Categoria: Críticas

  • Crítica | Meteora

    Crítica | Meteora

    Os toques da madeira no concreto em ritmo musical acompanhados dos afrescos que preconizam a paisagem que será exibida na tela de Spiros Stathoulopoulos. Passado nas planícies aquecidas da Grécia central, Meteora é focada a partir da visão do monge Teodoros (Theo Alexander) e da freira Uranias (Tamila Koulieva-Karantinaki), que tem como objetivo de vida dar prosseguimento as ritos comuns a sua aldeia, tendo nessa rotina uma missão obrigatória, amarrando sua existência a prática imutável.

    A emoção – ou falta dela – ao realizar as liturgias típicas do culto demonstram como o drama transita entre o máximo respeito congregacional, que não permite expressar muitas emoções e a sensação de vazies, que se analisada com cuidado, poderia ser associada ao conformismo e até com o tédio. O escapismo também  é contemplado em cena, nos momentos em que a encenação de carne e osso varia para sequências em animação, normalmente retratando questões mais lúdicas e ligadas ao mundo sobrenatural, onde é mais fácil mostrar representações do Tártaro.

    A realidade dos membros do mosteiro é ligada a uma comunidade que vive em condições insalubres, e que mesmo diante dos paupérrimos e escassos recursos, ainda conseguem ter em sua existência um resquício de felicidade, ligado muitos a religião, a esperança de dias melhores. Tal prerrogativa curiosamente não serve tanto a Teodoros, que em seus momentos de intimidade, debate “sozinho” a real necessidade de todo aquele aparato cultual e a complicação que existe para tocar ou falar com o Divino. Conforme a fita transcorre com o tempo, mais e mais a necessidade de se cultuar o Deus é exibida, não por movimentos atrozes de rebeldia, mas por vias de gestos bastante comedidos, vindo de um verdadeiro fiel que tem na dúvida existencial o seu norte. O reclame portanto é mais real e pleno do que qualquer brado insurreto poderia ser, pois em todas as nuances, guarda verdade, toda a discrição é mais gritante que a violência.

    As tentações carnais obviamente chegam a tenda dos religiosos, e como homens (falhos) que são, eles se permitem deixar levar pela volúpia, ainda que os estágios a que chegaram sejam bem tímidos, a julgar-se pela movimentação exibida pela câmera. Ainda que a sugestão seja dúbia, a culpa estampada nos rostos dos ermitões, a vergonha por se sentir tentada a dar vazão aos seus sentimentos e impulsos, naturais como qualquer outra manifestação corporal básica, e exibida assim pela sensível direção de Stathoulopoulos.

    Mesmo com toda a abordagem sobre o sexo como algo espontâneo e inevitável, os personagens ainda se veem como seres desasseados e impuros ante a figura de Jesus. Sentem-se como se fossem eles a pregar os cravos nas mãos, estancando o sangue, que jorrava sobre o chão e sobre a multidão, como se a culpa por ocorrer o sofrimento do homem justo, fosse deles. A julgar pela prerrogativa presente no comportamento religioso, a responsabilidade era realmente deles, mas o sentimento não diminuía em nada a necessidade que aqueles dois corpos tinham em estar juntos. Os abismos que os separavam não eram maiores que o desejo mútuo em pertencer um ao outro. Teodoros e Uranias não podiam evitar a lascivo aspiração

    O trânsito entre fantasia e realidade é feito de maneira belíssima, graças demais a fotografia, também realizada por Stathoulopoulos, que consegue passar uma aura de pureza em um assunto considerado completamente pecaminoso pelo microuniverso explorado no guião. O modo como cada elemento é composto ajuda a traçar uma das facetas humanas mais complicadas de catalogar, ligando a fé e a sexualidade como instintos básicos do animal homem, dando igual importância para ambos e claro, sem ignorar qualquer falha de concepção ou falácia comum a ambos assuntos.

  • Crítica | Nunca Fomos Tão Felizes

    Crítica | Nunca Fomos Tão Felizes

    Internado em uma escola católica, Gabriel (Roberto Bataglin) vive sua vida tranquilamente, apesar de não gostar de estar fora do ambiente estudantil, condição agravada pelo fato de não ter contato com os seus familiares. Ele recebe dos padres a notícia de que seu pai retornou, para enfim ter uma vida familiar comum. O jovem fica confuso, já que foi esquecido na igreja por oito anos, logo após a morte de sua mãe. O ressurgido pai havia pagado rigorosamente os estudos do menino, enquanto se preparava para recebê-lo novamente.

    O mistério permeia a vida de Gabriel, que sequer tem um retrato de seu pai. A relação entre os dois é mostrada como algo tomado pela insensibilidade e quase nenhum diálogo. O silêncio é motivado pelo posicionamento do patriarca, que prefere não envolver o filho nos esquemas em que têm se mantido. Os movimentos dos dois após sair da basílica é suspeita, com a queima do fusca em que transitavam.

    Ao se mudar, Beto (Cláudio Marzo) explica ao seu filho que não poderá viver com ele num primeiro momento, e que se encontrarão fora dali. Ele pede para que o jovem seja discreto, e não revele a ninguém que mora ali. No futuro eles se encontrariam de novo, quando Beto conseguisse terminar o seu estranho trabalho.

    Gabriel fica sozinho na grande casa vazia, que quase não tem móveis. O espaço desocupado e limpo serve para exemplificar como é a sua rotina e o seu campo de ideias, sem qualquer convicção mais profunda ou algo que o valha. Mesmo quando seu pai aparece, logo some, levado pela brisa que corre do lado de fora, sem qualquer aviso de quando retornará. A vontade de se aproximar de seu parente é tamanha que o moço começa a tentar conhecer o pai por meio de terceiros.

    O ócio faz a curiosidade do jovem despertar, ele começa então a perseguir os rastros de seu antecessor, que permanece distante mesmo quando está perto. O rapaz mal sabe como reagir após ganhar um bolo em seu aniversário. O afã para agradar ao pai faz com que ele cumpra suas ordens sem questioná-las, até que a situação de não respostas o abate de vez e o faz cansar de esperar.

    A realidade que acomete as vidas e rotinas nada normais de pai e filho incomodam ambas as partes. A incompreensão reina em absoluto nas duas mentes. Nenhum deles consegue ceder, ainda que as razões do pai sejam mais flagrantes e de difícil resolução. Sua quietude causa no herdeiro uma sensação atroz de solidão, que o faz sentir mais rejeitado do que antes, quando não sabia qualquer coisa a respeito do passado dos seus genitores.

    Curioso como ele age de modo dionisíaco ao se relacionar apenas com prostitutas, apesar de seu passado de criação eclesiástica. No interior de sua casa, ele realiza algumas fantasias, finalmente dando vazão à sensação que o prendeu por toda a vida. Ele continua, entretanto, convivendo com a não plenitude sentimental que o acomete, um buraco dentro do seu coração, que tem o tamanho exato de Beto. A adolescência e imaturidade não o permitem enxergar o óbvio, que não há como se alimentar ou cuidar de si mesmo como se estivesse de férias, e de certa forma essa falta de discernimento é culpa de seu pai, que mesmo quando está ao lado dele, é ausente, sem conseguir compartilhar com seu rebento os momentos mais importantes da sua vida e sem conseguir passar para o moço a mensagem que tanto pregava e pela qual lutava. Carente, Gabriel parece não saber a quem mais recorrer, quando o mistério toma o único adulto que lhe é caro, e ele termina assim, sem perspectiva e possivelmente, sem um futuro garantido.

  • Crítica | Doces Poderes

    Crítica | Doces Poderes

    Segundo longa-metragem de Lúcia Murat, Doces Poderes mostra um pouco do terror vivido pela cineasta em tempos pregressos, quando conviveu com as turras das torturas, nos porões da ditadura. Seu modo de filmar representa uma enorme aura de paranoia e perseguição, especialmente quando focaliza Beatriz Campos Jordão, ou Bia, personagem de Marisa Orth, que se muda para Brasília a trabalho para cuidar de uma sucursal de TV na capital.

    A trajetória da protagonista é pautada na subida ao poder. A decisão em mudar de estilo a fez querer subir os degraus típicos do jornalismo. Enquanto Bia é apresentada ao seu novo cargo, análogos de campanhas publicitárias, travestidas de informes eleitorais, são mostrados, pensados, roteirizados e editados por mulheres, que falam diretamente para a câmera, intentando explicar a dicotômica relação que têm com a campanha comercial de exploradores do povo e o voto em pessoas ainda de esquerda. A necessidade de por comida no prato passa por cima do utópico discurso, mesmo os mais justos, mas estes fatos não fazem com que a situação seja mais fácil de ser executada.

    A mensagem que é passada pela maioria dos personagens é de que os tempos ideológicos mudaram, e que é preciso sujar as mãos, algo que desperta Bia, que ainda acredita que conseguirá mudar a realidade pondo a mão na massa. Ela acredita que não se contaminará.

    Os bastidores do poder são escusos até na superfície. Os políticos e assessores não têm qualquer pudor em falar sobre caixa dois. As reuniões de negócios, em que os parlamentares se embrenham, mais parecem orgias descontroladas do que qualquer outra coisa. A associação dos pecados morais à sem-vergonhice típica dos poderosos coiotes que habitam o Planalto faz como destaque a desfaçatez dos personagens retratados em tela.

    Os editores e profissionais de vídeos são mostrados em alguns momentos debochando de seus empregadores; os “barões” que pisam no proletariado, e em outras brechas, se mostram inconformados por manipular informações, tentando tornar os truculentos governistas, que pedem para eliminar a realidade e divulgar as felizes imagens, diferentes dos delírios da oposição.

    Escândalos sexuais entre membros da mídia e políticos são enfocados através de discussões morais implícitas sobre o voyeurismo, feitas por parte dos que se entregaram ao “prazer” e à sexualidade. Os que mandam no jogo de fantoches e no eleitorado, evidentemente, dão a questões morais uma importância indevida, em detrimento das propostas e planos de governo.

    O ponto fraco, talvez, seja o maniqueísmo em que são mostrados os dois candidatos a governador, cujas campanhas são mostradas no decorrer da fita. Enquanto Ronaldo Cavalcanti (José de Abreu) é mostrado como um lobo mau, capaz das maiores baixarias para permanecer utilizando a máquina pública ao seu bel prazer, Luizinho Vargas (Luís Antônio Pilar) é ingênuo ao achar que suas indiscrições sexuais seriam perdoadas pelos seus adversários. O entorno, ao menos, é bastante crível.

    A atitude de Bia, ao final se arrependendo do que fez, é um artifício honesto, semelhante ao que ocorreu com o debate Lula e Collor nas eleições de 1989. A figura dela transita entre a de uma mártir e a de uma paladina, mas que, na prática, não fez mais do que limpar a sua consciência, visto que o destaque dado ao seu assumir foi pequeno, irrisório diante da campanha televisiva contrária a ela e às suas convicções morais. O romantismo ligado ao modo de fazer política mostrado em tela ainda é muito presente no discurso de quase todas as facções políticas, sejam elas de esquerda ou de direita. No entanto, não condizem com a realidade exposta nos dias após as aberturas das urnas, seja atualmente ou no ano de 1996.

    O final, invertendo as posições de sucesso entre Bia e o fotógrafo Araponga (Luís Mello), que foi o responsável pelas fotos comprometedoras de Luizinho, é curioso, e até causa um pequeno sorriso quando se apela à parte mais cínica da psiquê.

    Durante os créditos, os editores das campanhas que permaneceram em seus ofícios tentam dar uma última justificativa para os seus atos, mas sem apelar para uma redenção barata, ainda que no conteúdo de suas palavras dê para se notar uma vergonha persistente de quem precisa mentir para si mesmo e de modo tão triste. Este final emocional, apesar de não condizer tanto com a realidade, é tão agridoce quanto os limites que o cinema permite, quase como um ensaio poético, um teatro onde os atores são sempre obrigados a fazer a mesma peça incômoda.

  • Crítica | Drácula: A História Nunca Contada

    Crítica | Drácula: A História Nunca Contada

    Vlad III, O Empalador foi o príncipe da Valáquia, atual Romênia, por três vezes. Adquiriu o nome Drácula (Draculea) quando seu pai, Vlad II, foi nomeado cavaleiro da Ordem do Dragão, no caso, um Dracul. Assim, após a morte do pai, Vlad III passou a ser chamado Vlad Draculea, ou seja, o filho do dragão, sendo que hoje, em romeno, significa filho do diabo.

    Conhecido por ser sanguinário, Vlad, ainda criança, foi entregue aos otomanos como parte de um acordo e, ao retornar à Valáquia, se tornou muito conhecido por empalar os inimigos mortos no campo de batalha, impondo, assim, certo respeito entre os outros feudos. Sua confusa história acabou dando origem a certas lendas urbanas, já que, na época, século XV, achava-se que ele era imortal simplesmente porque as pessoas pensavam que Vlad III na verdade era o seu pai. Tentem imaginar uma época sem a quantidade de informações que temos hoje. Aliado a esses fatos, a predileção de Vlad pela violência fez com que acreditassem, inclusive, que ele bebia o sangue dos inimigos mortos, algo que até hoje é discutível. Desta forma, teve-se material o bastante para que ele se tornasse o tão conhecido Conde Drácula, um dos personagens mais conhecidos e queridos da literatura mundial, criado pelo escritor irlandês Bram Stoker e imortalizado no cinema diversas vezes, com o destaque para Drácula, dirigido por Francis Ford Coppola.

    Drácula: A História Nunca Contada, além do título, tem a intenção de contar ao espectador a história de Vlad, O Empalador, antes dele se tornar o vampiro que conhecemos hoje, trazendo elementos históricos, baseados nas vidas de Vlad Dracul e de seu filho, Vlad III. Percebe-se, portanto, a fusão de duas pessoas em um único personagem.

    Logo no início, Vlad (Luke Evans), já detentor de sua terrível fama, e seus homens estão numa incursão com a finalidade de descobrir quem está por trás de algumas mortes na região da Montanha do Dente Quebrado. Essa incursão faz com dois homens sejam mortos, além de colocar o protagonista em contato com uma força sobrenatural e desconhecida ali presente. Ao retornar ao seu castelo, Vlad é surpreendido com a notícia de que o sultão Mehmed (Dominic Copper) ordenou que todos os jovens do feudo fossem enviados com a finalidade de serem treinados como guerreiros, incluindo o único filho de Vlad e de sua amada esposa Mirena (Sarah Gadon), o jovem Ingeras (Art Parkinson, o Rickon Stark de Game Of Thrones).

    Após salvar seu filho, o que foi uma declaração de guerra ao sultão, Vlad acaba pedindo ajuda à citada força sobrenatural, vivida por Charles Dance (o Tywin Lannister, também de Game Of Thrones). O “vampiro prime” explica ao protagonista que é daquele jeito por conta de uma maldição que ele carrega há eras e que Vlad ficaria livre de tal condenação se conseguisse sobreviver à sede por três dias. Com isso, dotado de uma habilidade e força superiores a qualquer homem, Vlad enfrenta sozinho um pequeno exército turco de mil homens, ganhando tempo suficiente para fugir com seu reino para outro castelo.

    E é aí que se encontra o problema de Drácula: A História Nunca Contada, pois a cena de batalha em questão foi filmada no escuro, o que não teria problema se o público enxergasse alguma coisa. Imagina-se que a passagem tenha sido proposital, mas nem tanto. Tudo isso, aliado ao fato de que Vlad não pode mais ficar sob o sol, faz com que a história se desenvolva sempre durante a noite, mas uma noite, que, por algum motivo obscuro (com o perdão do trocadilho), tornou-se difícil de enxergar. A fotografia do veterano John Schwartzman, infelizmente, atrapalha muito, e faz com que a direção do estreante Gary Shore e da dupla de roteiristas, os também estreantes Matt Sazama e Burk Sharpless, não se sustente.

    Em resumo, o filme fica tecnicamente prejudicado, uma vez que tem como destaque o departamento de figurino e efeitos especiais, incluindo arte e som, que são impecáveis. Vale destacar que a caracterização de Vlad é bastante parecida com as pinturas retratando o príncipe da Valáquia, com o tradicional bigodinho e o cabelo crescendo na região da nuca, sendo sua armadura inspirada na que foi usada por Gary Oldman no filme de Coppola.

    Com relação ao restante, Luke Evans destaca-se muito mais do que os outros, o que faz com o time de coadjuvantes fique bastante à sua sombra. Porém, por ter um nome em ascensão em Hollywood, o ator galês ainda merece ser protagonista de um filme bem melhor, tornando o saldo deste Drácula bastante regular.

    Mas, ainda assim, os fãs conseguirão identificar algumas referências e homenagens à obra de Bram Stoker, algo que, ao menos, gera alguma alegria.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | Meu Primo Vinny

    Crítica | Meu Primo Vinny

    Os filmes de tribunal sempre tiveram seu público. Em geral, são filmes dotados de grande carga dramática, tramas intrincadas e pautados nas relações e emoções humanas. Um grande exemplo do gênero é o clássico 12 Homens e Uma Sentença, magistralmente dirigido pelo mestre Sidney Lumet e estrelado por Henry Fonda, em uma de suas mais marcantes interpretações. São poucos os exemplos de comédias ambientadas em um tribunal, e Meu Primo Vinny é disparado a melhor fita de todas.

    Trabalho mais relevante da carreira do diretor Jonathan Lynn, com roteiro de Dale Launer, o filme conta a história de Bill Gambini e Stan Rothstein, dois jovens de Nova York que, ao viajar pela região rural do estado do Alabama, acabam sendo julgados por um assassinato que não cometeram. Por não ter muito dinheiro, Bill resolve recorrer ao seu primo Vinny Gambini, um advogado recém-formado, que não possui nenhuma experiência, para defendê-lo perante o grande júri.

    O diretor Jonathan Lynn conduz com competência o filme, e o roteiro de Dale Launer é muito divertido, uma vez que centra boa parte das piadas no grande contraste cultural entre os nova-iorquinos Vinny e sua namorada Mona Lisa, e os habitantes da ficcional Beechum County. Os diálogos e situações são excepcionais, e algumas situações um pouco mais absurdas, como a dificuldade de dormir que Vinny enfrenta, são muito engraçadas. A cidade também é muito bem filmada, e suas locações são mostradas em detalhes, ajudando a detalhar o “mundo estranho” ao qual o local pertence. Além do mais, o filme consegue fazer uma reprodução bastante fiel dos procedimentos que circundam um júri popular nos EUA.

    Joe Pesci dá um show como Vinny Gambini. Apesar de ser baixinho, seu jeito estranho histriônico e seu timing de comédia o agigantam na tela. Suas interações com o conservador juiz, interpretado por Fred Gwynne, e as cenas em que ele interroga as testemunhas são ótimas. Os jovens Bill e Stan são interpretados com competência pelo eterno Karate Kid, Ralph Macchio, e Mitchell Whitfield. Porém, o grande show é de Marisa Tomei. Esbanjando charme e comicidade, a atriz consegue uma atuação natural e extremamente engraçada, sendo responsável pelos melhores momentos do filme e pelo clímax surpreendente. Os boatos maldosos de que Jack Palance teria lido errado o envelope que premiou Marisa com o Oscar de melhor atriz coadjuvante não merecem eco. Sua performance foi sim merecedora do prêmio.

    Fãs de filmes de tribunal ou de comédia serão bem agradados por este Meu Primo Vinny, uma comédia esperta, de diálogos divertidos, situações engraçadas e que não apela pra escatologia em nenhum momento, fato esse que a torna praticamente obrigatória.

  • Crítica | Barra 68: Sem Perder a Ternura

    Crítica | Barra 68: Sem Perder a Ternura

    Visando resgatar o ideal do cineasta Darcy Ribeiro, que tencionava formar em seu público um ideário mais crítico que o censo comum, com a fundação da Universidade de Brasília, mas que teve seu trabalho interrompido no ano de 1964, graças ao apogeu da Ditadura Militar no Brasil, Barra 68 conta um pouco sobre esses dias tão temerosos.

    A escolha do subtítulo, executada por seu diretor, Vladimir Carvalho, visa ironizar através da máxima guevarista o que ocorreu naqueles anos de chumbo, como se o dizer do lema fosse também um grito revoltoso, pelas ações holocáusticas que os docentes e funcionários da instituição de ensino sofreram com o Regime. Logo nos primeiros depoimentos do documentário, se traça como funcionava a formação do panorama cultural da capital do país, quase toda proveniente do ideário carioca, mas que aos poucos formava a sua própria identidade.

    Não demora muito para o foco ir para o viés combativo, onde alguns professores da época contam como foi uma invasão a universidade, sem qualquer aviso prévio e com uma truculência típica de uma guerra. A procura era por professores que supostamente passavam o ideal comunista aos alunos, numa mostra de como funcionava o pensamento paranoico dos militares que acabaram de assumir o poder, em 1964.

    É curioso como se fala a respeito de alguns membros das fileiras dos alistados, que declaravam a plenos pulmões que, se fosse aquela uma revolução socialista, eles estariam ao lado do governo, exemplificando que nem todos estavam lá pela ideologia, e sim porque era conveniente. No entanto, medidas por parte da direção da faculdade tiveram que ser realizadas, com demissões em massa. A UNB sofria com a pressão dos que estavam no poder.

    Os que restaram dentro da faculdade sofreram ações de conflitos, como as mostradas em filmes de guerra, cujas imagens executadas por estudantes foram resgatadas e reunidas no acervo do filme. Ex-alunos e professores veteranos contam o terror que sofreram ao longo daqueles anos enquanto a invasão acontecia dentro da faculdade, reportando ações dos repressores e de simpatizantes civis.

    O revanchismo entre os repressores e Darcy era tão grande e de cunho tão pessoal que alguns órgãos de imprensa, pressionados pelo governo, não citavam mais qualquer nota a respeito da universidade, visando jogá-la na vala do esquecimento, tornando-a irrelevante culturalmente. As dores da perseguição tocaram o emocional de todos os envolvidos, que têm em seu final, uma justa homenagem, dada a Ribeiro em 1995, quando já estava perto de falecer, onde o próprio discursa belamente, dizendo que quase chorara ao ouvir o hino nacional naquelas dependências, um lugar tão sofrido e que guarda uma parcela considerável da história do país. Vladimir Carvalho exibe mais um belo retrato de sua amada Brasília, narrando um conto agridoce, que varia entre o choro pelas perdas na luta e o orgulho de ter travado um bom combate.

  • Crítica | Sexta-feira 13 – Parte 3

    Crítica | Sexta-feira 13 – Parte 3

    Jason Voorhees é, indiscutivelmente, um dos personagens mais queridos dos filmes de terror. Entretanto, o motivo para isso pode ser um tanto difícil de entender. Se for comparado a outros ícones do horror moderno, como o diabólico Freddy Krueger ou o assustadoramente divertido Chucky, Jason é, na verdade, meio bobo. Não é sutil, não é inteligente, não é sarcástico, nem mesmo diabólico. Então, por que será que ele é tão assustador? Talvez as pistas para entendermos o medo e admiração que sentimos pelo personagem está na segunda sequência de sua franquia, Sexta-feira 13 – Parte 3.

    O filme, lançado em 1982, foi marcado por ser o primeiro em 3D da Paramount Pictures em quase trinta anos. De certa forma, o 3D alavancou a bilheteria do filme na época, inclusive derrubando o lugar de E.T. – O Extra-terrestre no fim de semana de estreia. Assistindo a ele, hoje, em home video, percebemos como esse 3D era gritante e às vezes sem sentido. Muitas coisas apontadas para a câmera – que vão desde um taco de beisebol até um globo ocular, passando por um baseado e um ioiô – com o simples intuito de impressionar o espectador, não acrescentam em nada à trama ou ao modo de contar a história. Ainda assim, parece mais honesto do que a maioria dos filmes picaretas convertidos ao 3D que vemos hoje em dia.

    A história começa no dia seguinte ao último filme, o que faz com que, tecnicamente, seja um “sábado 14”. Jason sobrevive e ataca uma loja local, ganhando novas roupas. Depois, somos apresentados a um novo grupo de jovens que estão à procura de diversão e vão passar uns dias no campo. Tal qual o filme anterior, todos são perseguidos e mortos por Jason, restando apenas uma garota ao final do filme (Chris Higgins, interpretada por Dana Kimmell). O que difere dos dois filmes anteriores é a forma mais elaborada com que as mortes são retratadas. Um dos rapazes é cortado ao meio enquanto andava “plantando bananeira”, em uma das cenas mais bizarras da película. Em outra cena, um rapaz tem a cabeça esmagada até os olhos saltarem das órbitas – embora hoje seja possível notar a cabeça falsa e o cabo que puxa os olhos, na época deve ter rendido um bom susto pra quem a assistiu em 3D.

    Entre as diferenças em relação ao filme anterior está a música de abertura, agora com uma pegada eletrônica para parecer mais moderna. Além disso, há a presença de uma gangue de motoqueiros punks, o que deixa o filme ainda mais datado. Mas o grande diferencial mesmo é a adoção da máscara de hóquei pelo assassino Jason – até então, ele usava um saco de pano na cabeça. Um dos rapazes é um loser estereotipado, infeliz com sua aparência e rejeitado pelos seus colegas, que extravasa seus sentimentos pregando peças nas pessoas ao seu redor. Em uma dessas “pegadinhas”, ele aparece usando a famosa máscara de hóquei, que Jason passa a utilizar depois de matá-lo. Não existe nenhuma explicação para isso, Jason apenas passa a usar a máscara e pronto!

    O duelo final acontece no celeiro, onde Jason é enforcado, mas sobrevive para ser morto, logo depois, com um golpe de machado na cabeça desferido por Chris. Realmente, essa é uma das cenas mais tensas e o clímax do filme. Ao final, tal qual a sobrevivente do primeiro filme, Chris foge de barco pelo lago e dorme até o amanhecer. Ao acordar, ela vê o assassino sem a máscara correndo em direção ao lago para atacá-la, quando do nada surge das águas… a mãe de Jason! Esta parte do filme é bastante confusa, pois logo em seguida vemos Chris com os policiais, o corpo de Jason no celeiro, ainda com a máscara e o machado na cabeça, deixando claro que foi uma alucinação. Mas então por que usar a mãe de Jason nessa cena se ela não apareceu durante o filme? E sua cabeça não estava separada do corpo no filme anterior? Seria essa cena apenas uma homenagem ao filme original? Não ficou claro o propósito, e o filme termina assim mesmo.

    Sexta-feira 13 – parte 3 é melhor que seus dois antecessores. O filme consegue criar bons momentos de tensão, nos dá personagens com quem podemos facilmente nos importar e é a gênese da máscara de hóquei mais famosa do mundo. Mas seu maior mérito talvez seja responder à pergunta do começo deste texto. Jason é assustador não por alguma qualidade marcante, mas por ser a encarnação da morte. Cada aparição do personagem, cada close-up na máscara, cada take de câmera em que ele aparece nos dá a certeza de que alguém vai morrer. Jason, neste filme, ainda não é um zumbi extremamente poderoso tal qual se tornou nos últimos filmes da franquia. Sua aparência é mais humana e não menos perturbadora. Um psicopata, uma criança fragilizada em um corpo de adulto, um assassino frio e sanguinário. Não há propósito algum em seus atos, e é isso que dá medo.

  • Crítica | Virada no Jogo

    Crítica | Virada no Jogo

    Após dois mandatos consecutivos, o presidente americano George W. Bush deixava a Casa Branca com um espantoso nível de rejeição. Uma porcentagem, divulgada em uma pesquisa da CNN, suficientemente alta para torná-lo o presidente mais impopular desde Nixon no caso Watergate. Na eleição presidencial de 2008, o Partido Republicano tinha dois objetivos na composição de sua campanha: a primeira era vencer o democrata Barack Obama, o senador americano considerado ponto de mudança na política mundial. Para isso, o candidato John McCain precisava demonstrar ao seu eleitor que, apesar de oito anos de governo Bush, o partido ainda era forte o suficiente para continuar na presidência do país e conduzir os Estados Unidos da América de maneira diferente daquela realizada pelo antecessor.

    Baseado no livro de John Heilemann e Mark Halperin, com roteiro de Danny Strong (O Mordomo da Casa Branca) e dirigido por Jay Roach (Os Candidatos), Virada no Jogo, lançado pela HBO, apresenta a versão republicana das eleições e a composição da chapa de McCain. (Considerando que toda história baseia-se em uma verdade parcial, além do universo político ser carregado de interpretações variadas, a análise seguinte enfocará o conteúdo apresentado por esta produção, sem um amparo maior no contexto americano e em especialistas políticos).

    Roach já realizou outra produção política para o canal: Recontagem, que analisa a eleição de 2000, em cuja contagem de votos elegia Al Gore mas fez George Bush o 43º presidente do país. Virada no Jogo é mais uma narrativa centrada em acontecimentos contemporâneos da política americana. Ed Harris personaliza o candidato republicado à procura de uma chapa forte o suficiente para derrotar Obama. Diante das poucas opções para vice-presidente, a equipe escolhe um caminho inédito e incômodo para a ala mais conservadora ao colocar Sarah Palin (Julliane Moore), governadora do Alaska, como representante.

    Entre partidos, havia um jogo silencioso de intenções. Se os Republicanos confiavam em um presidente que ganhava status de celebridade e promovia um novo contato com o público jovem, o partido opositor escolheu um representante que também apresentava novidade ao eleitorado e, neste caso, a escolha de Palin demonstrava a importância de um estado normalmente diminuto ou ignorado e evidenciava uma disposição partidária nova, a de escolher uma mulher como vice-presidente. Um embate oculto e absurdo que, silenciosamente, fazia da raça e do gênero, aliados.

    A princípio Palin demonstra coerência com os objetivos de McCain, porém, aos poucos, demonstra uma alienação disfuncional para um candidato desse porte, destacando-se na mídia não como ponto de mudança, mas sim por entrevistas e depoimentos inusitados, tornando-se constantemente alvo de deboche. A atriz Tina Fey, no programa Saturday Night Live, compôs uma das paródia mais elogiadas, em parte pela semelhança física de ambas. Uma representação que resumia de maneira exagerada um pensamento interno do partido: Palin poderia ser suficientemente boa para o Alaska, mas não possuía apelo nacional. Incapazes de retroceder e nomear outro líder, a governadora é dominada como pode, sendo vista com respostas decoradas e um discurso preestabelecido.

    A produção analisa a incoerência dentro do sistema político e o quanto é difícil unir políticos com visões díspares para representar os mesmo interesses. Palin reconhece os conflitos que surgiam, mas parece negar sua incapacidade. Impõe seu estilo em diversos momentos, causando desconforto no partido. Como mérito de uma história biografada, a composição física das personagens estabelece a credibilidade das cenas. Harris e a sempre talentosa Julianne Moore estão caracterizados com esmero. Além da maquiagem e figurino que os deixaram idênticos aos candidatos, a atriz compõe uma governadora que demonstra uma força interior destruída aos poucos, questionando a própria credibilidade como representante político.

    A obra é considerada fiel aos acontecimentos factuais. Porém, gerou discussão quanto à veracidade dos fatos, tanto da própria Palin quanto de militantes que apontam incongruências e mentiras nesta produção. Mesmo considerando uma possível parcialidade dos fatos, a trama demonstra a delicadeza do agressivo jogo político e do necessário alinhamento interno de um partido para selecionar seus representantes.

  • Crítica | Sex Tape: Perdido Na Nuvem

    Crítica | Sex Tape: Perdido Na Nuvem

    Utilizando o nome original no mercado brasileiro, dada a universalidade do termo, Sex Tape – com o ótimo e autoexplicativo complemento Perdido na Nuvem – toma por base uma narrativa engraçada para argumentar a respeito das interações inerentes a vida de um casal, que tem na rotina o principal motivo para perder o alto nível de estreiteza na relação, distante demais do que ocorria no começo do affair.

    O filme funciona fundamentalmente por sua dupla de protagonistas, que já de início consegue expressar uma química muito intensa, sem qualquer necessidade de preâmbulo dada a qualidade da comunicação e diálogo corporal entre eles. A paixão de Jay (Jason Segel) e Annie (Cameron Diaz) é notória e inegável, até nos momentos em que é mostrado o casamento com os dois filhos dos dois, onde a líbido de ambos é pautada segundo as brechas que os pequenos dão a eles, e ás vezes, nem isto.

    A dificuldade em recuperar a espontaneidade na cama faz o carismático casal se embrenhar em táticas das mais loucas para conseguir algo tão simples quanto o gozo. O momento em que Annie tem a epifania relativa, ocorrida após ingerir um bocado de álcool, a solução encontrada dos seus problemas é salutar o tônico da coragem, e o par enfim decide gravar a si enquanto copula, o que se mostra um erro, já que o vídeo foi elevado a uma rede caseira, onde todos os computadores remoto da comunidade deles teria acesso a isso. A situação se complica quando eles recebem uma mensagem de texto, anônima, dizendo que o resultado da gravação era surpreendente.

    A partir deste ponto começa uma epopeia para recuperar cada um dos dispositivos que armazenam o vídeo, buscando o incógnito piadista, enquanto se quebra todas as barreiras possíveis de moral e decência contidas no tradicional modo conservador do americano médio. O roteiro de Segel, Nicholas Stoller e Kate Angelo segue o modo de comédia que nos últimos anos ficou famoso pelas mãos de Todd Phillips na trilogia Se Beber Não Case, onde os limites do humor físico ultrapassam o bom senso em nome do riso fácil.

    O filme de Jake Kasdan consegue flutuar entre a comédia pautada no constrangimento e a exposição corporal de seus astros, revelando atos erráticos e dionisíacos, com o típico comportamento sexual libertino, claro, sem provocar qualquer discussão em nível de superfície, mas exibindo uma camada de situações não tão comuns e usuais ao cinema mainstream estadunidense.

    O desespero por ter a intimidade evazada ganha proporções dantescas, algumas vezes assemelhando Sex Tape a um filme de terror, claro, lotado de gags cômicas. Apesar da trajetória tresloucada e carregada de entropia, o final é muitíssimo conservador e conciliatório, mesmo que a “sombra”, ditada pelo manual de Joseph Campbell em Herói de Mil Faces, seja na obra uma figura inesperada e de idade precoce, mas isto não garante qualquer ousadia ao filme, visto que até Robocop 2 tinha um vilão infanto-juvenil.

    Talvez o ponto que faz de Perdido na Nuvem uma comédia um pouco superior a tantas semelhantes – da escola Judd Apatow – no humor, esteja no pequeno mergulho na indústria pornô, unicamente posto ali para salvaguardar a mensagem piegas, mas equilibrada, de que a alegria dos dois personagens vem por estarem juntos, manifestando o amor por meio desta união. As linhas engraçadas do guião não são tão genéricas e afeitas ao riso estúpido quanto seus concorrentes, mas também não há qualquer reflexão mais profunda, o que faz com que o filme caia num limbo existencial sem muita identidade quanto ao público o qual é destinado, fazendo este valer quase unicamente pela corajosa e sincera nudez de Cameron Diaz, que não tem mais tanto medo de envelhecer.

  • Crítica | Eles Não Usam Black Tie

    Crítica | Eles Não Usam Black Tie

    Talvez nem fosse proposital, mas a versão restaurada do filme de Leon Hirzman tem um início onde os créditos são apresentados em uma tela negra, sem som nenhum, como se quisesse inconscientemente remeter ao luto, consequente dos anos iniciais da década de oitenta. O drama baseado na peça contestatória de Gianfrancesco Guarnieri mostra um casal de apaixonados, Tião (Carlos Alberto Riccelli) e Maria (Bete Mendes), que tencionam tornar o seu tórrido romance em um matrimônio, uma vez que a moça tem um segredo para contar ao seu amado.

    A cabeça do metalúrgico Tião está na greve que se avizinha deles, quase ofuscando a chegada do bebê que sua amada esperava. De casamento marcado, os dois vivem em seu paraíso particular, curtindo suas histórias escapistas no cinema – tomando por exemplo a ficção científica Jornada Nas Estrelas: O Filme, de Robert Wise, igualmente fugaz em suas outras obras. O par de jovens está distante do estado de ebulição e do furacão emocional em que está a casa de Tião, com todos preocupados pelas condições da fábrica onde os homens da família trabalham, entre eles seu pai Otávio (Gianfrancesco Guarnieri) e seu irmão Bié (Fernando Ramos da Silva), além da inconformada mãe, Romana (Fernanda Montenegro) que é a principal voz de alerta para a precipitação da consumação da relação.

    A sexualidade latente nas atitudes das crianças, bem como a greve servem como signos da teimosia juvenil que ainda tomava conta das ruas. A polarização de ideais cada vez mais crescente fazia com que os homens tivessem que, mais cedo ou mais tarde, tomar posição, e isso logo ocorre com o sonhador Tião, que vê a partir de um colega de trabalho vir uma proposta, para que ele entregue algumas informações do modus operandis da categoria, que ainda discute os detalhes de como a categoria agirá.

    Enquanto os eventos dentro do sindicato estão cada vez mais ásperos e repletos de animosidade, a vida familiar de Maria começa a melhorar, com seu pai aos poucos largando a bebida. Em comum o casal de protagonistas têm no seio familiar alguns problemas, por ambos serem considerados ovelhas negras, como páreas mesmo dentro de suas casas, já que Otávio pensa muito mais no social e na sua classe do que no bem-estar dos seus

    Até o hábito do consumo alcoólico é utilizado para demonstrar a diferença de atitudes, já que Otávio não enxerga na bebida um problema e sim uma forma de socializar com aqueles que lhe são queridos, mas mesmo nos momentos de lazer, a violência que corre as ruas não deixa que pai e filho se esqueçam do velado terror que corre o asfalto, com um exemplar categórico, onde a polícia invade um boteco para assassinar um fugitivo, nos fundos do bar, enquanto na fábrica, as demissões seguem acontecendo.

    Francisco Milani vive o personagem Sartini, que dos revoltosos é o mais radical, que tenta quase sempre em vão inflamar os ânimos, sendo quase sempre tranquilizado por seus amigos Bráulio (Milton Gonçalves) e claro, por Otávio. Ao mesmo tempo em que o patriarca enxerga no extremismo um erro, mas na apatia algo até pior. A inconformidade do senhor o faz entrar em conflito com seu filho, que após guardar muita mágoa, solta seus impropérios e ofensas ao seu genitor, movido supostamente pela situação de ausência dele, nos anos de chumbo, quando Tião era ainda um menino e quanto o chefe da família estava em cárcere.

    A greve finalmente se instaura, deixando filho e pai em lados opostos. Os sindicalistas se mostram sem cabeça, com quase todos seus adeptos baseando seus movimentos na arruaça e na desmedida maneira de encarar as injustiças com o proletariado. O fantasma da prisão volta a assombrar Otávio, enquanto Tião apanha de seus colegas de trabalho, os grevistas que o culpam por furar o motim. Os ecos da repressão continuam assolando as pessoas comuns, o massacre faz até Maria se revoltar com seu futuro esposo, na prova cabal de que a repressão prossegue.

    Sebastião é condenado pelo júri familiar, com a pena de ser deserdado, por se aliar àqueles que se conformaram e que apoiam os patrões. Enquanto o primogênito se despede em viagem, os companheiros de classe sofrem as ações homicidas da polícia, tendo vidas valiosas cerceadas de modo cruel e brutalmente injusto, o que obviamente abala o emocional dos personagens, que em qualquer análise não passam de pessoas comuns, que mesmo após traumas tão fortes como os mostrados em tela, têm de voltar às suas vidas, à rotina sufocante de ter de trabalhar arduamente para produzir o seu próprio sustento sem as garantias mínimas de que poderão fazer isto sem sofrer qualquer selvageria, cujo rigor excludente é tamanho enquanto a contrapartida é ínfima. Os poderosos permanecem, o povo falece na penúria.

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  • Crítica | Muito Além do Cidadão Kane

    Crítica | Muito Além do Cidadão Kane

    Contestatório desde o início, com falas de algumas personalidades conhecidas do grande público, a narração sensacionalista do filme foca na vivência e poderio de Roberto Marinho, idealizador do grupo Globo de Comunicação que tem na sua rede de televisão homônima o seu maior expoente. Produzido pelo Channel Four britânico, Muito Além do Cidadão Kane teve sua exibição proibida dentro do Brasil, mesmo que seu lançamento tenha sido originalmente em 1993, após a abertura política da democracia.

    O foco narrativo do início da fita centra-se na disparidade social e na quantidade exorbitante de analfabetos do país. Quase tão gritante quanto a distância financeira entre os ricos e pobres é a diferença de televisores ligados quase exclusivamente na Vênus Platinada, que até então, eram de 78% da totalidade das casas brasileiros, atingindo o grande público com anúncios publicitários luxuosos extremamente diferentes da realidade econômica dos típicos brasileiros. O consumo era apenas das imagens, já que apenas um terço dos espectadores poderiam comprar qualquer dos produtos mostrados em tela. Apesar disso, o conteúdo ideológico por trás de toda mensagem veiculada é sempre compartilhado.

    As concessões das redes de canais são denunciadas, inclusive aventando-se até a possibilidade de políticos terem poder de controlar uma empresa comunicacional no Brasil, o que obviamente vai ao encontro da maior rede televisiva. O destaque dado ao Fantástico é quase tão execrada quanto as polêmicas aquisições de filiais, criticando o otimismo exacerbado e total falta de conteúdo relevante, que encontra paralelos com a pauta atual do programa.

    A trajetória de Roberto Marinho é reconstruída, desde a fundação do jornal O Globo, feito por seu pai. Uma vez no poder, o grupo se expandiu, primeiro para o rádio e depois para a TV, ganhando concessões dos presidente Juscelino Kubitschek (apoiado por Marinho) e João Goulart (político que seria deposto antes de assumir a presidência, tendo a sua “renúncia” apoiada pelo empresário/jornalista). As falas de Armando Falcão vão muito ao encontro do pensamento do documentarista, que acreditava ser escusos os meios de obter seus licenciamentos mil.

    Em paralelo à transmissão da Copa de 70, aconteceu um boom econômico que permitia ao povo comprar televisores por meio de crédito, um artigo caríssimo, o que obviamente facilitou muito a propagação do canal da família Marinho. A audiência se dividia entre o futebol e os festivais de música, sendo o primeiro algo que fomentava a calada do regime militar, onde não se pronunciava nada sobre política, enquanto o segundo, exibido na Rede Record, mostrava a nata artística brasileira, que tentava, através de suas mensagens subliminares, falar do holocausto político que ocorria.

    Os detalhes da derrocada da Rede Excelsior e da TV Tupi são abordados. Os principais rivais pela audiência, chegando ao ponto dae causar o fim da concessão do primeiro canal, único que havia manifestado descontentamento em o assumir do Regime Militar. Mesmo os que apoiaram a Ditadura eram proibidos de noticiar qualquer situação que causasse a menor possibilidade de frisson nos que dominavam o poder e, segundo alguns dos entrevistados, a emissora ratificava a censura e perseguição a artistas supostamente condenáveis.

    Outro fator focado era a ascensão das novelas desde Selva de Pedra, que foi a primeira novela com 100% de audiência, até Gabriela, que exibia as curvas de Sônia Braga numa reimaginação do conto de Jorge Amado. A influência era tamanha que ditava moda até para aspectos comportamentais, como o advento de discotecas em cidades minúsculas, que sequer tinham tradição no consumo de música disco, mas que, por influência de Dancing Days, precisavam montar espaços assim em sua extensão territorial. Para muitos, o poder do canal se igualava ao de um Estado dentro do Estado.

    Apesar de mostrar o quão promíscuas são as inter-relações da Globo com os governos, até de interdependência dos políticos com os comunicólogos, o roteiro não toma partido de modo resoluto, nem mesmo ao exibir o modo raso como o Jornal Nacional tenciona emitir a comunicação para o Brasil inteiro, dando curtos segundos para notícias políticas, enquanto minutos preciosos são dedicados a parte de exibição de celebridades, sem qualquer cunho informativo maior.

    O cúmulo da manipulação da informação se daria nos episódios com Luiz Inácio Lula da Silva, desde a época de seus serviços com metalúrgicos e líderes sindicais, com negação de muitos dos argumentos das classes até sonegação dos mais básicos, em que se escondia até a quantidade correta de adeptos, sob a alegação de que a ordem viria de cima, da presidência militar. Semelhante a isso foi a não comunicação da eleição de Leonel Brizola, que acabava de voltar ao país e que ganharia a cadeira máxima do estado do Rio. Mais flagrante ainda seria a edição do resumo do debate de seis minutos, entre Fernando Collor e Lula, três dias antes do segundo turno, favorecendo o governador de Alagoas, onde a manipulação que se assemelhava a um informe publicitário causou um furor até dentro da rede, cuja reclamação ocorreu até de membros muito antigos da central de jornalismo como de Armando Nogueira e Wianey Pinheiro, que seriam aposentado e exonerado, respectivamente.

    Os últimos momentos do filme são pautados em mais reclames que discutem o valor da imprensa na formação da opinião pública e na moralidade de uma nação, especialmente em um órgão com tanto alcance como é com a Rede Globo, condizente com a realidade do início de suas transmissões até os anos noventa, com destaque até para o seriado Anos Rebeldes, onde se falaria sobre o hediondo regime, excluindo o papel do canal na legitimação dos anos de chumbo. A mensagem final questiona se o povo deveria se libertar dessa influência, ou ao menos contestá-la, com a trilha de Televisão, dos Titãs, que remete à burrice proveniente de quem assiste ao aparelho de vídeo. A imagem de Marinho é tomada por baratas, na expressão simbólica mais explícita da rejeição da figura do magnata das telecomunicações, por parte dos realizadores do filme.

  • Crítica | Democracia em Preto e Branco

    Crítica | Democracia em Preto e Branco

    Democracia em P e B

    Cuidadosamente focado em sua introdução sem cores – em preto e branco -, o filme de Pedro Asbeg emula a barra pesada da época, com a repressão do Regime Militar ainda sem as “novidades europeias” do futebol, e da democracia. O medo tomava conta da vida dos cidadãos, os mandantes não tinham qualquer pudor em demonstrar o seu poderio, humilhando as pessoas comuns, que não tinham acesso aos mesmos direitos dos que impunham fardas. O contra-ataque precisava acontecer em alguma instância, e sob o som de Núcleo Base do IRA!. uma destas facetas é mostrada, sob os campos de São Paulo; uma outra luta, ligada a igualdade, ao esporte e a música.

    A narração de Rita Lee grafa o quanto havia um não-desejo pela alternância no poder, tanto dos presidentes nacionais militares, quanto no certame do Corinthians, com Vicente Matheus no posto mais alto. A realidade aviltante que ocorria no quadro político brasileiro gritava mais do que qualquer receio “clubístico”, uma vez que a insegurança que tomava os não-poderosos, por sua vez era motivada pela “segurança” dos governantes.

    A derrocada do Brasil fez com que os integrantes da nova chapa do poder no Sport Club Corinthians Paulista se interessassem por um maior progressismo não condizente com os outros tempos, os de Matheus especialmente. Com o tempo, o laranja do antigo presidente, Waldemar Pires. O catalisador desta mudança viria primeiro pela figura de Sócrates, um jogador elegante, inteligente, letrado e inconformado, mas ainda sem um norte, sem uma direção para lutar. Este paradigma mudaria com o acréscimo do lateral Wladimir. O rapaz de pele negra acompanhava as greves no ABC Paulista, se via então como um operário da bola. Dali começava uma discussão mais profunda a respeito dos direitos civis, ainda no elenco de um time de futebol. O último fator para que o grito fosse completo viria com a juventude, com Walter Casagrande Júnior, o centro-avante de apenas 19 anos, que trazia a polêmica do Rock’n Roll na postura, cabelos e na pele para dentro de campo, paro algo além do simples “tatibitate” do futebol.

    Os jogadores passaram a ganhar voz, se valendo até da queda de divisão do time, uma vez que eles disputavam a Taça de Prata. A inflação piorava, o medo de faltar alimento na mesa do pobre aumentava, enquanto o modo de reger via repressão parecia cada vez mais tacanho, com uma trilha sonora que começava a falar mais abertamente sobre a hipocrisia da lei. Viriam Edgard Scandurra com o seu IRA!, a letra de Selvagem dos Paralamas, que louvava o monstro que somente crescia, e claro, o disco de Paulo Miklos e seus Titãs Cabeça Dinossauro, que não mais via o amor como a via para caminhar o povo, e sim mostrava através dos riffs de guitarra como era truculenta a realidade do país. O rock de Frejat, Cazuza, Renato Russo, Ultraje e outras turmas mostravam o que era o pensamento do jovem, como ele via as direções sociais que a nação tomava.

    Sob a tutela do administrador técnico – e também sociólogo – Adilson Monteiro Alves e de Sócrates, começava o que Juca Kfouri e o publicitário Washington Olivetto nomeariam como Democracia Corintiana, onde todos tinham o mesmo poder de voto e peso. Jogadores como Zenon, Wladimir e Casão eram politizados, e ajudariam a quebrar os paradigmas de concentração pré-jogo e do bom-mocismo como método de tratar o esporte. A civilização do time de Parque São Jorge não era obrigatoriamente moralista, ao contrário: Era evoluída, madura, sabendo bem o que se queria.

    Para Sócrates, foi o movimento político dos jogadores que manteve o time bem dentro das quatro linhas. Esta era a base do bom futebol deles, além claro do acesso aos shows de músicos amigos, Blitz, Rita Lee, Maria Bethânia entre outros. A relação dos esportistas com os músicos era bastante intrínseca e íntima, de modo que era quase indistinguível a identidade de um e de outro. A busca pela liberdade de expressão era comum aos dois segmentos, a música era o canal para a liberação, o que não ocorria desde 1968, com o jovem falando para o jovem.

    O pensamento evolui, como dito na narração por Lula, e o advento da Democracia Corintiana passaria a falar também do voto do povo, do voto direto que finalmente ocorreria. A campanha mudaria para DIA 15 VOTE, grafada acima dos números dos jogadores de futebol, o que visava quebrar a deseducação política do torcedor comum, desde os geraldinos e arquibaldos até aos já conscientes de que era preciso modificar o quadro político, e mobilizar a opinião pública.

    Os comícios para as Diretas Já começaram bastante tímidos, com poucas pessoas. E aos poucos o movimento aumentaria, até desembocar no comício da Praça da Sé, de um caráter suprapartidário, com discursos de Ulysses Guimarães, Brizola, Lula, Fernando Henrique, em uma união completamente impensável atualmente, unidos pela quebra da tutelagem do povo brasileiro, para que a população pudesse enfim andar sozinha, reconquistando sua democracia. A rejeição da emenda em 1984 foi um duro golpe na população brasileira; o sentimento de comoção logo deu lugar a sensação de que foram iludidos, inclusive Sócrates, que aceitaria a proposta de venda para a Fiorentina, da Itália.

    Os integrantes daquele time preferem encarar todo aquele tempo com um saudosismo tocante, de que o país voltaria a sorrir, e que havia começado ali a redemocratização do Brasil. No entanto, a sensação de que o pior da ditadura ainda permanecia não poderia ser ignorado, uma vez que o modus operandi policial prossegue semelhante ao do Regime. Até pela última música executada – Até Quando Esperar, da Plebe Rude -, a sensação de Democracia em Preto e Branco não é de otimismo, e sim de uma amálgama entre a melancolia e a objeção, de um país que apesar de um pequeno progresso, ainda tem muito a evoluir; muito esforço a ser executado para que se torne uma república minimamente digna, sendo esse viés o que faz da fita ser algo muito a frente dos documentários contemporâneos.

  • Crítica | Sexta-feira 13 – Parte 2

    Crítica | Sexta-feira 13 – Parte 2

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    Em 1981, o cinema ganha a continuação do slasher que havia feito certo sucesso no ano anterior. Sexta-feira 13 – Parte 2 começa como sequência direta dos eventos do filme original. Alguns meses após os eventos ocorridos no acampamento Crystal Lake, a única sobrevivente do massacre luta para ter uma vida normal e superar o trauma pelo qual passou. Essa sequência de abertura traz uma série de flashbacks recontando toda a história para quem não assistiu ao primeiro filme, e é a mais longa introdução de toda a franquia, com quinze minutos. Pela primeira vez, Jason Vorhees (interpretado por Warrington Gillette) é o assassino da saga, mas ainda não usa a icônica máscara de hóquei. Jason não parece, a princípio, um morto-vivo como nos filmes mais recentes da série. Embora sua cabeça esteja coberta com um saco de pano, vemos frequentemente suas mãos, que não estão em decomposição e nem nos dão nenhuma dica de que ele seja um ser sobrenatural. Pela aparência de sua roupa (camisa xadrez, macacão jeans, botas), Jason surge com um visual de “caipira”. De alguma forma, ele encontra e mata a sobrevivente do filme anterior, que tinha cortado a cabeça de sua mãe, Pamela Vorhees. Após essa longa introdução, o filme começa de verdade.

    O filme se passa cinco anos depois do massacre de Crystal Lake, que ficou conhecido como “Acampamento de Sangue” (ou Camp Blood, no original). Apesar do título, nada indica que a história se passe em uma sexta-feira 13. Mais uma vez, um grupo de jovens se reúne para começar seu treinamento como monitores num acampamento de verão. A fórmula é a mesma do filme anterior, mas dessa vez temos um background se desenvolvendo desde o início. As pessoas falam sobre o massacre, conhecem a trágica história do garoto Jason e sua morte no lago, bem como a vingança de sua mãe. Os personagens desenvolvem até algumas teorias sobre Jason e contam histórias assustadoras sobre ele. Em uma dessas suposições, uma das personagens chega a sugerir que o garoto não morreu no lago e que cresceu sozinho na floresta se alimentando de ódio por tudo e por todos. Essa fala é bastante elucidativa de como, a princípio, o assassino não seria um monstro sobrenatural, mas sim um psicopata deformado.

    A história se desenvolve numa colônia de férias vizinha a Crystal Lake, onde Paul Holt (John Furey) treina os novos monitores. A princípio, não sabemos quem será o protagonista do filme, o que é uma sacada inteligente que se espalhou pela série e tem sua origem no filme Psicose, de Alfred Hitchcock, quando a personagem principal é assassinada logo no começo da película. Gina Field (Amy Steel) aparenta ser uma garota fútil, mas, surpreendentemente, é ela quem termina o filme ainda respirando. Os primeiros personagens a quem somos apresentados são os primeiros a morrer quando o banho de sangue começa. Isso é, de certa forma, uma boa característica do filme, pois ao fazer com nos frustremos com essas mortes, o diretor já deixa claro o ritmo do filme. Ninguém está a salvo.

    Com cenas de morte mais elaboradas, a trama se desenvolve em torno dos assassinatos, conforme vamos descobrindo mais sobre Jason. Em uma cena, descobrimos que ele mora em um barraco improvisado com restos de madeira e materiais de construção, onde mantém um altar adornado com velas acesas ao redor da cabeça de sua mãe. Jason ganha um pouco de profundidade aqui, pois o motivo de sua matança se torna mais claro. O homem com a mentalidade de uma criança traumatizada, que se recusa a aceitar a morte da mãe e faz aquilo que acha que a agradaria. Seus assassinatos são uma espécie de sacrifício em honra à sua sagrada mãe, única pessoa que se importava com ele. Tanto que até mesmo a trilha sonora reproduz essa devoção: o refrão “ki-ki-ki-ki, ma-ma-ma-ma”, assustadoramente sussurrado durante os momentos mais tensos, origina-se na frase “kill her, mommy” (mate-a, mamãe).

    Sua confusão mental é percebida por Gina, que, ao ser encurralada, ao fim do filme, no barraco onde está a cabeça da Sra. Vorhees, percebe a devoção de Jason à sua mãe. Percebendo que ele guarda ainda o suéter de lã da falecida, veste-se com ele, prende o cabelo e se passa por ela, deixando o assassino ainda mais confuso. Jason acata  as ordens de quem ele pensa ser sua mãe, demonstra-se dócil e subserviente, até avistar a verdadeira cabeça sobre a mesa. A fúria assassina volta e Jason ataca, levando aos momentos finais do filme.

    A morte é o motivo do medo nesse subgênero de filmes de terror. Não é a crença em seres do além, não é um terror psicológico e intimista, não é o diabo ou outro ser religioso/mitológico. É a morte, pura, simples e sem sentido, que pode chegar de qualquer lugar e acontecer com qualquer um. Mas a morte nesse filme tem suas vítimas favoritas: jovens que fazem sexo, que bebem, que usam drogas. A morte vem associada a um senso de moral conservadora, que julga e executa aqueles que fazem algo considerado “errado”. E temos em Jason o arauto da morte, uma espécie de Ceifador Sinistro do século XX, punindo aqueles que considera pecadores.

    Sexta-feira 13 – Parte 2 é, para todos os efeitos, o verdadeiro primeiro capítulo da franquia e aproveita-se do sucesso inesperado do primeiro filme para criar um dos mais assustadores e memoráveis filmes de terror de todos os tempos.

  • Crítica | O Presidente

    Crítica | O Presidente

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    O novo filme de Mohsen Makhmalbaf explora uma história fictícia cujos desígnios remetem a tragicômica veracidade do sistema político de muitos países. O início, com uma música clássica, remete a um sistema governamental deveras arcaico.  O lugarejo simulado apresentado na fita é localizado no Cáucaso, e governado com punhos de aço por um presidente totalitário, vivido por Misha Gomiashvili.

    Os dias do mandante são vividos quase na totalidade em uma frieza atroz, normalmente nos palácios e bastidores do poder. O Presidente se permite demonstrar humano e suscetível à sentimentos quando está com seu neto Dachi (Dachi Orvelashvili). Ao expor de maneira exibicionista o seu poder ao “herdeiro”, o estadista enfim nota a contestação do povo em relação à política, e observa o início de um motim.

    O modo desconjuntado como anda o menino emula a dificuldade em governar de seu antecessor. O fogo flagrado pela câmera mostra a violência das manifestações e a tomada de poder contrária aos personagens focados pela lente de Makhmalbaf . A tentativa é de mostrar as vidas, tanto a do ditador por trás da figura de poder, quanto dos mártires assassinados pelo autoritarismo exacerbado.

    As cenas que se seguem após a fuga da família do soberano misturam elementos de horror e thriller. O receio é passado ao público e a troca de poder é rápida. As forças armadas mudam de lado instantaneamente deixando de tocar com banda para mudar a farda e caçar seus antigos empregadores. Enquanto o presidente troca de veículo após se ver em meio a um bando de ovelhas, seres dóceis e obedientes, diferentes das recém-tomadas atitude do povo.

    O contraste entre a vida rica e cheia de luxos do outrora rei, e as condições econômicas dos camponeses fazem o antigo político sentir na pele o mau governo que realizou, incapaz de dar sustento necessário as famílias. Sem as vestes militares, é a empáfia que segue firme no caráter que o diferencia dos homens comuns.

    Aos poucos a trajetória do ex-mandatário o dobra, fazendo se arrepender – ao menos de ter sido tão teimoso ao não fugir com o resto de sua família – pondo em risco a vida de seu progênito. A rotina muda até os nomes das personagens, em consequência a isto. Saem os títulos oficiais para alcunhas menos pomposas, o rei posto se mostra penitente, ele chega até a assumir seu péssimo gênio, antes de seguir em seu teatro pessoal, fingindo ser um músico nomadista.

    Ao viver alguns dias na miséria, o ex-governante observa uma outra visão. Ao perceber o flagelo de uma mulher injustiçada, o Presidente prefere fechar os olhos, provando que algo mudou em si. O dilema moral que sofre não se iguala a queda vertiginosa de conduta de grande parte do povo, que em meio a selvageria sem liderança, regride e agride os seus iguais, o que prova que a malignidade não habita somente o coração do Líder, mas também dos concidadãos que residem no país. A companhia que resta ao antigo poderoso é composta por presos políticos. Homens que sofreram por suas péssimas ações governamentais, cujos posicionamentos são variados, uns sendo revanchistas e outros mais conciliatórios. Ali ele reparte tudo o que tem, e até confronta os “terroristas” que mataram parentes seus.

    O quadro ultrarrealista pintado por Makhmalbaf é pior que qualquer imaginação de um ficcionista, por escrutinar um lado recorrente das repúblicas não democráticas de países periféricos ao cenário da elite mundial. Os ecos de terceiro mundo são vistos em cada cenário, paisagem, vestimenta, na fome e nos corpos das vítimas conterrâneas do desolado lugar, causados pelas baixas da guerra civil.

    As partes finais são em descenso, quase sem alívios cômicos, degradantes como a existência dos populares do fictício país, podre como a alma do seu antigo mandatário. Apesar de uma cena epilogar um pouco aquém do plot de fuga – mas absurdamente emocionante e trágica -, o rei se faz parte do povo, o que não o exime da culpa e nem da fúria dos explorados e desmazelados. A ânsia pelo sangue do tirano é tanta que uma morte só é pouco, e o modo da execução muda de acordo com os vitimados secularmente por seus anos de domínio. Para não esquecer a abordagem dos olhos de um menino, o destino do ancião não é mostrado, mesmo após as quase duas horas que tentam fazer o público se afeiçoar, mas sem permitir que o salário do protagonista seja finalmente cobrado, tendo como fim seu irremediável destino.

  • Crítica | O Juiz

    Crítica | O Juiz

    Filmes de tribunal sempre foram recorrentes na história do cinema. O ótimo 12 Homens e Uma Sentença, de 1957, provou que é possível fazer um filme com assuntos jurídicos ser interessante para o público. Mas foi em 1993 que o gênero explodiu com A Firma, estrelado por Tom Cruise e Gene Hackman. Hollywood viu no autor John Grisham uma fonte quase inesgotável de roteiros vindo de seus livros. Grisham, até hoje, é bastante respeitado pelos seus romances extremamente competentes, recheados de intrigas, mistérios e com histórias bem diferentes umas das outras. Com isso, pudemos assistir a O Dossiê Pelicano, O Cliente, Tempo de Matar, A Câmara de Gás, O Homem que Fazia Chover, Até Que a Morte Nos Separe e, mais recentemente, O Júri, todas adaptações dos livros do autor.

    Quando O Juiz foi anunciado, os atores estavam no primeiro estágio de negociação. O astro Robert Downey Jr., além de confirmar presença como protagonista, assina também como produtor executivo e, para contrabalancear com ele, o nome de Jack Nicholson chegou a ser cogitado. Infelizmente, as negociações não avançaram e coube ao veterano Robert Duvall dar vida ao juiz Joseph Palmer, ou juiz Palmer, como é chamado.

    O que difere O Juiz das adaptações de Grisham é que o filme tem uma premissa extremamente simples, e até mesmo clichê. Porém, o diretor e roteirista David Dobkin, que tem no currículo filmes como Bater Ou Correr em Londres e Penetras Bons de Bico, surpreende ao inserir um humor pouco convencional à trama, além de outras situações extremamente sutis que acabam funcionando por completo.

    Hank Palmer (Downey Jr.) é um advogado bem-sucedido que há anos abandonou sua cidade natal por não se dar bem com seu pai, o juiz Palmer (Duvall). Embora Hank more numa mansão e seja casado com uma bela jogadora de vôlei, ele se vê no meio de seu próprio divórcio e, para piorar a situação, durante um julgamento, recebe uma ligação de que sua mãe havia morrido. Era hora de retornar à sua cidade depois de tantos anos. Era hora de confrontar o seu pai depois de tantos anos.

    A sutileza do diretor já é percebida logo quando Hank chega ao velório. Somos apresentados ao seu caçula e especial irmão, Dale (Jeremy Strong), e o irmão mais velho, Glen (Vincent D’Onofrio). O juiz Palmer, ao chegar, cumprimenta todos, menos seu filho, mostrando que nem o luto da esposa amoleceu seu coração. Aliás, a maneira como Hank é tratado pelo pai faz que ele resolva ir embora no dia seguinte ao funeral, sendo que, dentro do avião, ele fica sabendo que seu pai foi acusado de homicídio por ter atropelado um ex-condenado que agora está solto.

    Com o sucesso de Homem de Ferro, Downey Jr. resolveu de vez assumir a identidade de Tony Stark, tanto que nas junkets de divulgação do filme do ferroso, o astro ia praticamente vestido como o gênio, bilionário, playboy e filantropo da Marvel, usando o mesmo cavanhaque e os mesmos ternos, algo que faz até hoje. Essa fusão entre ator e personagem atrapalha o primeiro ato de O Juiz, pois não se enxerga Downey Jr. como Hank Palmer, mas sim como Tony Stark.

    Isso muda quando Hank decide ficar e ajudar seu pai. Ele encontra na sua antiga bicicleta e numa camiseta surrada do Metallica um propósito para poder relembrar a sua infância e sua adolescência, revendo, inclusive, seu antigo amor, Samantha (Vera Farmiga), que hoje é dona de um restaurante e mãe solteira de uma bela jovem, que morde o cabelo da mesma forma que a filha de Hank.

    A química entre Downey Jr. e Robert Duvall funciona bastante, rendendo ótimos momentos de tensão e drama, o que pode levar o telespectador a diversas emoções. Aos poucos, também conhecemos o motivo pelo qual os dois se odeiam e como isso interfere diretamente no curso do processo e do julgamento do juiz Palmer.

    Aliás, a relação entre todos os personagens e suas boas subtramas acaba deixando a trama principal em segundo plano, o que faz com que um dos personagens fundamentais, o promotor Dwight Dickham (Billy Bob Thornton), fique meio apagado, o que de certa forma não chega a ser ruim, já que o filme, como dito, tem uma premissa bastante simples. E isso talvez seja mérito do diretor por escrever e filmar ótimas cenas que intercalam drama junto ao humor de forma sutil e delicada sem ficar chato ou fora do lugar. Não há nenhuma cena cômica que não se encaixe.

    O Juiz, por ter participado de festivais, poderá ser um dos nomes do Oscar em 2015, rendendo indicações para Downey Jr. como melhor ator, Robert Duvall, como melhor ator coadjuvante, e talvez para melhor roteiro e direção.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | Blind

    Crítica | Blind

    Tomando por base a privação do (talvez) mais importante e notório sentido básico humano, Blind, do norueguês Eskil Vogt, narra a história de Ingrid (Ellen Dorrit Petersen), em adaptação muito recente a sua perda da visão. Até o preto, predominante na maior parte dos anúncios cinematográficos de créditos serve a narrativa, antecipando alguns detalhes típicos do costume visual, e da observação minuciosa das particularidades e pormenores do cotidiano em meio a cidade grande.

    O modo de contar a história, com uma relato direto de Ingrid empresta uma pessoalidade enorme a fita, maximizada pela experiência de seu diretor em estabelecer roteiros onde o drama do recomeço é presente – como em Começar de Novo e Oslo, 31 de Agosto. A reinvenção de Ingrid passa por todas as outras sensações inerentes aos quatro sentidos que lhe restam, o que faz com que seus toques sejam mais profundos, na tentativa de intensificar o tato, e que os sons predominem bastante na sua rotina, fato que naturalmente exige uma mixagem e edição de som.

    É engraçada como a movimentação da observação e do julgamento do mundo e daqueles que o habitam é muito mais sereno pelos “olhos” de quem não mais vê. As conclusões de Ingrid a respeito de Einar (Marius Kolbenstvedt), seu parente, por exemplo, não são amenizadas por nada: Ela o enxerga como um coitado, ao se deparar com a pornografia e com o desejo a todas as mulheres existentes, como uma ode ao corpo feminino sem fim, mas que esbarra no platonismo intransponível, não transgredido apesar de toda a vontade contida em seus movimentos e em seus olhares. A vagina e tudo que a acompanha é exibida em um pedestal, que se torna ainda mais alto graças a culpa que ele sente ao não conseguir agir além da masturbação e da culpa por não fazê-lo, já que até o desejo a outras mulheres é tecnicamente pecado, ou um movimento no mínimo antiético.

    Outra história exibida pelo julgamento fugaz de Ingrid é o de sua vizinha, Elin (Vera Vitali), que mesmo morando a poucos metros dela, existe em uma realidade muitíssimo distante da protagonista, especialmente por sua vida familiar ser conturbada e repleta de sofrimentos, impingida pelas ações egocêntricas de seu ex-marido, que consegue afastar dela o que é mais importante – seu filho. O vazio do seu espírito e a tristeza de sua alma são muito bem classificados dentro da fita.

    O modo como Ingrid analisa vidas alheias é bastante evasivo, com cotações morais e um enorme juízo de valor, ainda que isto sirva mais para catalogar as vidas do que para achar soluções para aqueles dramas. Ingrid tenta a todo custo ser invisível em sua própria história, esboçando uma neutralidade de quem aparentemente desistiu da própria vida, já que grande parte dela se foi com a perda de um bem elementar.

    Logo, essa insensibilidade é justificada e mostrada como a resposta a rejeição que sofreu por parte de seu ex-parceiro, Morten (Henrik Rafaelsen), que não tinha qualquer receio de flertar com outras mulheres via internet ao lado de sua recém cega esposa, que entregava sua bela nudez a ele, não tendo em troca sequer uma mínima atenção sexual. A autoestima dela conhecia cada vez mais o sentimento de recusa e até de repudio, por uma categoria de “invalidez” não escolhida por ela. Dadas as condições, é natural que prefira somente tecer comentários sobre a vida alheia.

    Os destinos manifestados em tela se confundem próximo ao final, mostrando uma vitimização das personagens femininas, não mais somente de Ingrid. Os ecos deste reclame vão desde ao machismo a uma profunda misoginia, intensificada pela vulnerabilidade das personagens estrogênicas, sepultadas ante a predominância do mandamento masculino, que até as faz sentir como inferiores diante do poderio destes. A sensação de auto-culpa acabar por injustamente predominar, fazendo da fuga antes citada uma boa maneira de agir ante a uma auto-comiseração.

    Blind consegue abranger muitos assuntos, ainda que sua ótica seja parcial, de entrega e de um temível conformismo ante a um paradigma praticamente imutável, seguindo a lógica da trajetória de sua protagonista.

  • Crítica | Motor Psycho

    Crítica | Motor Psycho

    O início, um tanto pacato, mostrando a rotina de um casal deveras normativo, comprova algo que vai contra o texto do qual Russ Meyer falará: uma contraparte feminina muitíssimo insatisfeita sexualmente pelo homem conservador que a possui. Seu reclame de que a transa seria um passatempo melhor que a enfadonha pescaria é quase tão gritante quanto a volúpia de seus seios, que estouram a lente do diretor. Logo, sua fome não mais seria um problema.

    A moça de feições deleitosas recebe de Brahmin (Stephen Oliver) um beijo forçado e assiste ao espancamento de seu par pelos asseclas de seu agressor pessoal. Após um registro de violência moderada, é exibida uma sugestão de cena de estupro, claro, de modo velado, algo que, mesmo com todo o caráter de filme B da obra, ainda não seria totalmente permitido para a fita.

    A sexualidade, antes sugerida nos filmes de Marlon Brando e repetidas nas histórias de rebeldia sem causa de James Dean, encontra neste uma paragem segura. Quase todas as mulheres apresentadas em tela são extremamente erotizadas, quando não, vítimas claras de violência sexual – esta característica até parece glamourizada em alguns momentos. A trilha rockabilly tenta, em vão, aplacar as constrangedoras situações registradas pela câmera de Meyer, que não poderia exibir seu filme em cinemas frequentados pelo americano médio e crente nos valores conservadores.

    É incrível como apenas a apresentação das sugestões de agressões atinja tanto o público quanto este faz. A ambiguidade do roteiro e o modo como o diretor realiza o ângulo de suas cenas fazem com que o espectador se pergunte sobre de que lado os produtores estão, e se realmente há qualquer partido destes dentro da discussão, uma vez que, fora alguns pontos na música do filme, não há um juízo de valor completo ou moralista por trás das intenções do cineasta.

    Brahmin e seus asseclas seguem cortando o deserto californiano, deixando uma trilha de vítimas numerosas, humilhando os homens – algumas vezes matando-os sem se preocupar muito com o lado humanista, somente cobrindo seus rastros para não pararem na cadeia – e explorando as mulheres em suas orgias regadas a álcool. Do outro lado da lei, há o ranger Corey Maddox, interpretado por Alex Rocco, cujo único aliado é a trilha incidental repleta de metais, que demonstra que, no caráter do personagem, há um quê de bom mocismo, em muito diferenciado do comportamento dos motoqueiros vândalos, que fazem questão de se posicionar fora do contrato social.

    No entanto, nem o policial é livre da sexualização de seu personagem, uma vez que este protagoniza uma forte cena em que obriga uma moça a chupar o veneno de uma cobra em sua perna, fazendo com que os movimentos e urros de dor do agente se assemelhem às manifestações de um homem que recebe o sexo oral. Mesmo nas suas primeiras aparições, ele é mostrado em um momento de intimidade, com uma mulher, fazendo dele uma figura longe do ideal puritano que o convívio social gostaria.

    Mesmo com as condições precárias de orçamento, e com a difícil aceitação do público da época, que dificilmente compraria uma fita tão violenta e descompromissada com a tradição familiar, o roteiro de Meyer, James Griffith, Hal Hopper, Ross Massbaum e Billy Sprague contempla uma sociedade violenta, não muito diferente do quadro social atual.

    A guerra travada no asfalto pós-anos noventa foi profetizada pelo roteiro, que tomou emprestada a grafia visual de outros embates, como o conflito do Vietnã. Além de ser uma referência no quesito mortes desnecessárias e também o catalisador de um trauma que tomou a nação americana, o conflito tem em seus veteranos de guerra uma boa parcela de facínoras, cuja condição mental não os permitia viver pacificamente, a exemplo do líder do bando Brahmin, que antes lutou por seu país mas que prossegue assassinando os seus em nome da difícil missão de viver junto à comunidade, a qual o fez lutar por uma causa perdida.

    O assassino, que impinge os próprios pecados sem qualquer remorso, demonstra uma síndrome psicopata enorme, a despeito dos parcos talentos de Rocco enquanto ator. É notável a dificuldade por parte dele em sentir qualquer emoção que tenha em relação a outra pessoa que não ele mesmo. Seu cinismo, que pode ser encarado como simples canastrice, parece ser o artifício decidido por Meyer para demonstrar que ser mal encarado não faz do sujeito um justiceiro acima de qualquer suspeita. A aproximação do anti-herói e vilão é discutida, mostrando que a distância entre os dois estereótipos é deveras curta, o que remete a Dirty Harry e seus filhotes, vividos pelos brucutus dos anos oitenta. A discussão a respeito do comportamento fascista de ícones do cinema já havia sido feito nesta fita de Russ Meyer, que não guarda amarras ou convenções públicas tradicionais.

  • Crítica | O Mundo Segundo Lula

    Crítica | O Mundo Segundo Lula

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    Ao iniciar seu filme com um passeio por Brasília, German Gutierrez demonstra um pouco do que seria a incerteza da subida ao poder por Luiz Inácio Lula da Silva rumo ao palanque máximo do país brasileiro. A cerimônia de passagem de faixa de Fernando Henrique Cardoso, claramente contrariado, simboliza um pouco do que a narradora diz, os resquícios do que a burguesia pensava ao assistir a ascensão de um membro do proletário ao poder.

    Para Lula, sua vitória após tanto tempo é a mostra de uma evolução do pensamento do povo brasileiro, finalmente rompendo com a mentalidade de país colonial e colonizável, sempre subordinando-se às economias de países mais ricos e claramente exploradores. O começo da carreira do político foi feito em plena ditadura militar, em meio a um regime opressor que esmagava o homem.

    De família pobre, demorou a se alfabetizar, o que claramente se reflete nas suas falas tacanhas e repletas de vícios linguísticos, como a supressão do plural. Este defeito serviu bem para ele, ao menos num segundo momento eleitoral, uma vez que o aproximava do povo com quem ele tencionava falar. Aos trinta anos, tornara-se líder sindicalista, apoiando as eleições diretas, ao invés do regime ditatorial, como “único modo do povo se manifestar”. A partir daí, se explora o começo da trajetória do metalúrgico enquanto um governante.

    O horizonte mostrava o povo como um parceiro do político, feliz com o seu modo de tratar as relações exteriores, alguns até surpresos pelas origens humildes de sindicalista, mas as críticas também são devidamente documentadas, ainda que o cunho destas seja deveras tímida e comedida.

    A feitoria do filme foi logo após a reeleição de Lula, e não menciona em nenhum momento os escândalos políticos de seu partido, como o Mensalão, ainda que haja uma pequena menção nos letreiros ao final, claro, destacando-se o crescimento do país em um cenário mundial. A sensação de O Mundo Segundo Lula é um filme institucional é enorme, ao analisar-se seu caráter chapa-branca, mas é importante de ser analisado na contemporaneidade, especialmente pela avalanche de desinformação que corre a rede mundial em relação aos avanços do país nos anos em que Luiz Inácio foi presidente da República Federativa do Brasil, e a respeito de quem tem ou não lutado ao lado do proletariado brasileiro. Nisto, o filme de Gutierrez traça um bom prospecto, obviamente atentando para o bom mocismo do político.

  • Crítica | Trash: A Esperança Vem do Lixo

    Crítica | Trash: A Esperança Vem do Lixo

    Rafael (Rickson Tevez) treme com um revólver na mão, uma ânsia de fazer ou não justiça com as próprias mãos. O drama certamente seria melhor aceito caso não predominasse na retórica de Trash: A Esperança Vem do Lixo uma abordagem artificial, em uma das menos inspiradas fitas de Stephen Daldry. O tema da violência urbana, com uma perseguição de policiais a pessoas de classes menos favorecidas e secularmente marginalizadas surge com dois dos atores brasileiros com mais sucessos comercias no currículo.

    Wagner Moura vive José Angelo, um morador do subúrbio, perseguido por ter informações importantes sobre um poderoso político. Ao se livrar de sua carteira, ele condena o menino Rafael, que acha a bolsa com dinheiro e outros objetos misteriosos. O lado repreensivo do filme começa por apresentar arquétipos muito estereotipados dos moradores da favela, que embalam seu trabalho no lixão ao som do sugestivo Rap da Felicidade, cujo conteúdo é ofensivamente óbvio. A situação piora com as crianças da comunidade nadando em um rio imundo, repleto do mesmo lixo que os moradores de lá coletam, como se entre os meninos e homens não houvesse qualquer noção de saúde ou civilização. A postura de um dos garotos é de completa subserviência com a polícia, fundamentado em cima de um vocábulo pobre, baseado em gírias que mais taxam pejorativamente os jovens do que os faz parecer reais e com voz ativa.

    A sucessão de preconceitos segue, apresentando personagens sem profundidade, pessoas que moram no subterrâneo de uma estação de trem (Central do Brasil), semelhantes aos Morlocks das revistas mutantes da Marvel, mas com a pretensão de mostrar uma história real, mas que evita a todo custo o uso de palavrões, já que seria esta uma história para toda a família. Demonstrar mazelas sociais e delinquência juvenil com uma abordagem conservadora só piora o escopo do filme, que simplifica todas as relações com soluções muito fáceis.

    O Brasil para exportação exibe a civilização dentro da comunidade para os estrangeiros, vividos por Rooney Mara (Olivia) e Martin Sheen (Padre Julliard), que são os únicos dentro do complexo com acesso a internet, o que não impede os meninos de acessarem o Google como se fossem especialistas nisto, mesmo não tendo acesso a internet em casa. A verossimilhança não parece ser a pauta principal do filme, já que não há a mínima preparação de background dos personagens, ou uma maior preocupação com os cenários envolvidos. A concepção de República das bananas é a base para a maioria das ações dentro do cenário do país.

    Uma vez que o entorno é mal construído, nem os atos ultra violentos de tortura conseguem retornar a fita a uma séria abordagem. As injustiças sociais mostradas no país são tão pueris como eram em Velozes e Furiosos 5, tendo em comum com o filme de assalto até a ingerência de estadunidenses como os portadores máximos da justiça, arautos de uma civilização que a subdesenvolvida nação jamais conseguiria alcançar sozinha.

    A ótica das crianças talvez seja a maior desculpa para as incongruências, falhas de concepção e falta de lógica, mas até isto esbarra na tacanha narrativa, que é cortada pelas falas dos meninos, que quebram a quarta parede e ajudam a revelar ainda mais os problemas da história. Para alcançar o vilão e deputado Santo (Stepan Nercessian), os meninos agem como miquinhos amestrados, que invadem casas e passeiam pelos esgotos da cidade; na cadeia, mais parecidas com as dos filmes americanos do que com a realidade dos presídios de Bangu. Tudo isso para exibir uma mensagem emocional, de cunho redentor, de luta pelo povo, ainda que retratar bem a população mazelada não fosse a prioridade de Daldry.

    A tentativa de explicar tudo por meio de um documentário filmado por Olivia é o tiro de misericórdia nas motivações e intenções do filme em se levar a sério, já que convenientemente consegue registrar não só as palavras dos meninos, mas também um dos muitos pecados de Frederico (Selton Mello), um policial que faz da justiça a justificativa para qualquer miséria que pense em impingir aos personagens. Nem mesmo ante a destruição de seu mísero patrimônio os jovens conseguem se emocionar de um modo que pareça real. A triste realidade brasileira que tencionava ser finalmente exposta é risível ante toda a fantasia presente no guião de Richard Curtis.

    O costume de habitar a sujeira é comum aos personagens infanto-juvenis, uma máxima tão torta quanto a ideia genial de que o dinheiro puro e simples resolveria os problemas sociais de um país tão atrasado que permite os mandos e desmandos de estrangeiros em sua própria terra. O modo estúpido como a renda é redistribuída só é superada em tosquice pela ingênua noção de que basta a boa vontade para vencer o mal da corrupção instaurada no país. Trash revela muito de como a opinião pública internacional vê o brasileiro, de maneira xenófoba, evidenciando o quanto subestimam a inteligência do cidadão médio, se valendo de uma trama fraca sobre uma realidade que não pode ser modificada, tampouco reavivando as manifestações de Junho de 2013 através deste viés tão simplista, e pueril.

  • Crítica | Amantes Eternos

    Crítica | Amantes Eternos

    Os filmes de Jim Jarmusch têm um gosto de improviso, de um autodidatismo irresistível; uma liberdade que começa com apelido de amadora, libertina, se o início não é dos melhores, rumo ao selo individual de um Cinema autoral, como já o é, unificado com o registro de uma realidade em que Jarmusch parece ligar sua câmera de repente e capturar apenas o que for indiscutivelmente real nos mundos internos de cada um. Realidades encenadas para resolver o caos “que o mundo tem de sobra para resolver no momento”, como de fato é apontado pela persona de John Hurt à frente de Tilda Swinton, enquanto o irmão de Thor (Tom Hiddleston) em Os Vingadores não busca, todavia, o consolo de quem o entende por sua condição peculiar, mas o néctar da eternidade pra colocar na mesa e sentir seu coração bater na ingestão vital. Depois de meia dúzia de Crepúsculos da vida, o mundo estava precisando de um filme de vampiros de Jim Jarmusch.

    Amantes Eternos não é promessa, mas não deixa de ser a afetividade do sueco Deixe Ela Entrar ao tom de Blue Valentine, clássico álbum de Tom Waits, cuja amizade do cantor consiste com a de Jarmusch.

    A única vez que o diretor de Daubailó usou o pretexto de fazer um filme para explorar, humilde e elegantemente, os extremos do efeito widescreen, até então, teria sido no ótimo Dead Man, o faroeste must-see dos anos 1990, quando na verdade, em Amantes Eternos, o suspense que Wes Anderson gostaria de fazer se pudesse deixar na gaveta sua fanática precisão estética, qualquer movimento de câmera por mais leve que seja, faz ditar, tal fosse a concepção do plano a encarnação do sensorial, o clima e o forte sentimento existencial do filme, por dentro da intimidade de um casal que não sabemos (enquanto visitantes de seu universo, submissos ao surreal estranhamente real de tudo o que sai e entra em cena), ao fundo, jamais, onde começa ou termina sua humanidade, a benevolência e a brutalidade de ambos; banhados em mistério perpétuo que luz alguma haverá de traduzir.

    Não seriam tais vampiros, perdidos no tempo e motivações, um retrato de uma classe de cineastas já muito marginalizados por serem autorais até os ossos? Sim, talvez ou com certeza? E com uma história frágil, de propósito e intenção ligados ao valor dispensável de vidas já perdidas há séculos de vício e penitência, resta a Jarmusch, mestre em ritmo e narrativa, nos dar uma lanterna em forma de trilha sonora e situações contextuais por entre a riqueza oculta dos antagonistas de sua produção hipersensível, mesmo que só nos seja permitido acompanhar essas almas penadas por meras duas horas, mais sob a sombra de hipóteses, do que sobre a luz de qualquer certeza. A sessão condiz e reafirma o poeta: Não há eternidade senão a eternidade que convém alimentar, para que tudo não fique ainda pior do que ficou, sem o efeito maré para voltarmos no tempo e rever nossas brevidades; ó, utopia!

    A dependência pelo mundano atinge bela e melancólica antítese na filmografia do cineasta que já explorou quase todos os vícios do ser humano moderno, impondo em Amantes Eternos, agora, várias faces do entretenimento, a música, o xadrez e a literatura feito nobres exercícios de autoafirmação. São as últimas escolhas de expressão de autonomia e direito natural de quem nem mesmo detém mais da morte como certeza e amiga fidedigna. Em certo ponto, Hiddleston e Swinton, Adão e Eva, chegam a expulsar de sua casa, velha por fora mas vintage por dentro, o exato contrário dos moradores, num modelo habitacional de Detroit, cidade dos Estados Unidos, chegam a distanciar de si a irresponsável jovem irmã de Eva (Mia Wasikowska) por aparecer e desperdiçar pescoços alheios feito café barato em bares sujos – até o néctar rubro ser jorrado em gozo pelo tapete da sala do casal. Acontece que o jardim do Éden atrai, mas tem regrinhas que poucos conseguem seguir. A sobrevivência vem a ser para esses poucos, e acima de tudo: Àqueles que sabem que estão vivos, e podem continuar assim a todo preço. A vida vicia, longo transe perante a morte que é.

  • Crítica | Por Uma Mulher

    Crítica | Por Uma Mulher

    Parado em algum lugar entre a nostalgia das lembranças fotográficas de uma geração anterior e a descoberta de laços familiares possivelmente não conhecidos por parte dos narradores da história, Por Uma Mulher (Por Une Femme) é fundamentado em um quebra-cabeças que se pauta no pretérito para elucubrar um triângulo curioso, que tem na busca/ode pela origem de Anne (Sylvie Testud) o seu cerne.

    O roteiro é contado através dos elementos da recém-falecida mãe de Anne, e passa a expor um conto sobre a Grande Guerra, remontando ao início do duradouro matrimônio entre os dois: Lena (Melanie Thierry) acabara de descobrir sua gravidez, o que deixa seu marido Michel (Benoît Magimel) obviamente preocupado. Já com a criança nascida, ele consegue expandir seus negócios, e finalmente abrir sua loja de tecidos, explorando seu belo talento e produzindo seu sustento e de sua família.

    Tudo corre como manda a tradição, Michel consegue lograr êxito com seu negócio, até que a entropia adentra o seu cotidiano. Inesperadamente, seu irmão retorna de um “campo”, de onde todos achavam que não poderia sair vivo. A existência de Jean (Nicolas Duvauchelle) não era de conhecimento geral até então. Ele era um párea mesmo entre seu clã, por motivos políticos, evidentemente.

    Logo Jean junta as suas forças ao seu irmão, auxiliando-o a tocar a loja. Seu passado é posto em crédito, com uma preocupação de que ele tivesse uma vida borrada ou boêmia, ligada a ilegalidades, já que para todos os efeitos, ele estava foragido. Surpreendentemente, ele acaba sendo de um auxílio valioso a Michel.

    Com o desenrolar dos acontecimentos, Jean não consegue esconder seus interesses relacionados a contestação, tampouco consegue esconder sua natureza, apresentando um comportamento e carisma demasiado sedutor, cooptando até aqueles a quem “usufruir” dele seria proibido. Não demora muito para o ideal utópico vermelho cair sobre ele, fazendo-o correr perigo de vida novamente, o que obviamente enfia seus familiares também à deriva no cenário político francês, além, é claro, de explorar uma gama de sabores condenados.

    Anne não se contenta em somente verificar os relatos via memorandos, e vai encontrar seu genitor, para tentar desmistificar o fato de não ter tido até então o conhecimento sobre um parente tão próximo, mas que, por falta de qualquer menção, jamais foi conhecido. A sequência de reencontro, apesar do caráter agridoce, guarda momentos um tanto vergonhosos, seja pela maquiagem forçada de Benoît Magimel, ao tentar emular um senhor geriátrico, ou por sua incômoda sensação de estar descoberto, ante a verdade inconveniente que se aproxima de ser exposta.

    O ato anterior parecia excessivamente moralista para esconder as indiscrições incestuosas, sempre sugeridas e consumadas ante a câmera recordatória de Diane Kurys. O rememorar resgata as lembranças afetivas, e as tristes também, como todo álbum de fotografias, que ao registrar os momentos mais felizes, não faz esquecer o espaço em branco entre os retratos, os episódios menos glamourosos e não tão dignos de nota ou recordação. O roteiro, apesar de alguns percalços, consegue apresentar uma história bastante humanizada, que equilibra bem momentos de infidelidade sentimental, um pecado moral e condenável com a dificuldade em manter um ideal essencialmente político e social, exibindo curvas dramáticas das mais viscerais, especialmente pela fita ser conduzida em sua integridade por uma abissal leveza de espírito.