Categoria: Críticas

  • Crítica | A Melhor Oferta

    Crítica | A Melhor Oferta

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    Virgil Oldman é mostrado como um sujeito excêntrico, meticuloso, calculista e detalhista. Não há nada na introdução de A Melhor Oferta que chame mais atenção do que o comportamento do personagem enquanto exerce o seu ofício de especialista em arte.

    Geoffrey Rush evidencia o seu talento ao interpretar o elegante e metódico protagonista. O (irritante) nível de perfeccionismo de Oldman o faz tornar-se uma figura próxima da antipatia, quase misantrópica, o que assinala ainda mais a condição de seu status, mostrando que sua reputação enquanto avaliador de peças caras é quase infinito.

    Seu personagem muda um pouco de faceta nos leilões, onde é preciso mostrar carisma para conseguir as melhores ofertas possíveis. Como orador, ele chega a provocar risos na plateia ao lidar diretamente com os ricos investidores. Não parece haver nada que não esteja ao seu domínio ou longe de sua mãos poderosas, a não ser, é claro, a sua galopante superstição e crença no azar. Oldman tem o silêncio interrompido por um pedido desesperado de Claire Ibbetson – conhecida na fita apenas por sua voz -, cujo pai havia dito que uma peça precisava ser analisada por Virgil. Após muita insistência, ele resolve visitar a casa antiga da família Ibbetson e lá encontra um objeto estranho que atrai a sua atenção.

    A curiosidade no pequeno pedaço de metal que encontra na casa dos Ibbetson não justifica em nada o seu interesse, a priori. Sua volúpia por resolver o mistério interfere até em seus esquemas de compra de objetos por preços baixos para revendê-los a alto custo. A obsessão causa nele uma miopia inapropriada para o seu repertório. A fotografia de Fabio Zamarion ajuda dar leveza à película, uma vez que o registro de cores caracteriza-se predominantemente por tons claros, e a iluminação é favorável a tal análise. A edição de Massimo Quaglia também colabora com a trama, especialmente por sua rapidez emular um senso de urgência muito singular, que se torna ainda mais exitoso graças à direção de atores que Giuseppe Tornatore exerce em seu elenco.

    A fixação no “quadro” aumenta o escopo, e Virgil passa a se interessar demasiadamente na figura agorafóbica de Claire Ibbetson, inclusive vigiando-a em segredo para enfim ver a sua figura fora de seus aposentos prisionais. Sylvia Hoeks mostra a sua bela figura pouquíssimas vezes: quando sua personagem é vista, logo entra em desespero, de modo que só se acalma com a presença de Virgil. A relação passa por rusgas quando a moça descobre que foi ele quem a analisava, mas, pouco a pouco, os dois se reconciliam.

    Como num processo vagaroso, os dois se aproximam de modo a formar um par de fato, primeiro como um restaurador da moral da moça, claro, sem deixar de lado sua face do hábil e experiente sedutor que é. O romance é lapidado por Virgil num exercício sobre-humano de sua parte, já que esse não é o costume de sua persona. No entanto, a confiança de Claire é um objeto de frágil manuseio, difícil demais de ser mantido, o que faz da jornada um caminho trôpego.

    Como em espécimes anteriores da filmografia de Tornatore, A Melhor Oferta trata da obsessão humana, novamente tocando na ligação sentimental amorosa e no desejo ao proibido, como era em Malena, ainda que inverta a idade dos protagonistas dos dois filmes. A afinidade entre o leiloeiro e sua cliente os faz crescer mutuamente. Ambos vencem as suas fobias, assim como os movimentos compulsivos com os quais os dois sofrem.

    A anunciada e improvável evolução de Claire e Virgil, que havia ocorrido de modo natural, ajudou a mascarar e muito a falsidade de intenções. O factoide só foi agravado pela lembrança da série de percalços “vencidos” através do auxílio de Virgil. O experiente analista aparece desolado após o forte golpe que sofreu, sensação otimizada pela expressão incrédula de Rush. A desolação que Oldman sofre é enorme e contrasta eficazmente com a ilusão que tinha pela espera da responsável pelo seu estado de nervos, e ora o personagem é mostrado como um sujeito supostamente engodado, ora em uma casa de repouso para debilitados mentais, mostrando como funciona a mente do homem após a traumática separação que sofreu.

  • Crítica | Mulheres ao Ataque

    Crítica | Mulheres ao Ataque

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    Incógnita no início, sem nome apresentado antes de suas belas curvas, a personagem de Cameron Diaz, Carly Whitten, tem tudo o que uma mulher “poderia querer”: uma carreira de sucesso, dinheiro, um homem lindíssimo tratando-a como uma rainha. A perfeição em que está inserida é fruto de estereótipos, de uma sociedade que insiste em enquadrar as mulheres em invólucros de desejos, quase sempre inalcançáveis.

    Nick Cassavetes capitaneia a comédia leve que utiliza esses preceitos como a base do mundo que será explorado, mas que obviamente não discute tais conceitos, ao menos não sob o ponto de vista da eterna briga do machismo e feminismo, mas sim focando outras velhas questões, como a infidelidade e a cafajestice masculina. O homem com quem Carly se envolve, Mark King (Nikolaj Coster-Waldau), é casado com uma bela senhora, pouco mais velha do que a protagonista, chamada Kate (Leslie Mann), e elas se encontram de um modo bastante louco. A partir daí, o encontro entre as duas mulheres é completamente louco.

    Após ambas tomarem nota do que ocorreu entre o esquisito triângulo amoroso, Kate e Carly continuam se encontrando, e após um porre, Kate acorda e vai vivendo a sua rotina de novo, percebendo o quão sem sentido é seguir seu rumo como se nada tivesse acontecido. Sua saída é retornar ao encontro da amante, porque nada mais faz sentido. A inconveniente conversa entre elas se estende demasiado e o processo de empatia é lento, apesar de toda a forçação da esposa. Aos poucos elas se reúnem, depois, é claro, de mais uma noite de porre alcoólico. O “inesperado” ocorre, e elas se juntam para aplacar o sofrimento que ambas têm, ainda que essa junção passe por altos e baixos.

    Enebriadas pelo ciúme, elas descobrem a presença de um terceiro elemento, Amber (Kate Upton, que tem muitíssima confiança em seu corpo, e com razão), uma amante mais nova e com muito mais atributos físicos que as duas, mas que se sente igualmente traída. Toda essa “elaborada” trama demora quase uma hora para se desenrolar, claro, acompanhado por situações calcadas no humor pastelão.

    O “inesperado” (novamente) ocorre, e as meninas decidem colocar ação a uma vingança onde todas dão corda a ele, aprontando mil peripécias, algumas baseadas em humor físico, como piadas de peido e outras mil que buscam diminuir a virilidade do sujeito. Nada que passe perto do ineditismo no humor, tal que o público consegue prever quase todas as gags cômicas. Alguns momentos são autenticamente engraçados, ainda que raros para a longa extensão do filme, que tem quase 120 minutos de exibição.

    O método com o qual Cassavetes filma não guarda qualquer particularidade, e a fita é semelhante demais a Alpha Dog, um de seus filmes anteriores cuja fotografia é tão pobre quanto o roteiro, assemelhando-se a um filme amador, ainda que tenha um elenco de estrelas. Os mesmos defeitos se repetem em Mulheres ao Ataque, mesmo com o roteiro. Em alguns pontos, o texto de Melissa Stack ensaia uma reviravolta legitimamente interessante, mas isso acaba não se cumprindo.

    Aos poucos, cada uma das heroínas vai encontrando o seu lugar. O que um dia foi ocupado pela presença de um homem injusto e ingrato é tomado pela superação de cada uma, especialmente da que mais tempo viveu com ele. Kate demora para aceitar sua condição e perceber que viveu uma mentira, mas consegue dar o passo seguinte apoiada por uma das mulheres que foi causa do seu infortúnio.

    Assim, as três mosqueteiras dão a Mark um discursinho sobre como ele é um sujeito vazio, sem coração e um pedaço de merda (tradução literal) por se aproveitar de tantas mulheres, gastando quantias enormes de dinheiro com elas, com roupas, jantares caros, viagens e, claro, expondo-o ao ridículo num último esforço tragicômico. O que na verdade ocorre é que o final da fita expõe o quão solitárias eram as vidas das três. O trio só passa a ter uma existência digna após a malfadada vingança, com cada uma delas encontrando o seu lugar ao sol. É como se após todo o rancor que elas guardassem fosse despejado de uma vez, e com isso, seus talentos poderiam pulular pela face da terra. Nesse ponto, o filme consegue ser um dos espécimes mais bregas do circuito de 2014, além de claro, de não propor qualquer discussão e tampouco ser minimamente engraçado.

  • Crítica | O Verão da Minha Vida

    Crítica | O Verão da Minha Vida

    o verão da minha vida

    Curiosidade: os produtores e o elenco são de filmes consagrados pela maioria do público, crítica e premiações. Indagação automática: por que esse filme não fez sucesso na temporada de prêmios entre 2013 e este ano? Resposta: O Verão da Minha Vida é uma aula de como desperdiçar um ótimo elenco com um rascunho que ousaram chamar de Cinema. Um mundo de aparências, afinal.

    O filme começa e termina feito uma cópia menos inspirada e mais broxante da modesta obra americana recente de Alexander PayneOs Descendentes, com ideias, cortejos e arranjos individuais bem semelhantes à película, mas que não consegue achar o adendo louvável que diretores, com o talento genuíno de Payne, trazem através de sua pegada no material, tratamento e calor aos produtos – os quais, mesmo que adaptados de livros, caso dos dois filmes, chegam nas mãos dos cineastas ainda em estado bruto, carentes de lapidação e fomento artístico. Os escritores de Descendentes, sob influência de fórmulas que também deram certo, como Pequena Miss Sunshine e Juno, conseguem a proeza de rodar um filme de contexto semi-inexistente e mostram que têm fogo de palha nas veias e não seguram por um segundo sequer o interesse e a evolução gradual do filme, jamais linear do começo ao fim; tão imaturo quanto os irritantes personagens adultos, que agem como adolescentes de quatorze anos, e os adolescentes, espécies de virgens melancólicos mimados que tentam amadurecer no fluxo de esquetes frias e gratuitas que forjam a vergonha de conter semelhante projeto no currículo de qualquer um.

    É justamente esta a razão de ser do filme: mostrar, sem densidades além da superfície, os contrastes de gerações. Uma quer ser igual à outra, com a primeira com mais vontade que a segunda, e por isso, corre para se modernizar, evitando ser esquecida pela modernidade, enquanto ela mesma esquece seu lugar de direito na vida dos filhos. Contudo, é de se louvar, em meio a uma incômoda disfuncionalidade crônica da história, as veredas que a trama ganha na narrativa regimental, mesclando as personagens idiotas com uma agradável leveza que aflora das doces intenções, na visível tentativa de tornar tudo menos unilateral do que é, nesta irreversível “quase-tragédia” anunciada após as primeiras sequências, cheias de risadas e piadas fúteis sobre uma sociedade fútil com problemas e dilemas fúteis – ainda que universais – no jogo imagético da eterna reprodução.

    Feel Good Movies são malditos: podem ser muito bons ou muito ruins, tiros no escuro. E esta não é a única maldição por aqui. Steve Carell tenta a todo custo nos fazer esquecer de seu marcante protagonista na série The Office, mas, à parte de seus esforços, sua veia cômica aflora nos momentos dramáticos – ou que tentam ser e nunca são, na verdade – na cadência fraca e apática de um filme inexpressivo em demasia, portanto exagerado em um sentido contrário e pouco usual no mural dos exageros, causados geralmente por abundâncias. A rasa crosta de existencialismo não aponta a aspectos surreais ou de propriedade na produção, todavia, quem disse que O Verão da Minha Vida desiste de nos fazer acreditar que tal vida e as condições nas quais a tocamos pra frente não são duas coisas completamente diferentes? Perdão aos envolvidos, mas… Errado! Como já sugere a imagem acima, nós estamos ligados uns aos outros pela esperança de ficarmos completos, nalgum dia de sol, talvez.

  • Crítica | A Marca do Medo

    Crítica | A Marca do Medo

    a marca do medo

    Assim como os clichês usados em exagero no gênero, tem sido desgastante a repetição da crítica sobre a mudança conceitual narrativa do terror desde A Bruxa de Blair. Há quinze anos, uma falsa concepção documental promoveu uma inovação no gênero e, desde então, as histórias têm se repetido com base neste estilo, obrigando críticos a, quase sempre, retomarem a questão como parâmetro de análise.

    Nestes quinze anos citados, procurou-se falsamente um enfoque para a história com um mesmo estilo. Ao usar o recurso amador como um elemento a mais para promover o medo, a parcialidade intensifica o objetivo primordial, fazendo com que as histórias se apropriem de um conceito real e utilizem-se, diversas vezes, da falsa verossimilhança do “baseado em fatos reais” para tornar a produção mais assustadora.

    A Marca do Medo é equivocado até mesmo com o título brasileiro, que insere como obrigatório o substantivo medo, nada relacionando-se a The Quiet Ones – do original -, preenchendo os requisitos básicos da repetição cinematográfica vista à exaustão. A afirmação de que a história vem de um fato verídico está presente, ainda que não importe se ela existiu de fato. O importante é projetar no público uma percepção de que, se real, o susto é mais intenso.

    A novidade dentro do estilo é inserir a história na década de 70, época anterior ao barateamento de câmeras digitais que proporcionaram a base do estilo. Na trama, um jovem cineasta (Sam Claflin) procura emprego e é contratado por um médico para documentar o caso da jovem Jane Harper (Olivia Cooke). Apoiado pela universidade em que leciona, o professor Coupland (Jared Harris) estuda a garota tentando desmistificar seus problemas, considerados sobrenaturais ou relacionados a possessões demoníacas. Órfã, testemunha da morte dos pais, a garota é mantida presa e estudada em um quarto observado pelo professor e seu grupo, que desejam demonstrar a força do consciente psicológico por detrás de tais manifestações.

    Dividida entre a filmagem tradicional e o estilo documental oriundo das filmagens do cineasta, a trama se adapta com perfeição aos pré-requisitos de um filme do gênero. A princípio, elementos sobrenaturais são descartados e as personagens levadas à descrença; até mesmo um ataque significativo põe em xeque as dúvidas e se torna evidente em uma cena climática na qual normalmente a entidade assume o corpo da vítima. Os sustos são divididos entre a descrença do grupo que participa do experimento e as cenas parciais filmadas como registro do cotidiano da garota.

    Dentro de sua própria narrativa, a trama também demonstra fragilidade ao utilizar como virada narrativa um detalhe que envolve o passado da moça estudada. Levando em consideração uma experiência conduzida inicialmente com o apoio da universidade, parece disfuncional que o professor doutor não tenha estudado o histórico e a origem de sua paciente. Uma falha que exibe – tanto na estrutura externa, como obra, quanto na interna, como roteiro – a construção desequilibrada da história como um todo.

    Se muitos cineastas provam que grandes clichês do cinema podem ser utilizados em demasia se bem realizados, compreendemos que o recurso parcial da câmera não está desgastado por si, mas sim pela mesma maneira de ser representado por diversas produções anualmente. Mesmo que se leve em conta de que há uma parcela do público sedenta por histórias de terror – elemento que justificaria uma repetição excessiva –, a semelhança desta obra em relação a outras lançadas no mesmo ano produz um sistema de reciclagem narrativa que não funciona nem como um marco no estilo, nem se torna uma lembrança ativa de uma boa história assustadora. Fazendo-nos questionar sobre a vantagem – e a validade – de se produzir uma obra repetida que, após consumida imediatamente, se tornará esquecida entre tantas outras na prateleira do gênero.

  • Crítica | Amor Fora da Lei

    Crítica | Amor Fora da Lei

    amor fora da lei

    Poetas e contadores de histórias gostam de relacionar o amor ao proibido, e a evolução da associação do sentimento ao que a sociedade vê como reprovável é natural. Tal conceito é utilizado no cinema largamente; por mais repetitivo que seja, o clichê ainda chama a atenção. Recentemente, Amor Bandido atraiu a atenção de quem era fã de Matthew McConaughey e Jeff Nichols ao dar uma abordagem mais diversificada e de ângulo diferente do mito de Bonny e Clyde e do que foi visto em Uma Rajada de Balas. Em Amor Fora da Lei, David Lowery apresenta um clima mais rural e até white trash à máxima, apresentando um casal apaixonado não tão normal quanto a maioria.

    Após uma bela introdução, que põe os cônjuges em uma corriqueira troca de carícias e farpas, Robert Muldoon e Ruth Guthrie (Casey Affleck e Rooney Mara, respectivamente) se põem em um tiroteio, fazendo com que um dos policiais seja baleado. Como um autêntico cavaleiro de armadura, “Bob” assume a autoria do atentado e é levado à penitenciária em uma cena de despedida que transita entre o tocante e o grotesco, com a câmera enquadrando um beijo terno e as vestes imundas pela poeira e pelo pecado de suas ações, que foram causadas de forma direta ou negligentemente.

    Bob não se sente o réu sentenciado que na realidade é, e em virtude disso tenta arranjar a sua liberdade à força, tencionando sua própria fuga em cinco oportunidades, finalmente tendo êxito no sexto tiro. Uma vez na área aberta novamente, ele procura encontrar sua amada numa jornada país adentro, mudando drasticamente a vida de quem ele encontra em sua estrada rumo à perdição.

    Apesar de aparentar no começo o contrário, Ruth aguarda ansiosamente a chegada de seu amado. Fazer os terceiros pensarem que ela teme pela vida de sua filha faz parte da atuação teatral para afastar qualquer suspeita de envolvimento com a fuga de Bob. O nome original da película, Ain’t Them Bodies Saints, remete à ausência de santidade nos envolvidos da trama, qualidade esta que também pode ser interpretada pela falta de inocência e até por certa responsabilidade pelo crime, independente do julgamento parecer desigual.

    A trajetória do fugitivo rumo ao seu destino final o faz praticar o que ele foi acusado de fazer outrora. O rastro de sangue que ele deixa é acompanhado de um sentimento de sobrevivência, mas que não o resguarda da culpa de ter que ameaçar as pessoas e matá-las quando isso se mostra necessário. Sua ida para casa se faz por vias tortuosas; o personagem percorre o caminho sentindo sua vida escorrer pelos dedos. Ignorando o bom senso, ele prossegue em busca de sua musa, mal pensando na própria sobrevivência.

    A cena em que Ruth e Bob finalmente se encontram é singela. A moça tenta guardar suas lágrimas, mas é quase inevitável que ao menos algumas escorram em seu rosto, especialmente depois de toda uma vida esperando por ele. Por estar quase convalescendo, a enfim restrita reunião ocorre, variando entre o presente, nada pessimista e calcado no real, e uma imaginação de ambos abraçados em tempos mais simples, sem toda a arquitetura de bandidos em fuga. Em seus sonhos, Bob vive em uma casa idílica onde o casal poderia morar e ser feliz, num paraíso intocado, distante demais dos áridos dias que ambos sofriam. A sensibilidade com que Lowery trabalha o roteiro é ímpar ao utilizar o conceito de “falar de modo leve de coisas graves” a potências altíssimas, sem recorrer a um sentimentalismo banal.

  • Crítica | Viva a Liberdade

    Crítica | Viva a Liberdade

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    Thriller político iniciado com uma corrida na direção de um discurso político protagonizado pelo palestrantes e seus assessores, seguido de uma apresentação repleta de discussões, tão sanguíneas como a verve italiana: um belo estereótipo de como os italianos agem em sua intimidade. Viva a Liberdade, de Roberto Andò, é o retrato do quão difícil é fazer política na Itália, especialmente quando se é oposição. Nesse ponto, reflete a realidade de muitos países, inclusive a do terceiro mundo tupiniquim, “república das bananas”, Terra Brasilis. Os mesmos argumentos falaciosos que denigrem a parte esquerdista de ver o quadro sócio-econômico atingem os protagonistas do filme.

    Toni Servillo faz Enrico Oliveri, o secretário principal do partido oposicionista, que por dar ouvidos aos seus inimigos políticos, mostra-se um sujeito inseguro e repleto de dúvidas, algo que para um candidato é muitíssimo refutável e repreensível. Seus momentos de intimidade são quase todos melancólicos, e a postura remete a um derrotismo que sequer foi anunciado ainda. A equipe criativa responsável pelos discursos do político põe em pauta também a fraca motivação do sujeito, escolhendo saídas plausíveis para o seu estado depressivo. Enrico parece envolvido em um irresistível invólucro de depressão o qual só poderia evitar caso tivesse uma ação bastante radical e de natureza externa.

    É bastante curioso o modo como a fita transita entre o gênero dramático e a comédia, variando de modo fluido e espontâneo. As preocupações com o futuro de Enrico podem ser concentradas no personagem Andrea Bottini, de Valerio Mastandrea, o assessor mais próximo do imberbe candidato. Quando Enrico some dos olhos de seus conhecidos, Bottini o procura na casa de um parente, encontrando um membro do clã, Giovannni Ernani, absolutamente igual a ele, tão parecido com o sujeito que a confusão entre ele estar interpretando ou não um papel é considerável. Após uma série de tropeços e, claro, após uma corajosa iniciativa, os membros do partido decidem prosseguir a campanha com Ernani no centro das articulações.

    A diferença de espírito é notada logo no início. Giovanni não titubeia diante dos abutres da imprensa e consegue se desviar como um autêntico membro do governo, usando de sutileza quando precisa, mas também distribuindo coices quando julga necessários. A mudança transforma completamente o esforço de campanha, tornando todo o trabalho menos penoso e mais alegre e positivo e, por isso, com maiores chances de lograr êxito.

    O verdadeiro Enrico prossegue em seu exílio levando uma vida bucólica e idílica, em nada parecida com a rotina difícil e estressante da zona urbana onde normalmente reside. Essas novas experiências servem para recarregar as baterias, reunir forças novamente, para retomar seu lugar de direito quando necessário. No entanto, seu sósia vai tão bem que aqueles que sabem da farsa pensam muito se vale destruir a encenação, substituindo este pelo eleito de direito mesmo que este direito seja discutível.

    O jogo de sedução imposto pelo candidato deveria envolver somente o eleitorado, mas isto se alastra para outros campos. O homem popular capta a feminilidade de cada uma das mulheres que o encontram, graças a sua persona sempre carismática e que nesse momento torna-se afrodisíaca e irresistível. O que não fica exatamente claro é se isso já ocorria antes da mudança de corpos ou se foi essa transmutação que causou toda a alta na popularidade do possível eleito.

    É interessante notar a aura e o clima surreal que envolve o desenrolar do quadro eleitoral, sendo este quase sobrenatural dada a irrealidade em seu caráter . A sensibilidade proposta no enfrentamento das situações é flagrante, especialmente por humanizar um processo que é (e sempre foi) muito burocrático e que, mesmo assim, ainda guarda uma enorme parcela de conduta emocional. O foco nesta exata parcela é uma escolha muito feliz do roteiro. A paródia de Roberto Andó sobre o seu próprio romance contém um fino equilíbrio de crítica social, humor ácido e leveza de espírito, com uma sensibilidade poucas vezes vista em fitas políticas.

  • Crítica | A Culpa é das Estrelas

    Crítica | A Culpa é das Estrelas

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    Após o lançamento de A Culpa é das Estrelas, do carismático autor John Green, a adaptação para o cinema seria apenas uma questão de tempo. Com um sucesso estrondoso, o best-seller, lançado em 2012, desbancou As Crônicas de Gelo e Fogo como a obra literária mais vendida em várias partes do mundo, inclusive aqui no Brasil. O sucesso iminente do filme começou a se manifestar logo no lançamento do primeiro trailer, uma vez que foi o trailer mais curtido do Youtube, ultrapassando o detentor do recorde anterior, Homem de Ferro 3.

    Partindo do princípio de que esta crítica está livre de comparações ao livro, existe algo de errado em A Culpa é das Estrelas e esse erro é justamente a sinopse. O filme, competentemente dirigido por Josh Boone, não trata somente do amor entre dois jovens com câncer que se conheceram num grupo de autoajuda e de como eles lidam com o sofrimento da perda. O filme, além de mostrar o que foi dito, também demonstra uma maneira divertida (e muitas vezes incômoda pelas piadas de humor negro) de se encararem os percalços da vida com câncer e como o amor pode ajudar uma pessoa doente em sua recuperação, algo que interfere não só na vida dos protagonistas como também na das pessoas que os cercam. Tudo isso dentro de uma jornada inesperada, com um desfecho interessante, o que difere dos muitos filmes do gênero, causando surpresa não pelo óbvio (que também existe e muito), mas sim porque além do câncer e da dor da perda a vida ainda prepara inúmeros dissabores.

    Hazel Grace Lancaster (Shailene Woodley) é uma jovem diagnosticada com câncer na tireoide com metástase nos pulmões, obrigando-a a respirar com um tubo de oxigênio (e também carregando-o) pelo resto de sua vida. A vida de Hazel é bastante tediosa: ela passa o dia lendo livros e assistindo a programas banais na televisão. Acreditando estar com depressão, a menina aceita os conselhos de sua mãe, Frannie (a sumida Laura Dern) e passa a frequentar um grupo de apoio da igreja juntamente com jovens na mesma situação que a dela.

    Não demora muito pra Hazel trombar literalmente num corredor com Augustus Waters (Ansel Elgort), jovem, bonito, com cara de canastrão. E a partir desse contato físico, clichê o bastante, Hazel se interessa pelo rapaz, o que faz com que ela corra ao banheiro para arrumar o cabelo, limpar alguma remela perdida no decorrer dos dias de inanição.

    Durante a reunião, Hazel descobre que “Gus” já “passou” pelo câncer, o que lhe custou uma perna e que ele estava ali acompanhando seu melhor amigo, Isaac (Nat Wolff), vítima de câncer nos olhos e que se tornaria 100% cego dentro de semanas. É também nesta reunião que Hazel e Gus têm sua primeira discussão, o que faz com que o rapaz vá atrás dela na saída, convidando-a para ir à sua casa, sendo este um dos aspectos negativos do filme, porque tudo acontece muito rápido.

    Porém, por sorte, o filme é mais do que isso.

    Como dito, Hazel adora livros e empresta seu preferido a Gus. Acontece que o livro não tem fim e “acaba” no meio de uma frase. Ademais, o autor do livro, Van Houten (brilhantemente vivido por Willem Dafoe), nunca respondeu aos e-mails de Hazel, que é louca para conhecê-lo e por querer saber qual o destino dos personagens do livro. Assim, Hazel e Gus embarcam numa viagem à Amsterdã, onde reside o mais que recluso autor, com a ajuda de uma ONG (muito parecida com a Make a Wish) e da carismática Lidewij (Lotte Verbeek), secretária de Van Houten.

    O filme funciona e você acaba não ligando para os inúmeros clichês e momentos fofos entre o casal, que somente dá seu primeiro beijo na metade da fita. Aliás, o filme é longo, tem duas horas e seis minutos de duração, mas a fluidez é tanta que nem se percebe o tempo passar.

    Ansel Elgort faz um Augustus Waters bobo, do tipo engraçadinho, mas que também te faz rir. Ele é inteligente e convicto nas suas ideias, te fazendo acreditar que realmente tudo o que ele fala tem fundamento. O destaque fica por conta de seu cigarro sempre apagado em sua boca, o que é seu porto seguro. Gus acredita que mantendo o cigarro apagado ele estaria enganando a morte. Porém, o excesso de piadas de mau gosto do personagem, inclusive para com seu amigo Isaac, chega a cansar.

    Shailene Woodley despertou a curiosidade de Hollywood por ter sido alvo de uma polêmica causada pelos fãs do Homem-Aranha, que praticamente obrigaram o diretor de O Espetacular Homem-Aranha: A Ameaça de Electro, Mark Webb, a cortar as participações da atriz como Mary Jane, simplesmente porque Woodley parecia não convencer pelas fotos das filmagens que vazaram. O episódio irritou a atriz, que pediu demissão, rescindindo um contrato de três filmes. Porém, em A Culpa é das Estrelas, Woodley, que já tinha estrelado outra adaptação de sucesso, Divergente, comprova que é uma atriz competente e versátil.

    Embora o filme flua, o roteiro não é bem amarrado, o que deixa algumas pontas soltas que poderiam ter sido resolvidas. Por exemplo, percebe-se claramente que o pai de Hazel, Michael (Sam Trammel), não está confortável com o relacionamento de sua filha com Gus, porém, não se sabe o momento em que Michael passa a aceitar Gus em sua família. Ele simplesmente aceita, do nada. Outro exemplo, esse um pouco mais sério, porque interfere diretamente numa das cenas mais lindas do longa, foi a motivação de Lidewij em querer mostrar ao casal a casa onde Anne Frank se refugiou antes de ser descoberta pelos nazistas. Mas, como dito, a cena é um dos pontos altos do filme, onde a trilha sonora abre espaço somente para os diálogos dos personagens e da narração do diário de Frank publicado em 1947.

    Finalmente, o saldo é bem positivo e a direção de Boone é moderna, lembrando um pouco o ritmo de 500 Dias Com Ela, com muitas doses de humor, sendo influenciado, também, por Scott Pilgrim Contra o Mundo, já que quando Hazel e Gus trocam mensagens pelo celular, as mensagens aparecem escritas na tela dentro de balões desenhados à mão. E a fotografia é bastante sutil e subliminar. Há cenas bem coloridas, e outras sem muita cor, o que demonstra o humor ou a carga emocional do filme naquele determinado momento, principalmente em Amsterdã, onde o clima é o tempo todo nublado.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | O Espelho

    Crítica | O Espelho

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    Acusado de matar os pais quando criança, Tim Russell (Brenton Thwaites) sai sob custódia preventiva, onze anos depois, do hospital psiquiátrico em que estava preso. Tim quer apenas retomar sua vida e esquecer o que houve, mas sua irmã mais velha, Kaylie (Karen Gillan), tem certeza de que o responsável pelas mortes é um espelho mal-assombrado que existia na casa em que moravam e convence o irmão a ajudá-la a comprovar isso e destruir o objeto.

    Não há como negar que a atmosfera do filme é um diferencial em relação a tantos outros filmes de terror convencionais, focados apenas nos sustos. A cena inicial em que o espectador vê, pelos olhos das crianças, o pai delas transtornado perseguindo-as, dá uma boa ideia do que vem a seguir. Colocar em dúvida se o que realmente aconteceu é o que Tim vivenciou ou o que Kaylie viu é um ótimo artifício narrativo. Enquanto Tim via a mãe doente e o pai enlouquecido, Kaylie via um objeto inanimado controlando o comportamento dos pais. Ele (o insano?) vai preso por ter usado a arma contra o pai. Ela (a sã?) segue sua vida procurando o espelho obsessivamente, convencida de seu poder sobrenatural. O questionamento da sanidade dos dois contribui para deixar o espectador ainda mais tenso e desconfortável na poltrona. Infelizmente, o roteirista e diretor, Mike Flanagan, parece desistir dessa abordagem por volta da metade da história que, a partir daí, passa a ser mais um filme que quer, ou melhor, tenta assustar o público.

    É uma pena, pois o início é muito promissor. A tensão evolui lentamente, enquanto o passado dos dois irmãos é aos poucos revelado através de flashbacks. Aliás, apesar das idas e vindas entre passado e presente serem excessivas, causando certa confusão em alguns trechos, as transições entre um e outro são muito bem construídas, com algumas soluções visuais bastante interessantes. Em alguns momentos é quase como se as memórias se consolidassem no presente e interagissem com ele, transformando a lembrança dos pais em algo quase palpável e, por que não dizer, em fantasmas assombrando os irmãos.

    Mesmo sendo difícil julgar o elenco em filmes de terror, já que a maior parte do tempo passam fazendo caras e bocas de susto e apreensão, pode-se dizer que tanto Thwaites quanto Gillan estão bem convincentes em seus papéis. Rory Cochrane como o pai, Alan, está ok. E Katee Sackhoff, como a mãe, Maria, também não faz feio, principalmente nas cenas mais aterrorizantes. Mas o destaque mesmo é o casal de atores-mirins Annalise Basso e Garrett Ryan.

    Tecnicamente, não há o que reclamar. Seja pela fotografia, pelo cenário e mesmo pelos efeitos especiais, o resultado final é muito bom. Mas o filme peca mesmo é pelo roteiro com um ótimo início, que perde o rumo na metade e que chega num desfecho mais brochante que o pior dos clichês.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | A Montanha de Matterhorn

    Crítica | A Montanha de Matterhorn

    MATTERHORN-POSTER

    Solitário, Fred, personagem de Ton Kas segue viagem de ônibus, por paragens esmas, praticamente inabitadas, até o seu destino. O ônibus vazio age como um agente de premonição, que evidencia o estado de espírito dele, como um ser que prefere o isolamento e o silêncio da introspecção, que só é interrompida pelo canto lírico que ele tanto aprecia.

    A Montanha de Matterhorn trata da convivência forçada de um par de homens, sendo um deles um sujeito metódico, religioso e tradicional, e outro tresloucado, dionisíaco e completamente avesso a rotina, além de não se comunicar por meio de palavras. Theo, vivido por René van ‘t Hof só rompe o silêncio para sentenças curtas, com frases lacônicas e monossilábicas. Em comum há o fato de que os dois cavalheiros estão incomodados com a presença um do outro.

    A normatividade e a paciência de Fred são testadas a todo momento, uma vez que Theo é inábil de muitas maneiras diferentes, seja nos modos a mesa, nas rezas ao Senhor, no trato às pessoas e até na prática do futebol. O desafio dessa comunhão é enorme, mas guarda momentos ótimos, como toda a loucura que envolve a simples rotina da dupla. Até as idas à mercearia são épicas, com Theo imitando ovelhas em meio aos corredores dos mercados cheios de transeuntes e compradores. Até a ranzinzice de Fred parece aos poucos ceder, diante da alma atribulada de seu parceiro, aos seus olhos, um sujeito carente.

    Pouco a pouco, Fred se permite sentir mais do que está previsto sentir. Ele defende sua contra-parte do bullying de crianças “mal intencionadas”, sob o pretexto de não permitir que ele se acostume a deixar as crianças tratá-lo como um idiota, já que o trabalho da dupla é animar festas infantis, lugares repletos de criaturas assim. O envolvimento de Fred com seu parceiro é visto com maus olhos pela comunidade que o cerca, quase toda formada por calvinistas (como mesmo ele é), e até a sua mente é confundida, já que o sentimento de paternidade pelo atrasado homem se torna em algo maior.

    A abordagem do iniciante diretor e roteirista (ao menos em longas para o cinema) Diederik Ebbinge mostra uma parcela conservadora da população holandesa, formada por pessoas excludentes e julgadoras, que atiram pedras naqueles que são diferentes aos seus olhos. Os pares decidem dar vazão aos seus sentimentos, planejando uma viagem a Suíça (ao Monte Matterhorn) e um casamento. Indagado sobre o que Deus pensaria disso, Fred solta o grito preso em sua garganta, murmúrio que por tanto tempo escondeu, de que a Divindade nada fez por ele, jamais se preocupou de verdade com o seu bem estar, rompendo assim uma secular relação de servo e senhor.

    O nonsense permeia todo o modo de abordar os temas espinhosos provenientes da fita. Depois de uma difícil jornada, após beber de fontes antes desconhecidas, regadas a luzes neon, lantejoulas e afetação, Fred e Theo finalmente sobem a montanha, num esforço hercúleo por sua libertação, sem fazer qualquer apelo, sem cenas explícitas, sem panfletarismo visto a uma primeira olhada. Ao contrário, chega até a ser sutil para o expectador pouco atento, apesar de ser muito flagrante para o bom observador. A Montanha de Matterhorn é um dos poucos momentos em que forma e conteúdo conseguem convergir perfeitamente, cuja importância entre os dois é dividida de igual para igual.

  • Crítica | Transformers: A Era da Extinção

    Crítica | Transformers: A Era da Extinção

    transformers-a-era-da-extincao

    Quando foi anunciado, em meados de 2005, que o desenho Transformers ganharia uma adaptação para o cinema, ninguém sabia o que esperar. Porém, as expectativas eram as melhores possíveis. Quando o filme chegou às telas, em 2007, até os mais invejosos deixaram de criticar o tuning feito no disfarce de caminhão de Optimus Prime, todo pintado de chamas no melhor estilo hot rod, e passaram a apreciar uma ótima adaptação repleta de ação, humor, com uma trilha sonora certeira, tanto musical quanto orquestrada, além de ter uma história simples porém cativante sobre um jovem apaixonado pela garota mais popular do colégio e que precisa tirar notas boas para comprar seu primeiro carro.

    Infelizmente, mesmo a franquia se sustentando pelos sucessos de bilheterias das continuações Transformers: A Vingança dos Derrotados e Transformers: O Lado Oculto da Lua, os filmes foram um fracasso. Além de dois roteiros fraquíssimos, a relação entre o diretor Michael Bay e o elenco principal parecia ter se esgotado, uma vez que trabalhar com Bay não é uma das tarefas mais fáceis. Tal esgotamento resultou na demissão da atriz Megan Fox que havia, inclusive, iniciado as filmagens do terceiro filme.

    Logo após a estreia de O Lado Oculto da Lua, um reboot foi anunciado. Os robôs, obviamente, permaneceriam, mas todo o elenco seria trocado, o que permitiu que Transformers: A Era da Extinção fosse tratado como uma continuação dos três anteriores. E a mudança fez bem, mas não tão bem assim. Com uma história convincente, porém quase copiada da relação familiar mostrada em Armageddon (também de Bay), do pai-ciumento-que-faz-tudo-pela-filha-mas-que-descobre-que-ela-namora-e-nem-é-tão-santa-assim, o filme tem um péssimo terceiro ato que quase estraga toda a empolgação.

    Cade Yeager (Mark Wahlberg) é um mecânico, inventor e caçador de relíquias falido que tem o sonho de ser reconhecido pelo seu trabalho para poder pagar os estudos de sua filha Tessa (Nicola Peltz). Além de consertar aparelhos eletrônicos dos vizinhos, o que lhe rende pouquíssimo dinheiro, Cade vive comprando coisas velhas que as pessoas não usam mais com o objetivo de inventar alguma coisa, cuja patente lhe deixaria milionário. Sua vida muda quando, ao visitar um cinema abandonado no Texas, se interessa por um caminhão velho e destruído e o compra por 150 dólares. Durante o conserto do caminhão em seu celeiro (muito bacana, por sinal), Cade percebe que o sistema mecânico daquele caminhão é completamente diferente e que, portanto, poderia se tratar de um transformer. Após algumas noites em claro, consegue consertar e ativar Optimus Prime (novamente na voz de Peter Cullen), que agora passa a ter uma dívida com Cade. Optimus envia uma mensagem ao restante dos Autobots sobreviventes e consegue se reunir ao sempre carismático Bumblebee e aos novos Autobots: Autobot Hound (na voz do grande John Goodman); Autobot Drift (na voz do ótimo Ken Watanabe), um Autobot samurai (sim, um samurai); e Autobot Crosshairs (voz de John DiMaggio).

    Paralelo a estes acontecimentos, somos apresentados a um grupo secreto do governo muito semelhante à equipe Nest liderada pelo personagem de Josh Duhamel na primeira trilogia. Porém, esta equipe trabalha ao lado do transformer Lockdown (voz de Mark Ryan), caçando e matando Autobots ao redor da Terra. Com os adventos negativos da batalha em Chicago de Transformers: O Lado Oculto da Lua, o governo decidiu não contar mais com a ajuda dos Autobots, obrigando os robôs a se refugiarem e a se disfarçarem, o que explica a mudança de visual de Optimus e Bumblebee.

    Também somos apresentados ao cientista Joshua Joyce (Stanley Tucci) e seu sócio de negócios Harold Attinger (Kelsey Grammer). Joyce é uma espécie de Steve Jobs da indústria armamentista e que vem conseguindo criar seus próprios transformers baseados no “DNA” dos robôs capturados por Lockdown. Tem como objetivo criar transformers em larga escala e vendê-los para outros países. Já Attinger tem uma mente maligna e trabalha ao lado de Lockdown, liderando à distância a equipe de caça em busca de Optimus Prime, que detém a Semente, uma espécie de matéria-prima que, se detonada, se torna uma fonte inesgotável para a construção dos robôs de Joyce.

    Com esses três núcleos de personagens, o roteirista Ehren Kruger, que retorna à franquia desta vez assinando o filme sozinho, consegue amarrar uma história convincente, convergindo estes núcleos de forma inteligente e bastante justificável. Não há nada de errado no fato da família de Cade estar envolvida numa trama em que um robô mercenário – que tem como esporte aprisionar líderes dos planetas em que passa – fecha um “contrato” com humanos que concordam em entregar o líder dos Autobots em troca da Semente.

    As cenas de ação são muito boas e o destaque fica para a perseguição aos Autobots, onde os transformers dos humanos são ativados pela primeira vez e liderados por Galvatron, que foi criado tendo Megatron como base, o que demonstra timidamente o que poderá vir numa eventual continuação. Com isso, a parte de humor também é boa e sobra até para Optimus uma piada. A cena em que Bumblebee, que não gosta nem um pouco de ser chamado de lata velha, encontra o transformer que foi criado a partir de sua base é espetacular. É sempre bom poder rir com um robô amarelo e temperamental (entenderam?).

    Infelizmente, o terceiro ato é ruim e repete os mesmos erros dos dois filmes anteriores, pecando pelo excesso. Chega a ser chata essa mania de Bay em querer que o filme seja maior e mais épico possível, algo que não contribui em nada para o desenrolar da trama. É tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo que Bumblebee simplesmente desaparece numa determinada parte. O sentimento é de enganação, o que também pode levantar a suspeita de que o filme sofreu problemas em sua produção, já que se nota claramente que os dois primeiros atos fazem parte de um ótimo e promissor filme, sendo o terceiro ato parte de um péssimo filme. A diferença chega a ser tão gritante que Joshua Joyce, antes tido como um gênio da indústria moderna, um personagem carismático que não se sabe em que lado está, seja reduzido a um personagem engraçadinho e insuportável, dez vezes pior que o agente Simmons, vivido por John Turturro na trilogia original. Até a presença dos Dinobots no filme poderia ter sido descartada se os Autobots, de fato, não estivessem precisando de ajuda. O curioso é a maneira como se responde à questão da existência de robôs-dinossauros no filme, sendo a resposta a mais simples e óbvia possível.

    Quanto à direção de Bay, mais do mesmo. Estão lá as competentes cenas de ação, as cenas feitas em contraste com o pôr-do-sol, assim como as cenas em câmera lenta. Embora seja muito criticado por sempre repetir a mesma fórmula, inclusive por copiar aquilo que deu certo (e o que deu errado, também) e por ser exagerado, Bay ainda é um dos poucos diretores em Hollywood que, obviamente com exceção dos robôs, ainda trabalha com cenários reais e efeitos práticos, além de colocar seus atores dentro de explosões e situações de perigo reais, sem o uso de dublês. o 3D é competente e a experiência, de fato, vale o ingresso, o que é muito raro.

    Apesar do terceiro ato e dos longos 165 minutos de fita, Transformers: A Era da Extinção tem um saldo positivo, mas por pouco. O novo elenco e os novos personagens injetaram um pouco de ânimo à franquia. A jovem atriz Nicola Peltz e Jack Raynor, que faz o namorado de Tessa, Shane, são apáticos, mas Mark Wahlberg, com seu personagem carismático, e Stanley Tucci conseguem carregar o filme nas costas. Seria bastante interessante se, em algum momento, acontecesse um encontro entre Sam Witwicky, da trilogia antiga, e Cade Yeager.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | Full Tilt Boogie

    Crítica | Full Tilt Boogie

    Full Tilt Boogie

    O documentário de Sarah Kelly começa com um pequeno spot, mostrando pedaços fundamentais de Um Drink No Inferno, para depois acompanhar a dupla de astros que anos mais tarde se tornariam diretores respeitadíssimos. Quentin Tarantino e George Clooney cortam os bastidores do estúdio ao som de Earth, Wind & Fire, num ritmo tão louco quanto o de seus personagens. A câmera de mão ajuda a preconizar o tom cômico, que acaba com os dois passando pela loja de conveniência que explodiria, mesclando ambas as películas.

    Full Tilt Boogie – jamais lançado no Brasil – conta com imagens raras de bastidores, mas não é um making off, até por seu clima ser demasiado artesanal. Ele mergulha nas influências de Robert Rodriguez (ainda acima do peso, se comparado à figura esguia atual) e de um ainda em início de carreira Tarantino, que explicam o seu intuito ao fazer o filme, o de brincar com clichês de filmes B, e claro, e o twist após uma hora de exibição. É interessante notar como ambos funcionam bem juntos já à época, assim como os dotes de composição de Robert Rodriguez.

    As filmagens cortam as semanas e mostram produtores como Lawrence Bender e a preparação do elenco, bem como os ensaios com os figurantes fantasiados de vampiros, bonecos mecatrônicos, além de cenas estendidas, muito mais violentas do que as mostradas na grande tela – esse trecho é mostrado primeiramente por Greg Nicotero. Em determinado ponto, mostra-se até um concurso para julgar a bunda mais bonita do set, sem revelar quem era o seu dono, e em um dos contestes quem vence é um dos contrarregras, que era homem.

    O documentário também foca o imbróglio econômico entre os estúdios e produtores Tarantino-Bender. A condição para que injetassem dinheiro era que uma série de exigências fosse cumprida, algumas delas por implicâncias a produtos anteriores de Bender, uma caça a pelos em ovos. A produção de Full Tilt Boogie tentou a todo custo realizar contatos com Lyle Trachtenberg, a pessoa que poderia responder às dúvidas deles, mas a simples menção ao nome de Quentin os fez serem recusados. Prevendo que sua fita poderia ser pasteurizada, os realizadores decidiram por as mãos na massa eles mesmos, arrumando meios próprios para a produção do filme.

    Os últimos momentos se dedicam às cenas externas, de maior dificuldade, não por acaso sendo gravadas por último, além de mostrar a contribuição de Richard Parks no texto de seu personagem, o que marcaria o ator para trabalhar em futuras produções de Tarantino e Rodriguez.

    O filme fecha com um tom leve, emulando o clima de toda a produção envolvendo o diretor, roteiristas e elenco. Há um bocado de camaradagem entre os iguais, sem qualquer forçação, mesmo que toda a docilidade mostrada tente contradizer isto. Os créditos finais mostram os profissionais analisados, não somente os atores, mas cada um dos expoentes da produção, pondo todos em pé de igualdade. Além das ótimas informações sobre as atividades do processo de realização do Cinema, há uma forte carga de memória emotiva, que reverbera de modo ainda mais singular quando vista por quem é fã de Um Drink No Inferno.

  • Crítica | Jersey Boys: Em Busca da Música

    Crítica | Jersey Boys: Em Busca da Música

    jersey boys

    Quem acha que Frankie Valli se resume a “La Bamba” e “Donna” vai se surpreender ao descobrir que há mais sobre ele do que “sonha nossa vã filosofia”. Produzido por Valli e Bob Gaudio, o filme, baseado no musical de mesmo nome (vencedor do Tony Award) e no livro Jersey Boys: The Story of Frankie Valli and the Four Seasons de David Cote, conta a história da carreira de Valli e do grupo Four Seasons – Frankie Valli (John Lloyd Young) como vocalista principal; Tommy DeVito (Vincent Piazza), guitarra e voz; Nick Massi (Michael Lomenda), baixo e voz; Bob Gaudio (Erich Bergen), piano e voz.

    O espectador é apresentado a Francesco Castellucio, um aspirante a barbeiro, dono de uma voz em falsete bem possante, que viria a adotar Frankie Valli como nome artístico. Depois de três anos, Clint Eastwood volta à direção contando a trajetória do quarteto, desde o início de sua ascensão – após o sucesso de “Sherry”, em 1962 – até sua dissolução nos anos 70. Nesse período, o grupo passa por situações difíceis, saias justas, discussões, problemas financeiros, enquanto se apresenta por todo o país, desfrutando da fama adquirida. Sem grandes surpresas, pois é a história de 90% dos grupos artísticos bem-sucedidos.

    Como vários artistas da época, conseguem abandonar a provável carreira de gangsteres devido a seus dotes musicais – sem deixar de recorrer à famiglia nos momentos de aperto. A bênção do padrinho Angelo “Gyp” DeCarlo (Christopher Walken), um mafioso que parece ter superpoderes, já que consegue resolver qualquer problema, fã da voz do jovem Frankie, garante que os jovens coloquem seus talentos em prática. É sob os auspícios da máfia e de seu código – honra, respeito, fidelidade a seu benfeitor – que o grupo se estrutura. E é justamente pelo desrespeito a esse código que o grupo se desfaz anos mais tarde.

    Mesmo que a história seja baseada em fatos reais “de verdade”, tanto a contada no musical quanto a vista no filme, o que se vê é a visão do roteirista e do diretor sobre o que aconteceu. E, no caso da película, uma visão bem convencional, sem grandes arroubos criativos, seja em termos de roteiro, fotografia, montagem, direção. Há o rompimento da “quarta parede”, optando por fazer com que os personagens contem a história ao espectador. Mas não há nada de tão revolucionário nisso. Martin Scorsese se utilizou disso muito bem em Os Bons Companheiros. É uma boa solução narrativa, pois evita o uso extensivo da narração em off, que possivelmente seria tediosa, além de “puxar” o espectador para dentro da história, tornando-o um ouvinte-observador – ou observador-ouvinte.

    E falando em ouvir, aos amantes de música, especialmente de canções dos anos 60, com seus grupos vocais e rocks dançantes, a diversão está garantida. Há ótimos trechos musicais, daqueles de acompanhar o ritmo com o pé e sussurrar a música junto com os cantores. Destaque para a sequência final, com um número digno dos melhores musicais, homenageando o gênero da melhor forma possível.

    Clint nos deixou mal acostumados, presentando o público com Sobre Meninos e Lobos, Menina de Ouro, Gran Torino, e até mesmo com o mais recente J. Edgar. É praticamente inevitável ver um filme dirigido por ele sem um pingo de expectativa. E provavelmente parte dessa expectativa é a responsável por fazer Jersey Boys parecer mais morno do que realmente é.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | O Último Amor de Mr. Morgan

    Crítica | O Último Amor de Mr. Morgan

    O Último Amor de Mr. Morgan

    Um filme é produzido por duas razões: Hoje em dia, pra fazer dinheiro em especial, mas também para contar uma história que precisa ser contada. A trama precisa ser especial o suficiente a um monte de elementos, uma montanha deles na verdade, e contudo, para um filme sobreviver e se destacar, às vezes a sorte ajuda o que não consegue reunir nem em um montinho de terra os seus valores. Aqui, a sorte ou um ótimo elenco, caso de O Último Amor de Mr. Morgan, com Michael Caine, um raro drama americano que encontra na leveza e nos explícitos subtextos culturais da cidade de Paris a essência do filme, muitas vezes traduzida pelos próprios cenários da produção de frescor virginal. Virginal porque celebra o último amor de um homem, como qualquer outro filme celebraria o primeiro, e esse é o único trunfo desta contradição em forma de filme. A intenção, infelizmente, não faz o projeto.

    Que tal juntar as duas pontas da vida?, pensou a arte. As duas gerações? Sim, dois universos, duas línguas diferentes. Na dificuldade de uma falar a outra, o filme encontra então uma metáfora no desafio de um homem ancião ter alguma chance junto a um coração juvenil – mais do que vice-versa. A ótica da história tende a ter impacto social, mas desiste e se limita a consequências unilaterais, brotadas do entrelaçamento inevitavelmente temporário, e mais uma vez nos romances fadados à morte, de forma depressiva e à base de memórias que jamais enriquecem a película. Seria exagero afirmar que Up, da Pixar, foi o mais feliz representante moderno desses “milagres termodinâmicos” que unem alvorada e rugas, apenas por ser divertido e sábio do mesmo jeito, ao mesmo tempo? Tempo de refletir, isso sim.

    Só que encontrar um sentido para a enorme despretensão de O Último Amor de Mr. Morgan é como achar algum para a vida, seja um significado definitivo ou não. O filme inteiro parece uma introdução a ele mesmo, isso explica o porquê dele ser uma contradição. O filme tem o fôlego de um homem de 90 anos e comete o pecado de não se aprofundar no sensível (!) personagem homônimo de Caine, afetado pelo recente óbito de sua esposa e por questões relacionadas, seja o respeito total que tem por sua inusitada parceira, na pele de Clémence Poésy, seja a difícil relação do homem com seus filhos. Relações inconsistentes demais, e resoluções ainda mais cruas para um filme que tenta ser tão emocional.

    O que era pra ser um duplo estudo de dois seres humanos diferentes, mas análogos no modo como encaram a vida, vira um mosaico de relações verborrágicas e quebradiças e que não encontra tempo nem espaço para refinar a nobre proposta interpretada por uma boa atriz, Poésy, e um ator no auge de sua sabedoria cênica. Em certo momento, nem mesmo Paris consegue mais mascarar um contexto tão desidratado, pois toda história seca quando, antes do final, já não merece mais ser contada. Aparentemente, a cineasta Sandra Nettelbeck ainda é incapaz de fazer seus filmes falarem por ela.

    Vladimir Nabokov com seu Lolita sabe a dor de cabeça e o preço que o laço entre gerações produz. Mas nos últimos filmes de Bergman e Ozu, os vovôs pegaram as duas pontas da velhice humana e fizeram essa união, selando seus presentes realizados por mais de quarenta anos a nós, fiéis revisores da verdadeira imortalidade artística. De fato, a breve história do Sr. Morgan deixa um grande gosto de quero mais na boca, afora suas boas atuações, e acaba sendo senão tão efêmero e esquecível quanto é a maioria das almas na reta final da estrada, onde não existe mais semáforos: às sombras, o caminho é livre sob a luz.

  • Crítica | O Grande Hotel Budapeste

    Crítica | O Grande Hotel Budapeste

    o grande hotel budapeste

    O Cinema de Wes Anderson, sendo a arte antes do artista, é claro, é um corredor de pinturas, uma ida ao museu numa tarde chuvosa onde não há mais nada a se fazer senão apreciar a viagem histórica. O cineasta tem a preferência de centralizar seus mundos enquanto expande os significados deles através de uma simbologia única em nível de identificação universal. Mundos onde todos os personagens são totalmente imprescindíveis à história ao mesmo tempo em que são totalmente desnecessários à narrativa em retalhos: substituíveis e relevantes ao mesmo tempo. O Grande Hotel Budapeste é o Cinema de Jacques Tati e Stanley Kubrick feito para todas as idades e mentalidades. Lindo, matemático, extremamente planejado em planos cênicos milimétricos, mas não é superficial em toda a sua estilização, afinal de contas, apenas por denunciar a beleza existencial do mundo a partir dos valores humanos de cada vida vinculada à teia apresentada.

    Até porque Anderson tem olho clínico e confiança de chamar atores do mais alto nível, assim como semi-desconhecidos, para interpretar figuras icônicas que pertencem a mentes de pessoas como Alan Moore, genial escritor inglês e famoso por sua excentricidade. Logo no começo de Budapeste, percebemos os traços marcantes da filmografia do diretor de Moonrise Kingdom, seja na (ótima) direção de arte, seja na atmosfera visual ou na musicalidade inocente e eclética de sempre. Enfim, temos, ao longo de uma hora e meia de projeção, a desconfiança da releitura artística que o filme vem a ser, na real, muito antes do clímax esperado.

    Releitura devido ao ponto alto da carreira que o cineasta já conseguiu alcançar “por acaso” é onde repousa seu belo e extravagante hotel. Um cume no qual não carece mais provar seus talentos e visão pessoal a mais ninguém, vide a falta de pretensão, de autoestima, e de altos e baixos de uma energia linear e constante ou mesmo de alguma dose de seriedade da história de corre-corre e de amizades inesperadas pelos caminhos. Veredas a partir e muito além dos corredores e escadas sinuosas do edifício homônimo.

    A fusão entre realidade e realidade particular pode ser uma das explicações para definir a arte de cada um; o Cinema, inclusive, o qual muitos chamam de “a arte completa” por ser justamente a fusão da maioria delas. Seja como for, e sem mais delongas, Anderson e seu elenco espetacular – Tilda Swinton aparece 5 minutos depois do início do filme, durante 60 segundos apenas, e é tão impressionante sua participação que a projeção poderia terminar com sua saída e tudo seria maravilhoso do mesmo jeito – defendem a teoria que abre este último parágrafo na aurora de uma realidade particular, a que todos nós aprendemos a amar, cada um à sua maneira, e que muito completa a verdadeira realidade das coisas.

  • Crítica | Heróis de Ressaca

    Crítica | Heróis de Ressaca

    herois de ressaca

    Em 2004, o diretor Edgar Wright e os atores Simon Pegg e Nick Frost iniciaram a chamada Trilogia dos Três Sabores de Cornetto (Three Flavours Cornetto Trilogy) com o já clássico Todo Mundo Quase Morto (Shaun of The Dead). A comédia, que subvertia os clichês e homenageava os filmes de zumbi, foi um grande sucesso devido aos seus diálogos ágeis e engraçados, roteiro bem amarrado e ótimas atuações da dupla de protagonistas e do elenco de apoio composto por comediantes britânicos. No ano de 2007, foi a vez de Chumbo Grosso (Hot Fuzz), filme igualmente engraçadíssimo e que prestou uma sensacional homenagem aos filmes de ação. A “Trilogia” agora chega ao fim com Heróis de Ressaca, uma pérola que homenageia os filmes de ficção-científica, mais precisamente os de invasão alienígena.

    Cada filme é relacionado a um sabor diferente do sorvete Cornetto – os protagonistas se referem, compram ou visualizam o sabor adequado a cada situação. Em Todo Mundo Quase Morto, o sabor é de morango (vermelho); em Chumbo Grosso, o sabor clássico (azul); e em Heróis de Ressaca, menta (verde). A brincadeira com as cores do Cornetto é ainda uma paródia com a série de filmes Trilogia das Cores do diretor Krzysztof Kieślowski.

    Estrelado pela impagável dupla Simon Pegg e Nick Frost, além de Martin Freeman, Paddy Considine, Eddie Marsan, Rosamund Pike, Pierce Brosnan e Bill Nighy em participação especial, Wright novamente conseguiu fazer um filme engraçadíssimo, com roteiro muitíssimo bem amarrado (escrito em conjunto com Pegg), diálogos sensacionais e momentos impagáveis, principalmente em seu terço final. Na trama, 20 anos após tentarem um pub crawl – uma maratona de bebedeira em vários bares diferentes numa única noite -, um grupo de cinco amigos de infância se reúne novamente na cidade do interior da Inglaterra, onde moravam, para arriscar o feito, quando um deles convence os demais. Porém, ao chegarem no local, percebem que coisas estranhas têm acontecido na cidade.

    Simon Pegg e Nick Frost, a dupla de protagonistas, estão impagáveis como sempre. Pegg entrega uma interpretação inspirada e alucinada, ainda que com alguns toques de melancolia, para o seu Gary King. A simpatia com o personagem é imediata. Frost faz Andy, melhor amigo de Gary e o melhor sucedido da turma. Seu processo de desconstrução ao longo do filme é divertidíssimo. Martin Freeman, Eddie Marsan e Paddy Considine também entregam interpretações inspiradas. Apesar de serem mais contidos, talvez pelos próprios personagens que interpretam, os três têm momentos engraçadíssimos e não servem somente como escada para as piadas da dupla principal. Vale também destacar a presença da linda Rosamund Pike, que faz uma mocinha pouco convencional, objeto de desejo e de (divertida) disputa entre as personagens centrais. As participações de Pierce Brosnan e Bill Nighy como figuras importantes do passado do grupo são impagáveis e essenciais para a trama.

    A fotografia do filme é excelente e há ótimo uso das locações e cenários. Aos poucos, a bonita e simpática cidade de Newton Haven vai se transformando em um cenário opressor. O ritmo vai de uma escalada constante até chegar a um ponto vertiginoso, e as cenas de ação e luta são orquestradas magistralmente. Nota-se também uma certa influência de Scott Pilgrim Contra o Mundo, trabalho anterior do diretor, na edição da película. Algumas transições são muito parecidas, ainda que mais discretas.

    Em resumo, a Trilogia dos Três Sabores de Cornetto encontra aqui o seu desfecho de ouro com esse sensacional filme que agrada em cheio a qualquer público, mesmo àqueles que não são familiarizados com o cinema de Edgar Wright.

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  • Crítica | Sob a Pele

    Crítica | Sob a Pele

    sob a pele

    O hype da nova produção sci-fi de Jonathan Glazer (diretor de Reencarnação) começou pela óbvia referência à nudez de Scarlett Johansson, até então nunca descortinada por completo. O vazamento da informação gerou curiosidade por parte do público fã de curvas femininas, dando a Sob A Pele uma popularidade que provavelmente não existiria por outro motivo. O anseio por enxergar a alva pele da atriz sem qualquer tecido encobrindo-a é saciada logo de cara, como se Glazer quisesse dizer que sua história é muito mais que uma bela mulher sem suas roupas.

    Scarlett faz às vezes de Mathilda May, que em Força Sinistra vampiriza humanos, também se valendo de sua sexualidade. Sem utilizar muitas palavras, somente observando, a alienígena passeia pela superfície terrestre, espreitando os seres que habitam o planeta. O filme se vale de edição de som e mixagem bastante singulares. Os barulhos servem para se fazer mergulhar no modo de se sentir da forasteira.

    O roteiro trata de usar os estereótipos da predação carnal/sexual em momentos em que a cor isola os personagens. Na primeira aparição da protagonista, em uma cena onde a extraterrestre toma as roupas de uma outra mulher, o ambiente é puxado para uma tonalidade alva. Quando esta precisa se enredar a um espécime masculino, a monocromia, de tons negros, remete à escuridão dos interesses do sujeito, que termina a sequência preso a uma superfície lodosa. Todos os homens que tentam alcançá-la caem nessa superfície movediça, semelhante a um limbo existencial, onde sofrem mutilações e transformações da matéria corporal.

    A sede e a fome do forâneo é insaciável. Ela parece só se mover para atingir o êxtase inacabável, que em uma análise maior pode ser associada à libido e à volúpia, não só as de suas vítimas – pessoas supostamente egoístas -, mas sim as inerentes ao sujeito comum, que busca o tempo todo fartar as suas necessidades até chegar ao ponto de saturá-las, atingindo o estágio de não vivência. Como destacado por MD Magno ao analisar a obra freudiana, a pulsão eleva o homem a vontade irrefutável de não existir, que jamais é atingida, nem mesmo com a morte, uma vez que ela não pode ser provada empiricamente.

    Após passados 77 minutos de filme, a lente visita cada particularidade da nudez de Scarlett Johansson. A própria personagem se encara diante de um espelho, testando a si mesma e aos seus limites, dobrando e esticando os membros inferiores. Recordando as pessoas que cruzam seu caminho, nota-se o óbvio padrão masculino, mas é também possível perceber que os que a desejam são em sua maioria pessoas solitárias, cuja busca por alento varia, não sendo só marcada pela luxúria, mas pela incrível predominância da carência.

    O modo com que a história é contada é pouco usual e quase nada normativo; em alguns momentos, a abordagem da temática erótica beira o surreal. O exílio da solitude visto antes nos homens é também contemplado na pele da “estrangeira”, que procura manter-se longe do contato humano, sentindo-se abusada quando é tocada de modo lascivo e à força. Mesmo com toda a história decorrida, ela ainda guarda em si uma sensibilidade feminina atroz, ainda que isso não seja, a priori, parte dos seus instintos primários. Ao final, os papéis se invertem: o predador age como a presa, inclusive conquistando os anseios de desejar a morte, pois, quando se vê em perigo, a criatura não se permite salvar. Sob A Pele usa um protagonista extraterrestre para tratar de características humanas básicas, como insegurança, egolatria e misantropia.

  • Crítica | Um Homem Sério

    Crítica | Um Homem Sério

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    A cultura judaica possui diversas características que a tornam uma das mais ricas e influentes do ocidente. Além de comandarem grande parte do show business dos EUA, pessoas com ascendência judaica sempre se destacam também no campo artístico, em especial na comédia, onde seu tom de humor negro e autodepreciativo já é consagrado. Por fazerem parte desse universo, os irmãos Coen sempre tiveram afinada essa veia humorística, mas em seu longa de 2009, Um Homem Sério, decidem se aprofundar na cultura judaica que conhecem tão bem desde a infância.

    O filme começa com uma representação de uma antiga lenda judaica sobre o dybbuk, um espírito que toma o corpo de pessoas comuns. Essa pequena história, que é falada em íidiche e se passa em algum país do leste europeu em alguma época (que pode ser tanto há 1000 ou há 100 anos), dará o tom de todo o filme, contrastando as características de um casal, onde o homem é esperançoso e vê tudo pelo lado positivo, enquanto a mulher, com um tom mais realista, vê tudo pelo lado negativo. Seu encerramento se dá também deixando ao encargo do espectador tirar a lição do que tudo aquilo significou, o que só fará realmente sentido após o final do filme.

     história principal começa intercalando personagens de uma mesma família judaica de um subúrbio do meio-oeste norte-americano (local similar a onde os Coen cresceram), os Gopnik. O patriarca, Larry (Michael Stuhlbarg), é um professor universitário de matemática avançada que está fazendo um checkup no médico, e aparentemente, tudo está normal. Seu filho, Danny (Aaron Wolff), ouve Somebody to Love de Jefferson Airplane (que embalará todo o filme) em meio a uma tediosa aula de uma escola judaica, de onde também precisa fugir do grandalhão que vendeu-lhe maconha e agora cobra a dívida.

    Larry é um cidadão pacífico e submisso. Nunca levanta a voz para ninguém, segue todas as regras sociais e morais, e não é respeitado por ninguém. Porém, uma onda de acontecimentos desastrosos, ao melhor estilo dos Coen, o acomete. Sua mulher Judith (Sari Lennick), quer o divórcio para casar com o vizinho Sy Ableman (Fred Melamed), um aluno reprovado o suborna e ameaça processá-lo, seu irmão problemático Arthur (Richard Kind) se recusa a sair de sua casa e ele também passa a receber cartas o difamando para a comissão que o avaliaria para uma promoção dentro da universidade em que leciona. A partir daí, seu questionamento do “o que eu fiz para merecer isso?” passa a dar o tom da narrativa, já que Larry não entende a razão pela qual Deus (ou Hashem) está castigando um homem que nunca fez nada de mal a ninguém.

    Portador de uma personalidade totalmente lógica, toda a organização do universo depende uma ação e consequência, fato que deixa bem claro quando seu aluno sul-coreano tenta suborná-lo para passar. Quando ele recebe a avalanche de acontecimentos ruins, tem uma dificuldade imensa em conseguir se organizar e lidar com elas. Ele sai de casa e vai morar em um motel ao mesmo tempo que seus filhos, de forma bem egoísta, só se preocupam consigo mesmos. As cartas o difamando não param de chegar, ameaçando sua promoção. Os custos com os advogados parecem só crescer, enquanto sua mulher exige cada vez mais dele. Até mesmo quando seu pretendente morre em um acidente de carro (onde Larry curiosamente sofre outro, provavelmente no mesmo instante), ela pede que Larry pague seu funeral. Lá, o rabino o chama de “homem sério”, mesmo ele tendo causado a ruína do casamento de Larry, e depois ter sido o autor das cartas de difamação (em uma revelação curta, porém, poderosa e muito bem construída), enquanto Larry não tem nenhum reconhecimento. Mais ou menos da mesma forma que é a vida.

    Sob toda essa pressão e a ponto de quebrar, Larry procura ajuda dentro da tradição judaica, falando com três rabinos. O primeiro, um rabino jovem e sem experiência, só consegue traçar paralelos hilários com o estacionamento. O segundo, o rabino experiente da comunidade, conta uma história também hilária e absurda sobre um dentista, que não tem nenhuma relação com Larry e seus problemas, para sua e nossa aflição. O terceiro, o rabino já aposentado, não garante a Larry nem uma audiência para ouvi-lo.

    Essa sucessão tragicômica de eventos aleatórios nos coloca ao lado do protagonista, relembrando um pouco a lição de Magnólia, onde essas coisas, por mais trágicas e pessoais que possam parecer, acontecem. Não por nossa causa. Não para nos agradar nem punir. Simplesmente acontecem. E nós temos de lidar com elas.

    Essa é a lição, então, simples e fria, transmitida de forma tecnicamente apurada (onde cada plano é necessário e se encaixa perfeitamente com a narrativa) e com um roteiro muito bem construído (além de ousado). Nas mãos de pessoas menos competentes, talvez se tornasse um filme insuportável. Porém, os Coen conseguem dar a essa tragédia pessoal a leveza de seu humor negro, e a sensibilidade na hora de carregar nos elementos corretos para deixar tudo balanceado ao ponto de fazer a história fluir. Passagens memoráveis deixam transbordar essa sensibilidade dos direitos, com um rabino super tradicional citando a letra de Jefferson Airplane, ou um homem coreano, pai de família tradicional e rígida, diz a Larry para “aceitar o mistério” dos acontecimentos, confundindo a ele e a nós, para seu desespero e nosso prazer.

    Esses pequenos momentos, marca característica dos Coen, que tornam “Um Homem Sério” tão sedutor, pois eles aliam todo o seu rigor técnico a uma história simples, mas contada de tal forma que carrega emocionalmente o espectador enquanto vai, camada por camada, mostrando o que está por trás de cada personagem e sua visão de mundo. E no final, estamos nos perguntando o que temos de Larry em cada um de nós. O quanto agiríamos diferente. O quanto somos diferentes. Quantos golpes aguentaríamos de pé até cairmos e questionarmos tudo o que consideramos sagrado. Perguntas incômodas, mas sempre necessárias.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | 47 Ronins

    Crítica | 47 Ronins

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    47 Ronins é um filme que enfrentou muitos problemas de produção, e filmes com problemas assim são grandes candidatos ao fracasso. Com o início das filmagens em 2011 e três roteiristas depois (Chris Morgan, Hossein Amini e Walter Amada), a produção americana chegou por lá em 25 de dezembro de 2013, estreando nos cinemas brasileiros em 31 de janeiro de 2014, o que deixou boa parte dos fãs de Keanu Reeves ansiosos, já que, tomando Matrix como base, seria interessante ver o ator em um filme de samurais. Porém, nem o atraso na produção, o orçamento estourado e gordo de US$ 175 milhões e as mudanças no roteiro, fizeram com que o diretor estreante Carl Rinsch convencesse os mais otimistas.

    O filme é baseado numa das maiores histórias da cultura japonesa, um evento que aconteceu entre os anos de 1701 e 1703, que demonstrou um ato de bravura e coragem, onde 47 ronins vingaram a morte de seu mestre, acusado de agredir um funcionário da justiça japonesa. Mas, como dito, o filme é baseado nessa passagem e isso não significa que a estória percorreu exatamente da maneira como aconteceu há mais de 300 anos, o que é comum em Hollywood. Vide o exemplo de 300, de Zack Snyder.

    Kai (Keanu Reeves) é um bebê sem traço oriental algum que foi deixado numa floresta para morrer por ser considerado amaldiçoado. No entanto, o bebê foi resgatado por Lord Asano (Min Tanaka) e passou a conviver junto do senhor feudal e de sua filha, Mika (Ko Shibasaki) até a fase adulta. Kai sempre sofreu por ser um gaijin (o que aqui no Brasil é conhecido popularmente como “gringo”) e, mesmo sendo muito útil a todo o povoado sabendo lutar, vivia à sombra da população e dos samurais que cuidavam da guarda de Lord Asano. A cena em que o grupo de samurais é atacado por um animal colossal deixa bem claro isso. Kai consegue matar o bicho e mesmo aos olhos de testemunhas, um dos samurais recebe todos os méritos.

    A vida de Kai muda quando Lord Kira (Tadanabu Asano) chega à cidade com sua comitiva para um torneio de samurais que será assistido pelo Shogun Tsunayoshi, vivido por Cary-Hiroyuki Tagawa, o Shang Tsung, de Mortal Kombat. Percebe-se, portanto, que Lord Kira também é um senhor feudal e que o Shogun seria uma espécie de governador que está acima dos senhores feudais.

    Kai percebe que Kira tem outras intenções, mas ninguém acredita nele, nem mesmo o líder dos samurais, Oishi (Hiroyuki Sanada). Após Kira conseguir provar que sofreu um atentado cometido por Lord Asano, o Shogun concede a Asano o julgamento através do seppuku, a pena de morte por suicídio, numa linda cena. Com isso, o Shogun passa o feudo a Kira e os 46 samurais de Lord Asano se tornam ronins, samurais sem mestre. A partir daqui, Keanu Reeves deixa de ser o protagonista e atua como um coadjuvante de luxo ao lado de Hiroyuki Sanada, quando seu personagem, Oishi pede ajuda a Kai para reunir os outros samurais renegados.

    O filme tem um visual lindo e primoroso. Todos os cenários, as locações e figurinos são maravilhosamente caprichados, nos mínimos detalhes e esse é o seu maior destaque. Uma pena que a estória não convence e talvez o maior erro tenha sido incluir elementos de magia, já que o filme fluiria bem mais sem elementos míticos que poderiam ter sido corrigidos por conta de um roteiro mais inteligente. Percebe-se claramente que a presença da feiticeira aliada de Lord Kira, bem como o passado sombrio de Kai revelado no início do terceiro ato foi a maneira mais fácil de resolver as situações mais complexas do filme. Pura preguiça, algo bastante comum em Hollywood.

    Com exceção de Reeves, o elenco é todo japonês, porém falando inglês, o que é um ponto negativo. Mas o filme não é um desastre e tem ótimas passagens, sendo a maioria delas onde a direção de arte está diretamente envolvida. Além de manterem fielmente os nomes de todos os envolvidos, todos os rituais japoneses presentes na película são demais, assim como parte do clímax no terceiro ato onde todos os 47 ronins estão envolvidos. De qualquer forma, 47 Ronins é um filme para assistir num feriado frio e chuvoso, quando não se tem mais nada a fazer. Aliás, pesquisar sobre a história verdadeira e visitar virtualmente os túmulos dos 47 ronins que se encontram no Templo Sengaku-Ji, em Tóquio, é uma atividade bastante recomendada.

    Compre aqui: DVD | Blu Ray.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | Amazônia

    Crítica | Amazônia

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    Acostumado a realizar documentários para a televisão francesa, Thierry Ragobert encabeça a produção franco-brasileira que mostra uma floresta amazônica de modo intimista – ao menos não nos moldes humanos. Amazônia é parte da estética adotada pelo diretor de explorar as paisagens globais de modo fora do usual, semelhante ao que fizera com Planeta Branco, mas sem a pecha de documentário do anterior. Nesse filme, a história é narrada pelas desventuras de Castanha, um macaco-prego criado em cativeiro que sofre um acidente de avião e é exposto à selvageria comum da floresta.

    A intervenção dos homens é feita de modo frio. A única pessoa com quem interage o herói da jornada é uma menininha (Pietra Reis), que se despede um bocado triste do mascote. A relação dos dois é baseada na ingenuidade e inocência, mas esse background logo é deixado de lado para dar lugar a belíssimas cenas aéreas seguidas da queda do avião.

    Em terra, Castanha vê sua gaiola invadida por roedores, que se refestelam com os objetos coloridos do planador e que, sem intenção, liberam o símio de seu cativeiro. Ao perceber que não precisa mais ficar confinado, Castanha sai floresta afora, enfrentando mosquitos e se deparando com as ricas fauna e flora amazônicas. As lentes precisas grafam a multiplicidade de flores, fazendo da película algo belíssimo visualmente e significativo ante a trajetória de Castanha. Aos poucos, ele deixa os modos de bicho doméstico e dependente da intervenção dos homens para começar a interagir com os seus instintos e com sua real natureza. As expressões do macaco são as mais diversas, especialmente quando se depara com os insetos. Seus olhos dizem muito, sua face demonstra o quão frágil ele é diante da grandiosidade do mundo, o que pode ser facilmente associado a paralelos da humanidade com o cosmo.

    A trilha sonora é pouco acionada, mas, quando se faz presente, gera um contraste equilibradíssimo com os sons provenientes do comportamento dos animais. As peculiaridades das aves, dos répteis e dos outros mamíferos são tantas que é gasto um tempo demasiado explorando-as e exibindo-as, algumas vezes de modo quase divino, como se a câmera venerasse aqueles seres. A superfície epitelial dos seres à beira-mar é exibida de modo esplendoroso, e o público é convidado a se encantar com as criaturas, das menores até as de proporções colossais, do mesmo modo e de uma maneira nada didática ou panfletária do ponto de vista da patrulha ecológica. A penetração do discurso é muito maior do que qualquer argumento inflamado, já que ela mostra a alma da Floresta por dentro através do olhar de alguém que precisa dela para subsistir. Um exemplo muito mais prático do que qualquer idealismo vindo do ser predatório supremo, que cansa de usar essa fala para esconder interesses egoístas e exclusivistas, mas que, na prática, não ameniza em nada a desenfreada extração de matéria-prima e devastação das matas.

    Ao finalmente chegar ao seio de seus iguais, Castanha se enxerga como um pária, um indivíduo sem o traquejo e sem a capacidade comum que possuem os membros do bando. Mas no primeiro momento em que precisa agir de forma predatória, não titubeia, ao contrário, segue os iguais de sua espécie logo após entender como deve agir diante de sua posição na cadeia alimentar – algo que obviamente não impede Castanha de presenciar a captura de um dos macacos-pregos por uma harpia.

    No entanto, não é ser vivo algum que constitui o topo da pirâmide de poder destrutivo, e sim a água, tanto a da chuva como a que preenche os rios. A cena focando o boto, cuja pele varia entre o cinza e o rosa, é esplêndida. Castanha prova os sabores que o lugar lhe proporciona, não demorando a fazer parte da teia orgânica e comum, que é a entidade Amazônia. Ele se torna tão íntimo que, ao perceber os rastros de queimada e consequentemente a proximidade dos homens, acaba optando pela convivência com a sua espécie, ao invés de voltar ao seu estado pretérito de animal amansado.

  • Crítica | Paixão Inocente

    Crítica | Paixão Inocente

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    O filme de Drake Doremus começa como um terno retrato de família  literalmente. Paixão Inocente põe Keith Reynolds (Guy Pearce) interagindo com sua esposa Megan (Amy Ryan) e sua filha Lauren (Mackenzie Davis), enquanto esperam o registro de mais um momento do “lindo” álbum de família. Mas algo parece abalar o ânimo do patriarca, ainda que ele tente não explicitar o seu descontentando aos outros membros do clã. Seu olhar é longínquo, voltado para o nada. Keith preocupa-se com o avanço de sua carreira como músico de orquestra, já que um teste se aproxima e ele teme não poder usufruir de maior concentração graças à chegada de Sopphie (Felicity Jones), uma aluna estrangeira de intercâmbio que será alocada em sua casa.

    Ao contrário do que mostram as fotos, o equilíbrio do bem estar familiar é muito complicado e tênue. A sintonia é fina e delicada, prestes a ruir a qualquer momento. O que não fica claro é se isto acontece a todo momento ou apenas em momentos decisivos. A tensão que existiria entre o pai da família e a nova estudante não veio de repente: já havia uma clara insatisfação por parte do homem sem que este externasse o que incomodava o seu ânimo. Do mesmo modo, Sophie parece incomodada em estar ali, longe de sua casa, mas o incômodo da jovem parece ser pessoal em determinados momentos, pois esta refuta a figura de mentor que seu professor (Keith) exerce. O desafio à figura autoritária mostra um espírito arredio cuja contestação é a tônica, o que se torna um atrativo aos olhos do entediado mestre.

    A trilha de piano marca as paixões comuns a Sophie e Keith, assim como ajuda a mostrar, de pouco a pouco, o que faz o marido se sentir tão deslocado da felicidade familiar que deveria imperar, visto que não há muito contato visual do homem com sua esposa, tampouco comunicação verbal. Seu isolamento como artista coincide com o conjugal, o que o faz divagar sobre quais tentações ele deve usufruir. Mesmo quando os dois conversam, a câmera oferece uma maneira de mostrá-los à distância, seja não enquadrando ambos na mesma cena, seja “cortando” a cabeça de Megan. As conversas são sempre em frases conflitantes; eles dificilmente concordam em algo.

    As crescentes frustrações do homem de meia-idade aproximam-no do pensamento da luxúria, fazendo-o temer cair na fascinação da pele macia e alva da ávida e irresoluta aluna. A insegurança da jovem constitui-se de um eficaz afrodisíaco, muito maior do que seria qualquer ação entusiástica sua. A vontade de Keith em tê-la passa pela possibilidade de conserto da garota, ainda que ele não assuma este fato. O marido, ainda fiel, cai no impetuoso sentimento de ciúme ao ver sua vaidade ferida por um espécime mais jovem que ele e, supostamente, mais atraente que ele. Porém, o fascínio que ela exerce sobre o orientador não parece projetar-se de forma recíproca.

    A construção da relação é gradativa e platônica, e demora a ocorrer graças à culpa e ao sentimento de proibição estritamente ligado à indiscreta infidelidade. As mentiras que circulam sobre a menina estrangeira acabam pondo sua integridade  e seu segredo em perigo: um boato infundado a põe na mira de suas colegas sem que ela saiba, e a moça passa a se culpar, achando ser a fonte do desequilíbrio que aflige os Reynolds. Esse suspense é interessante e utiliza-se do método usado por Alfred Hitchcock, no qual o diretor mostra determinada situação ao público enquanto, em tela, os personagens aproximam-se do acontecimento desconhecendo o que realmente ocorre.

    O nome original, Breathe In, traduz bem como são as sensações e os sentimentos entre a dupla de protagonistas. A espiração que ambos trocam próximos um ao outro é muito mais determinante do que a sedução pura e simples, pois a musa no caso associa-se ao estímulo criativo, bem mais que ao desejo carnal, ainda que a tensão entre os dois seja inegável e evidente desde a primeira cena protagonizada por Pearce e Jones.

    Os últimos momentos são conduzidos com uma frieza difícil e muito perene. O que Doremus e Ben Yorke Jones fazem com o roteiro é de um trabalho meticuloso, detalhando as ações de seus personagens de modo elegante e pontual. A reação emocional de cada pessoa é perfeitamente condizente com a de espécimes reais. A visão que a câmera dá a cada uma das mulheres envolvidas na teia de eventos é única, e faz lembrar a emocionante cena do batismo de O Poderoso Chefão, onde todos os plots paralelos se resolvem simultaneamente. Porém, ao contrário do momento original, este é muitíssimo mais dramático para os protagonistas da jornada, uma vez que a tragédia interrompe os seus planos de fuga, assim como a esperança de viverem longe de sua infelicidade costumeira. O status quo é mantido, assim como o vazio existencial de Keith Reynolds. A preocupação com os seus o leva a não quebrar com a hipocrisia que correu toda a sua vida antes da chegada de Sophie, e até o faz se perguntar se outras oportunidades como esta não foram desperdiçadas antes.

    A obra é muito boa em demonstrar o quanto a conformidade com a normatividade e a moralidade pode soterrar os anseios de grandeza e ambição pela vida, até porque esta máxima é deveras presente na rotina do homem.

  • Crítica | Batman (1989)

    Crítica | Batman (1989)

    Em 1989, Tim Burton era um proeminente diretor. No currículo tinha alguns curtas e duas produções cinematográficas elogiadas: As Aventuras de Pee-Wee e Os Fantasmas Se Divertem. Bases que permitiram assumir a cadeira de diretor em Batman, filme de um dos grandes heróis dos quadrinhos que ansiava por uma versão nas telas.

    Na época, heróis ainda eram um nicho restrito nos Estados Unidos. Tinham um mercado sólido, formavam personagens presentes no coletivo popular, mas estavam na periferia da arte. Não eram considerados um material bruto, rico e criativo para um filme-pipoca. E o sucesso de Superman – O Filme foi considerado um acerto que poderia não ser repetido em um futuro próximo.

    Anterior ao mercado de filmes-pipoca quadrinescos, a aventura não contém a tradicional jornada de origem presente em um primeiro filme. A morte dos pais de Bruce Wayne é desenvolvida em um pequeno flashback durante a narrativa, dando maior dinamismo ao embate entre herói e vilão.

    A abertura de Batman, de 1989, adentra de maneira eficiente o universo do Morcego e apresenta os recursos cênicos que tornariam Burton um grande diretor. Gotham City é um cenário escuro e esfumaçado, composto com leves referências góticas. Ambiente ideal para o surgimento do lendário morcego.

    Na década de oitenta, a composição de uma produção cinematográfica voltada para o entretenimento era conduzida de maneira diferente da contemporânea. Visto em comparativo, o hiper-realismo dos filmes atuais, no qual a trilogia de Christopher Nolan está inserida, faz desta produção um reflexo menos realista da personagem.

    Além da mudança natural da linguagem cinematográfica, os quadrinhos também estavam em um momento diferente. Na DC Comics, a Crise Das Infinitas Terras havia zerado a cronologia do estúdio cinco anos atrás, e Batman passava por uma transição lenta que o transformava cada vez mais em um herói soturno e indestrutível, um recurso que se potencializou após a Queda do Morcego na década seguinte.

    Nos papéis centrais, Michael Keaton e Jack Nicholson foram escolhidos para representar Batman/Bruce Wayne e Coringa. Keaton havia participado do filme anterior de Burton e, mesmo com baixa estatura, parecia uma escolha certa pela parceria com o diretor. A interpretação seria razão para reclamação de fãs durante muito tempo mesmo que, devido à ausência de carga dramática da personagem – e, por consequência, sem um aprofundamento interpretativo – o comentário seja injustificado.

    A grande estrela é Jack Nicholson, tanto pela responsabilidade de interpretar o vilão mais conhecido do personagem como pelo gordo salário que recebeu pelo papel. Uma visão do Coringa bem diferente da defendida por Heath Ledger anos depois, mas que é fiel com a personagem da época: um palhaço insano mas também apoiado na ironia cômica.

    O ator produz veracidade na insanidade da personagem e, inevitavelmente, se destaca mais do que o raso herói. Em relação aos quadrinhos, a origem é a mesma, exceto que o vilão também é responsável pela morte dos pais de Bruce Wayne. Um dos poucos elementos que enfocam o drama nesta história aventureira.

    Mesmo sem aprofundar-se na psicologia de Batman – outro conceito que se tornaria primordial a partir da década de noventa e na nova trilogia – a produção apresenta com eficiência a personagem e a luta contra a violência e o mal. No quesito das cenas de ação, as batalhas estão longe das bem elaboradas e sincrônicas coreografias atuais, mas resultam em bons momentos pelo clima cênico do Morcego. Como na cena do museu em que o Coringa, destruindo peças de arte de maneira iconoclasta, é interrompido por um herói que quebra a claraboia e adentra o local.

    Mesmo com o embate primordial de Batman x Coringa, demais elementos da mitologia são utilizados brevemente. O promotor Harvey Dent e o Comissário Gordon mal aparecem em cena; a batcaverna, embora não seja exibida em nenhuma cena extensa, apresenta-se bem ambientada, como um local lúgubre e tecnológico, bem registrado pelos quadrinhos da época; assim como o arsenal do Cavaleiro das Trevas com tecnologia de ponta para a época; e um uniforme que, embora aparente imobilidade na luta corporal, assemelha-se a uma armadura rígida (sem nenhuma possibilidade de mamilos desenhados sobre o peito). Contornos definitivos que representam com adequação a figura tradicional do herói.

    Vinte e cinco anos após sua realização, o filme continua vivaz e fiel à personagem. A produção, que foi supervisionada pelo criador Bob Kane, é uma das grandes referências culturais, com diversas representações visuais em mídias diferentes. Não se poderia prever que, anos depois, os heróis se tornariam presença obrigatória no verão americano e que Tim Burton pareceria tão esgotado em sua temática de árvores retorcidas, utilizando a participação da esposa, Helena Bonham Carter, e de Johnny Depp em quase todas as suas obras.