Categoria: Críticas

  • Crítica | 118 Dias

    Crítica | 118 Dias

    118 Dias - Poster BR

    O apresentador americano Jon Stewart, conhecido por sua crítica cômica ao universo político dos Estados Unidos, demonstra seu apreço à liberdade de expressão ao produzir, dirigir e roteirizar 118 Dias, adaptação do livro Then They Came de Maziar Bahari, um jornalista que permaneceu preso no Irã pelo período inferido pelo título brasileiro.

    Em junho de 2009, o jornalista da Newsweek visitava o país para cobrir as eleições presidenciais, em um momento delicado do país à procura de um sucessor que apresentasse uma nova visão de governo. Acompanhado de um motorista selecionado no local, Maziar registra entrevistas em vídeo das opiniões da população sobre os dois grandes políticos com maiores chances de assumir o cargo presidencial: Mahmoud Ahmadinejad e Mir Hussein Mussavi, conservador e reformista-conservador respectivamente. Após a votação, a vitória de Ahmadinejad, com 62,6% dos votos, causou um dos maiores e intensos protestos no país, indignados com uma porcentagem tão esmagadora na vitória. Partidários saíram às ruas para protesto, e confrontos entre manifestantes e as forças de segurança iraniana resultaram em baixas civis. Em um dos protestos, Bahari registra uma dessas mortes e, mesmo reconhecendo os riscos, aceita a publicação online do vídeo; dias depois, é preso sem motivo aparente.

    Até o momento de sua prisão, a personagem interpretada por Gabriel García Bernal é apenas um fio condutor que testemunha as tensões do local. Seu cárcere modifica a estrutura narrativa, focalizando o drama do jornalista como um representante de diversos outros repórteres que, em situações recentes, foram vítimas de prisões, torturas e morte. Em um país com liberdade de informação nula, a maior transgressão é possuir conhecimento e fazer propagá-lo globalmente. Enquanto acompanha as eleições, Maziar encontra um grupo que burla ilegalmente as restrições do país, com satélites que não só dão acesso a informações como permitem a entrada de cultura de jogos, filmes e outros conteúdos vindos do exterior. Dessa maneira, torna-se evidente que o vídeo gravado pelo repórter denuncia uma morte que o país não deseja mostrar.

    Na prisão, o jornalista passa por interrogatórios diários questionando seu envolvimento com espionagem. Uma teia de inferências surge por parte da inteligência iraniana, que pressupõe que a empresa para a qual o repórter trabalha seria gerenciada pela CIA e, portanto, uma porta de entrada para adquirir informações para os Estados Unidos. Passando por privações diárias, breve tortura física e severa tortura psicológica, Bahari luta diariamente para manter a sanidade apoiando-se na memória familiar, principalmente do falecido pai e da irmã, ambos militantes presos e torturados anteriormente. Durante estes momentos, a história retrocede brevemente para mostrar a relação fraterna das personagens, destacando como a irmã inseriu o jovem irmão em um universo cultural vasto, que lhe formou. O argumento do passado familiar também é justificativa para que seus interrogadores acusem-no de ser um espião.

    A todo custo, seus captores desejam descobrir alguma informação, mesmo sem nenhuma prova ao menos circunstancial para justificar qualquer envolvimento com espionagem, exceto um vídeo gravado para um programa humorístico, no qual seu apresentador finge ser um espião, também chamando Bahari de infiltrado. Nesta mesma filmagem, de acordo com o filme, o jornalista compara o Irã com os Estados Unidos. Sem dúvida, o público também fará uma inferência óbvia a respeito se relacionar esta história a outras duas produções de Kathryn Bigelow, Guerra ao Terror e A Hora Mais Escura, principalmente em relação à tortura como a principal forma de extrair informações de suspeitos que ressaltam a violência obscura de diversos países. Afinal, temos ciência de que a tortura ou o cárcere preventivo não estão limitados a estes dois exemplos.

    A mídia e o acesso à informação também demonstram sua potência transgressora quando o caso do repórter se propaga em diversos países com apelo da esposa e de outros políticos a favor de sua liberdade. Um resultado positivo diante de tantas baixas recentes vistas em jornais mundo afora.

    118 Horas é competente em registrar uma história real, sem apelar para maneirismos dramáticos para o público. Acredita na força da narrativa e, por consequência, na força da própria liberdade de informação como uma transgressão capaz de quebrar barreiras e iluminar caminhos: o motivo pelo qual a mídia foi chamada de quarto poder.

  • Crítica | Simplesmente Acontece

    Crítica | Simplesmente Acontece

    Simplesmente Acontece 1

    Relacionamentos amorosos comumente nascem de amizades profundas, especialmente entre conhecidos desde a infância. A história de Rosie Dunne (Lily Collins) passa por esse estigma. O modo como Christian Ditter filma essa situação é prodigiosa. Antes mesmo de dar nome aos seus personagens, o realizador trata de inserir o espectador dentro do micro mundo dos dois inseparáveis confidentes, exibindo Alex (Sam Caflin) se aproximando perigosamente dos lábios da heroína da fita.

    Os belos aspectos visuais, típicos da juventude, são registrados primeiro ao modo das comédias descerebradas, de estilo semelhante ao de Porkys, da franquia American Pie e do recente Finalmente 18, quando as barreiras morais e sexuais de Rosie caem em nome da dita maioridade e a obrigatoriedade do alvorecer sexual e do enfrentamento de seus medos, entre eles o receio de ver seu grande amigo como possível cara-metade. O começo da possível atração entre o casal começa na tensão que envolvia os ciúmes mútuos, negados pela garota e levados adiante por ele.

    A guerra dos sexos segue padrões estereotipados, mas de modo fluido, uma vez que a fase da adolescência é normalmente vivida a partir de reproduções de arquétipos normativos, onde a margem de erro é pequena.

    A recusa resultante da teimosia do par perfeito ocasiona uma situação cômica com a pobre menina. Patética, apesar de completamente entrópica, cujas consequências poderiam ser sérias, fazendo separar os apaixonados inconfessos eternamente. Logo, outros fatores somam-se à louca equação que envolve a rotina de Rosie, como a possibilidade de estudar na América, longe de sua tradicional família britânica. Ao chegar a sua admissão na Universidade de Boston, logo é anunciado que seus planos de fuga se aproximavam de um êxito.

    Logo a malfadada transa da protagonista ganha os contornos da dura realidade que vive, prendendo-a em seu destino de origem, enquanto observa seu amado se afastar, formando enfim a sinopse do livro de Cecelia Ahern. A inevitabilidade do romance e o carisma dos personagens fazem lembrar a literatura de Nicholas Sparks, ainda que esta obra seja bem menos açucarada, e os dramas clichês, tratados com maior maturidade. O mote altera-se e o roteiro acompanha bem a trama, apresentando uma nova gama de possibilidades e de amores a explorar.

    Aos poucos, os amigos crescem, vivem suas vidas intercontinentais completamente diversas, com parceiros sexuais e afetivos diferentes, assistindo ao amadurecimento da pequena Katie, sendo a pequenina amada até por seu “padrinho” à distância, a despeito do casamento da mãe com um colega de faculdade.

    A ignorância de Alex o fez se afastar geograficamente e emocionalmente através da dificuldade em dar vazão aos próprios sentimentos e ao amor mútuo entre os enamorados frustrados. O papel de vitimado insiste em passar pelo seu comportamento, mas o modus operandi não se sustenta, já que, em cada ação que faz, o personagem transparece culpa e remorso, mas sem se arrepender o suficiente para resultar em uma confissão de amor.

    Os meandros por onde o roteiro passeia são lotados de reviravoltas, que escondem a obviedade latente de um romance que sempre se anunciou que não daria certo, apesar de todas pinturas cor de rosas e intermináveis tentativas de fazer dar certo.

    A convenção dos livros de amor juvenis praticamente obriga que um final feliz seja ensaiado pelo autor. A fuga para o paradigma, contrariando a essência do romance anterior de Ahern, P. S. Eu Te Amo, não consegue ser plena em Simplesmente Acontece, apelando para um fim que reforça não só os bordões típicos do gênero, como também reforça o discurso machista de que a felicidade da mulher deve prioritariamente passar pela presença de um sujeito do sexo oposto. Apesar da mensagem um pouco simpática e do bom começo da abordagem, falta liga e maior apuro com o texto final para que a película seja redonda.

  • Crítica | Força Maior

    Crítica | Força Maior

    Força-Maior-1

    A empatia com os protagonistas de Força Maior é praticamente automática, visto que a história se passa em um comum ambiente de férias familiares. Tomas (Johannes Kuhnke) tem uma relação aparentemente perfeita com sua esposa Ebba (Lisa Loven Kongsli). A uniformidade de pensamento apresenta-se até nos trajes de dormir, todos azuis, mostrados em cima da mesma cama que os pais dividem com os filhos Harry  (Vincent Wettergren) e Vera (Clara Wettergren). Feliz, o clã se instala em um hotel caro nos Alpes suecos, em localização próxima de uma montanha gélida, onde costumam ocorrer avalanches de médio porte.

    Em um evento natural de desmoronamento, a neve invade o hall descoberto, onde os hóspedes se alimentavam, assustando todos. A cena demonstra a firmeza de caráter de Tomas, que já no início não teme largar os seus, fugindo rapidamente para sua própria sobrevivência, enquanto sua esposa permanece com as crianças. A covardia ficou mais evidente e vergonhosa quando se percebe que o fenômeno foi de pequeno porte, sem vítimas. No entanto, apesar do descontentamento primário, a costumeira hipocrisia faz com que as partes retornem ao convívio, numa referência clara ao conceito defendido por Nelson Rodrigues de que é preciso muito cinismo para permanecer casado.

    Ruben Östlund faz uma direção contemplativa, exibindo a bela paisagem fria, que causa por si só uma estranha sensação de isolamento e obrigatória reflexão. Reflexão que só não atinge o espaço comercial hoteleiro, o qual funciona como uma bolha, livrando os que estão instalados de qualquer sensação inconveniente ou incômoda, exceto, é claro, pela possibilidade de deslizamento de neve.

    A “derribada imaginária” do local e a discussão com outras casais fazem Ebba conversar finalmente sobre o que aconteceu, desabafando, enfim, sobre o abandono que sentiu ao ficar sozinha no deck. A câmera enquadra-os normalmente em plano americano, mas de modo tão invasivo quanto um close na figura desnuda do homem, já que a intimidade dos dois é escancarada e mostrada como algo vil e traiçoeiro a partir daquele momento. Negação e frustração andam juntas, fazendo refletir sobre o que realmente fez unir aquele casal no sagrado matrimônio e o que os motiva a prosseguir juntos.

    A crise existencial finalmente acomete Tomas, que, mesmo no período de interrupção de sua rotina, busca ajuda para retornar à normalidade de pensamento e ação. Sua relação antes límpida e angelical ganha conotações reais, nuances e defeitos capazes de serem sepultados rapidamente. O descuido do patriarca inviabiliza sua permanência como figura de respeito e respaldo, invertendo o paradigma em que ele vivia nos últimos anos, obrigando-o a revisar o próprio modo de agir e encarar o mundo, sem ter nem de longe a mesma complacência de antes, por parte de Ebba.

    Após ficar longe dos seus por um período breve, o marido retorna ao lar somente para encontrar um ambiente demasiado hostil, semelhante ao de casais que tentam se reconciliar após uma das partes trair a outra. A sensação que predomina na esposa é de exata infidelidade, mas não física, e sim de alma e ideologia. Um perdão é quase inviável, seja por qual via ele corra, tanto do culpado quando do culposo.

    A indecisão impera nas cabeças da família numa tentativa irremediável de negar a realidade depressiva que a envolve. Os acordes clássicos, sempre interrompidos quando tocados ao longo do filme, finalmente têm sua música prolongada após a resolução da situação familiar, que enfim sai da letargia para a vida comum. O conjunto de ações do elenco, especialmente no embate entre Johannes Kuhnke e Lisa Loven Kongsli, é o sustentáculo da tragédia do fim de uma relação há muito construída, e da trágica sensação de paranoia que impede o homem de raciocinar além de seus antigos traumas. Força Maior cruelmente brinca com a sensibilidade do espírito humano.

  • Crítica | Cinquenta Tons de Cinza

    Crítica | Cinquenta Tons de Cinza

    50 tons o filme 1

    O novo filme de Sam Taylor-Wood inicia-se com a rotina matinal de Christian Grey (Jamie Dornan). Após uma corrida, o personagem toma banho e escolhe as roupas para mais um dia de trabalho, com gravatas que retomam o título cinza. O evento quase consegue desvirtuar a atenção da trama ruim que seria apresentada, a história mundialmente conhecida, sucesso da “literatura” de E. L. James, Cinquenta Tons de Cinza. O prédio da companhia é belo, imponente, e por si só já intimidaria a calada estudante Anastasia Steele (Dakota Johnson), que precisa entrevistar, a pedido de uma amiga, o bilionário de boa aparência.

    Mais do que as roupas de trato fino e da aparência impecável, é a insensibilidade de Christian que gera na moça a impressão de que ele seria diferente de tantos outros homens de seu cotidiano. As salas grandes de cor branca também servem para desviar a atenção espiritual do seu “herói”, que abruptamente começa a se interessar pela intimidade da moça que o encara, em uma construção de relação boba e ainda mais mecânica do que a vista no livro.

    Aos poucos, forma-se uma atmosfera de conto de fadas pós-moderno, onde o príncipe ignora completamente a boa aparência da princesa, e ainda assim tem êxito em cooptar a atenção da amada. No entanto, os meios para alcançar esse encantamento é quase todo formado por situações constrangedoras e falas cafonas, típicas não de um homem erudito, e sim de um conquistador barato encontrado em cada bar, balada ou esquina das grandes cidades. Suas táticas de intimidação também são invertidas, já que ele usa seu dinheiro e recursos para reforçar o aspecto de homem maléfico.

    Após quase assinar um termo de confidencialidade sem ler o que está escrito nele, Anastasia mergulha em um quarto secreto, após o anúncio de Grey dizendo que “não faz amor, e sim fode com força”. No cômodo, ela vê toda sorte de brinquedos e apetrechos sexuais, ecos de uma vida mimada, cujos gostos e desejos jamais foram negados, quando a negativa não é um estado comum ou objeto aceitável.

    O auxílio visual faz momentos entediantes do livro tornarem-se dinâmicos e até aceitáveis. Grande parte da personalidade estúpida e infantil de Ana é suprimida na fita, e ela mostra muito menos rubor, por exemplo, depois dos elogios de seu primeiro parceiro sexual. No entanto, são comuns as cenas de um constrangedor romantismo, distante demais do posicionamento de dominador que Grey tenta passar.

    A beleza da nudez da Dakota Johnson faz o filme destacar-se além do ordinário comum do livro, mas não o bastante para superar o enfado que é acompanhar a lenta sedução do casal, que em termos bem conservadores tenta emular os momentos eróticos de Sete Semanas e Meia de Amor. As cenas de discussão dos termos são realizadas sob uma luz avermelhada, e tenta, em vão, sexualizar o momento, exibindo um mau gosto atroz.

    As cenas de prazer através da dor são flagradas de modo bastante conservador pela câmera, com dificuldade enorme de chocar o espectador mais antiquado e desagradando a quem vê a sexualidade como um assunto que não é tabu. O medo do choque prossegue, com a nudez pouco contemplativa de Anastasia e praticamente nenhuma sobra do corpo de Grey para o público feminino. Essa abordagem invertida em relação ao público alvo da sedução mostra inabilidades em representar fantasias e fetiches, algo que piora ainda mais nas cenas que apresentam primeiro o incômodo da moça em ter sua liberdade invadida, e depois em momentos de risadinhas constrangedoras após voar em aviões caríssimos, exibindo uma faceta bastante fútil da personagem.

    As atuações super mecânicas fazem o combalido roteiro ser ainda mais tedioso, incapaz de gerar qualquer empatia. Sequer a trilha sonora, repleta de músicas boas, consegue surpreender. Todas as faixas exibidas primam pela previsibilidade e superficialidade. As cenas em que o chicote vibra na pele da protagonista não possuem nenhuma indicação de que há sangue. Falta humanidade ao drama que é proposto, não há alma ou sentimento em quaisquer ações filmadas, nem mesmo o asco e a repulsa são bem retratadas.

    O abrupto e incômodo fim do livro é reiterado na fita, com uma cena repetida no final, claro, com sentido diferenciado. O trabalho que Taylor-Wood pouco conseguiu salvar do péssimo objeto literário em que se baseou concentra-se nos mesmos problemas éticos e defeitos sexistas e machistas. O roteiro ruim foi criticado até pela criadora da ex-fanfic, e consegue não vulgarizar, mas também não permite quase nenhuma parcela de erotismo ou sensualidade. Assim, prevalece a cafonice do argumento original, com um pouco menos de tédio, por só tomar duas horas do público, ao contrário do excessivo tempo necessário para terminar o livro.

  • Crítica | Virunga

    Crítica | Virunga

    Virunga 1

    O lar de muitas pessoas, e da espécie em extinção dos gorilas das montanhas, serve de cenário para um conto sobre a história da República do Congo e sua sangrenta batalha racial. O Parque Nacional de Virunga contempla uma biodiversidade enorme, incluindo um orfanato de símios, e a realidade do local mostra a convivência e o conflito entre humanos que não aceitam a diversidade racial entre os habitantes do país. O milagre natural é tristemente obrigado a coabitar com a situação bélica.

    A desesperança que deveria acometer a população por vezes é contornada e invertida, gerando a capacidade de acreditar que a natureza e a vida subsistirão, mesmo diante de tantas catástrofes. Orlando von Einsiedel conduz suas câmeras pelas planícies verdejantes, um cenário lindíssimo e inspirador pontuado pela bela fauna e flora, que garantem mais cores e nuances ao combalido local, exagerados pela trilha sonora. A abordagem spielberguiana, dos tempos em que o diretor norte-americano dedicava sua carreira ao público infanto-juvenil, aumenta a aura de lugar fantástico, assinalada ainda mais pelo visual.

    A câmera é escondida em lugares insalubres, intentando captar depoimentos dos militares que ocupam as cercanias do parque. Os pontos secretos da entrevista constituem em si um achado, com informações valiosíssimas. Em paralelo, são mostradas cenas da realidade cruel que acomete o vilarejo, com bombas e mísseis sendo lançados, tanques passando pelas paisagens verdes, deixando um rastro arenoso de cor bege, colorindo de forma depressiva o ambiente que devia ter na aquarela do arco-íris o seu norte.

    No lugar abandonado onde os desalojados ficam habitam a miséria e condições mínimas de subsistência humana. Os barracos, feitos de sucata e madeiras estragadas, representam visualmente as condições paupérrimas de vida dos habitantes do proletário local, pessoas que sofrem o terrível efeito colateral da guerra civil e que não têm qualquer alento, seja dos poderosos locais ou das autoridades internacionais. O massacre visual prossegue nas visitas aos hospitais, onde crianças aparecem feridas, algumas até aleijadas, com seus membros amputados em razão do temível estado bélico que reside em suas terras.

    A inocência dos pobres filhotes de gorilas das montanhas, que ainda conseguem sobreviver em meio à floresta, produz pouquíssima esperança de retorno ou resgate da paz. A produção cinematográfica contém uma edição prodigiosa, unindo-se ao roteiro de modo equilibrado, sem roubar a importância de ambos os aspectos. A verdade é averiguada sem esquecer-se dos espinhosos lados distintos do embate, dando voz para a organização que ocupa o parque ecológico.

    Virunga transcende a condição fílmica, atuando não só como denúncia através do cinema e transmissão streaming, mas também para ser um grito revoltoso, uma acusação incriminatória que visa esclarecer à opinião pública mundial, elevando um problema que é local e supostamente sem solução a um nível mais global, mais uma vez à procura da possibilidade de paz e de sossego para os pobres habitantes e para as criaturas que habitam a reserva.

  • Crítica | V/H/S 2

    Crítica | V/H/S 2

    VHS2-Poster

    V/H/S 2 foi lançado sob muita expectativa. O trailer que o promoveu era interessantíssimo, e havia a promessa de que o filme fosse uma grande produção de horror, trazendo contos que superariam o original. Ocorre que, após o sucesso de seu antecessor, V/H/S, o projeto – novamente sob responsabilidade do criador do site Bloody Disgusting, Brad Miska –, mesmo tentando inovar em certos aspectos, perdeu fôlego, não por repetir a mesma fórmula do filme original, mas por, talvez, ouvir as críticas negativas relativas a detalhes técnicos que a fita tenha recebido – a qualidade técnica do primeiro filme é de fato precária, mas não atrapalha em nada a diversão.

    Ainda assim, V/H/S 2 conta com um dos contos mais insanos já escritos e filmados, superando todas as histórias restantes, inclusive os contos do filme anterior.

    TAPE 49

    Como dito, Brad Miska repete a fórmula que o consagrou, trazendo uma história principal que intercala com os outros contos. Aqui, Simon Barret escreveu e dirigiu Tape 49, que conta a história de um casal de detetives investigando o sumiço de um jovem. Ao adentrar a casa do rapaz, eles se deparam com diversas fitas VHS, às quais passam a assistir em busca de provas.

    Assim como no primeiro filme, a história é vazia e sem graça, não atraindo o espectador em nenhum momento, principalmente aqueles que já estão familiarizados com a franquia.

    PHASE I: CLINICAL TRIALS

    Logo de início, o primeiro conto propriamente dito já mostra o motivo de V/H/S 2 ser menos interessante que o seu antecessor.

    A fita dirigida por Adam Wingard e escrita por Simon Barret se inicia exatamente quando a câmera é ligada. e logo se percebe que o protagonista perdeu um olho e está fazendo um tratamento inovador que consiste na instalação de uma câmera atrás de uma prótese ocular realista, fazendo com que seu cérebro receba as imagens daquilo que a câmera está captando. E não preciso nem dizer que a câmera do rapaz capta mais do que deveria.

    O mais interessante em Clinical Trials são os truques de cinema utilizados em todas as vezes que o protagonista se olha no espelho, pois, teoricamente, a câmera está dentro de seu olho direito e, realmente, parece estar.

    Os pontos negativos se repetem por quase todos os contos, e consistem na qualidade das imagens, todas elas muito nítidas, contradizendo com o padrão (hoje) precário das fitas VHS, além das cenas de susto virem acompanhadas de sons altos de interferência ou trilha sonora, o que mostra certa falta de cuidado com o conteúdo da história, uma vez que usar esse tipo de artifício é como jogar um jogo de videogame com códigos de invencibilidade e munições infinitas. Totalmente sem graça.

    A RIDE IN THE PARK

    Dirigido pela dupla que, respectivamente, dirigiu e produziu o sucesso A Bruxa de Blair, Eduardo Sánchez e Gregg Hale, e escrito por Jamie Nash, A Ride In The Park é uma produção totalmente azarada por um único motivo: The Walking Dead. Talvez, se o grande sucesso apocalíptico zumbi não existisse, esse passeio no parque seria mais interessante. Trazendo um conceito interessante que mostra um ciclista (com sua GoPro acoplada no capacete) sendo atacado por um zumbi, podemos acompanhar sua transformação e o ataque a uma festa de aniversário sob o ponto de vista da câmera no capacete. Porém, todos os zumbis do conto são muito mal feitos, deixando qualquer membro da Zombie Walk aqui no Brasil totalmente orgulhoso de sua maquiagem.

    SAFE HAVEN

    De longe, Safe Haven é o melhor e mais insano conto de toda a franquia V/H/S, E não é por menos, uma vez que a fita é dirigida pelo louco Gareth Evans, responsável pelo premiado filme indonésio Operação Invasão. As cenas de violência que consagraram Evans permanecem intactas, sendo que as cenas de luta dão lugar à mente doentia do roteirista Timo Tjahjanto que, junto com diretor, mostra a história de um grupo de cineastas que estão filmando um documentário sobre uma estranha seita religiosa indonésia, cujo líder – um cidadão muito sinistro, por sinal, está sendo acusado de promover abusos sexuais às crianças da seita entre os demais membros do grupo.

    Para o azar da equipe de filmagem, eles se descobrem exatamente no meio do “juízo final”, a chamada “redenção” dos membros da seita. Sangue. Muito sangue. Assassinatos, suicídios coletivos, pessoas explodindo e uma cena de parto que deixa encabulado até o mais cético.

    Se você não se interessou pela franquia V/H/S, procure por Safe Haven na Internet. É obrigatório.

    SLUMBER PARTY ALIEN ABDUCTION

    Hollywood parece sentir falta de filmes de suspense/terror com temática de abdução por alienígenas, e Slumber Party Alien Abduction, de certa forma, tenta (sem sucesso) preencher o vazio deixado após o lançamento de grandes clássicos como Contatos Imediatos de Terceiro Grau e Fogo no Céu.

    O segmento se parece bastante com o clássico B de abduções Estranhas Criaturas, de 1998. Com o sucesso de A Bruxa de Blair, o filme, em found footage, conta a história de uma família que, durante o jantar do feriado de Ação de Graças, recebe em sua propriedade a visita de seres extraterrestres nada amigáveis.

    O conto, dirigido pelo talentoso Jason Eisener, diretor de Hobo With a Shotgun, mostra de forma muito inteligente a invasão da residência e consequente abdução de uma família sob o ponto de vista do cachorro da casa, que teve uma câmera acoplada em sua coleira durante uma festa do pijama.

    Mesmo que o filme seja urgente e frenético, os bons momentos da fita são atrapalhados pelo auxílio de sons impertinentes que buscam causar sustos, o que de certa forma deixa o espectador irritado. Numa produção assim, espera-se que a própria trama, aliada a um roteiro e uma direção competente, cause medo por aquilo que está acontecendo em tela, e não por causa de um barulho alto quando se menos espera.

    Mas, em que pesem todos os aspectos negativos, o saldo de V/H/S 2 ainda é positivo, porque além de trazer Safe Haven, possui ótimos momentos, fazendo com que o fã do terror se sinta agraciado com histórias de qualidade criadas e dirigidas por diretores conhecidos ou promissores do cinema underground, sendo exatamente esse o conceito de toda a franquia.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | A Vida Íntima de Sherlock Holmes

    Crítica | A Vida Íntima de Sherlock Holmes

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    A valise aberta no cofre do banco, somente autorizada a ser aberta após passados 50 anos da morte do seu antigo dono, lembra, em importância, guardadas as devidas proporções, a Arca da Aliança, por conter em si materiais que se mostrariam sagrados para toda uma geração de fiéis. Em pouco mais de 3 minutos, Billy Wilder, um realizador polonês de nascimento – mas ainda assim ícone da narrativa clássica americana – consegue transmitir como ninguém todo o charme de um dos maiores personagens da literatura britânica.

    O afetadíssimo Sherlock de Robert Stephens – que usa uma sobrancelha postiça, garantindo a ele um ar aristocrático – começa o filme praticando algo que o detetive adorava fazer nos livros: desdenhar da escrita de Watson (Colin Bradley), acusando-o de aproximar a imagem de si da de um misógino, além de exagerar em seus dotes musicais. Mas o que realmente incomodava o protagonista eram as liberdades poéticas tomadas pelo médico, que faziam dele um personagem longe demais da realidade e mais próximo de um ideal heroico.

    O auge do sarcasmo acontece quando Holmes recusa um convite para “deitar-se” com uma renomada artista russa, alegando que, assim como Tchaikovsky, seu prato preferido não seria este – a homoafetividade antes insinuada é encarnada de forma jocosa, anedótica e pontual. O escândalo que a mulher rejeitada faz certamente é parecido com a reação que os fãs mais conservadores teriam ao ouvir uma revelação da homossexualidade factual do personagem; o grito de protesto pelo desperdício de tão viril figura – ao menos à primeira vista – seria uma resposta comum de parte dos leitores.

    É evidente que esta liberdade de roteiro era apenas anedótica, um artifício do detetive para rejeitar a mulher sem maiores problemas. Mas a indagação de Watson a respeito de seu currículo com o “beau sexe” (“belo sexo”, em tradução literal) incomoda o frágil detetive. A própria orientação sexual constituía para Holmes um mistério mais difícil de desatar do que os vários nós das vidas alheias – provando, aqui, mais uma grande característica do Detetive no cânone, o interesse diminuto em realizar autoanálise.

    O humor negro é muito presente sob uma máscara cínica e em abordagem ácida dos fatos absolutamente pouco usuais que aconteceram sob o teto de 221b de Baker Street. O registro visual lembra muito Topázio e Marnie – Confissões de uma Ladra, enquanto as viradas de roteiro remetem a Festim Diabólico e Disque M para Matar – Wilder era apenas sete anos mais jovem que Hitchcock, e, nesta película, optou por reverenciá-lo citando partes de sua filmografia, mesmo quando a crítica considerava o realizador em declínio, e Alfred estava às portas da aposentadoria.

    A fonte da desconfiança de Holmes com as mulheres seria sua noiva, que morrera de gripe pouco antes do casamento, mostrando que por trás do suposto comportamento misógino havia um coração ferido por uma perda irreparável, e até inesquecível, dada uma fala do detetive no filme:

    Alguns de nós vivem atormentados com uma memória de elefante, com uma quantidade tremenda de dados variados lá cravados, mas na maioria inúteis”  – esta citação entra em contradição com uma afirmação de Holmes em Um Estudo em Vermelho, na qual ele compara o cérebro a um sótão, onde é interessante guardar somente o necessário. Talvez a argumentação de Wilder fosse a de mostrar que Holmes era incapaz de atingir este ponto ideal, assim não poderia esquecer-se de nada, desde que não seja algo inconveniente.

    Para Holmes, perceber que foi enganado e tratado como joguete pela única mulher por quem conseguira se afeiçoar – numa clara repaginação de Irene Adler – derrubou significativamente sua autoestima e a possibilidade de um romance com a única mulher que Sherlock seria capaz de amar. Mas, ainda assim, a reação do detetive fora benevolente, sugerindo ao seu irmão, Mycroft, que Gabrielle (Geneviève Page) tivesse amenizada sua pena por espionagem. A notícia que recebera por carta no final sepulta de vez qualquer possibilidade de haver um romance imaginado em sua mente, encerrando em seu triste coração partido a inexorável solidão, que deveria estar presente até o fim dos seus dias, provavelmente vivendo estes de modo melancólico.

  • Crítica | Alien: A Ressurreição

    Crítica | Alien: A Ressurreição

    Alien A Ressurreição Versão Estendida

    A versão estendida, como anunciada por Jean Pierre Jeunet, não é uma versão do diretor, mas uma versão alternativa, com novas cenas. A primeira apresenta-se com um hiperclose nas mandíbulas de um inseto, algo semelhante à arcada dentária do Alien. Seus oito minutos a mais de exibição tentam resgatar algo de bom em meio à continuação que segue a pós-morte da protagonista, mas sem qualquer ressalva ou arrependimento por parte de seu realizador.

    O adentrar da nave, exibindo o corpo nu de Sigourney Weaver, só não é mais assustador em sua figuração do que a noção de que o roteiro do filme é assinado por Joss Whedon. O milagre por trás do reavivar da heroína de ação  é dado por uma experiência sem qualquer consentimento da personagem, em que a liberdade de escolha é ignorada e completamente contrariada. Aos poucos, Ripley toma conhecimento do que ocorreu consigo, ainda que sua mente esteja tão diferente que qualquer noção de identidade torna-se bastante discutível.

    A direção de Jeunet imita os elementos de filmes de ação franceses, com exageros em diversos aspectos, como no modo tosco em que os doutores tratam a mulher, correndo risco de morrer o tempo inteiro, dada a força descomunal de Ripley, ainda que nenhum deles tome qualquer precaução. A postura deslocada da personagem lembra o comportamento de Leeloo, personagem de Milla Jovovich em O Quinto Elemento, de Luc Besson. A caricatura da modernidade inclui identificadores que funcionam através do hálito dos indivíduos, abrindo mão de qualquer praticidade para exibir uma alternativa grotesca.

    Os tripulantes da nave/laboratório são ainda mais sádicos do que os vistos em todo o decorrer da franquia, executando experiências com espécimes vivos, pessoas amarradas contra a vontade à espera de terem suas vidas cerceadas em frente às ovas de Alien. Paralelo a isto, um grupo de mercenários entra a bordo, sem qualquer desculpa minimamente plausível, uma intromissão que inclui o contato com a antiga tenente, que se mostra um ás no esporte, a máquina perfeita de combate e predação, e com habilidades semelhantes aos xenomorphos, como a propriedade de sangue corrosivo. O esquadrão de assassinos, que a princípio deveriam ser uma versão dos mariners de Aliens: O Resgate, é caricato, com arquétipos retirados de desenhos animados, só perdendo para os cientistas estúpidos que permitem a fuga de uma das criaturas, do modo mais vergonhoso que o roteiro poderia construir.

    Após a fuga, uma correria desenfreada começa, seguida de uma extensa carreira de eventos bizarros, exibidos à moda da comédia, onde nem o conteúdo gore/trash consegue salvar qualquer suspensão de descrença. Até mesmo a chocante cena em que Ellen Ripley encontra o laboratório repleto de cópias defeituosas, que deveria prioritariamente causar emoção, provoca náuseas, na personagem e no espectador.

    As sequências de ação mal feitas, as situações constrangedoras e o roteiro repleto de personagens estranhos ainda não são suficientes. O bizarro se instala ao apresentar uma evolução da Rainha, cuja herança da amálgama com Ripley resulta num parto semelhante ao humano, com um útero fértil, dito pelo doutor Jonathan Godiman (Brad Dourif), que narra o nascimento do Alien albino, o qual, ao invés de simbolizar o avanço interespécie, acaba mostrando-se uma criatura rudimentar risível.

    Não bastasse unir os inimigos mortais numa tensa relação de familiaridade e sedução, a fita de Jeunet ainda consegue apresentar uma caracterização de Ripley assustadoramente diferente de tudo que foi visto antes, desconfigurando por completo sua persona. A luta final e a solução encontrada para assassinar o Alien são um acinte, apresentando a despressurização e dilaceração da criatura em um movimento tão mortífero que encerraria a franquia, apesar dos desejos de continuar a partir dali. Nem mesmo a desolação da Terra parecia ser algo diante de tamanha catástrofe cinematográfica que é Alien: A Ressurreição.

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  • Crítica | Uma Noite no Museu 3: O Segredo da Tumba

    Crítica | Uma Noite no Museu 3: O Segredo da Tumba

    Uma Noite no Museu 3 - O Segredo da Tumba

    Poucas trilogias mantêm a qualidade e sucesso nas três partes de suas histórias. Mesmo grandes produções, como O Poderoso Chefão e De Volta Para o Futuro, apresentaram oscilações. Normalmente, ao nos referirmos a trilogias, o último ato sempre é o mais difícil de ser bem executado. À exceção, talvez, de O Retorno do Rei, na trilogia O Senhor dos Anéis, o melhor dos três e grande desfecho da saga. Realizar três histórias diferentes com a mesma qualidade é um processo difícil, ainda mais quando as três produções são desenvolvidas de maneira separada, sem nenhum plano inicial de conduzir continuações, mas que, devido ao sucesso de público, ganham mais uma história nas telas.

    Nestes casos, observamos um padrão entre cada parte de uma trilogia. Normalmente, o segundo filme reconta a história do primeiro de maneira levemente diferenciada e maior, muitas vezes cometendo excessos para entregar algo a mais ao público. Por consequência, se a continuação recebeu críticas negativas, sua terceira parte tenta equilibrar-se nos acertos anteriores, evitar erros e tornar competente o desfecho.

    Esta proposição pode ser vista na trilogia Uma Noite no Museu, a franquia mais familiar do comediante Ben Stiller. Após o primeiro filme, que trabalhava com simplicidade uma história lúdica e mágica, sua sequência apresentou excesso de novos personagens e cenários que desequilibraram a narrativa, resultando em um filme inferior. Eis que Uma Noite no Museu 3: O Segredo da Tumba evita o excesso de novas personagens, mantendo os conhecidos e cativantes integrantes do Museu em uma nova aventura que decidirá o destino de cada um deles.

    Shawn Levy assume novamente a direção nesta produção que enfoca o trabalho do vigia noturno Larry Dayle em um museu de história natural. Um local onde, durante a noite, as personagens históricas ganham vida graças à magia da Pedra de Ahkmenrah. Devido a uma corrosão que surge na peça, Larry viaja até Londres para pedir ajuda ao Faraó Merenkahre, o criador do artefato.

    A produção começa com um pequeno prólogo em uma escavação do Egito, quando um garoto acidentalmente encontra a tumba onde está a pedra. Durante muito tempo, este mesmo garoto seria o guardião noturno do museu, um dos antigos vigias que retorna à história quando Larry procura-o para pedir informações sobre o artefato. Enquanto lida com este problema do museu, Dayle tem problemas com o filho, decidido em não seguir nenhuma carreira acadêmica. Um conflito paternal explorado além da aventura.

    Como na história anterior, as personagens necessitam explorar um novo museu e se deparam com novos objetos que ganham vida devido à Pedra de Ahkmenrah. Ao contrário do excesso de personalidades de Uma Noite no Museu 2, somente um novo personagem acompanha a jornada dos heróis: o famoso cavaleiro Lancelot. A adesão da figura nobre à trama promove humor e ajuda a intensificar as cenas de aventura e ação. O museu britânico é limitado a poucas áreas, o que se evita o surgimento de outros personagens, mas ainda apresentando novos monumentos em cenas pontuais, principalmente porque há salas específicas para diversos países e regiões. Sem deixar de lado o acervo grandioso do museu, a história destaca a litografia Relativity, de M. C. Escher, e ainda inova uma cena de batalha encenada dentro do quadro com suas diversas visões de perspectiva e tridimensionalidade (um dos pôsteres de divulgação utilizou o quadro em cena).

    A trama dosa a aventura e o lado familiar, afinal trata-se de um filme feito para um público amplo, de crianças a adultos. As cenas de humor são simples, com um tipo de riso que é provocado sem agressividade. Um estilo de produção que não busca nenhuma invenção, mas segue uma cartilha própria, consagrada nas histórias anteriores e com personagens queridos do público.

    A produção marcou a despedida de Robin Williams, sendo esse o último filme estrelado pelo comediante. Alguns críticos apontaram que sua morte modificou levemente a estrutura desta obra, que adquire um tom mais maduro e sensível em seu ato final. As últimas falas do Presidente Teddy Roosevelt dialogam sobre o fim e o início de novos caminhos, a sensação de desconhecimento sobre o futuro que seria benéfica devido às suas muitas possibilidades. Uma realidade que gera outra carga a essas palavras. O público anula momentaneamente a diferença entre personagem e ator para, com emoção, se despedir do próprio Williams na figura do presidente. O adeus a um ator que sai de cena da mesma maneira que entrou nos palcos: em um papel cômico, demonstrando que conduziu sua vida até o fim na esperança de trazer o riso aos outros.

    Neste misto de comédia, história familiar e leve drama dentro e fora das telas, Uma Noite no Museu 3 realiza um desfecho com qualidade a uma história simples, sem muitas pretensões, mas que cativou o público principalmente pelo jogo cênico de personagens históricas, dialogando entre si, e o humor acessível de Ben Stiller.

  • Crítica | Grace de Mônaco

    Crítica | Grace de Mônaco

    Grace de Monaco - poster

    Produções românticas e uma vertente dos contos maravilhosos transformaram reis, rainhas e príncipes em soberanos que vivem uma vida perfeita e cheia de pompa. Até hoje, este conceito persiste pela tradição de contos de fadas e histórias infantis, que visam um final feliz para encerrar sua trama. Grace de Mônaco desmitifica a vida de princesa “feliz para sempre”,  trazendo à tona a história de Grace Kelly.

    Kelly foi uma das belas atrizes que fizeram parte da obra de Alfred Hitchcock. Estrelou diversas grandes produções do mestre do suspense, mas foi por Amar e Sofrer que recebeu um Oscar de Melhor Atriz, dois anos antes de casar-se com o príncipe de Mônaco e receber diversos títulos de honrarias desta cidade-estado soberana. A intenção da biografia é desconstruir parte da percepção de que, por se tornar princesa, Kelly alcançou um sonho ideal e perfeito. Entre os difíceis dilemas que teve de enfrentar, a outrora atriz se destacou como uma mulher forte e independente, tendo uma noção diferente daquela vista pelo principado local.

    Escalada para o papel da estonteante atriz, Nicole Kidman tenta recuperar seus tempos áureos de boa atriz, já que, desde a década de 2000, com Os Outros, Moulin Rouge e As Horas, não tem obtido o mesmo sucesso e nem realizado grandes interpretações. Trata-se de um papel que requer um talento apurado, o qual a atriz possui, tanto para interpretação como para a composição mímica de uma pessoa real.

    O roteiro de Arash Amel (que tem no currículo somente outra obra, Erased, com Aaron Eckhart) segue o estilo padrão de biografias cinematográficas. O filme inicia-se com uma cena poética e uma citação da própria Grace sobre a vida de princesa e contos de fadas, abrindo sua história. Ao se mudar para Mônaco, a princesa ainda sentia-se como uma atriz de Hollywood. Hitchcock na época realizava Os Pássaros e convida a atriz para seu próximo trabalho, Marnie – Confissões de uma Ladra. O diretor é o único personagem cinematográfico a aparecer em uma breve visita ao palácio, apenas para convencer Kelly a voltar às telas para uma saída triunfal.

    Dentro do principado, com poderes adquiridos no casamento, uma possível ida da princesa a Hollywood é considerada uma afronta. Principalmente porque, na época, Mônaco sofria ataques da França que quase transformaram em guerra uma disputa de interesse relativa a impostos.

    Kelly observa este mundo como alguém que assiste a uma peça, sem saber que ela faz parte deste processo. Ao reconhecer seu status, a princesa ganha força e começa a usar seu poder para melhorar o principado com a representação de um derradeiro papel final, ajudando a promover o governo do marido. Interpretado pelo sempre bom, mas quase esquecido, Tim Roth, o Príncipe de Mônaco é um homem que carrega grandes problemas nas costas e vê na esposa uma aliada capaz de ajudá-lo. Ambos unem suas forças e, cada um em suas frontes, ajudam a reerguer Mônaco e solucionar o impasse com a França, país exportador de muitos produtos para a cidade-estado. Surge uma Grace Kelly ciente de suas obrigações e uma humanista que usa seus atributos de beleza, inteligência e sagacidade a favor deste momento difícil.

    A trama transforma o conflito como centro da narrativa para compreender quem foi Grace Kelly. Uma mulher por muito tempo dividida entre dois mundos até assumir a coroa de princesa definitivamente. Não é à toa que a história da atriz tornou-se um exemplo de conto de fadas. Nascida na Filadélfia, talvez Grace nunca imaginasse que um dia se tornaria princesa. Porém, esta imagem figurativa, provavelmente difundida em tabloides na época, é modificada nesta produção, que, mesmo focando uma interessante figura real, passou despercebida por parte do público. Olivier Dahan constrói uma princesa bem equilibrada entre a força que deve ter e a fragilidade interna cheia de incertezas. Porém, a condução somente correta da trama traça um panorama superficial demais sobre Kelly, fazendo com que o filme não tenha força suficiente para se tornar uma grande obra, mesmo com uma rica história como inspiração.

  • Crítica | Delícias da Tarde

    Crítica | Delícias da Tarde

    Delicias da tarde - poster

    A inquietação de Rachel (Kathryn Hahn) em seu próprio carro, enquanto o veículo passa pelo lava a jato, resume o enfado que existe em sua rotina, presente na vida de muitas mulheres de meia-idade. Suas primeiras falas destacam o seu estado de ócio e a culpa em sentir-se vazia, por não ter muitas emoções além de sua vida acostumada ao ordinário. A análise com sua terapeuta, Doutora Lenora (Jane Lynch), deveria servir para ela contar a verdade, mas assumir suas derrotas é demasiado vergonhoso.  Ao finalmente acatar a sinceridade, a protagonista revela uma rotina na qual sua vida sexual é praticamente nula, mais uma vez reafirmando o drama de algumas mulheres que veem que a segurança de um belo lar suburbano não é o bastante.

    A abordagem escolhida pela diretora Jill Soloway arranha a imagem da mulher julgada pelo machismo. Propositalmente, é claro, visto que a realizadora tem uma experiência com o seriado protagonizado por Toni Colette, United States of Tara. As personagens da película são bastante reais, cada uma simbolizando uma faceta do universo feminino, elevando o conceito do seriado a um nível mais especulativo, não literal.

    O farsesco da comédia brinca com o grotesco inerente ao ser humano, quando envelhecer nem sempre é um exercício digno ou edificante. O mundo conflituoso da mulher de mais idade é invadido pela vontade de quebrar a rotina. As tentativas de reavivar a vida sexual do casamento da protagonista com Jeff (Josh Radnor), como a visita a um strip club, somente a assustam, não servem para reavivar nada além do asco comum aos seus dias solitários. Além disso, a primeira experiência com uma stripper de 19 anos, McKenna (Juno Temple), só a deixa mais tensa e insegura.

    A completa falta de perspectiva faz com que a dona de casa busque se aproximar da stripper, fazendo uso de outro nome, Sophia, numa busca por ser outro indivíduo. O destino das duas se entrelaça a ponto de McKenna ir morar na casa do casal. De repente, o lar ultra conservador é invadido por uma mulher que ganha a vida na maior parte do tempo sem roupa alguma. O diálogo travado entre as duas exibe realidades muito distantes umas das outras, uma em que a carência afetiva resulta no tédio, e outra resulta no ganho de vida através da prostituição.

    O principal fator para que as duas personagens focadas sejam diferentes é a maturidade, ainda que ambos os dramas sejam, numa análise fria, os mesmos. A empatia entre ambas ocorre sem maiores esforços, com Rachel se afeiçoando pela dramática história de vida de McKenna, sentindo pena pelo trabalho que ela se vê obrigada a fazer, uma vez que sua “família” precisa de dinheiro. A comiseração se confunde com identificação, por parte de Rachel.

    Ao acompanhar a jovem em seu trabalho, Rachel se depara com uma realidade inconveniente: por um lado, assiste à degradação de sua protegida; ao mesmo tempo, o cliente consegue atingir pontos que seu marido não alcança, metas simples, como olhar para ela enquanto chega ao clímax.

    Após o fatídico acontecimento, a cortina cai, e as mulheres percebem que não há como conviver harmoniosamente, a despeito da dependência mútua que um dia existiu. A quebra de confiança resulta na mágoa de ambas, pondo para fora o respectivo veneno que as duas tanto guardavam, usando estes como mecanismos de defesa em um ataque mútuo.

    Rachel se torna factualmente o arquétipo a que sempre sentiu pertencer. Era uma pária, um evento da entropia, orbitando um espaço galáctico longe demais de onde deveria (e queria) estar. Aos poucos, até os papéis de carente e ouvinte são trocados em seu cotidiano. Sua queixas param, seus problemas são superados através da comunicação com seu marido, que antes não funcionava. Apesar da clara evolução, o caráter do final da mensagem pode ser encarado como um viés de conformidade, aceitação de seu destino, distante do começo inquieto, mas resignado. A felicidade finalmente paira na vida da mulher, provando que a solução óbvia, longe das reclamações constantes, pode ser a melhor opção para uma vida plena.

  • Crítica | Cantinflas: A Magia da Comédia

    Crítica | Cantinflas: A Magia da Comédia

    Começando com uma curiosa narração, que demonstra o panorama do cinema mundial nos idos de 1955, o filme de Sebastian del Amo diversifica a linguagem entre o inglês americano e o espanhol, numa co-produção repleta de referências a estrelas da sétima arte. O plot explorado é a difícil mega produção que adaptaria o romance de Júlio Verne, A Volta ao Mundo em Oitenta Dias. Após recusas de possíveis protagonistas para a película, surge o nome do humorista mexicano Mario Moreno – executado por Óscar Jaenada – que é um aspirante, ainda tímido, executor de esquetes de comédia.

    A trajetória de Mario rumo à tentativa de se tornar um sucesso é dividida em tela pela volúpia de Michael Todd (Michael Imperioli) em tentar reunir o maior número possível de estrelas para a fita que quer produzir. Pressionado pelo estúdio, Mike passa por dificuldades cada vez maiores em angariar verba para a produção de seu épico. Logo, os destinos dos dois protagonistas cruzam-se.

    Retornando ao passado, Mario observa como o humor pode retratar bem a sociedade, fazendo, inclusive, políticos famosos rirem de peripécias semelhantes aos descasos à máquina pública. O humor poderia ser uma ferina arma nas mãos de um excelente guerreiro, um método que foge do lugar comum no dever de denunciar as mazelas sociais. O roteiro de Del Amo é simples, didático, mas não trata seu espectador como bobo, pelo contrário, revela de modo leve e singelo a evolução de Moreno como palhaço. Após algumas experiências de vestuário, Mario dá luz a Cantinflas, sua persona que ficaria famosa por todo o México e que o levaria a ser uma figura importante do cinema latino.

    A fama de Cantinflas cresce tanto que, na época retratada de 55, o humorista se dá ao luxo de recusar um papel secundário no filme que Mike produz. A mudança de estilo de vida do artista é mostrada de modo gradativo. O Vagabundo Cantinflas ganha os palcos e as salas de cinema com as estreias de Aí Está o Detalhe! e produções posteriores, focando a capacidade de improviso do humorista e sua pouca afeição a seguir os roteiros de modo linear. O intérprete se transforma em um competente realizador e produtor, aclamado por crítica e público, lançando mão de bens materiais de alto custo, mudando completamente de patamar econômico.

    Cantinflas é uma cinebiografia focada nos atos que envolvem a criação de uma película fadada ao fracasso desde sua pré-produção, e que só conseguiu ver a luz do dia ao decidir entregar o protagonista ao personagem título, um indivíduo latino, naturalmente ignorado pela sociedade conservadora dos Estados Unidos, ainda mais na metade do século XX. A relação de Mario com Mike faz com que a relato de vida seja dividido entre ambos, na construção da improvável amizade que se arrastou pelos anos de vida da dupla, até o acidente que cerceou a vida de Michael.

    O filme de Del Amo consegue ser reverencial e informativo, num equilíbrio poucas vezes vistas no gênero, trazendo à luz um personagem importante do cinema mundial, mas pouquíssimo conhecido no Brasil. O acerto talvez tenha sido não o de retratar Mario Cantinflas como uma figura mítica, mas sim de forma mais humana, repleta de falhas, acertos e fracassos, ainda que sua obra seja prolífica e genial.

  • Crítica | Para Sempre Alice

    Crítica | Para Sempre Alice

    Para-Sempre-Alice-Poster-Nacional

    Ao começar a fita de Richard Glatzer e Wash Westmoreland com uma comemoração de aniversário da professora Alice Howland, o intuito é ambientar o público na condição inspiradora da mulher sobre os seus, iniciando por sua família, devota à matriarca, passando pelo ofício da mulher, exibindo-a habilmente em uma palestra diante de uma plateia renomada. A linguística, parte fundamental de seu trabalho, é o tema de seu discurso, atrapalhado levemente por um simples acontecimento, o esquecimento de uma palavra básica, que  – traduzida para o português – seria lexical.

    Alice é vivida por uma madura Juliane Moore, tendo em comum com sua personagem o fato de não aparentar ter chegado aos cinquenta anos. Tal fator é importante para a formação da psiquê da professora e mãe, que tem de lidar com as perdas e ganhos familiares, e até com o esquecimento de fatos que lhe causam azedume. Em uma visita à sua filha Lydia (Kristen Stewart), Alice é convidada a pensar mais em si, impondo um desapego aos problemas de sua herdeira, quase como uma premonição de sua condição ainda nem descoberta, a doença tão temida e incurável. Uma relação bastante conturbada, presente no choque de gerações entre Lydia e Alice.

    Os testes de memória impingidos à personagem são preconizados por um close-up em Moore, revelando olhos marejados, prontos a desabar em lágrimas, como mais um evento de sensibilidade intuitiva e alarmista, ainda que neste momento nada se acuse. As reuniões familiares em datas especiais prosseguem, mas sempre com a falta de um dos membros, emulando as perdas memoriais que se somam na lembrança de Alice.

    As consultas ao médico vão tomando a forma do medo não dito, e aos poucos ela toma coragem o suficiente para se abrir ao marido, John (Alec Baldwin), que tenta demovê-la da ideia de que as memórias estão realmente se esvaindo, jogando estes fatos no irrelevante ponto da normalidade, associando o problema ao avanço da idade. A resposta imediata da protagonista é chorar e berrar, externalizando todo o grupo de sensações atrozes que se retêm apenas na parte calada do cérebro.

    O sentimento de impotência é agravado quando Alice descobre que a condição raríssima é transmitida de forma hereditária, “herdando-a” possivelmente de seu pai, o que demonstra a grande possibilidade de transmissão dos genes aos seus descendentes, fato que se consuma. A devastação emocional a faz balançar, e manter-se íntegra e sã é uma tarefa cada vez mais difícil.

    A delicadeza com que a condição é tratada em tela chega a assustar, desde o modo como a adoentada tem de lidar com sua situação imutável até as consequências da revelação, assoladora dentro do seio familiar. A necessidade de mudanças se mostra um exercício árduo para todas as partes, piorado pela sensação da heroína de impotência e de obsolescência não programada. Todo o entorno e as alterações rotineiras são exibidos paulatinamente e na mesma velocidade com que o Mal se alastra pelas sinapses da personagem.

    A gradativa perda de articulação faz Alice perder mais que “simples” palavras, pois ela também se distancia de sua identidade, por vezes desaprendendo os valores éticos e morais que sempre regeram sua vida. A lente se embaça. Em mais uma visita à clínica, revelam-se mais perdas, tantas que a consciência da personagem mal é estabelecida.

    Alice começa a visitar o HD de seu computador, encontrando mensagens gravadas em vídeo por ela, em momentos pretéritos ao avanço estupendo da doença. Até a possibilidade de suicídio é aventada e contada passo a passo, para que o peso de sua culpa e a dos seus entes queridos pudessem ser aplacados de algum modo. Um gesto pensado de um modo que causaria ainda mais tristeza naqueles que a cercam e da qual cuidam.

    A história baseada no livro de Lisa Genova apresenta uma faceta melancólica e singela de uma síndrome tão pouco conhecida pelo homem, fato que por si só causa muito temor em quem a contrai e em quem fica ao redor. A solidariedade, divisão do fardo do sofrimento belamente mostrada na direção de Glatzer e Westmoreland, só é possível pela completa entrega de Moore, que não cansa de se reinventar, tanto como figura sedutora e cativante, quanto no ofício artístico. Para Sempre Alice produz sensações de indignação, comiseração e necessidade de amparo, alertando o público para uma questão aviltante, com muito mais alcance que qualquer panfleto institucional.

  • Crítica | Busca Implacável 3

    Crítica | Busca Implacável 3

    Busca Implacável 3 - poster BR

    A busca pelo paradeiro da filha sequestrada em terras estrangeiras foi a trama que transformou o consagrado Liam Neeson em astro de ação. Naturalmente, o sucesso de Busca Implacável gerou uma sequência, inferior e carregada de exageros comuns em sequências que sempre tentam superar a história original. Após o lançamento desta segunda produção, Neeson deu prosseguimento ao seu potencial como ator de ação. Mais um filme sobre o preocupado pai familiar Bryan Mills seria inevitável. E mais: trilogias sempre são aceitas no mercado como uma espécie de obra maior dividida em partes e, dessa vez, Busca Implacável 3 poderia redimir a série da história anterior e apresentar um desfecho, ou mais uma situação limite para as personagens.

    Três anos atrás, o astro afirmava que não havia possibilidade de haver uma nova produção. Por fim, aceitou retornar ao papel com a condição de que nenhum sequestro fizesse parte da trama. Como na primeira história, Kim (Maggie Grace) está prestes a fazer aniversário, e o pai procura um presente para a garota. Desde as experiências traumáticas anteriores, Kim mantém uma relação unida com o pai, ainda que ele sempre veja-a como a pequena garotinha que um dia foi. Porém, adulta, morando na companhia de um namorado, a filha não precisa de proteção. A repetição do aniversário serve como um comparativo entre a passagem de tempo de uma história a outra.

    A mudança de paradigma é um dos pontos principais desta nova trama. Devidamente acusado pela morte de sua ex-esposa, Lenore (Famke Janssen), cabe ao ex-agente do governo fugir da polícia enquanto tenta provar sua inocência. Os papéis invertem-se e, em vez de caçar as pistas, a personagem deve desorientar seus perseguidores.

    A fluidez narrativa da primeira história ganha maior espaçamento temporal. Trata-se do filme mais longo da trilogia, e a trama desenvolve-se sem a urgência das anteriores. Bryan traça seu plano lentamente, primeiro informando a filha e os parceiros de suas intenções para, finalmente, entrar em ação direta com os prováveis responsáveis pelo assassinato de sua esposa. Há mais trama e menos ação, uma mudança que pode incomodar parte do público, mas  que é eficiente para equilibrar o enredo e superar o anterior.

    Neeson continua à vontade em sua nova composição de personagem, aproveitando seu porte físico. As cenas de ação foram realizadas sem nenhum dublê e mantêm as mesmas características das anteriores, com cenas rápidas prezando a melhor forma de neutralizar os inimigos. Há momentos de ação em uma quantidade suficiente para animar o público, e uma épica cena – que popularmente poderia ser definida como uma clássica cena massavéio – a qual somente filmes de ação poderiam nos proporcionar. É absurda, impactante e divertida.

    Mesmo com uma breve carreira na direção, com todos os filmes focados na ação, Oliver Megaton, que também realizou Busca Implacável 2, trabalha com competência estas cenas e entrega uma história que possui bons momentos de tensão e ação. Por tratar-se de uma história sempre atrelada a um ajuste de contas, torna-se evidente que pontas soltas e ameaças de vingança permanecem como futuras possibilidades. Feliz com o trabalho desta segunda continuação, Neeson já declarou que não descarta participar de mais uma sequência, demonstrando o quanto o ator deseja permanecer trilhando esta nova fase de brucutu badass.

  • Crítica | A Mulher de Preto 2: Anjo da Morte

    Crítica | A Mulher de Preto 2: Anjo da Morte

    A Mulher de Preto 2 O Anjo da Morte

    Dez anos após os acontecimentos de A Mulher de Preto, lançado em 2012, com Daniel Radcliffe, a mística do terror sobrenatural incorporado em uma misteriosa mulher em trajes pretos retorna aos cinemas. Mulher de Preto 2 – Anjo da Morte estreou simultaneamente nos cinemas e também como romance literário, escrito por Martyn Waites com base em um conceito da autora do original, Susan Hill, e no roteiro desenvolvido por Jon Crocker.

    Durante a guerra, Londres vive sob bombardeios diários que destroem famílias, deixando órfãos como sobreviventes. Decididas em afastar os infantes desses horrores, uma governante e uma professora reúnem um grupo de crianças e levam-nas para um local pacífico. O momento precário sem muitas opções faz com que o grupo se hospede na Mansão do Pântano, conhecida desde o filme anterior como a morada da mulher de preto. Dentre o grupo de órfãos, o pequeno Edward ainda vive o luto da perda dos pais e, traumatizado, não pronuncia nenhuma palavra. O garoto evidentemente será a conexão estabelecida com o sobrenatural. É uma representação tradicional do infante puro, porém traumatizado, que por sua formação ainda primária chama a atenção do espírito.

    As câmeras subjetivas são o primeiro indício de uma força oculta presente na casa. Porém, a figura título é tão enigmática que mal aparece em cena. Raramente vemos inferências de sua presença em cenas rápidas ou nos detalhes em close, como mãos e a mortalha utilizada como figurino. Não fosse a obra uma sequência, a trama poderia envolver outra entidade tamanha ausência da personagem, que supostamente deveria conduzir o medo tanto para o enredo do filme como também aos espectadores.

    Há uma descrença da própria situação por parte dos personagens. Após as primeiras manifestações de sons e objetos se movimentando, e do estranhamento natural diante de tais situações, a personagem central, a professora Eve Parkins, modifica sua postura e não mais parece angustiada por um elemento desconhecido. Como se soubesse exatamente do que se trata a presença espiritual, e esta não mais lhe amedrontasse. Em nenhum momento, porém, o grupo parece conhecer a história anterior do advogado Arthur Kipps, que também passou por apuros na primeira produção graças a esta manifestação espiritual. Há uma breve investigação sobre a origem da mulher e a perda de um filho, mas este argumento não é suficiente para que se compreenda a motivação, se é que há uma, da entidade. E muito menos porque ela não é mais assustadora para a referida personagem da professora.

    O pequeno Edward, responsável por manifestar o ente, é um garoto nada empático. Mesmo uma trama envolvendo crianças, elevando o apelo assustador pelo perigo contra inocentes, este elemento não favorece a história devido à falta de carisma do garoto. É nele que reside o desejo de morte da mulher espírito. Porém, falta ao garoto cativar o público para que torçamos por sua salvação.

    O sucesso do primeiro filme, com 110 milhões em bilheteria arrecadados ao redor do mundo, sendo o terror britânico com mais público em em 20 anos, proporcionou a produção desta sequência, que se utiliza da mesma atmosfera original, porém com uma personagem assustadora que mal entra em cena, e adultos em dúvida se temem ou não as manifestações desconhecidas. Assim, esvai-se a sensação de que esta produção se aproveita do sucesso da anterior, regida apenas pela exigida demanda de continuações, sem nenhuma intenção de ser uma obra de terror ao menos razoável. Um terror que não provoca medo. Isso, sim, um fato assustador.

  • Crítica | As Névoas do Terror

    Crítica | As Névoas do Terror

    Study In Terror - Poster

    A produção de 1965, dirigida por James Hill, começa em tom folhetinesco, com o assassinato de uma messalina, utilizando um enfoque bastante sensacionalista, unindo dois dos maiores ícones britânicos em um só universo ambiente. A vida burlesca da grande metrópole é mostrada como em um grande pastiche, em uma visão debochada da faceta marginal em plena Era Vitoriana.

    A cena do segundo assassinato varia em dois ângulos – a moça é jogada em uma bacia cheia de água, e de cima o estripador toscamente esfaqueia a vítima, num plano muito mal enquadrado; mas de outro ângulo, vê-se nos olhos da martirizada mulher a arma branca invadindo a água, e, para o seu terror, o sangue subindo, numa belíssima tentativa de imergir o público, pondo-o no lugar de sofrimento da assassinada.

    John Neville faz um Sherlock esguio, como nos desenhos de Sidney Paget, exceto pelo penteado sem entradas de calvície. Vivaz, ativo, praticamente irreconhecível quando disfarçado, diferente de sua contraparte nas películas do final dos anos 30, se diferenciando de Basil Rathbone em qualidade, claro, livre das amarras temporais do intérprete anterior.

    A caça aos libertinos passa a ser prioridade para alguns da comunidade, ao contrário da captura do vil assassino – a crítica à hipocrisia desta sociedade não é velada, ao contrário da larga utilização dos serviços das mulheres pouco respeitáveis por parte de senhores da alta classe.

    A câmera usada como os olhos do monstro/assassino, 10 anos antes de Tubarão de Steven Spileberg, registra o modus operandi de uma das profissionais do sexo, além de mostrar o fim inevitável que sua vida de pecados lhe causou. Os zoom outs que contemplam a arma do crime e a trilha sonora histriônica causam no espectador um misto de temor e impaciência em descobrir quem está por trás dos temíveis e atrozes crimes de Jack, O Estripador.

    O desfecho é mais do que satisfatório, misterioso até o fim. A hipótese da película de James Hill é a de que, se Sherlock habitasse o mesmo mundo de Jack Estripador, sua identidade não seria incógnita por tanto tempo. O espectador não é subestimado, e o roteiro de Derick Ford é muitíssimo bem construído, fazendo do paupérrimo orçamento algo irrelevante diante dessa história tão bem urdida.

  • Crítica | Alien 3

    Crítica | Alien 3

    Alien 3 versão estendida

    Após o enorme sucesso de público e crítica depois do lançamento de Aliens: O Resgate, uma enorme expectativa sobre uma nova parte da saga dos xenomorfos foi criada. Ao longo de alguns anos, várias versões de roteiro foram escritas e reescritas. A missão de produzir o novo capítulo de uma série de filmes que foi um marco para a ficção científica provou-se pesadíssima. Porém, no ano de 1992, Alien 3 chegou aos cinemas.

    A trama do filme passa-se algum tempo depois dos eventos narrados na segunda parte da quadrilogia. A Sulaco – nave onde se encontravam em animação suspensa a Tenente Ellen Ripley, a criança Newt, o androide Bishop e o Cabo Hicks – cai em um planeta-prisão chamado Fiorina 161. Após o resgate da nave, fica comprovado que somente Ripley sobreviveu à queda. Pouco tempo depois disso, um boi (na versão original do cinema, um cachorro) é infectado por um facehugger escondido dentro do módulo que caiu, dando origem a um xenomorfo que passa a eliminar os prisioneiros um a um.

    Alien 3 retorna ao clima claustrofóbico e urgente do primeiro filme, pois não existem armas na prisão. Os corredores do cárcere em muito se assemelham aos da nave Nostromo, e o diretor David Fincher acaba emulando o estilo criado por Ridley Scott em Alien: O 8º Passageiro. Isso provavelmente aconteceu por pressão do estúdio. A produção do filme foi conturbada desde o início devido às várias versões de roteiro ao longo dos anos e a intensa interferência dos engravatados no trabalho do diretor, fazendo com que o filme não tivesse o mesmo nível de seus predecessores. Fincher renegou a obra algum tempo depois devido ao inferno que viveu na época.

    A versão de cinema para Alien 3 possui grande furos de roteiro, já que um grande número de cenas foi cortado. Isso fez com que o filme se tornasse muito apressado – ainda que sua metragem seja de 115 minutos – e com algumas resoluções bem absurdas para certas situações apresentadas na trama. Já a versão estendida acrescenta por volta de 30 minutos de cenas à obra, tornando a película mais coerente e se aproximando mais da visão de Fincher. Cabe dizer que o diretor não teve participação nessa nova montagem. É interessante ver que mesmo remasterizadas em alta definição, algumas cenas sofrem de problemas técnicos, talvez em razão da degradação dos negativos ao longo dos anos.

    O roteiro final, assinado por David Giler, Walter Hill e Larry Ferguson, a partir de uma história de Vincent Ward, possui alguns pontos bem interessantes que são melhores apresentados nesta versão do filme. O principal ponto é a questão religiosa dos presos de Fiorina 161. Devido a isso, eles traçam uma analogia de que o alien seria a criatura do juízo final. Alguns, em um momento inicial, não se importam se são mortos por ela. Interessante ainda é o fato de que a batalha de Ripley com a raça alienígena ganha um aspecto pessoal, afinal, graças ao alien, a tenente perdeu toda a convivência com a sua filha (é mencionada a morte dela no segundo filme), perdeu aquele que poderia ser um novo amor (o Cabo Hicks) e quem poderia colocá-la no papel de mãe novamente (a menina Newt). Há ainda um espaço para a retomada do plot do segundo filme, onde a corporação Weyland-Yutani desejava transportar os aliens para a Terra a fim de estudá-los e criar uma nova arma biológica. Tal situação ocorre bem próxima ao final da película e gera um interessante embate entre Ripley e um funcionário da companhia interpretado por Lance Henriksen.

    Quanto às atuações, Sigourney Weaver mantém o nível dos filmes anteriores, porém imprime bastante amargura à protagonista. Talvez sua melhor cena seja a da autópsia no corpo de Newt. Charles S. Dutton dá um verdadeiro show como o líder religioso dos internos na prisão, e as cenas que ele antagoniza contra a tenente Ripley são sensacionais. Charles Dance, como o médico que desperta o interesse da personagem principal, também está muito bem em cena.

    Ainda que não seja tão espetacular como os primeiros, Alien 3 é um grande filme, e esta Versão Estendida o torna bem mais interessante, produzindo um desfecho mais apropriado para o arco de histórias da Tenente Ellen Ripley contra o xenomorfo assassino.

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  • Crítica | Mesmo Se Nada Der Certo

    Crítica | Mesmo Se Nada Der Certo

    Poster Mesmo se Nada Der Certo

    O produtor musical Dan Mulling (Mark Ruffalo) era tão ocupado que precisa utilizar qualquer tempo livre que tem para ouvir os aspirantes a cantor que aparecem para ele. Mesmo quando preso no trânsito, ele passa um bom tempo escutando os pretensiosos artistas. Retirado de uma sucessão de clichê de comédia romântica, o estereótipo tem seu ápice no homem confuso, sem identidade, que ainda não achou o amor verdadeiro, e até sua vida familiar é bagunçada. O protagonista chega ao fundo do poço ao se deparar com a demissão da produtora musical que fundou.

    A cidade de Nova York constitui o cenário perfeito para o alvorecer de uma estrela, e é em meio a um bar pé-sujo no subsolo que Dan se depara com algo subvalorizado pelo público presente, mas que lhe acende a criatividade e um bocado do prazer. Para (não) surpresa do público, a figura que encanta o desolado homem é a bela Gretta (Keira Knightley), uma cantora resignada, que somente faz composições, apesar de ter uma bela voz. O motivo do asco pela fama é justificado pela atribulada intimidade dela como cônjuge e compositora anônima de Dave Kohl (Adam Levine). O namorado faz um sucesso enorme, mas esconde a real autoria de suas canções, muito pela timidez de Gretta, mas também por uma canalhice, que se provaria maior pelo motivo que o faz romper a relação.

    Juntos, os pares desordenados começam a planejar uma nova empreitada musical, com músicos que aparecem repentinamente para colaborar de graça com a produção da fita demo, todos inspiradíssimos, como se algo cósmico estivesse prestes a ocorrer. A harmonia com que o clipe é conduzido é de fazer inveja a qualquer musicista profissional. Até os percalços das locações externas onde a fita é gravada colaboram para a perfeita feitoria da canção, convenientemente.

    O “casal” torna-se tão perfeito em suas ações que Gretta consegue conquistar a afeição da filha dele, Violet (Hailee Steinfeld), sendo uma conselheira amorosa, dando um banho de loja na garota e descobrindo um talento musical que fugia aos olhos do pai. O estado de perfeição só é quebrado após ambos comentarem como suas relações acabaram, entrando em um novo nível de intimidade, onde máscaras de hipocrisia não poderiam mais prevalecer. A conversa a partir daí evolui para uma amizade de apoio mútuo, com potencial para se tornar algo mais.

    O par se conheceu no pior momento de suas vidas, onde a aflição imperava. Seria uma comédia repleta de bordões e banalidade, não fosse a mola central da engrenagem. O modo como a musicidade é percorrido pelo roteiro faz todas as repetições terem um sentido maior do que o normal, com significado e profundidade acima das baboseiras pré-fabricadas e de cunho publicitário. A condução delicada de John Carney faz tudo isso soar naturalmente.

    Mesmo as cenas irreais ganham uma aura de fantasia graças ao místico da música. As paragens, que normalmente seriam barulhentas ao extremo, prostram a melodia presente na alma de Gretta, funcionando de modo despretensioso, como uma comédia chapa branca, mas sincera em cada acorde. Nenhuma interferência externa, fora os personagens centrais, os músicos e seu entorno, consegue subsistir ante a magia musical da banda quando está em forma.

    Mesmo Se Nada Der Certo é um filme sobre essência, que apesar de apegar a fórmulas tem em sua mensagem a fuga da formatação, tanto das músicas quanto do cotidiano. O ineditismo está intrinsecamente ligado à obsessão de Gretta e Dan, e é por isso que as vidas de ambos eram tão miseráveis antes. Soterrados pelo tédio, eram incapazes de usufruir dos momentos simples e felizes de suas vidas. Mesmo diante de uma saída fácil, em que poderia reunir os dois com um romântico par, Carney prefere mostrar a evolução de pensamento, tanto de Gretta quanto de Dan, com frieza de espírito suficiente para decidirem suas vidas de modo calmo e correto, costurando um desfecho plausível com toda a duração do drama e de modo extremamente positivo.

  • Crítica | Vingança ao Anoitecer

    Crítica | Vingança ao Anoitecer

    Ainda longe dos holofotes hollywoodianos, Paul Schrader prossegue em uma busca árdua para produzir seus próprios filmes, que exibem um escopo violentíssimo, não enquadrado no cinema familiar tipicamente americano. Ainda na linha de seu anterior The Canyons, o diretor se vale de um rosto famoso para atrair investidores e aplacar um pouco da perda de público causada pela excessiva violência de suas fitas. O escolhido da vez é Nicolas Cage, uma persona muito menos problemática do que a protagonista anterior, Lindsay Lohan.

    Evan Lake é um veterano agente da CIA, diagnosticado com demência, e guardando mostras de desprezo a si próprio, a começar pelas madeixas grisalhas que predominam sobre a fronte de seu calvo intérprete. Cage tenta fugir das últimas atuações tenebrosas, como as em Apocalipse, Fúria e tantas outras bombas que chegaram no mercado de home video. Sua interpretação é a de um sujeito apaixonado, patriota e ético, um homem que acredita que a morte em serviço seria uma honra, e não uma fatalidade. Tal situação sentimental é causada por um trauma, originado em uma tortura mal filmada, fruto do parco orçamento de cinco milhões de dólares.

    Apesar de sua condição clínica, diagnosticada com “demência fronto-temporal”, que se propaga a passos largos, mostrada pelo médico como ainda mais agressiva que o Mal de Alzheimer, Lake ainda se vê pronto para o serviço, cada vez mais preocupado com uma possível ameaça terrorista, que é tratada de modo pouco relevante por seus superiores, motivados, é claro, pelos ecos da doença.

    Mesmo com as negações, há quem acredite no relato do agente, com a fita se encarregando de mostrar que realmente há alguma razão em seus relatos, exibindo um adoentado Mohammad Banir (Alexander Karim), o qual finalmente apareceu nos radares da CIA após 22 anos de seu desaparecimento. A necessidade de cumprir sua missão faz Evan correr em direção à luz, resgatando o seu dever e ofício acima de seu estado mental.

    A ação frenética lembra muito os filmes de superespiões, especialmente na interação entre o protagonista e o jovem agente, que lhe arranja condições de perseguir seus objetivos, Milton Schultz (Anton Yelchin), ajudando-o a fazer às vezes de “mestre do disfarce”. Em certos pontos, é quase possível esquecer-se da enfermidade do herói, dado o modo como ele se movimenta em direção ao término de seu tratado.

    As marcas no andar de Evan representam mais do que a dor que sentia em seu corpo, se propagando como o avatar do sofrimento, do já citado problema carnal e, claro, da libertação de espírito, que em último caso se resume à possibilidade de prosseguir com a paixão em ser agente de campo, apesar de todo o pesar que envolve este retorno, e da crescente queda de pressão que é fruto de sua doença.

    O embate que põe os dois moribundos frente a frente inverte os papéis do começo da fita, a despeito da regressão emocional pela qual passa o herói de ação. No discurso, há uma rasa discussão sobre os rumos políticos ideais para os países do Oriente Médio, ditos como inimigos do EUA, elevando a  condição do marxismo como uma possibilidade viável para a sustentação do equilíbrio social das nações islâmicas, o que obviamente interfere no pensamento imperialista do homem que somente segue ordens, representado no arquétipo do personagem de Cage.

    A defesa dos valores, presentes no American Dream e no American Way of Life, é realizada através do esforço máximo de Evan Lake, do começo ao melancólico e depressivo final, que aponta para a impossibilidade de este comportamento ainda existir. Para o espectador mais desatento, Vingança ao Anoitecer pode parecer propagandista, mas se analisados o conteúdo das falas dos antagonistas e as imagens que ocorrem nos pós-créditos, há como ver a escolha feita por Schrader, diretor que escolheu ser ufanista, de passar uma mensagem irônica, debochando do patriotismo exagerado e da ausência de pensamento crítico por parte dos que fazem o trabalho sujo do governo.

  • Crítica | Selma: Uma Luta Pela Igualdade

    Crítica | Selma: Uma Luta Pela Igualdade

    Selma - Luta pela Liberdade - poster brasileiro

    Vulgarizamos o que não entendemos, essa é uma das verdades sobre nós. Assim é com a matemática, quando esta deixa de ser divisão e vira fração na terceira série, ou com aquela redação dada em uma época que ainda não sabemos como segurar a caneta corretamente. Estende-se essa negação quando muitos veem um casal gay na calçada, e, se não atravessam a rua, preferem cometer barbaridades a deixar que cada um viva como queira viver.

    Desculpas ao riso são músicas em inglês em ouvidos treinados em uma única língua, ou alguém que veste amarelo aos olhos de quem só gosta de verde. Não menos que um negro, hoje o homem mais poderoso do mundo ocidental, disputando eleições na maior democracia consolidada do planeta. Fato risível, isso sim, na penosa, quase cármica época que o leve e forte filme da (ótima) cineasta Ava DuVernay se apropria em recriar com fidelidade, dor e esperança no Cinema, sem quaisquer apologias emocionais ou de caráter caricatural como nos recentes 12 Anos de Escravidão, Django Livre ou Gran Torino – neste último caso, racismo explícito contra japoneses.

    Todos esses filmes, bons ou regulares, atestam a ignorância humana a favor do desumano, enquanto Selma – Uma Luta Pela Igualdade opta pela ausência dessa ignorância em troca da presença do medo que poderosos brancos tinham de dividir um grama de seu poder com uma voz… diferente. Não é ignorância frente ao desconhecido, é medo de perder o poder, pois sabiam e sabem que, se uma voz consegue reunir duas pessoas, pode reunir 200 ou 3000 para protestar contra o que as impede de ser feliz na tentativa de sobreviver. E assim como Doze Homens e Uma Sentença, clássico de Sidney Lumet, um filme americano novamente discute, sem medo e com um fôlego renovado, as dívidas morais de uma sociedade, procurando um calor progressista em um conservadorismo congelado e congelante.

    Há muitos paralelos entre a obra de Lumet e esta de Ava, em especial o debate temático mostrado em tela, o suficiente para inspirar o espectador a se posicionar ante o certo e o errado, diante do que sente, sobretudo na perspicácia de explorar recantos intrínsecos ao status de cidadania, como a criminalidade, direitos civis e meritocracia, com um background repleto de questões atemporais e principalmente ricas em perspectiva e grau de tratamento artístico.  Ao “reescrever” a história de Martin Luther King, primeiro o homem e depois o herói, o escritor Paul Webb, de Lincoln (um ótimo roteiro, fragilmente adaptado por Steven Spielberg) volta aos malabarismos com o racismo e a segregação temporal, numa verdadeira lucidez temática sobre o assunto, e finalmente muito bem traduzido por Ava. A diretora, em seu terceiro longa-metragem – quase Like a Virgin, mas habilidosa a ponto de deixar ações e trilha sonora falarem mais alto que palavras – não se apoia nos recursos de liderança já citados, mas no gênio da artista de extrair bom senso, leveza e ponderação ética do material escrito por Webb. Trabalho de veterano(a) com garra de principiante.

    Faça a Coisa Certa, Fruitvale Station: A Última Parada, Compasso de Espera e, agora, este belo tratado sobre as fraturas do convívio humano… Ressacas sociais filmadas como rito de consciência e inteligência interemocional, fazendo, através de um arranjo tão forte, grandes filmes. Filmes além de pretensões para com gregos e troianos, senão com a harmonia entre a realidade e a ficção, com o contraponto da política teórica de gabinete e a política violenta das calçadas, valorizando a força real das situações graças à potência empregada com uma câmera de Cinema (um toque de parcialidade quanto ao drama vivido), e o poder deste em recriar uma época, suas cicatrizes e implicações com o hoje e, certamente, o amanhã.

    Selma carrega uma grande e imperturbável estabilidade emocional, transmitindo-nos segurança para a veracidade de fatos e relatos demonstrados em imagens difíceis de esquecer, como as impressionantes marchas de negros nas ruas e pontes de uma nação de mentalidade ainda escravista, excomungando cidadãos não reconhecidos como tal, com forças policiais caninas e leis de separação étnica, como se não bastasse. Cenário ainda retratado no Brasil, graças à violência policial e outras expressões de poder igualmente apodrecidas de dentro para fora. No filme, um retrato sem moldura, um alívio da realidade. Em cada olhar de uma atuação coletiva impecável, notam-se as expressões reproduzidas nos jornais, de famílias removidas de suas casas, e feições em protestos a favor de uma qualidade de vida melhor – e proibida.

    Extrovertido em suas conclusões, com alma introvertida em momentos mais íntimos, onde o Sr. e a Sra. King tiram a limpo suas disposições à causa negra e devoções conjugais. O que é para muitos um drama, tachado como melodrama, tamanha a sensibilidade, feminina ou não, para com o seio a nutrir e transmitir forças ao herói em frente a Casa Branca, num discurso de políticas igualitárias histórico, num dos momentos decisivos da história americana. Selma é um símbolo que vai além de justificar, por sinal, apenas o nome da cidade onde os negros foram primeiramente reconhecidos como gente antes do resto do mundo, assim como o bairro Castro, em São Francisco, o foi para os homossexuais, e todas as veredas ainda a se tornarem marcantes para “populações inferiores”, no futuro. Assim, a partir de tais verdades compartilhadas ao leitor, nenhuma tecnologia evitará que o futuro seja o espelho do passado, enquanto quem usa verde desprezar quem gosta de amarelo.

  • Crítica | Quero Matar Meu Chefe 2

    Crítica | Quero Matar Meu Chefe 2

    Quero Matar Meu Chefe 2 - Poster BR

    Após os acontecimentos de Quero Matar Meu Chefe, o trio protagonista torna-se famoso ao participar de um programa de entretenimento matinal para falar sobre a sensação de ser seu próprio chefe, invertendo o paradigma do episódio original. A direção de Sean Anders diferencia-se demais da do anterior, Seth Gordon, por ter uma linguagem bem mais popular, a começar pelo fracasso de inserir uma tentativa de empreendedorismo de Nick, Dale e Kurt (Jason Bateman, Charlie Day e Jason Sudeikis respectivamente), transformando os três no centro da patetice da fita.

    O novo algoz do grupo é o magnata Bert Hanson (Christoph Waltz), um alto investidor que tem a chave para o sucesso dos protagonistas, podendo alavancar o produto que eles inventaram para, enfim, tirá-los do fardo de ter de trabalhar com patrões. A recusa inicial de seu filho, o jovial Rex Hanson (Chris Pine) é devido ao investimento considerado de alto risco. Logo, a persona de Bert se mostra tão controversa quanto a de seus antigos patrões, emulando a personalidade imbecil e incluindo um golpe financeiro.

    Após uma reunião sem qualquer apelo à realidade, os personagens decidem se vingar de Hanson, pensando em assassinato – artifício impossível para eles, inaptos – ou um sequestro do filho do milionário. Para prosseguir no plano, eles decidem pedir conselho ao único assassino que conhecem, Dave Harken (Kevin Spacey), o qual está preso e faz questão de humilhá-los, tratando-os como os idiotas, o que realmente são, ao agirem de modo tão infantil na parte 2. O comportamento do grupo era o mesmo de pessoas normais, que agem imbecilmente perante as situações nas quais não estão acostumados, como americanos medianos com o objetivo de assassinar pessoas próximas. O que antes era reação normal torna-se um comportamento padrão, o que é claramente desagradável e demasiado óbvio.

    A edição do filme, com narração e destaques dos defeitos dos personagens, é abandonada, fato utilizado principalmente para diferenciar o trabalho de Anders ao de Gordon. Com isso, um dos pontos mais charmosos do primeiro filme se perde, com o formato voltado para uma comédia de erros pura e simples, uma fórmula que lembra muito a de Se Beber, Não Case! Parte II, obra que explora personagens conhecidos do público em situações ainda mais controversas do que as vistas anteriormente.

    Apesar da tentativa de explorar outra vertente, não há nada de inovador na produção, pelo contrário. Quase todas as situações são repetidas, desde o já comum comportamento de Jason Bateman, que faz de Nick ainda mais parecido com o inseguro protagonista de Arrested Development, Michael Bluth, até os absurdos mostrados em tela. Mesmos as reviravoltas, que visam perverter os arquétipos de vilões e mocinhos, soam bastante forçadas. Sequer a pseudo-mudança de gênero para um filme de assalto, debochando de filmes recentes, como Truque de Mestre, salva o roteiro da mediocridade em que estacionou.

    O último dos plot twists até chega a surpreender, uma vez que os elementos antes mostrados não faziam desta reviravolta algo plenamente previsível. Alguns dos dramas vividos no final de Quero Matar Meu Chefe são reativados, com direito à repetição de papéis de Jamie Foxx como Motherfucker Jones, e Jennifer Aniston como a ninfomaníaca Julia Harris. Apesar deste ser o momento mais engraçado e nonsense do filme, não chega ao ápice de justificar os excessos dos quase 110 minutos de exibição, que, retirada a quantidade exorbitante de excedentes, mal completaria uma hora de exibição.

    Quero Matar Meu Chefe 2 é bastante inferior ao seu antecessor, como já de esperar, mas falha demais ao tentar fugir de um estereótipo para se prender em um ainda mais vexatório e repetitivo, em que até a química dos três interpretes é decrescida apenas para fortalecer o estabelecimento de uma franquia, isentando o produto final de qualquer substância e conteúdo relevante.