por A+B, a insanidade que foi filmar qualquer cena de Apocalypse Now, uma das super produções mais árduas e custosas a quem se propôs a realizá-la, tamanha foi a escala épica do projeto, junto a Fitzcarraldo e A Montanha Sagrada, só pra ficar com os épicos dos anos 70, década de grande expansão tecnológica. Na verdade, a simples intenção de pegar uma câmera e fazer Cinema é sinal da mais pura megalomania e complexo divino, essa coisa de brincar de Deus e criar o próprio mundinho controlado por poucos, vide Jacques Tati e o próprio George Clouzot, que comandavam a experiência tão bem. Cada um em seu gênero – Tati como o rei da comédia francesa, Clouzot, o conde do suspense française. Seu mais famoso clássico impermeável ao tempo, O Salário do Medo, colocou em 1953 o cinema criticando o espírito capitalista pós-moderno, mesmo que de forma abstrata, o que geralmente produz filmes arrebatadores como esse, da série “digno de revisões eternas”, sem sombra de dúvida. Um filme implacável e forte como qualquer atestado de nobreza por parte de Clouzot, que em companhia de Jacques Tourneur, o mestre das sombras, é orgulho nacional e artístico indiscutível.

    O elegante O Inferno de Henri-Georges Clouzot mostra o outro lado da moeda que quase todo cineasta enfrenta: o querer fazer e não conseguir por qualquer motivo inerente à necessidade de ter sua arte concluída na realidade. Kubrick morreu antes de A.I. – Inteligência Artificial ganhar vida (e excesso de emoções que faria o diretor de Laranja Mecânica vomitar), porém seu intuito de reescrever nas telas com o mesmo fascínio estético de Barry Lyndon a vida e o caráter do imperador Napoleão Bonaparte nunca foi possível devido, mais uma vez, à impensável escala e ambição da ideia cujas dimensões nenhum estúdio quis carregar nas costas. E não é preciso ir longe: cinema no Brasil com um circuito dominado por super-heróis americanos é como puxar um navio de 160 toneladas morro acima em plena Amazônia. Menções a Herzog à parte, Inferno, o sonho não realizado da vida de Clouzot, tinha um roteiro de 300 páginas, e a devoção de um pai louco para ver seu filho à luz pela primeira vez. Isso nunca aconteceu.

    A partir do som da câmera a registrar partes de um todo inconcebível, o documentário destrincha o que seria o filme a partir de contatos próximos à razão da maior frustração do artista, cultuado por meia dúzia de obras-primas. É possível imaginar o que poderia ser o almejado Inferno, romance de experimentos de linguagem, talvez o maior feito de Clouzot, de fato se assim a história tivesse caminhado em prol de um deleite. Todavia, o filme de grandioso não tinha nada, senão o que ele significava com storyboards, elenco e locações muito referente à rica obra do italiano Michelangelo Antonioni (A Aventura). Um provável fracasso, ou uma provável revolução: dois dos potenciais que consistem qualquer imagem e som. O foco poético frustrado pela rota turva da realidade dura. O documentário consegue dar água na boca a quem se interessa pelo provável ópio de um artista, e esse é um feito mais raro que o próprio tipo de Cinema que só Clouzot, em sua identidade, sabia manter em nossa memória. Para alguém que adapta Edgar Allan Poe, tudo é plausível, certo?

    “Quando as pessoas não entendem, elas preferem ironizar a situação.” – Clouzot, o incompreendido.

    O filme não seria um filme, mas tinha tudo pra ser um grande experimento, em plena Nouvelle Vague: o som conduzindo à imagem e o calor da discussão, um surreal acoplado à essência de um filme e outros indícios do gênio pulsante de Clouzot são os destaque graduais de um documentário excelente para estudiosos ou simpatizantes do fazer artístico, aqui valorizado desde a ideia até a a concepção, que por motivos óbvios não chega a ser final (de acordo com suas imagens divulgadas, o filme seria um ótimo expoente do moderno estilo pop art, sem qualquer indício do popular e influente estilo Art Noveau do século XIX). Sugestivo no ponto certo e concreto quando precisa ser, O Inferno de Clouzot é a exposição do making of de algo possível, habitando o rol do “quase”, onde o Napoleão de Kubrick e o Dom Quixote de Terry Gilliam, outro projeto maldito, tomam chá além de restrições ou orçamento disponível. A toca do coelho é profunda aonde só o Cinema, a mais completa das artes, consegue ir quando deseja.

  • Crítica | A História da Eternidade

    Crítica | A História da Eternidade

    A Historia da Eternidade 1

    A trilha característica pontua o início do longa-metragem premiado de Camilo Cavalcante, referenciando o mestre Dominguinhos num de seus últimos trabalhos antes de morrer. A História da Eternidade começa como uma ode aos tantos sertões presentes na região Nordeste do Brasil, analisando através da perícia da câmera uma importante face do povo brasileiro, mostrando já na primeira cena uma procissão religiosa, prenunciando o enterro de um pequenino.

    As primeiras cenas não têm falas, basicamente mostram paisagens, vistas por uma pessoa saudosista que observa as fotos de praias em sua parede de muro chapiscado, usufruindo da pouca liberdade e luxo que tem. Alfonsina (Debora Ingrid) é a única mulher em uma casa em que habitam outros três homens, e para si sobra todo o trabalho doméstico do terreno, exibindo o tacanho e comum agir machista do retrógrado interior brasileiro. O alento da menina são os contos de seu tio, o artista Joo (Irandhir Santos), o qual, entre a preparação de uma apresentação e outra, poetiza à frente de sua devotada pupila que não tem qualquer perspectiva de ver algo além da areia sertaneja, quanto mais o amor.

    Joo vive de favor na casa de Nataniel (Claudio Jaborandy), seu irmão mais velho, sendo constantemente cobrado por ele, sem qualquer possibilidade de perdão da dívida ou de alívio nos vexatórios avisos e lembranças, do favor que lhe é atribuído. A rotina do homem é composta por viagens para fora da cidade, sempre com sua concha levada ao ouvido, que o faz lembrar do som do mar, o mesmo que sua sobrinha faz questão de ouvir sobre, caracterizando nele um oásis de uma boa vida, até então inalcançável, agravado pela secura que predomina em seu território e lar.

    A plataforma onde pousa o roteiro de Camilo exibe três histórias de amor, que não são exatamente indistintas e que aos poucos exibem uma revolução sentimental na aldeia. A simplicidade tanto das falas quanto das atitudes dá mostras de representatividade e voz aos excluídos, tendo em troca o tratamento da violência típica da misoginia impregnada no comportamento e mentalidade do cidadão médio. O pedantismo e servilidade alheios a Joo garantem cenas de extrema agressividade, interrompendo o que deveria ser um belo ato artístico, violentado por palavras insensíveis que ferem mais do que qualquer ato físico de violência.

    As tramas paralelas servem como crítica à religião e à desinformação, elementos típicos de um povo que não tem acesso ao conhecimento, tampouco alternativas para a moralidade exacerbada que permeia o pensamento e viés de santificação exagerada. Um entendimento obsoleto e punitivo somente pela punição, sem produção de um pensamento mais profundo.

    O choro ou o sofrimento consomem cada um dos homens protagonistas, apresentando a faceta mais frágil diante das mulheres a quem eles se dedicam, fazendo um trio de louvores a suas musas a transgressão das barreiras do politicamente correto, transcendendo a tradição com a rara chuva, que finalmente gratifica o sertão.

    Mas o universo contemplado em A História da Eternidade é agridoce, agressivo com os que buscam a simplicidade sentimental, levando para longe a possibilidade de pleno bem estar ou de mínimo alívio, elevando o torpor da hostilidade a patamares superiores aos ditos de ternura; a ferocidade não é exclusividade da cidade grande e também habita a realidade do roceiro. O final intimista flerta com um otimismo improvável, que mais parece um sopro de esperança dos personagens carismáticos mostrados em tela, que em toda a sua terna descomplicação só buscam se ater a possibilidade de serem felizes.