Categoria: Críticas

  • Crítica | Planeta dos Macacos: O Confronto

    Crítica | Planeta dos Macacos: O Confronto

    Planeta dos Macacos O Confronto

    Lançado em 2011, Planeta dos Macacos: A Origem conseguiu ser bem-sucedido de uma forma que poucos reboots são capazes. Isso porque o longa não se limitou a modernizar aspectos superficiais e recontar a mesma história, e sim dedicou-se a um ponto fundamental para que uma franquia sobre macacos humanoides falantes pudesse ser levada a sério nos dias de hoje: a transição do mundo, como nós o conhecemos, para o Planeta dos Macacos propriamente dito. O novo capítulo da saga, intitulado O Confronto, dá mais um passo nessa direção, felizmente ainda sem pressa.

    Apesar da mudança na direção (saiu Rupert Wyatt, entrou Matt Reeves), o filme manteve sua identidade, não apenas visual como também conceitual. A pegada de realismo/seriedade permaneceu e ganhou contornos mais dramáticos, pois o cenário agora é muito mais sombrio. Dez anos após o fim de A Origem, o vírus criado em laboratório praticamente dizimou a humanidade. Um grupo de sobreviventes localizado em São Francisco precisa reativar uma usina hidrelétrica situada numa floresta próxima. O problema é que neste território vive uma enorme comunidade de símios evoluídos, liderados por nosso velho conhecido Cesar (Andy Serkis, pra variar humilhando mais uma vez). Nem um pouco difícil adivinhar que o contato entre os dois grupos não vai acabar bem.

    Logo nos primeiros minutos da produção, o fato de um dos lados ser composto por macacos se torna irrelevante. Eles são organizados, caçam, se comunicam (principalmente por gestos, ainda), transmitem conhecimentos complexos para os mais jovens, e até andam a cavalo. Vemos, indiscutivelmente, uma civilização. A partir daí fica reconhecível um dos argumentos mais velhos do mundo, o contato entre dois povos cujo nível tecnológico é diferente. Ódio e medo do desconhecido, preconceito por parte dos “superiores”, bons e maus elementos em ambos os grupos, todos os elementos estão lá. Nesse sentido, o filme conquista seu lugar no hall das boas ficções científicas, que usam um contexto diferente para falar dos nossos problemas atuais e históricos.

    Grande parte do mérito da manutenção da identidade, que faz com que O Confronto se encaixe perfeitamente como a continuação natural de A Origem, cabe ao retorno dos roteiristas Rick Jaffa e Amanda Silver, agora com a adição de Mark Bomback. A jornada de Cesar continua, mostrando que governar é muito mais difícil do que liderar uma revolução. Agora mais velho e pai de família, tenta atuar como líder moderado, buscando preservar tanto seu povo quanto os humanos, dos quais conheceu o lado bom. A oposição surge na figura de Koba, cujo ódio pelos humanos (por ter sido cobaia de laboratório durante anos) o conduz a uma postura cada vez mais belicosa. Aliás, palmas para o ator Toby Kebbell, que faz um trabalho tão bom quanto o de Serkis.

    O elenco, aliás, conta com grandes nomes que fazem um trabalho discreto porém sólido, uma vez que o destaque sem dúvida é da galera da captura de movimentos. Gary Oldman, como o líder do grupo humano, começa gritando a plenos pulmões, mas seu personagem perde importância com o decorrer da trama. O casal vivido por Jason Clarke e Keri Russell representa os bonzinhos da vez, e tem ótimos momentos interagindo com Cesar. Quem também mostra competência é Matt Reeves, seguro tanto nos momentos mais intimistas quanto nas cenas de ação, nas quais sabe imprimir tensão e fazer o espectador se sentir no meio do caos – basta lembrar de seu principal trabalho, Cloverfield.

    Embora sobrem acertos, o filme não está isento de falhas. Incomoda o quanto os humanos parecem organizados, limpos, bem alimentados. Depois de dez anos em um cenário pós-apocalíptico, era de se esperar que eles estivessem em pior estado. A motivação para ativar a hidrelétrica, se analisada com calma, também não convence. Os personagens dizem estar cientes que a energia vai durar por tempo limitado, e o principal objetivo é conseguir contato com outros grupos de humanos, para assim “reconstruir a civilização”. A experiência não ensinou a eles o perigo de encontrar outras pessoas num mundo de recursos limitados?

    Contudo, os erros são perdoáveis por se tratar de uma história na qual o “o que” e o “como” são muito mais relevantes que o “por que”. O futuro onde macacos ainda mais evoluídos escravizam os humanos ainda parece distante, é difícil enxergar Cesar nessa equação, ainda que sua escolha final (consciente e de coração pesado) represente mais um pequeno passo nessa direção. Que a saga continue sendo contada sem pressa alguma, pois está claro que este é um dos casos em que a viagem é mais importante que o destino.

    Texto de autoria de Jackson Good.

    Ouça aqui nosso podcast sobre a saga “Planeta dos Macacos”.

  • Crítica | Como Treinar o Seu Dragão 2

    Crítica | Como Treinar o Seu Dragão 2

    Como-treinar-o-seu-dragão-2

    Quando Como Treinar o Seu Dragão chegou aos cinemas em 2010, não se imaginava que a nova animação da DreamWorks fizesse tanto sucesso. O estúdio apostou alto adaptando uma série de livros escrita por Cressida Crowell. Com um orçamento gordo de 165 milhões de dólares, o longa – dirigido por Dean DeBlois (Lilo & Stitch) e pelo roteirista de clássicos como O Rei Leão, Chris Sanders – chegou aos 500 milhões de dólares no mundo inteiro, garantindo financiamento para que mais dois filmes fossem encomendados. Como Treinar o Seu Dragão 2 chegou às telas quatro anos após seu antecessor, quase respeitando o tempo da ordem cronológica da história, que é de cinco anos.

    Soluço (voz de Jay Baruchel), o simpático protagonista, agora tem 20 anos de idade, o suficiente para que seu pai, Stoico (Gerard Butler), o coloque no trono, substituindo-o como líder da cidade de Berk. Porém, Soluço não quer nem um pouco assumir as responsabilidade de governar, ainda mais depois dos adventos do primeiro filme, quando a paz entre vikings e dragões passou a reinar. Nesses cinco anos, podemos perceber que a aliança entre dragões e o povo viking trouxe muitos benefícios à cidade, principalmente numa cena completamente inspirada em Os Flintstones, quando animais ajudam os humanos nas tarefas diárias. Vale destacar que Soluço possui vários aparatos “tecnológicos” muito legais, dispondo, inclusive, de uma wing suit, a popular asa de morcego, aparato bastante conhecido entre os paraquedistas.

    O filme começa numa festa em Berk, onde acontece uma corrida de dragões disputada pelos velhos amigos de Soluço: a namorada Astrid (voz de America Ferrera), Melequento (Jonah Hill), Perna de Peixe (Christopher Mintz-Plasse), Cabeça Dura (T.J. Miller), Bocão (Craig Ferguson) e a feia e revoltada, porém irresistível, Cabeça Quente (na voz de Kristen Wiig). Percebe-se que o protagonista deveria estar disputando a prova, porém ele está explorando o mundo com o seu dragão, Banguela, que ainda não consegue voar sozinho. Enquanto Soluço e Banguela voam, nota-se que, na verdade, eles estão mapeando o local, o que faz com que o jovem tenha consigo um enorme mapa da região, descoberta por Soluço e seu amigo.

    Mas a trama, de fato, começa quando, numa dessas explorações junto a Astrid e seu dragão Tempestade, Soluço e Banguela são atacados pelo simpático e divertido viking Eret (voz de Kit Harrington, o Jon Snow, de Game Of Thrones), que deixa escapar que está capturando dragões a mando do temido Drago Sangue Bravo (voz de Djimon Hounsou). E esse contato com Eret muda para sempre a vida de Soluço, interferindo, inclusive, em seu passado, onde algumas coisas são reveladas, como, por exemplo, a verdade sobre sua mãe, desaparecida desde um ataque de dragões a Berk, quando Soluço ainda era um bebê.

    O filme é bastante leve, passa rápido e não erra em nenhum aspecto. É engraçado e triste quando precisa ser e é tenso e suave quando também precisa ser. A história e o visual são mais ricos e abrangentes, dada a facilidade de se viajar por aí com um dragão. Simples assim. Pode-se dizer que os acontecimentos do primeiro filme, além de contribuírem com a trama, colaboram com os aspectos técnicos do segundo. Desta forma, a facilidade que Soluço tem de explorar a região o coloca em contato com a misteriosa guardiã de dragões, Valka (voz de Cate Blanchett), que sabe muito mais sobre os dragões do que qualquer outra pessoa no mundo, além de esconder um grande segredo. Para se ter uma ideia, Soluço é apresentado ao Dragão Alfa, um dragão colossal, talvez maior que o Godzilla, que controla todos os outros dragões.

    Um dos destaques fica por conta da diversidade de dragões que este filme possui. Cada raça possui características bem distintas, o que, infelizmente, deixa Banguela totalmente em segundo plano, ganhando mais importância somente no início do terceiro ato, quando Drago Sangue Bravo se torna, de fato, uma ameaça. Cabe destacar que ele também possui um Dragão Alfa, que resulta no maior combate de dragões já visto no cinema, mesmo que em uma animação. Um elemento grandioso não só pelos dragões alfa, mas porque Drago, assim como Valka, possui uma horda de dragões controlados por seus líderes, resultando numa épica batalha.

    Felizmente, o saldo é bem positivo, e o filme é com certeza uma ótima diversão para as crianças nas férias. Mas, por outro lado, talvez Chris Sanders tenha errado um pouco o tom ao escrever uma cena daquelas em que o herói pega a dama pela cintura e tasca-lhe um beijo, como acontece entre Soluço e Astrid, cena que resulta em um monte de “eca”, “credo” e “blergh” entre as crianças no cinema, causando risos nos adultos pela situação constrangedora e divertida.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | O Trapalhão no Planalto dos Macacos

    Crítica | O Trapalhão no Planalto dos Macacos

    O filme de J. B. Tanko explora uma trama subversiva, acompanhando a dupla de delinquentes Conde (Renato Aragão) e Alex (Dedé Santana), que teriam em seu encalço os agentes da lei, liderados pela figura do Guarda Azevedo (interpretado por Mussum, em sua primeira participação junto a Dedé e Renato), um atrapalhado policial afro-brasileiro. A rivalidade mostrada em tela se vale de muito humor físico que de tão idiota, acaba ganhando carisma, em piadas que anos depois seriam repetidas a exaustão no programa da Rede Globo.

    A Guerra de Ovos travada em meio a uma granja é um absurdo de concepção e de execução, e funciona perfeitamente para ambientar o público de que esta seria uma fita calcada no nonsense e no humor escrachado. Tomando por base essa completa falta de noção ou bom senso, os dois marginais, unidos a Rodrigo (do candidato a galã Alan Fontaine) e o guarda acabam tomando um balão, que tinha o destino a Marte, o quarto planeta do Sistema Solar.

    Uma vez em solo extraterrestre, os personagens têm contato com uma realidade bastante diferente das que estão acostumados, primeiro encontrando diamantes espalhados pelo chão e depois, os atrapalhados forasteiros são capturados por macacos, que tem toda uma sociedade normativa fundamentada, com economia, castas, moradias etc. Ao reunir o bando, os símios soberanos pensam em transformar alguns dos intrusos em macacos.

     No meio tempo do filme, mudanças ocorrem na trama, onde os residentes marcianos permitem que os humanos façam as suas atividades, onde tentam estabelecer a energia elétrica no local, mesmo sem qualquer sinal de gerador ou fonte de eletricidade. O estratagema como um todo é de uma cretinice ímpar, onde a galhofa supera qualquer possibilidade de verossimilhança.

    O caráter paupérrimo da produção é notado nos figurinos dos macacos. As máscaras não permitem uma boa audição dos atores fantasiados. O embrião do que seriam as boas paródias de Didi e companhia no futuro estava presente neste filme, mas ainda faltava muito da qualidade politicamente incorreta que seria a marca do grupo humorístico. No entanto, canalhice e desfaçatez que marcariam a carreira dos palhaços já eram flagrantes.

    A realidade é que a maior parte das piadas se fundamentam em questões datadas e que funcionam poucas vezes. O maior trunfo acaba sendo as gracinhas de Mussum, que mesmo esforçadas não passam nem perto de ser o estouro das esquetes compartilhadas com Didi, Dedé e Zacarias. A intenção de Tanko em emular as antigas chanchadas esbarra exatamente no que seria o ponto forte de Renato Aragão à época, a comédia sem freios, a insistência na forma em detrimento do conteúdo. Com o decorrer da carreira, o diretor corrigiria o equívoco, apostando em melhores modos de contar as histórias da trupe.

    Após um ardil enorme, Conde e seus amigos conseguem arquitetar um plano de fuga, onde punham os macacos para dançar em um baile improvisado. O método de saída obviamente dá errado, e eles se metem em uma briga generalizada com os primatas, sob um pretexto ridículo, unicamente feito para Mussum poder distribuir pancadas e sacudir sua bunda, rebolando no ritmo da batida.

    Ao final da trama, questões verdadeiramente polêmicas são aventadas, como transformismo, crise de identidade e até relações conjugais entre espécies. Toda essa polêmica esbarra no modo de governo dos macacos soberanos e um conflito é travado entre as partes. Infelizmente, a interação entre os parceiros ainda é muito distante do bom desempenho que os comediantes teriam no futuro, o mesmo pode-se dizer do entrosamento entre atores e produção. Contudo, algo do sucesso posterior já estava no DNA do filme, como um protótipo que se preparava para alçar voos maiores, como seria em Guerra dos Planetas e Saltimbancos Trapalhões, anos mais tarde.

    Ouça aqui nosso podcast sobre a saga “Planeta dos Macacos”.

  • Crítica | 13º Distrito

    Crítica | 13º Distrito

    Brick-Mansions

    Tomando como base uma Detroit de um futuro próximo (em 2018), 13º Distrito usa a mesma base e plot de B-13, versão envelhecida em dez anos das aventuras Le Parkour de David Belle, e dirigida pelo sempre “implacável” Pierre Morel, acompanhado dos escritos de Luc Besson e Bibi Naceri. Esta nova versão, alcunhada de Brick Mansions contém alguns elementos de ação adjacentes, como a estrela do recém-falecido Paul Walker fazendo o ofício inédito de detetive disfarçado, chamado Damien Collier que investiga ações de traficantes de narcóticos.

    Talvez o diferencial da direção de Camille Delamarre esteja nos ângulos explorados por ela, para grafar toda a fuga de Lino Dupree (Belle) em sua jornada de escapada. A violência exposta na cidade é valorizada através da edição frenética e repleta de cortes secos, com enormes variações de abordagem, algumas vezes mudando a abordagem quadro a quadro. O modo como Camille registra sua fita tem muito a ver com a escola francesa de filmes de ação, cujas referências vão desde Morel, como também Olivier Megaton e Richard Berry, com quem já havia trabalhado, editando filmes anteriores de ambos.

    A paranoia da cidade que se agiganta e comprime o homem com sua violência gratuita é um assunto atual, mas sua abordagem é batida e há muito datada. Ainda assim, consegue atingir muitos públicos, como aqueles que se mostram fiéis ao filão da “ação pela ação“. O problema maior prossegue sendo o empobrecimento do roteiro, com situações tão genéricas se avolumando a frente das câmeras e esboçadas em scripts por gente gabaritada, como é Luc Besson. A expectativa por suas produções torna-se a cada dia menor do ponto de vista da análise qualitativa das suas histórias.

    O clichê se agrava ainda mais pela (já citada) escolha de seu protagonista. Imaginar Paul Walker fazendo outra coisa que não um tira com problemas de identidade e motivação é um exercício de futilidade tremendo, tão óbvio que assustaria se não ocorresse assim. Sua figura é tão associada a esse comportamento que a simples aparição dele remete a esse arquétipo. As poucas variações disso dentro do filme incluem uma vingança pessoal que o agente da lei quer executar. Em suma, tais coisas servem de pretexto para inserir algumas cenas de ação, perseguição física e em estradas, repletas de efeitos em slow motion, cuja qualidade é bastante interessante – ao menos.

    O corpo policial de Detroit é deveras corrupto, e o modo como isso é abordado é caricato de um modo singularíssimo. Lino consegue prender o narco-traficante Tremaine (o rapper RZA) e levá-lo até uma emboscada, somente para, ao chegar lá, perceber que ele havia comprado os agentes da lei antes. Todo o estratagema é tosco, e só piora com as conexões que este plot faz com a trajetória de Collins. O outro lado da história mostra que Tremaine tem em mãos uma poderosa arma de destruição em massa, que tem um timer de apenas dez dias para ser desativada. Os caminhos de Lino e Collier se cruzam, mas antes que eles possam tornar-se amigos inseparáveis, o fora da lei e o infiltrado se metem numa pequena disputa, cujo motivo da desavença é uma mini-van, mostrando que o sonho do suburbano atinge também os astros do cinema pipoca.

    Em pouco tempo, Damien se vê sozinho, sem auxílio por parte de nenhum dos seus, em meio ao temido décimo terceiro distrito, uma enorme favela, separada do resto da cidade por um muro gigante, um lugar tão “barra pesada” que não existe qualquer ação de governo que não seja ligada ao poder paralelo. O lugar é invisível aos olhos do resto dos cidadãos, a não ser dos que mandam Collier atrás da tal arma.

    É nesse castelo caótico que a amada donzela em perigo está. Lola (Catalina Denis), ex-namorada de Lino, está sob o poder de Tremaine, como sua refém, que eventualmente pode servir de moeda de troca. É curioso como a trama se movimenta a partir deste ponto, pois o que falta de sutileza na relação entre policiais corruptos e traficantes, sobra por meio da ambiguidade no discurso de Tremaine, que acredita veementemente ser um Robin Hood do gueto, somente dando um pouco de alívio através das substâncias que comercializa, para aqueles que são sumariamente ignorados pela elite branca (sic) e que sofrem com as mazelas sociais e econômicas, das mais básicas até as especiais. Esta, como outras mil histórias, possui dois (ou mais) lados, uma pena que o esquizofrênico roteiro só tenha se dado conta disso após mais uma hora de execução.

    As sequências de luta após isso se repetem um pouco. Nem mesmo em seu ponto mais forte o filme consegue imprimir algum ineditismo. É legal notar que qualquer discussão ou conflito, por mais espinhoso que seja, pode ser resolvido na porrada, inclusive a disparidade de renda e o abismo social que existe entre as classes dominantes e os marginalizados.

    A ideia de trazer a Revolução Francesa a um patamar mais atual não funcionou em B-13 e é pior neste, apesar das belíssimas intenções. Tudo neste final parece uma piada de mal gosto, com as transformações piegas dos antigos vilões dumau em belos contribuintes da sanidade da cidade. Brick Mansions é difícil demais de engolir, especialmente se o receptor for adulto, e dada a violência dele, este também não seria um produto para crianças. A que público a história se destina prossegue um mistério, talvez a um que não se importe em acompanhar algo que ofenda a sua inteligência no escurinho do cinema.

  • Crítica | Fúria

    Crítica | Fúria

    Tokarev-Film-Poster

    Nos últimos anos, no interior de seus personagens, Nicolas Cage tem sido um defensor da unidade familiar. Em Reféns (de Joel Schumacher) tenta defender a família de um grupo de assaltantes dentro de sua própria casa; luta por justiça após o estupro da esposa em O Pacto; e, contra o tempo, busca salvar a filha de um sequestro em O Resgate. Mesmo fora do escopo de ação, na animação Os Croods, dublou o pai de família preocupado com os perigos da pré-história.

    Tentando reconquistar o merecido prestígio como herói de ação na década de 90, Cage estrela mais uma produção do gênero sem desprender-se da preocupação familiar. Em Fúria (também conhecida como Rage ou Tokarev), Paul Maguire é um homem com um passado sujo, devido a um envolvimento com o mundo do crime, mas que tenta viver atualmente de maneira honesta como um empresário empreiteiro. Após o sequestro da sua filha, Maguire se vê obrigado a retornar ao seu passado obscuro e a cobrar favores, acreditando que o desaparecimento da garota foi orquestrado pela máfia russa. Isso porque as balas encontradas na cena do crime pertencem a uma arma tradicionalmente utilizada pelos russos, a Tokarev do título.

    A ação centrada em uma trama com um único propósito assemelha-se com as grandes produções da década de 80, em que personagens munidos de violência por um objetivo maior realizavam uma baixa agressiva de bandidos, seja à procura de entes familiares desaparecidos, seja por pura vingança. A ausência de cenas coreografadas, ou de destaques na estética luta corporal, demonstra a intenção de retomar um estilo narrativo anterior. São cenas simples e diretas, com uma dose de violência que estabelece verossimilhança sem o exagero de sangue contemporâneo.

    Tentando reconquistar o carisma como um bom ator – desintegrado nos últimos anos por filmes mal desenvolvidos e interpretações rasas –, Cage evita excessos caricaturais anteriores, mas não é capaz de modificar o paradigma de sua interpretação costumeira. Entre gritos impositivos e cenas exageradas de drama, o ator tenta demonstrar capacidade cênica, porém parece preso ao estigma – e à dúvida – de um ator que um dia foi considerado bom e que, hoje, parece recorrer a uma gama curta de recursos dramáticos e cênicos.

    A simplicidade narrativa e a tentativa do ator em ser demasiadamente neutro demonstram o pouco fôlego da produção. Ao mostrar o personagem em uma perseguição aos prováveis sequestradores de sua filha, a história não consegue aprofundar-se em um dilema moral traumático de uma figura violenta – como em Marcas da Violência de David Cronenberg –, nem ser funcional como trama de vingança em virtude de um papel central que não parece, de fato, aflito com o desaparecimento da filha. O passado obscuro do personagem recorre aos clichês eventuais envolvendo máfias e organizações de cunho duvidoso, um elemento que nem mesmo causa apreensão ou um senso de peliculosidade.

    Se Fúria não peca por excessos plásticos, também não demonstra habilidade em fazer bom uso da simplicidade temática. Se qualifica como enredo de ação transitória que pode promover o divertimento, mas que logo será deixado de lado pelo espectador após a exibição do filme. Ao repetir o mesmo estilo de personagem nos últimos anos, Cage insiste em resgatar um passado que parece não mais retornar. Talvez seja o momento para procurar outros papéis diferentes do costumeiro conforto interpretativo, compor novos desafios, e conquistar, ao menos parcialmente, o requinte do ator que já logrou uma estatueta dourada.

     

  • Crítica | A Pele  de Vênus

    Crítica | A Pele de Vênus

    A Pele de Venus - poster br

    Passear por campos até então inexplorados é um dos muitos deveres que os grandes artistas devem exercer. O pioneirismo como atitude é algo cada vez mais raro no cinema, mesmo entre os grandes nomes da direção. Talvez esse seja um dos principais valores da filmografia recente do polonês Roman Polanski, que, após a sua controversa proibição de pisar em solo americano, especializou-se em adaptar peças teatrais, como havia feito com Deus da Carnificina, em 2011.

    Adaptado da peça de David Ives, que por sua vez usou como base o romance de Leopold von Sacher-Masoch, A Pele de Vênus tem como plot principal uma proposta metalinguística de reunir em uma noite louca o dramaturgo e diretor de teatro Thomas (Mathieu Amalric), que sofre de uma variação de “depressão” que o faz enxergar-se sozinho em meio à tentativa de fazer algo inteligente ao abordar um clássico. Quando está só no teatro, é invadido pela presença da voluptuosa Vanda (Emmanuelle Seigner), que em toda a sua sapiência acredita ser o cast perfeito para o papel principal da peça unicamente por ter o mesmo nome que o do personagem. Após muito insistir – e se insinuar sexualmente – ela consegue convencer Thomas a dar-lhe uma chance de demonstrar seu talento.

    Thomas até parece-se fisicamente com Polanski quando mais novo, especialmente por seu biotipo em Dança com Vampiros. Os verborrágicos diálogos tem um cunho tão surreal que levam o humor para um lado nonsense do riso, variando entre o constrangimento alheio e a busca de um objetivo impossível à primeira vista. A inteligência do texto consiste em transitar de momentos cômicos para dramáticos em questão de segundos e ainda assim permanecer crível. Logo no início, nota-se que o dedo do diretor é mais presente nesta produção do que em Deus da Carnificina.

    De modo natural, a conversa entre Vanda e Thomas toma um viés mais pessoal, discute a vida pessoal do dramaturgo, e toma polos opostos, como a famosa figura das artes e o ser humano falho, que precisa de coisas tão corriqueiras e universais quanto a busca pelo amor e a fidelidade ao sentimento, pondo como parâmetro a representação da musa e a facilidade com que um selecionador de elenco se disporia em se tratando de acesso ao sexo.

    A alma do artista é, em essência, algo inescrutável, difícil de descrever e difícil de entender. O mesmo campo que envolve a criatividade incorre também na vaidade, e manter uma distinta da outra é algo cuja dificuldade é enorme, por vezes até impossível. Por exercer um trabalho solitário, Thomas se sente o mais incompreendido dos homens, e ao menor sinal de um comentário elogioso, ele baixa a guarda e começa a mostrar que os seus temores são muito menores do que o seu talento. Ele facilmente prova a sua boa essência, quase não se esforçando em sua passagem de texto, quando sua capacidade como ator é experienciada. No entanto, sua insegurança ainda existe, quando o sub-texto de sua adaptação é discutido.

    O conflito entre os intérpretes excede o paradigma das palavras e é posto em prática por meio da encenação de trechos de A Pele de Vênus, em que as sensações de Thomas são muito testadas pela tentação que se conclui das curvas e da pele de Vanda. O amor enquanto relação carnal é elevada à condição de poder, e as palavras do roteiro se confundem na boca do emissor, não se decidindo entre a relação ser uma demonstração dramatúrgica ou um sussurro de sua conflitante alma.

    O distanciamento que Thomas tem de sua cara-metade é tamanho que ele só permite dizer o nome dela após decorridos quase dois terços de exibição. Após isso, uma cena que remete a uma entrevista psicanalítica aos poucos vai se formando, e apesar de a referência não ser de difícil análise, o modo como as peças se movem até chegar ao ponto correto é plenamente cabível, e até mesmo surpreendente.

    O último ato serve para ratificar a insegurança do autor ao ver que as suas ideias funcionam muito bem no papel e não tem o mesmo êxito quando ditas pela boca de um ator. As impossibilidades que entravam a relação entre dramaturgo e intérprete ganham novos ares e capítulos de maior contenda, com conflitos que invertem os arquétipos de autoridade e submissão. O modo como o roteiro lida com o discurso de igualdade entre os gêneros é curioso por não ser panfletário em momento algum, pelo contrário, mostra toda a guerra dos sexos de modo prático, sob um pretexto dos mais ardilosos.

    A condução que Polanski dá a película não trata só do (ótimo) texto original, uma vez que sua fita é muito fiel ao original de von Sacher-Masoch,sem precisar se ater a fórmula original. A ferramenta metalinguística que David Ives pensou e que foi redesenhada para o filme junto a Roman funciona perfeitamente, inserindo o espectador dentro da trama e convidando quem a assiste a experimentar as mesmas sensações de Thomas e Vanda, sem apelar para clichês como a quebra da quarta parede. Todo o estratagema metafórico é sutil nesta abordagem enquanto é volúvel nas questões “pecaminosas”, fazendo de A Pele de Vênus uma tentação para os sentidos humanos.

  • Crítica | Sétimo

    Crítica | Sétimo

    setimo

    A vista aérea sobre a capital Buenos Aires já evidencia que Sétimo (Séptimo) será um filme sobre a urbanidade, sem necessidade de fala alguma. Os informes de rádio servem à história como uma espécie de narração, mostrando o quão megalomaníaca e cruel pode ser a paisagem cinza e o quanto ela é poderosa, esmagando sem dó os homens que a habitam. Patxi Amézcua dirige seu segundo filme, tendo o onipresente Ricardo Darín encabeçando o seu elenco.

    Darín faz Sebastián, um sujeito ordinário, com problemas conjugais mas que ama absurdamente o seu casal de filhos. A disputa pela atenção dos infantes com sua ex é enorme, e ganha através de um simples aviso da amarga mulher, que pediu para que não deixasse eles correrem na escada do prédio, por motivos banais, destes não se ferirem. No entanto as crianças somem e Sebastián começa a procurá-las. Nas ruas, as câmeras de segurança filmam a vigilância do pai, que aos poucos vai perdendo a paciência e vai vendo este sentimento tornar-se temor.

    Tentando não se apavorar, Sebastián procura pelo prédio, onde fala com os funcionários e o síndico. Neste momento o personagem dá mostras de que não é uma pessoa tão “querida”, já que teve um entrevero com o síndico, mas mesmo com isto, o senhor, que é policial, o auxilia, chamando a atenção do departamento para o caso e aconselhando o protagonista a arrumar dinheiro, pois podem te-los raptado. Gradativamente o desespero do pai vai aumentando e tomando-o de assalto, ele passa a agir violentamente, sem muito pudor ou gracejos, chegando até a invadir a casa de seus adjacentes. A situação piora quando seu superior liga para ele exigindo sua chegada, ameaçando-o com um “tudo acabará caso se perca este caso”.

    Ao saber do desaparecimento, Delia (Belén Rueda), a mãe dos meninos, chega ao edifício em polvorosa, primeiro preocupada, depois, acusa uma conhecida de cooptar as crianças, as acusações sobram até para seu ex-marido. A desolação leva a dupla a se sentir impotente, quanto mais o tempo passa maior é a tortura e o destempero da alma, decorrente da desolação de nada poder fazer para reaver a segurança de seus filhos.

    A paranoia toma conta do comportamento do inconsolado pai, à procura por qualquer possibilidade de um responsável pelo ato. Ele vasculha cada possibilidade, por mínima que seja, a fim de achar seus rebentos, e dado um momento as suas suspeitas recaem até sobre o policial. Suas atitudes são drásticas e quase o põem em uma situação de cárcere, mas mesmo aqueles a quem agride entendem o seu drama e seu nervosismo. Os momentos em que Sebastián precisa suplicar por ajuda são filmados de modo diferente, com a lente viajando pelo ambiente com uma movimentação contínua, de um lado para o outro, como se seu pedido fosse negado antes mesmo de ser concluído.

    O desalento de Sebastian é enorme após se dar conta de quem foi o mandante do sequestro. O que antes era apreço e amor torna-se em desprezo, ainda que a urgência por agarrar o vilão improvável seja muito maior que qualquer desesperança e decepção. O desencantamento de Sebastian rapidamente dá lugar a vontade de restituir sua família, e claro, seu direito de guarda dos pequenos. Ele segue inabalável, até o instante anterior a entrar em seu carro, já de posse dos meninos, onde ele até ensaia uma ação mais emotiva, para ficar somente na ameaça, já que ele volta a austeridade, a cabeça fria do homem moderno, do fruto da cidade cinza e das luzes vermelhas, que tomam a cidade enquanto a noite se aproxima.

  • Crítica | Bem-Vindo a Nova York

    Crítica | Bem-Vindo a Nova York

    Bem-Vindo a Nova York

    “Eu não tenho a menor ideia do que significa possuir um bilhão de dólares.”

    Mas a cadeia alimentar não poupa nenhum de seus extremos. É plenamente injusta, principalmente com os intocáveis, mas encontra seu prazer máximo na ilusão de sua justiça. Lá de cima, tudo parece simples. O tudo não é de quem pode comprá-lo, mas de quem sabe chegar lá colocando a força nos lugares certos (Na selva, se eu ganhei porque você me deixou ser melhor, por que eu deveria ter pena de você? Quando o Sr. Devereaux estupra a camareira do hotel onde ele está hospedado, é apenas a camareira que quer saber a resposta. Ele é maior, mais forte, mais rico, e principalmente: Ele é um “homem”. Rei da selva que construiu para si! Ele não PRECISA ter pena de um subalterno). É tudo uma questão de necessidade. Motivação? Não há viagra, música ou livro de autoajuda que ensine onde colocar a intensidade de nossas pretensões, e a diferença entre um turbilhão e uma espiral é sempre a intensidade. Ainda é tudo uma questão de necessidade. O cinema ensina isso a quem ousa realizá-lo, e ensina sem precisar do aval de um subalterno. Uma vez que o cineasta, nós podemos concluir, é o mais corajoso dos artistas, um dos maiores em atividade, Abel Ferrara, aprendeu e agora ensina a desconstruir estudos e quebrar limites em prol de uma crueza que poucos sabem como construir ao longo do processo. Ao longo da explicitude do lado grotesco de um mundo grotesco, do nu artístico em um filme totalmente real, atual, e 100% necessário.

    A produção começa e termina com o rosto de um monstro – muito bem vestido, como qualquer monstro que se preze. Ferrara não entrega um filme tão forte e de impacto humanitário tão denso e descortinador desde Os Chefões, obra-prima extremamente desvalorizada (feito todos os seus grandes filmes) e que após 45 segundos exatos, o filme já conquista qualquer um. Essa é uma semelhança que o trabalho aqui analisado resgata consigo através da percepção de cada um que se permite entrar de cabeça no universo das consequências do poder. O filósofo Aristóteles afirma que a única classe na sociedade que contém as virtudes para criar uma política estável é a classe média, de indivíduos nem ricos, nem pobres, o que diminui a chance de revoltas. Lindo, mas Ferrara não tem tempo pra isso, e expõe com falsa instabilidade, e sem filtros ou camisinha, a demagogia de si e para si de quem carrega o poder sem lembrar, a partir de certo ponto de deslize ético, da responsabilidade desta carga tão pesada.

    A tanto, o filme é realista ao ponto de invocar técnicas de documentário, atiçando o que nos parece certo ou errado num sentido sensorial mais direto, declarado e transparente. Também é honesto dizer que os filmes de Ferrara não diminuem seu impacto vistos na menor tela possível, apesar desta ser uma excursão triste com qualquer um de seus filmes, feitos para escandalizar os mais controlados, e fazer sair de uma sala de cinema os mais sensíveis.  A ressaca após assistir Welcome to New York nos dá as boas-vindas por várias cortesias do que é explícito na projeção, ou seja, tudo. Desde a atmosfera maldita e decadente que nos absorve, a falta de luz para ilustrar a falta de cores de um mundo preto e branco, onde os rostos se iluminam, mas só a superfície é visível, e nada mais, até o chorume saltar pra fora do lixo, quando este é chacoalhado. Extraindo valor do vulgar, do obsceno, do “isso não deve ser mostrado”, Ferrara vai comandando seu show, tão à vontade investigando com um microscópio o universo do dinheiro, que seu DNA pode facilmente assombrar quem nunca sentiu o efeito do seu poder. A imprevisibilidade do cineasta é personificada em Gérard Depardieu, a melhor parceria de Ferrara desde os tempos com Christopher Walken e Harvey Keitel. Um filme com esses três atores juntos seria uma bomba de hidrogênio.

    Depardieu realiza uma composição que no cinema moderno só pode ser comparada a de Joaquin Phoenix por seu trabalho em O Mestre, de Paul Thomas Anderson. O veterano ator francês encarna a forma de loucura mais pura: A loucura que se cria e se alimenta. A loucura num mundo louco por si só, impregnada pelo realismo que as relações humanas evocam. O filme é Depardieu, no papel de uma versão piorada de Tony Soprano, de um Alex de Large idoso, cansado de uma vida inteira devotada a ambições e tentações sem fim, numa mistura heterogênea de Laranja Mecânica e O Lobo de Wall Street. Welcome to New York é um filme que jamais poderia ser realizado em Hollywood, sendo os exageros e a dança estética do filme de Martin Scorsese o máximo que é permitido para não despertar a cólera dos personagens de Depardieu que existem no mundo real, no campo de batalha norte-americano. É perigoso criar um filme com a força de uma produção de Pier Paolo Pasolini, ou também em termos atuais, de Ferrara. No feito do último, não há nenhum Leonardo DiCaprio para abrandar o chorume com perfume francês.

    Até que ponto o Cinema pode ser um reflexo e até que ponto o mesmo deve ser real, é um limite que a crítica não pode ditar. Pois, sejam nas confissões das personagens (cúmplices um do outro), que não chegam a humanizar o monstro (decisão óbvia demais, seria essa), ou na câmera que invade feito um fantasma a intimidade esquizofrênica de dois seres que não se importam de ser cada vez menos humanos e mais animais, a questão ainda é de necessidade. Se nem o artista precisa julgar o modo e os fatos de sua investigação, ao final, quem somos nós pra fazer isso? Nós somos a empregada doméstica da última cena, realmente. A ignorância é uma benção!

  • Crítica | Um Milhão de Maneiras de Pegar na Pistola

    Crítica | Um Milhão de Maneiras de Pegar na Pistola

    Um Milhão de Maneiras de Pegar na Pistola

    Seth MacFarlane está em alta em Hollywood. Depois de emplacar 12 temporadas de seu programa mais famoso Uma Família da Pesada, nove de American Dad e quatro do cancelado Cleveland Show, além de dublá-los e produzi-los, passou também a produzir outros programas, como a nova versão de Cosmos para a TV, além de apresentar o Oscar de 2013 e tentar vida nova no cinema com o mediano Ted. Em 2014, chega às telas sua nova produção, com o título traduzido de forma pouco inteligente: Um Milhão de Maneiras de Pegar na Pistola.

    O filme conta a história do pastor de ovelhas e fracassado Albert (MacFarlane), deixado por sua namorada Louise (Amanda Seyfried), que resolveu ficar com o emplumado Foy (Neil Patrick Harris). Para ajudá-lo, estão seu amigo Edward (Giovanni Ribisi) e respectiva namorada – e também prostituta do bordel local , Ruth (Sarah Silverman). Porém, tudo se complica quando a gangue de vilões liderada pelo bandido Clinch (Liam Neeson) esconde sua esposa Anna (Charlize Theron) na cidade, o que acaba aproximando-a de Albert.

    Quem acompanha a carreira de MacFarlane já conhece seu estilo de humor recheado de referências à cultura pop e de uma acidez que muitas vezes é incompreendida dentro do contexto que cria. Porém, se essa fórmula garantiu o sucesso de seus programas na TV – que já mostram um desgaste -, no cinema ela patina para engrenar. Apesar de Ted garantir algumas risadas, a estrutura rápida, que garante o sucesso do produtor em programas de 30 minutos na TV, teve dificuldades no cinema, em especial no confuso terceiro ato. Em Um Milhão de Maneiras de Pegar na Pistola o problema é ainda mais grave.

    A premissa básica da comédia do filme é o protagonista Albert ser uma pessoa com linguagem moderna no Velho Oeste americano, onde pessoas morrem por qualquer motivo devido à baixa qualidade de vida, além da extrema violência, da época e local. E por alguns minutos conseguimos esboçar uma reação positiva a este argumento. O problema é que ele é repetido durante todo o filme, com um jargão digno de A Praça é Nossa (“as pessoas morrem na feira”), juntamente com um amontoado de piadas escatológicas totalmente gratuitas sobre sexo e funções corporais. Neil Patrick Harris, em uma cena, tem uma diarreia e usa um chapéu para se aliviar. E a cena se estende, por vários minutos, causando talvez mais vergonha ao ator do que ao espectador.

    Também constrangedora é a cena em que há um fan service sem propósito algum para a história: Albert abre uma porta de um celeiro à noite e dá de cara com Christopher Lloyd interpretando o lendário Dr. Emmett Brown, de De Volta para o Futuro, preparando o DeLorean dentro da trama do terceiro filme da trilogia. O fato de De Volta para o Futuro III se passar na Califórnia em 1885 e Albert estar no Arizona em 1882 tem importância? Aparentemente, não.

    Além de Christopher Lloyd, podemos ver outras participações, como Jamie Foxx interpretando Django Livre novamente, ou Bill Maher fazendo um comediante stand up com piadas do Velho Oeste; e também Ryan Reynolds, cuja ponta em Ted foi engraçada – ele tem um histórico de pontas em Uma Família da Pesada, então o colocaram ali. Mas sem importância. Porque praticamente toda a linha humorística do filme se resume somente à escatologia ou referências à cultura pop sem qualquer tipo de relação com a história ou os personagens. Sequências inteiras saem do nada e terminam em lugar nenhum, como a perseguição do bando de Clinch a Albert, ou quando o segundo é capturado por indígenas que usam drogas e falam como drogados urbanos (porque não há nada mais engraçado do que um drogado, né?)

    O que é ainda mais impressionante é a excelente qualidade técnica do filme. A fotografia está impecável, assim como os planos muito bem enquadrados, o set, o figurino e o som. Tudo funcionando perfeitamente, mas com esse imenso potencial desperdiçado, pois não há nada na história que justifique tamanho investimento técnico.

    Fica então a dúvida: se MacFarlane é um talento passageiro ou adequado somente ao formato da TV. No cinema, as apostas (e exigências) são mais altas. E até aqui, ele está devendo. E muito.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Muppets 2: Procurados e Amados

    Crítica | Muppets 2: Procurados e Amados

    Muppets-Most-Wanted-Poster

    Quando um filme hollywoodiano faz sucesso, é natural que ele se torne uma franquia, com repetições do que deu certo no primeiro episódio, com mais exagero, convites a celebridades e roteiros sofríveis de repertório pobre e sem ineditismo. A introdução musical de Muppets 2, de James Bobin – o mesmo diretor do filme de 2011 -, brinca com essa questão, usando o artifício como recurso metalinguístico. Na verdade, isso é um pretexto para, como diriam os textos de Monty Python, ir para algo totalmente diferente. Os fantoches que estão de volta à ativa resolvem, aconselhados por Dominic Badguy (Ricky Gervais), partir em turnê mundial para aproveitar a fama recém-adquirida, mesmo sob os protestos de Walter, único remanescente dos protagonistas criados em 2011.

    Logo de início, percebe-se que as intenções de Badguy não são boazinhas e que algo ruim se aproxima da trupe de animais e criaturas de feltro cantantes. Aos poucos, Dominic assume o papel de liderança que sempre foi de Caco, O Sapo (ou Kermit para os americanos). Sua confiança é abalada, e a voz de comando vai decaindo com o tempo. Até o seu bom senso é avariado, assim como a autoestima do personagem. Em Berlim ele cai em uma cilada, onde é confundido com um bandido chamado Constantine, que toma o seu lugar sem levantar maiores suspeitas – a não ser em Animal e Walter – e que demonstra ter uma egocentrismo desnecessário, fazendo sempre questão de demonstrar estar acima de Dominic, a quem chama de Número 2.

    O espetáculo feito no teatro de Berlim serve de fachada para acobertar o roubo das peças de arte de um dos museus. A partir daí, a Interpol e a Cia se envolvem nas investigações lideradas por Jean Pierre Napoleon (Ty Burrell), pelo lado europeu, e por Sam, a Águia, ocasionalmente medindo forças e tamanhos distintos, unicamente para achincalhar a xenofobia dos estadunidenses e reforçar as diferenças de lidar com crimes entre ambas as culturas. A competição é sempre estimulada no roteiro de Nicholas Stoller e Bobin.

    A trama acaba se dividindo em núcleos, mas eles não se rivalizam em importância, uma vez que continuam interessantes por toda a extensão da fita, especialmente quando servem de reflexão ao mostrar mundos ideais, como quando as duas partes do Sapo têm de fingir ser quem não são. Constantine se torna o par ideal para Miss Pig, respondendo positivamente, pela primeira vez, à possibilidade de casamento – ainda que não a engane totalmente -, enquanto Caco tem de se se virar em uma prisão na Sibéria, onde tem contato com Nadya (Tina Fey), que, aos poucos, faz o Sapo ter sua confiança de volta para realizar um número musical – as partes cantadas continuam impressionantes do ponto de vista técnico.

    Walter finalmente descobre o ardil dos malfeitores e comunica o problema a Fozie, o Urso, mas é tarde, pois logo é descoberto por Dominic e Constantine e jogado no frio da Sibéria para morrer à míngua. Antes do grande roubo, o falso Sapo decide pedir Miss Piggy em casamento, em pleno show, para ter o álibi perfeito. É brilhante o modo como os ladrões conseguem elogios da crítica, usando anedoticamente a prática de suborno a profissionais de comunicação para conseguir páginas positivas. O humor é uma boa maneira de fazer críticas, mas sem ser necessariamente ácido.

    O último ato guarda surpresas tremendas, com elementos de filmes de assalto, de superespião e, claro, muito romance. Mesmo uma questão conflitante, como o casamento arruinado entre o Sapo e sua amada, é tratada como um momento edificante dentro da jornada de Caco pela sua restauração enquanto figura artística. Alguns twists são ensaiados próximos ao final, mas nenhum deles se conclui.

    Se a mensagem do filme anterior, estrelado por Jason Segel, era de ressurreição de mitos, este de 2014 fala basicamente do quão valorosa é a união entre os iguais e o quão indispensável é uma amizade verdadeira. Comparando os dois roteiros, este é bem menos incisivo e crítico do que o primeiro, o que reafirma as sentenças ditas logo no início. Apesar de possuir um pouco mais de alma do que as continuações caça-níquéis comuns, Muppets 2 – Procurados e Amados sofre muito sem o carisma de Segel. Sua falta é muitíssimo sentida e faz deste um espécime ordinário na filmografia dos famosos e infames fantoches.

  • Crítica | Temporada de Caça

    Crítica | Temporada de Caça

    killing-season

    Um grande drama para um ator veterano é conseguir trabalhos quando a velhice se aproxima e a beleza vai rareando. As possibilidade de papel tendem a ficar escassas, fazendo muitos artistas entrarem para o filão dos filmes de ação, especialmente quando estes já protagonizaram tais fitas. Longe de ser um brucutu indiscutível, John Travolta teve seus bons (A Filha do GeneralA Outra Face) e maus (A Reconquista) momentos dentro do gênero e faz Emil Kovac, um ex-agente sérvio em busca de vingança  praticamente invertendo a máxima de Dupla Implacável, filme no qual era um americano em terras estrangeiras, para ser um europeu nos Apalaches.

    A outra ponta do certame é o ex-militar de nome sugestivo Benjamin Ford, interpretado por Robert De Niro, que, perto de seu companheiro, atua de forma sóbria. O forçado sotaque de Travolta remete às muitas nuances de Tony Ramos ao interpretar gringos em folhetins globais, além de exercer uma faceta muito soturna, sempre lançando mão de capuzes e capas para amedrontar quem puder. Os dois opositores são inversamente proporcionais, pois Kovac é frio e só pensa em ação, enquanto Ford é passional, além de esconder um pequeno drama familiar ligado a sua ausência como pai. No entanto, nem o seu treinamento prévio o faz ficar desconfiado ou estranhar a aproximação de um estrangeiro suspeito.

    São levados à tela, o tempo todo, signos que remetem à caça, já que havia uma temporada aberta e um estava caçando o outro. Kovac, com todo o seu comportamento invasivo, faz  uma entrevista com seu inimigo, e eles ficam se curtindo em um enorme diálogo, encarando-se mutuamente, como se algo especial fosse acontecer, ainda que qualquer possibilidade de suspense seja cortada pela clara inabilidade do diretor Mark Steven Johnson em criar tal aura; ao invés disso, mergulha-se no drama familiar de Benjamin. Este seria um filme de atores que se apoiaria no talento de Travolta e De Niro, mas o roteiro não colabora para tal.

    A fita até parece ir por um lado pouco usual, talvez até emotivo, mas tal tentativa é cortada pela ação que finalmente acontece em uma perseguição pela floresta. As escolhas de Johnson são corajosas, uma vez que ele não esconde o seu monstro, e aproxima-o do alvo, quebrando um paradigma que geralmente é respeitado. Mas fora isso, a sequência possui muitos problemas. O assassino balcânico mostra uma superioridade sobre o já combalido americano, que se vê em uma posição de frágil presa, desconstruindo o arquétipo de macho alfa que o ator costuma fazer. Há poucos momentos em que ele se recorda dos bons tempos, e mesmo quando estes parecem empolgar, são cortados por cenas sem alma ou conteúdo. O desmotivado soldado aposentado chega a fazer às vezes de Rambo e MacGyver, pondo para fora o seu instinto de sobrevivência, buscando forças internas para estar disposto para o duelo com Kovac.

    Há uma tentativa honesta e bem intencionada de mostrar uma história triste, de genocídio e irresponsabilidade por parte dos americanos, mas o que deveria ser tocante fica risível graças à completa falta de sutileza na abordagem da história. Kovac varia de personalidade, algumas vezes mostrando uma honradez irretocável, e em outras sendo um simples sociopata capaz de ameaçar até mesmo a família de seu inimigo, igualando-se àqueles que tanto criticou.

    O quadro político desenhado nos discursos de Ford é ruim, tão mal feitos quanto à sua tortura estúpida e à calvície mal coberta de Travolta. Mesmo os momentos em que se esperam apenas boas sequências de ação descompromissada, o gozo é cortado com cenas mal pensadas, executadas de modo vergonhoso para os atores. O filme todo é um enorme exercício de vergonha alheia, para os que têm uma carreira interessante, e de repetição para a já malfadada trajetória do realizador. O jogo de gato e rato tenta equilibrar o duelo, mas não o faz de modo interessante. O final é doce, ao contrário do resto do filme, mas é tão mal construído que faz sentido dentro da proposta apresentada nos longos 80 minutos de extensão da fita.

  • Crítica | Expresso do Amanhã

    Crítica | Expresso do Amanhã

    Expresso do Amanhã

    Os filmes sobre futuros pós-apocalípticos já constituem um gênero próprio no cinema. Por inúmeras razões diferentes, o planeta Terra já foi destruído e deu origem a diversas histórias sobre seus sobreviventes. Baseado na graphic novel francesa Le Transperceneige – escrita por Jacques Lob, Benjamin Legrand e Jean-Marc Rochette –, Expresso do Amanhã é o mais inventivo e surreal exemplar surgido nos últimos tempos.

    Dirigido pelo coreano Bong Joon-ho, responsável pelo maravilhoso O Hospedeiro, o filme tem como ponto de partida uma catástrofe ambiental que ocorre após um experimento fracassado que tinha como finalidade acabar com o aquecimento global e acabou dizimando praticamente toda a vida do planeta. Os poucos sobreviventes do evento cataclísmico vivem a bordo do Snowpiercer, um trem que roda todo o planeta em ciclos de 365 dias. Dentro da composição, há um desigual sistema de classes sociais em cada vagão. Porém, a classe mais pobre, que habita os vagões de trás, não está nada satisfeita com as condições que lhes são impostas e prepara uma revolução.

    Geralmente, existe uma certa dificuldade em unir estilo e conteúdo. Bong Joon-ho consegue com maestria essa união. O coreano é um craque e alguns diretores hollywoodianos deveriam aprender com ele. Na sequência da batalha com os encapuzados de machadinha, Joon-ho faz um magistral uso da câmera lenta sem em nenhum momento diluir a brutalidade do momento. Minutos depois, filma de maneira crua o prosseguimento da luta, usando o ponto de vista dos homens de capuz e seus óculos de visão noturna. Mais ainda, o diretor consegue transformar o trem em um personagem do filme, em vez de fazer dele um simples cenário. Outro ponto positivo é que em nenhum momento as emoções dos personagens são negligenciadas e nenhum close é gratuito. Tudo isso é filmado em um constante clima claustrofóbico.

    A cenografia do filme é muito interessante. Cada vagão tem uma “personalidade própria”, mesmo os mais simples que aparecem logo no início. Alguns são muito curiosos e belos, como o “vagão aquário” e o “vagão horta”. Entretanto, aquele que representa uma escola é especialmente perturbador. Os mais abastados são dotados de luxo, porém retratam a decadência da alta sociedade, numa clara analogia ao mundo real.

    O elenco do filme também é ótimo. Chris Evans faz o líder hesitante da revolução, em uma interpretação contida, mas marcante. Destaque para a cena em que ele expõe o que acontecia no trem no início da viagem. O ator faz um monólogo repleto de emoção sem cair na pieguice ou na canastrice. O veterano John Hurt interpreta com a habitual competência um ancião habitante do trem que serve como uma espécie de líder dos mais pobres e mentor de Evans. Song Kang-ho interpreta o homem que criou o sistema de portas do trem e é mantido prisioneiro. Sua atuação é completamente alucinada, já que seu personagem se viciou em uma droga chamada Kronol. Porém, quando é necessário que o tom seja mais dramático, Song não decepciona. Sua filha Yona, também viciada, é feita por Go Ah-sung em uma atuação que se assemelha a de Kang-ho. Ed Harris e Jamie Bell, respectivamente o idealizador da locomotiva e o fiel escudeiro do protagonista, entregam interpretações competentes, ainda que diferentes. Enquanto o primeiro consegue expressar bem a megalomania de seu personagem, o segundo demonstra muito bem toda a inquietação e a melancolia de seu papel, capaz de sacrificar tudo por seu melhor amigo, o protagonista (Chris Evans). Mas, o maior destaque é Tilda Swinton. Irreconhecível como uma espécie de chefe de segurança do trem, sua interpretação caricata ajuda a ressaltar o quão doentia a personagem é.

    Com um roteiro interessante e surreal executado com maestria por seu diretor, Expresso do Amanhã talvez seja o mais criativo filme de temática pós-apocalíptica que apareceu no cinema nos últimos tempos. Ficção científica de primeiríssima qualidade que merece todos os elogios que recebeu.

  • Crítica | 3 Dias Para Matar

    Crítica | 3 Dias Para Matar

    3 Dias Para Matar

    Sem qualquer introdução ou preambulo, o filme começa anunciando designações de assassinato a Wolfgang Braun (Richard Sammel), um fugitivo alemão que já dá mostras do porquê de estarem em seu encalço, uma vez que ele tentar apagar logo no início o senhor Ethan Renner (Kevin Costner), um agente veterano, mas que ainda apronta peripécias mil, apesar de aparentar uma saúde debilitada. Seus inimigos se aproximam dele, e praticam atos dos mais cruéis com os seus aliados. Não há muita preocupação em disfarçar a ação desenfreada, como às vezes acontecia nos filmes de super espião, na verdade a toada de 3 Dias Para Matar é muito semelhante a Guerra é Guerra, filme anterior de MCG, onde a predominância era no exagero caricato, já que este era um pastiche assumido.

    A trajetória de Renner envolve uma lembrança desagradável, a de ser um pai ausente, sua preocupação maior é conseguir reatar relações com sua filha, incógnita no início da fita. Após o atentado a sua vida, ele resolve se refugiar em um dos seus antigos imóveis, na França, que foi empossado por Jules e sua família de malinenses. Apesar de não gostar da ideia, Ethan se compadece e permite a presença deles na casa, o que mostra que ele tem um belo coração. As escolhas do roteiro entre o sentimentalismo barato e o nada sutil plot de espionagem tornam o filme desequilibrado.

     A situação em que o espião está metido envolve uma ausência de saúde, seu corpo o sabota e ele está a beira da morte, e para corrigir seus pecados passados, ele aceita um serviço sujo. Vivi Delay (Amber Heard) lhe oferece uma droga que prolongaria os seus dias e ele é obrigado a se enfiar numa sequência de assassinatos cuja motivação ele desconhece, e até por isto, ele refuta o motivo deste serviço. A droga altera sensivelmente a percepção do idoso, fazendo-o ter alucinações. O retorno aos afazeres paternos dividem tela com os insights de Amber Heard em trajes sumários – não que isto seja motivo de reclamação, uma vez que a beleza da moça é algo ímpar, mas o guião em determinados pontos parece ter sido feito por esquizofrênicos.

    O cotidiano do protagonista varia entre capturas, torturas de bandidos e serviços de babá, onde Ethan tem de consertar seus erros com Zooey (Hailee Steinfeld), compensando os cinco anos de distanciamento. A variação de temas tem o intuito de deixar o filme leve, mas exagera na dose, pois mesmo as piadas jogadas quase nunca funcionam, sem falar que ter uma execução interrompida por uma ligação não é o melhor modo de agir enquanto trabalha-se disfarçado, mas, a cena serve para ao menos mostrar que as prioridades do herói estão divididas, e que apesar do passado, ele está procurando ser um parente mais atento às necessidades de sua herdeira.

    Ao menos com relação às cenas de ação, MCG demonstra uma evolução clara, as sequências são melhor executadas do que as de Panteras, fazendo até o público temer pela vida dos personagens, ainda que a empatia não seja tão grande. O carisma de Costner de papéis anteriores é o que mais angaria torcida para que o seu drama seja resolvido.

    O desejo do personagem principal é atingido e gradativamente ele reconquista o seu papel de direito dentro da família, ao mesmo tempo que seu envolvimento com os vilões também aumenta, mas como era de se esperar. Tal trama torna-se muito menos interessante que a vida pessoal dele, ainda que as perseguições e assassinatos sejam plasticamente interessantes. A sensação de que tudo é um pretexto bobo para apresentar mais e mais situações genéricas de spy movies não abandona o expectador em nenhum momento. O filme carece de substância e conteúdo, o que não impede que os pólos opostos da vida de Ethan se cruzem, num momento inusitado.

    Não demora para que sua antiga nova parceira Christine (Connie Nielsen) o indague sobre a promessa que fez, de não envolver a sua família nas complicadas tramas derivadas de seu trabalho, mas como era de se esperar, é impraticável para ele continuar na ativa e manter sua família distinta disso. Mesmo que a intenção seja a de discutir a  velha questão de família x trabalho, tal prerrogativa somente arranha a superfície. MCG não consegue conduzir uma trama mais emocional ou que dependa de algo além da pura e simples ação desenfreada. As questões de manipulação e de abuso de drogas, que poderiam ser exploradas não são, somente servem para apresentar uma vazia tentativa de redenção, que ao final, não se mostra concluída.

  • Crítica | Sleeping Beauty (2014)

    Crítica | Sleeping Beauty (2014)

    Hollywood é conhecida como o ponto máximo da elevação do sonho de fama, dinheiro e talento. Essa questão se estende para todo o cinema, e a busca incessante por tais coisas faz com que produtores lancem qualquer obra, especialmente quando esta pode ter seu nome atrelado a uma produção dantesca. Como 2014 seria o ano de lançamento do blockbuster de Angelina Jolie, Malévola, a produtora Asylum decidiu então usar do conto dos Irmãos Grimm para apresentar a sua ostentosa versão de A Bela Adormecida, ainda sem nome no mercado nacional, que conta com a direção do possante ator Casper Van Dien, a estrela de Tropas Estelares, que além de dirigir, ainda faz o Rei David.

    A história não guarda qualquer mistério para os que conhecem o clássico da Disney, ainda que o curioso roteiro de R. Dessertine e Van Dien contenha algumas ótimas mudanças. Para cortar custos, o anúncio do nascimento de Dawn foi ao ar livre, a mercê de qualquer ataque dos inimigos. A opositora, Rainha Tambria (Olivia d’Abo), se ofende por não ter sido convidada e ataca as mulheres que seriam as fadas madrinhas. As tais mulheres evaporam.

    Logo após a épica batalha, a princesa é mostrada na adolescência, onde é vivida por Grace Van Dien, (sim, o sobrenome não é uma coincidência), em uma cena onde a moça analisa o próprio quarto e toda a mobília barata (e pintada de dourado) que a compõe, nota-se a mão do diretor, com cenas filmadas em travelling, sendo o recurso algo banal, completamente desnecessárias à trama, mas que demonstram todo o domínio da linguagem que ele tem.

    Em um baile como outro qualquer, um jovem menino pede para dançar com a princesa e os felizes pais a deixam ir, sem qualquer reprimenda, e como todos os signos óbvios demonstram, ela é engodada pela feiticeira maligna, que além de fazer a mocinha dormir, ainda consegue fazer toda a corte cair em sono profundo. Após tentar assassinar seus desafetos, ela é impedida, pelo contra-feitiço que as fadas mortas deixaram. Tudo faz sentido, quando o guião é bem construído. Como esse não é o caso, as situações tornam-se engraçadíssimas, o que poderia ser atrelado a algo involuntário, mas se analisado o currículo da Asylum, todo o estratagema insano é justificável.

    Uma outra subtrama é apresentada após apenas 20 minutos de filme. O relógio avança cem anos no futuro, sem qualquer necessidade ou construção dramática – até por que esta não é a prioridade do conto. Barrow (Finn Jones) um camponês maltrapilho é mostrado como um homem sempre humilhado por sua majestade, até que tropeça em um mentor, que lhe conta a lenda da princesa adormecida e do seu reino, largado às traças e à maldição das fadas e das rainhas. Um novo chamado a aventura é logrado, de uma forma extremamente esdrúxula, unindo uma força tarefa totalmente heterogênea e incombinável.

    O que poderia ser um fiasco tremendo, se mostra um momento épico, pois o grupo, ao tentar passar por uma lagoa, cujas bordas estão pavimentadas, é atacado por um monstro reptiliano marinho gigante, feito com o melhor CGI que poderiam construir. A cena de combate é tão ruim que se torna o melhor momento da película até então. A partir daí tudo vira pretexto para combates loucos. Monstros camaleônicos cortam a cidade, a Rainha Tambria (que não envelheceu um dia, afinal, ela é poderosa) conclama zumbis de cavaleiros templários, e as ruas viram o cenário de uma tremenda batalha campal, ao estilo dos quadrinhos de Robert Kirkman. Mas nada impede o ganancioso Príncipe Jayson (Edward Lewis French) de avançar rumo ao cumprimento da profecia mal urdida.

    Repentinamente, o príncipe mal intencionado torna-se um zumbi-hunter de primeira categoria, vencendo seus inimigos e até instruindo seus asseclas. Quase dá para acreditar em sua integridade de espírito, até que, diante da possibilidade de pegar um tesouro, ele mostra seu real caráter, de um ganancioso senhor. Após isto, ele é pego em uma armadilha – seu status de anti-herói jamais é provado por completo, o plot é completamente esquizofrênico.

    A medida que avança, o grupo de aventureiros vai diminuindo, como se estivessem em uma partida de RPG das mais fracas. Barrow torna-se o paladino e líder do grupo, muito antes deles se reduzirem a apenas duas pessoas. Quando finalmente encontram Tambria, a questão da Princesa é completamente esquecida, para mostrar um casalzinho de vilões se unindo, para praticar toda a ruindade que as suas almas podres podem impingir a humanidade boazinha.

    A tosqueira segue solta. Quando Barrow se depara com um dinossauro maneta, ele ataca o bicho com uma pira acesa, que consome toda a pele de CGI do bicho, mas que é arremessada a metros de distância, enquanto é mostrado o monstro sendo queimado como se o impacto fosse a queima-roupa. A atuação do Paladino ao lado de sua alteza (que muda de lado outra vez) é brilhante, só é mais surpreendente do que a revelação de que Barrow é o Escolhido – e não, isso jamais havia sido aventado antes, é simplesmente jogado.

    A batalha final ocupa tanta a atenção da Rainha má, que ela sequer percebe o rapto da princesa enfeitiçada – Van Dien parece ter lembrando da linha principal do roteiro. Mais zumbis são levantados, e o dragão queimado e maneta volta a atacar, sem queimaduras e com seus braços de volta. Em um minuto, Barrow tem de enfrentar os monstros e até seus parceiros de jornada. Nenhum deles é capaz de enganá-lo, somente Tambria o faz, e depois de toda a luta, a malvada mulher ainda consegue arruinar seu próprio plano falho, ao não ficar de olho no seu opositor e ao abordar um inimigo, armado com uma espada, pelas costas.

    Após todo o aparato do final feliz, o reino inteiro ressuscita, os zumbis tornam-se homens, a família real, tudo volta aos conformes, como se não houvesse passado um dia sequer. O tempo avança em um ano, com o nascimento de mais uma criança, fruto do “amor” de Dawn e Barrow, para mais uma vez ter a entrada de uma intrusa. A Asylum é pródiga em trazer a luz filmes como este, geralmente com filmes de ação, mas nesse Sleeping Beauty o passo em direção a escrotidão suprema é bem maior, pelo descompromisso com toda e qualquer obra pregressa, pela presença de personagens insípidos e claro, pela péssima qualidade da história contada. É uma lástima que esse filme não ganhe as telonas brasileiras.

  • Crítica | Apenas Uma Chance

    Crítica | Apenas Uma Chance

    apenas uma chance

    Baseado na história do surpreendente cantor de ópera – e celebridade da internet – Paul Potts, o filme de David Frankel conta de modo detalhado toda a difícil jornada do solista rumo ao estrelato, sem poupar o público das mil situações constrangedoras que ocorreram em sua vida.

    O roteiro de Apenas Uma Chance é construído com a mesma estrutura de uma ópera, com todos os elementos tragicômicos de uma comédia em três atos, onde o personagem principal assume um papel épico e é acompanhado como se estrelasse uma espetáculo. Paul é mostrado como um rapaz perseguido desde sua infância, sofrendo bullying por ser gordo – condição que se repete por anos a fio. Ele cresce, e em sua vida adulta é interpretado magistralmente por James Corden. Porém, apesar de ter crescido, o rapaz mantém vivas as mesmas sombras que povoaram sua infância, como a total solidão, o pouco tato com as mulheres, decorrente da criação debaixo das asas da mãe, e o mais importante, a enorme paixão pelo canto lírico, que, obviamente servia como máscara para o seu eloquente talento.

    Impressiona como o conhecimento de mundo de Paul Potts é infantil. Suas ações são carregadas de ingenuidade, tanto em relação aos seus agressores como no relacionamento que tem com Julz (Alexandra Roach), uma namorada que ele pouco conhece e que o surpreende, quando o personagem se dá conta de que realmente é uma mulher. Tais papéis influenciam diretamente a sua perspectiva do que deveria ser a vida, e o motivam a buscar a realização de seus sonhos. Julz torna-se, então, a musa inspiradora de seu maior desejo, estudar canto em Veneza, despertando nele a vontade de partir, sensivelmente encenada nos vinte minutos que precedem esse momento singular.

    A partir dali, o personagem é chamado de Paolo, e com a mudança nominal ensaia também uma mudança de postura e amadurecimento, já que seria preciso mais do que um coração puro para alcançar o tão almejado posto de solista. Viajando pelo interior do país, ele é aconselhado a encontrar a sua própria voz e não tentar mudá-la somente para agradar às pessoas, o que, na verdade, é um paralelo com o seu excesso de peso e com a busca pela aceitação social. O personagem atinge seu ponto máximo nesse ato, ao ser convidado para apresentar um solo a Luciano Pavarotti, momento em que falha terrivelmente e, movido por sua insegurança, mal consegue cantar diante de seu herói. A reprovação do tenor provoca uma mudança tão grande em sua vida, que ele encerra o seu sonho e decide não mais cantar, recolhendo-se a sua solidão e afastando-se de sua amada, a única mulher que permanece ao seu lado por toda a vida e que o ajuda a suportar todas as adversidades dali para frente.

    O casal é conduzido por uma timidez de beleza ímpar e de singeleza ainda mais rara, o que demonstra ser um dos maiores acertos de Frankel, já que a sensibilidade de sua abordagem ajuda a maximizar as sensações e a empatia do público com seu herói. Outro fator notável na construção da película é a delicadeza na escolha das cores, que simbolizam o estado de espírito do protagonista. Após o seu casamento, Potts vê todo o cenário se desenhar de azul, em evidente contraste com o preto que dominava a tela quando sofria com a violência alheia. Dessa forma, Frankel atribui ao espetáculo a importância e o valor de um cenário principal, lugar onde Paul brilharia, onde cairia em desgraça, onde retornaria ao seu dom e onde também sofreria com seus azarados problemas.

    A rotina enterra os sonhos de Paul e o faz renunciar suas ideias mais grandiloquentes, transformando-o em um adulto deprimido, inválido e sem perspectivas de futuro. Após ver sua vida financeira tornar-se um caos, graças às dívidas que contraiu, e após uma das mais severas brigas que teve com seu pai, ele decide retomar seu anseio maior, inscrevendo-se em um reality show que debocha dos participantes que buscam ser o maior talento da Grã-Bretanha.

    É curioso como, na terceira tentativa, e não na “única chance” – sugerida pelo título do filme e também nome do primeiro álbum de Potts – ele finalmente alcança o êxito, apesar das limitações de sua saúde, de todo o triste passado que vivenciou, de sua inabilidade social e de sua capacidade quase infinita de gerar vergonha para si mesmo. O trabalho de roteiro que Justin Zackham imprime é perfeito no quesito emoção, trazendo à baila questões comuns que valorizam ainda mais a bela história de amor e superação de Paul Potts, desde os tempos imemoriais de anonimato até a fama que, finalmente, o acomete.

  • Crítica | Inside Llewyn Davis: Balada de um Homem Comum

    Crítica | Inside Llewyn Davis: Balada de um Homem Comum

    Inside-Llewin-Davis

    A música, especialmente da região sul dos EUA, sempre fez importante papel nos filmes dos irmãos Coen. Se em produções como E aí Meu Irmão, cadê Você ela era tratada como uma característica marcante de seus personagens, em seu último lançamento atinge o status de protagonista dentro da adaptação da vida do cantor folk americano Dave Van Ronk.

    O personagem principal, Llewyn Davis (Oscar Isaac), é um cantor do efervescente movimento cultural dos EUA dos anos 1960 e que tenta carreira solo após o suicídio de seu parceiro, o que deixa nele consequências traumáticas. Migrando de sofá em sofá nas casas de amigos, Davis tenta, sem sucesso, emplacar a carreira enquanto lida com problemas pessoais e uma angústia crescente frente a seu futuro como músico.

    Traço marcante do protagonista e também condutor da narrativa é a crescente melancolia e incapacidade de controlar seu destino. Davis tenta de todas as formas, mas simplesmente não consegue fazer nada dar certo, e não reage frente às agressões verbais de Jean (Carey Mulligan), ou mesmo físicas. Tal característica – de ver, assustado, a realidade passar rapidamente – é evidenciada, em uma bela e poderosa cena no metrô, carregando o gato perdido de um amigo.

    Muito autoconsciente, o filme flerta diversas vezes com o humor característico da dupla de cineastas, em uma forma de linguagem que começa a ganhar adeptos nesse momento histórico: a ironia autodepreciativa como forma de dissimulação. Tocando em um dos únicos bares onde consegue trabalho, Davis afirma que quando se trata de uma canção folk, ela nunca é nova e nunca envelhece. Ou seja, não tem tempo, época e está acima das convenções tradicionais, como muitos acreditam ser possível.

    Em um mundo castigado pela falta de autenticidade, a dupla de diretores garante-a com os próprios atores, de talento ímpar, executando as canções apresentadas no filme – como os amigos de Davis, a dupla Jean e Jim (Justin Timberlake). Tamanha é a qualidade nessas performances que se dá outra tonalidade à narrativa. Se fosse somente uma simples dublagem, grande parte da essência e sentimento do filme seria perdida, já que a música desempenha um papel essencial na transição entre as camadas de vida do protagonista e também em seus momentos chaves. A total atenção da câmera e o excelente som permitem um imenso mergulho na intensidade emotiva das canções.

    Ao trazer à tona Dave Van Ronk, um cantor folk relativamente desconhecido mas que influenciou lendas como Bob Dylan e Tom Waits, o filme também dialoga com gêneros em alta na cultura mundial, quando cada vez mais artistas tentam emular uma outra época e costumes através de instrumentos típicos, mesmo vivendo em uma sociedade moderna e superindustrializada, onde a mesma angústia existencial do protagonista é compartilhada por muitas pessoas que não sabem seu lugar no mundo. Não à toa alguns protagonistas da série de TV Girls fazem ponta na produção, como Adam Driver no papel do cantor Al Cody, e Alex Karpovsky como Marty Green. Temos também na produção musical do filme Marcus Mumford, da banda Mumford & Sons; além de um dos protagonistas de Na Estrada, Garrett Hedlund como Johnny Five, o motorista de Roland Turner (John Goodman).

    A participação de Goodman também oferece momentos preciosos do embate de duas personalidades diferentes. Enquanto Davis busca seus sonhos utilizando-se de todos os meios que consegue, mesmo deixando escapar pelos dedos quase tudo o que tenta segurar, Turner, com sua personalidade destrutiva, faz questão de depreciá-lo, como se já tivesse compreendido Davis (e o planeta) em uma única olhada.

    O filme, então, não é uma biografia fidedigna de Dave Van Ronk, pois muitos detalhes foram alterados. Ambos, Van Ronk e Davis, possuem o espírito de um cantor folk perdido e, apesar de bons, não foram bons o bastante para emplacar um sucesso comercial. Porém, Van Ronk criou em torno de si um culto pequeno e íntimo de artistas que reconheciam sua capacidade e beberam de sua fonte criativa; enquanto Llewyn Davis era autodestrutivo e se sabotava, ao mesmo tempo em que procurava o sucesso até desistir de vez da música apenas para ganhar dinheiro trabalhando na marinha comercial. Seu desespero era tão grande que só poderia ser comparado ao seu ego. Ao ser chamado para um bico em uma música comercial, reclama da composição para o amigo Jim, sem saber que era este o seu autor. Também abre a mão dos direitos autorais de um potencial sucesso apenas para ter o dinheiro necessário para sobreviver alguns dias.

    Dessa forma, Inside Llewyn Davis trata da música também como expressão de uma tristeza que existe em todos nós, mas em um tom descolorido e desiludido, ao contrário de E aí Meu Irmão, Cadê Você?, em que é mostrada de forma anedótica. Ambas as formas atingem o coração do espectador, mas o filme cativa não tanto pelo personagem, já que suas atitudes não nos fazem torcer por ele, mas por toda a construção em volta dele. Faz-nos quase sentir tudo aquilo que ele está sentindo, cristalizando sua dor através da música e nos dando um lugar para testemunhar.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Ender’s Game: O Jogo do Exterminador

    Crítica | Ender’s Game: O Jogo do Exterminador

    Ender's Game - O Jogo do Exterminador

    Baseado no romance de mesmo nome, de Orson Scott Card, com roteiro e direção de Gavin Hood, o filme conta a história de Andrew Ender Wiggin (Asa Butterfield), uma criança que, mesmo sendo um “terceiro” (o filho excedente), é inteligente e muito bem-sucedido na escola de combate. Após a Terra ter sido atacada por alienígenas conhecidos como Formics – devido à sua semelhança física com os insetos – é formada uma Armada Internacional, que se encarrega de treinar uma geração de jovens talentos incumbidos de realizar um contra-ataque 100% efetivo. O Coronel Hyrum Graff (Harrison Ford) convoca Ender, acreditando que ele tem potencial para se tornar um líder estrategicamente tão bom quanto o lendário Mazer Rackham (Ben Kingsley), responsável pela primeira vitória sobre os Formics.

    O livro, apesar de ser leitura (quase) obrigatória entre fãs de ficção científica, perdeu boa parte do seu impacto com o passar do tempo devido aos avanços tecnológicos. O que resta – e não é pouca coisa – é o questionamento filosófico por trás da história: Até que ponto o governo tem direito de “brincar de Esparta”, recrutando crianças para serem treinadas em táticas militares? Até que ponto é válido utilizar esse único ataque sofrido como motivo para um contra-ataque, sem qualquer comprovação de que haverá outro? Até que ponto é ético abusar psicologicamente das crianças a fim de manipulá-las de acordo com os interesses militares? Enfim, há outras tantas perguntas que são feitas e cuja importância no enredo independe das traquitanas tecnológicas.

    Infelizmente, o roteiro conseguiu deixar tudo isso de lado e prendeu-se apenas à superfície da história, atendo-se somente à jornada do herói de um modo que peca pela falta de criatividade. A obra cinematográfica deve ser analisada, a priori, de forma independente e, sob esse ponto de vista, deve se bastar, não necessitando de conhecimento prévio para ser compreendida. No entanto, o espectador passa boa parte do filme com a sensação de que há algo a mais na história que ele deveria saber para a trama ficar mais interessante. E, desconsiderando o fato de ser uma adaptação, da dificuldade de transpôr a narrativa de uma mídia a outra, o roteiro parece ainda mais insosso. Há vários momentos em que se tem a impressão de que a trama vai deslanchar – “hmmm, agora vai ficar legal!”. Alarme falso. O momento passa e o filme continua se arrastando.

    Outro problema é a construção dos personagens, todos unidimensionais e tão “profundos” quanto um pires. Se ao menos o protagonista fosse bem desenvolvido, se suas motivações fossem mais definidas, se as características que levam Graff a escolhê-lo fossem mais evidentes, talvez o público se importasse um pouco mais com seu destino. Ele pode ter um momento de genialidade, tomar uma atitude extremada, sofrer um viés drástico e o máximo de reação que se obtém do espectador é um “Ah, ok.”. Nem se pode culpar Butterfield por sua performance. Ele até consegue transmitir um pouco o dilema do personagem, mas o resultado é aquém da expectativa. O Ender do filme é um moleque antipático o tempo todo e arrogante quando lhe convém.

    Que diferença faz se os cenários são boas representações das descrições de Orson Card? De que adianta se a sala de gravidade zero, utilizada nos treinos dos alunos, é muito fiel ao livro se o restante carece de complexidade? Enfim, para quem assiste sem ter lido o livro, o filme deixa a desejar por ser superficial demais e por deixar vários buracos não preenchidos no roteiro. Para quem assiste aguardando uma boa adaptação, deleita-se com os cenários e os figurinos e nada mais. Vale mais a pena ler o livro. Pois só assim o final do filme adquire algum sentido.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | O Espelho

    Crítica | O Espelho

    oculus

    Introduzido por um sonho do paciente Tim Russell em que impinge o terror da morte a duas crianças num cenário soturno e habitado por espíritos incorpóreos, O Espelho, de Mike Flanagan, se inicia. A sutileza não parece ser uma escolha do realizador, haja vista os maneirismos que faz questão de exibir em cenas nas quais o elenco demonstra inabilidade atroz em expressar sentimentos por meio de suas faces.

    A produção trata de uma dupla de irmãos: Tom (Brenton Thwaites) e a bela ruiva Kaylie (Karen Gillan), que eram as mesmas crianças do sonho mostrado no início. Kaylie namora um curador de arte, e logo depois de levar seu irmão de volta para casa, após uma longa estadia fora, ela vai dormir com seu namorado. Um dos artefatos que está na casa dele é um misterioso espelho, cujo vidro está empoeirado e enferrujado, mas que guarda coisas ainda mais aviltantes.

    Os sustos falsos permeiam todo o filme, como os autênticos clichês do gênero terror, irresistíveis para quem quer causar um medo fácil. A protagonista passa a ter pesadelos terríveis, que se intercalam com as lembranças de sua infância junto ao seu irmão e aos seus falecidos pais. Logo, ela resolve procurar a origem do artefato, e descobre que ele sofre um tipo de maldição. A partir daí, passa a gravar alguns vídeos, explanando os fatos à volta dos assassinatos de quem possuiu o tal espelho, o que fomenta ainda mais a completa falta de suspense no roteiro de Flanagan e Jeff Howard. Um texto que, por sua vez, é uma adaptação de um curta do próprio diretor e de Jeff Seidman.

    As explicações excessivas produzem um desequilíbrio imenso na trama. O único mistério preservado é como os Russell se dissolveram e deixaram de ser uma família para tornar-se algo completamente desassociado da unidade familiar. Mesmo quando tal assunto é abordado, o proselitismo de Kaylie trata logo de tomar a ação novamente, derrubando as oportunidades de surpresa com planos repletos de armadilhas caseiras que remetem à tosca lembrança da franquia Esqueceram de Mim.

    A verborragia segue como o maior problema para manter minimamente uma aura assustadora. Os retornos à infância ficam cada vez mais constantes, como num processo mental de regressão, ainda que não se assuma que isto ocorre de fato. Longas sequências dos Russell no passado são mostradas. No final do filme, a ordem dos fatos se repete, como num círculo vicioso e inexorável, que até seriam bem aceitos, se fossem os tropeços realizados do início ao fim da película. Uma pena, porque O Espelho tinha potencial para ser um filme de terror calcado em um interessante mistério.

  • Crítica | Bravura Indômita (2010)

    Crítica | Bravura Indômita (2010)

    bravura indomita

    A adaptação do romance de Charles Portis feita pelos irmãos Coen talvez seja o trabalho menos autoral da dupla de cineastas, pois não tem os traços característicos mais marcantes de suas produções, como o humor negro e a complicada cadeia de eventos que acomete e dificulta a vida dos protagonistas. Porém, não é menos significativa por isso. Ao optar por uma ótica e narrativa mais diretas, temos contato com o outro lado, também talentoso, dos diretores.

    A história se inicia com a órfã de pai extremamente inteligente, educada e perspicaz Mattie Ross (Hailee Steinfeld) em busca de alguém para trazer Tom Chaney (Josh Brolin), o assassino de seu pai, à justiça. Para isso, tenta contratar o caçador de recompensas Rooster Cogburn (Jeff Bridges), que aceita o serviço a contragosto. Também se junta ao bando o Texas Ranger LaBoeuf (Matt Damon), que há anos procura Chaney por um assassinato de um senador cometido no Texas.

    Bridges compõe um personagem peculiar, pois ao mesmo tempo em que se mostra um bêbado e em decadência, mostra um faro apurado ao ser colocado no encalço de seu alvo. Misturando um sotaque carregado com a fala confusa característica dos alcoólatras, Bridges cativa o espectador ao flertar com um típico anti-herói, que, apesar de antagonizar a protagonista, no final faz de tudo para salvá-la.

    A protagonista Mattie Ross também tem em sua pele a atuação impressionante da novata Hailee Steinfeld, que logo de início convence o espectador através da obstinação de sua personagem – que renegocia os pôneis de seu falecido pai – em um diálogo rico, rápido e extremamente inteligente, que lembra o estilo clássico dos Coen, mas em um tom mais sóbrio, condizente com a proposta do filme. A própria existência de uma adolescente, forte e dona de seu destino, em um contexto como o do Velho Oeste oitocentista, garante uma profundidade maior a Mattie, fartamente explorada tanto pelas situações em que é colocada como pela amplitude dramática de Steinfeld.

    Matt Damon dá a LaBoeuf a arrogância típica do texano, que traz um sentimento maior para com o seu estado do que para com o seu país, causando uma antipatia em Cogburn. Porém, após tantas disputas e certas trapalhadas, como morder a língua ao ser arrastado por um cavalo, LaBoeuf mostra um lado fraternal para Ross, como se estivesse tentando protegê-la tanto de Cogburn quanto do restante do mundo.

    Juntando três personagens tão diferentes com um mesmo objetivo, a dinâmica da narrativa se estabelece exatamente na evolução de suas relações e como todos aprendem mais sobre o outro, si próprios e sobre o mundo, especialmente Mattie, que acaba por enfrentar e depois matar Chaney sozinha, enquanto Cogburn protagoniza uma bela e épica cena de tiroteio contra o grupo de “Lucky” Ned Pepper (Barry Pepper), sendo ajudado depois por LaBoeuf em um tiro certeiro, o que restabelece sua confiança como atirador antes abalada justamente por Cogburn. Interessante também é a composição de Chaney, mostrado como um bandido inferior, submetido às ordens do outro, e que reage impulsivamente e de forma nem sempre inteligente às situações, contrariando a expectativa criada sobre um grande mestre do crime que engana as autoridades há meses.

    Tecnicamente falando, a produção é um primor em todos os aspectos. A fotografia de Roger Deakins traz os mais belos planos do Oeste, nos lembrando a todo instante das razões pelas quais o gênero conquistou tantos espectadores com o passar das décadas. O figurino, o design de produção e a maquiagem passam toda a brutalidade suja do Oeste, responsável por transformar homens em bestas que, depois de algumas décadas, seriam alçados à categoria de heróis e desbravadores do país.

    Bravura Indômita cativa, então, por sua seriedade e sobriedade, com toques de um leve humor, e por seus personagens que agem, reagem e crescem frente aos obstáculos em seus caminhos, criando-se um vínculo próprio entre eles. Vínculo esse que é friamente subvertido na cena final, onde a já crescida Mattie Ross procura Cogburn depois de 25 anos para prestar uma homenagem a ele e o encontra morto. Essa atmosfera áspera e melancólica do Oeste, que se reflete nas relações entre seus habitantes, é transferida para o filme, o que dá a ele uma carga emocional ainda mais intensa, já que poucos cineastas têm a sensibilidade de retratar o sul dos EUA com toda a complexidade social e cultural da região sem cair em clichês e estereótipos.  E essa produção traz exatamente isso: uma nova releitura sobre uma história bem conhecida mas que renova o combalido gênero western através de um revigorante sopro de qualidade.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Transcendence: A Revolução

    Crítica | Transcendence: A Revolução

    transcendence-poster

    Com aproximadamente cinquenta trabalhos em fotografia cinematográfica, divididos entre longas-metragens, curtas e videoclipes, Wally Pfister estreia na direção, com uma ficção científica que recorre a uma das tradições do gênero – o futuro como visão pessimista do presente – para desenvolver seu argumento.

    Transcendence: A Revolução apresenta um futuro destruído e primitivo em relação ao mundo contemporâneo. A trama retorna anos antes para a bem-sucedida vida do cientista Will Caster (Johnny Depp) e de sua esposa (Rebecca Hall). Considerado uma das grandes mentes vivas, o doutor é responsável por desenvolver o primeiro sistema com inteligência artificial autônoma. Após descobrir-se portador de uma doença terminal, decide transferir sua consciência para uma máquina – uma evolução de seu projeto de inteligência artificial – para permanecer vivo mesmo que em circuitos elétricos.

    Diferentemente de seus personagens mais conhecidos, destacados pela interpretação levemente afetada e apoiada em caracterizações distintas, Depp faz um cientista sem muitos arroubos e nenhum estilo próprio. A ausência de qualquer elemento bizarro parece enfraquecer a interpretação do ator em um roteiro raso feito por Jack Paglen (estreante no roteiro de longas). Um material que não fornece nuances à personagem central além da natural mudança de comportamento, quando o Dr. Caster de carne e osso se transforma em um conjunto gigantesco de bytes.

    A evolução das máquinas, e a tecnologia que proporciona tal avanço, foi o tema escolhido como estrutura da ficção científica. Dentro do sistema digital, o cientista perde as nuances humanas e torna-se um sistema de ação e reação, equilibrado em uma analise matemática que visa uma melhora tecnológica em escala global, mesmo que infrinja a lei para estes meios. Em contraparte dramática, há um grupo de ativistas (liderado pela personagem de Kate Mara) avessos à tecnologia e contra a evolução transcendental que prende o doutor.

    A história desenvolvida além da superfície apresenta a análise filosófica sobre a evolução das máquinas e um futuro consciente a respeito da existência da tecnologia e de robôs artificiais que se tornariam mais inteligentes que a máquina humana. Sob este aspecto, torna-se evidente que Transcendence utiliza-se de um elemento da ficção científica como conflito e não como estilo, semelhante ao desenvolvimento de Oblivion, estrelado por Tom Cruise, que recorre a um futuro distópico somente como base para desenvolver a ação.

    Retratando de maneira frívola o conceito da inteligência artificial em um argumento simples, a produção não se insere em linhas de estudo sobre robótica ou neurociência atuais que aproximariam a história de um senso de realidade, nem funciona como um produto genuíno da ficção científica pela falta de um rico material argumentativo que demonstre teses e teorias no interior da narrativa especulativa.

    Vendida como história deste estilo, não à toa a recepção foi considerada inferior da esperada. O argumento breve pode conter potencial, mas ao ser executado no roteiro resulta em uma história que se demonstra precária, e o conflito do homem transformando-se em máquina, um mero apelo dramático. Um recurso que poderia ser substituído por outros sistemas narrativos igualmente interessantes em sua essência.

    Levando-se em consideração as primeiras notícias que saíram na pré-produção do longa, o roteiro seria mais próximo de uma história de ficção científica, apoiada na evolução da tecnologia e nos consequentes avanços medicinais. Talvez procurando um apelo mais simples e universal – que sempre suscita uma intenção financeira por trás da obra – destruiu-se o verdadeiro potencial dramático e filosófico que a história poderia entregar. Uma transcendência que se transformou em blefe não correspondido, demonstrando que até um nome em alta como o de Christopher Nolan – que produziu o filme – não pode sustentar uma obra composta de maneira desequilibrada.

  • Crítica | Juntos e Misturados

    Crítica | Juntos e Misturados

    juntos e misturados

    Uma dupla de pessoas de background completamente diferentes – que em comum tem apenas o fato de já terem sido casados antes – resolve se encontrar. Após o “gracejo” desastroso, cada um dos pares segue seu rumo, sem esperanças de que aquilo dê certo. A sinopse serve para milhares de comédias românticas contemporâneas e seu tom genérico aumenta ainda mais quando o casal é vivido por Adam Sandler e Drew Barrymore. Toda a atmosfera familiar exagerada dos últimos cinco filmes do astro estão presentes em Juntos e Misturados, ainda que o toque de sentimentalismo seja mais forte neste do que nos espécimes recentes.

    Enquanto Jim Friedman (Sandler) é um trabalhador americano ordinário e entusiasta de esportes, o típico homem comum, que tenta a duras penas levar uma casa sozinho após a traumática morte de sua esposa, por câncer, Lauren Reynolds (Barrymore) também trabalha com comércio, vendendo artigos femininos, e como seu malfadado parceiro, tem uma mania de organização compulsiva e capitaneia uma casa sem um pai.

    O dicotômico roteiro põe a dupla de adultos desajustados tendo que lidar com filhos de sexos e realidades diferentes dos seus. Como era de se esperar, os rebentos da dupla sofrem com uma série de complicados problemas, com cada um lidando com a “perda” a seu modo, sendo alguns destes bastante curiosos. Muito conflito espera a quem assistirá esta obra, feita para ser curtida por toda a família – mesmo que o grosso das piadas tenha sido repetida ao menos catorze vezes em filmes recentes – pois as duas parentelas acabam indo para uma viagem compartilhada na África, cujo foco das desventuras é o romance, que obviamente não existe.

    Os gracejos que funcionam são os que apelam ao carisma dos infantes em sua jornada de autoconhecimento e superação. Outra fonte de risos são as situações que envolvem outros astros, como Terry Crews. O trabalho humorístico de Sandler é quase como o de um curador, que angaria pessoas que podem exercer no público uma miscelânea de risos que o próprio não é mais tão capaz de fazer – ao menos não neste tipo de comédia, uma vez que em Tá Rindo do Que?, de Judd Apatow, seu tino para o grotesco decadente funciona.

    O texto de Clare Sera e Ivan Menchell é levíssimo, repleto de situações de riso fácil. Dado o repertório de Frank Coraci como diretor, achar que tal guião causará uma reflexão profunda ou conterá alguma inteligência é um exercício de um desavisado. Há bons momentos, alguns até edificantes, mas nada perto da emoção e singeleza de Click – talvez o melhor fruto da parceria entre ator e diretor.

    Apesar de toda a pieguice presente na máxima de aproximação e reaproximação do casal que não deu certo na primeira, mas que acredita dar certo em tentativas posteriores, o reencontro de Lauren e Jim ocorre de modo pouco mecânico, respeitando até a falta de química que ambos mostraram ter durante toda a fita. A reconstrução da moral de ambos passa por percalços sérios, e não vem a ter êxito logo na primeira tentativa, emulando as situações da vida real, a aproximação acontece de modo gradativo, algumas vezes até dolorosa. A restauração do “amor” não envolve somente o par de “pombinhos“, mas toda a(s) sua(s) família(s), em uma conspiração conveniente, onde tudo se encaixa de modo perfeito para ambos os clãs. Ao final a celebração constrangedora e hiper feliz de todos os personagens ocorre – como aconteceu antes, em cada quinze entre vinte filmes de Sandler. No entanto, a produção é menos desrespeitoso que os últimos filmes do ator, não agredindo demasiado o seu expectador.