Categoria: Críticas

  • Crítica | Liga da Justiça: Ponto de Ignição

    Crítica | Liga da Justiça: Ponto de Ignição

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    A animação que dá origem ao reboot do DCAU (DC Animated Universe) começa com um brutal assassinato que culmina num trauma infantil. Barry Allen, o protagonista, é marcado com fogo ainda criança. Já adulto ele se atormenta, pensando que se fosse mais rápido poderia ter impedido o crime. O roteiro é baseado na saga de Geoff Johns e Andy Kubert, e apesar de tomar algumas liberdades, mantém-se fiel ao espírito da trama original.

    O quadro pintado mostra grandes diferenças da realidade alternativa mostrada em tela com o universo que o grande público está acostumado a assistir. O herói, acorda na delegacia, sua última memória é a de ter lutado contra o Professor Zoom. Logo ao sair do posto policial, percebe que algo está errado, pois sua mãe – a pessoa assassinada nos primeiros minutos de exibição – o recebe. Logo ele percebe que não tem mais seus poderes, e as mudanças não param por aí.

    Cyborgue é o cão de guarda do governo americano, Batman utiliza armas de fogo e tem outra identidade, a Mulher-Maravilha é a soberana do Reino-Unido, Capitão Átomo é utilizado como uma arma apocalíptica, Aquaman não é um bucha – é um tirano belicista amargurado – há muita informação para pouco tempo de tela, o que faz com que o conteúdo fique bastante jogado. O visual dos personagens também é modificado, os designs destes são quadrados e há uma clara influência de animações japonesas.

    Deixando a história de lado, ao menos as cenas de ação são bem executadas. O ataque dos atlantes é muito massa véio, todos os guerreiros são fodões absolutos, mas ainda assim há muita gratuidade. Qual a real necessidade de mostrar Mera – legítima esposa de Aquaman – vendo o marido “consumando” o matrimônio com Diana? Seria para justificar o ataque dela a rainha de Temyscera e ganhar tempo? A solução é tosca e empobrece um dos bons argumentos da revista original. As memórias de Barry Allen entram em conflito, aos poucos suas lembranças são substituídas pelos fatos que ocorreram naquele universo. O motivo do paradoxo é mal explicado, a correria do roteiro só serve para mostrar como Back to the Future seria catastrófico num universo levado a sério.

    A batalha final entre Arthur e Diana é muito bem feita, principalmente quando há interferência dos outros heróis. As caracterizações do Capitão Trovão e de Kal-El são muito boas. O ato final do Morcego é bem emblemático, apesar de ser um pouco piegas. Flashpoint Paradox tem graves erros, mas compila de forma leve os acontecimentos da história de Johns e Kubert, e mesmo com todos esses erros ainda possui mais sentido que a Mega-Saga de quadrinhos.

  • Crítica | Machete

    Crítica | Machete

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    O Projeto Grindhouse de Tarantino/Rodriguez não foi um sucesso de público, mas conseguiu alavancar a feitura de um filme derivado de um de seus trailers fakes, que eram exibidos entre os episódios. Este Machete é um pastiche por completo, a começar pelo seu protagonista, o sexagenário e coadjuvante de inúmeros filmes de brucutu – e colaborador de quase toda a filmografia de Robert RodriguezDanny Trejo, numa clara alusão humorística aos heróis de ação e claro, com uma violência exageradíssima e repleta de testosterona.

    O personagem principal é resignado, aparenta querer ser deixado em paz, escondendo dentro de si uma incômoda espera a um novo chamado à ventura – a oportunidade de retornar ao seu estado normal e à natureza de seus atos violentos. Seu código ético é incorruptível, busca justiça acima de tudo, mas não é seduzido pelo moralismo estúpido, e tem na vingança – por sua esposa morta – a grande motivação da sua vida. Mais clichê impossível, mas ainda assim, é bastante ousado.

    Há uma discussão óbvia sobre o tratamento dado pelos americanos aos imigrantes ilegais, usando-se de arquétipos absurdamente caricatos e maniqueístas, mas que escancara através do absurdo idealizado uma realidade dura e cruel. O estrangeiro é demonizado, comparado a inimigos do Estado como Saddam Hussein, e são até alcunhados como terroristas pelos antagonistas do herói da jornada.

    Mas é obvio que quem assiste Machete procura a plasticidade das mortes que Rodriguez sabe registrar como ninguém, e isso ocorre das mais variadas maneiras e formatos. Machete está acostumado a ser sabotado e sua recuperação dos ferimentos é praticamente automática, ele fica invisível debaixo de uma maca de enfermaria, o que faz crer que ele possua superpoderes. A cena do rapel de tripas tornou-se um clássico instantâneo na época e produz a mesma hilaridade hoje. As outras gags de humor também são muito bem feitas – o comercial de Osiris Amanpour (Tom Savini) são demais, aliás o personagem some da tela do nada, sem nenhuma preocupação com explicação. Há baseados mexicanos gigantes da espessura de charutos cubanos, as propagandas eleitorais do senador McLaughlin (De Niro), exaltando seu combate aos chicanos, comparando-os a pragas, o retorno com os personagens de Planeta Terror (o Doutor Felix e as gêmeas Electra e Elisa Avellan), os capangas arrependidos, com um discurso pró-imigrantes, os cortes rápidos em uma cena de Jessica Alba falando ao telefone imóvel, mas com a câmera mudando o ângulo a todo o momento, sem nenhum bom motivo aparente – tudo é pretexto para fazer piada, não dá para levar a sério um filme em momento nenhum.

    O personagem de Jeff Fahey, Michael Booth, conta todos os detalhes dos seu planos, tem uma boca aberta conveniente especialmente quando está sendo filmado, fato que também é muito engraçado. A batalha final é uma farofada enorme, tem de tudo, gente com carrinho de sorvete, ambulância assassina, escrotos se redimindo e voltando-se “para o bem”, ataque aéreo de moto. Até o desfecho épico para o personagem de Steven Seagal é perfeito, pois resume a sua carreira de “sujeito invencível e intransponível”, sendo somente ele um adversário a altura de seu próprio desafio, mas que sucumbe diante do que é justo.

    Atrás de toda essa capa de filme B, trash e de baixo custo com orçamento milionário, há um conteúdo forte de contestação. She de Michelle Rodriguez é um dos poucos personagens que se permitem ter um background decente. Suas motivações são nobres e óbvias, o que reforça ainda mais a escolha do roteiro por arquétipos prontos, montados para passar a ideia central. Ela veste a máscara de mentor e é um dos motivos de Machete reacender em si a vontade de agir a favor da justiça. Rodriguez – junto com Ethan Maniquis, também editor de Planeta Terror – traz um exemplar competente de exploitation e com uma temática presente em muitos dos seus filmes, a ode ao seu povo nativo e a valorização do imigrante ao território americano, em especial os mexicanos.

  • Crítica | País do Desejo

    Crítica | País do Desejo

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    Mais um produto da boa escola de cinema de Pernambuco, País do Desejo é dirigido pelo paraibano Paulo Caldas – realizador também de Baile Perfumado e roteirista do ótimo Cinema, Aspirinas e Urubus – e é ambientado na cidade de Olinda. Conta uma história peculiar, a respeito de religião, depressão e espera da morte, tocando em alguns temas bastante espinhosos.

    A história começa mostrando uma musicista – interpretada de forma magistral e belíssima por Maria Padilha – chamada Roberta, que se sente deprimida por estar perto da morte. Em outra esfera, é mostrado o dia-a-dia do Padre José (Fábio Assunção), enfrentando alguns problemas em sua paróquia, tanto os comuns ao ofício sacerdotal quanto alguns não tão corriqueiros – mas ainda assim de suma importância. Apesar das atuações por parte do restante do elenco, fora os dois citados, serem em sua maior parte equivocadas, as sensações são passadas de forma fidedigna, emocional e interessante.

    A principal discussão proposta pelo roteiro é o conjunto de malefícios que a prática religiosa extrema traz ao fiel, por vezes até passando por cima das carências e necessidades humanas, das mais básicas como óbvia primordialidade do prazer, até a saúde dos vitimados e carentes. Uma cena em particular demonstra bem a dualidade da igreja retratada no filme, em uma entrevista, o personagem do português Nicolau Breyner é indagado sobre uma menina que fora excomungada, e em seu discurso há uma clara pendência para um moralismo exacerbado em detrimento da prática “pecaminosa”, ainda que a infante não tenha a “culpa toral” por seus atos, enquanto o vitimador segue impune, por seus atos maus – pelo menos na visão do Padre José. O estupro é passível de perdão, já o aborto não, ao contrário, é motivo de excomunhão. Algumas vezes, a aptidão dramática débil de Fábio Assunção serve a trama e demonstra sua perplexidade com as façanhas da igreja. Seu papel aos poucos se torna a de um padre arrependido e descrente com a instituição.

    Após ser o único a destoar da postura radical da arquidiocese, o protagonista se indaga se vale a pena continuar o ministério. O personagem tem um histórico de combate ao anacronismo da igreja, mas sempre em prol das vidas e sem deixar o cristianismo de lado. As trajetórias de Roberta e José se entrelaçam e causam mais algumas reviravoltas, e nesse ato a história cai um pouco, apelando para alguns clichês.

    O núcleo familiar do padre é bastante peculiar, sua família faz uma festa de aniversário para comemorar o aniversário de uma moribunda e quase não menciona isso. A virada no final é meio confusa e acompanha a perda de qualidade iniciada no começo da relação entre José e Roberta, mas não é de todo ruim. País do Desejo traz uma ótica interessante sobre os tabus religiosos e a contradição que acompanha tais rituais litúrgicos, e por discutir isso, vale a pena ser visto.

  • Crítica | O Homem do Tai Chi

    Crítica | O Homem do Tai Chi

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    Devo informar que se você é uma daquelas pessoas que curte os aspectos técnicos dos filmes, como angulação de câmera, fotografia, figurino, mixagem de som, direção de arte e todos aqueles prêmios que o Oscar não faz nem questão de mostrar, essa crítica não é pra você! Eu vou falar do “cinema pipoca”. Da história contada, da atuação dos atores, das cenas que valem a pena ou não serem vistas.

    O que? Você ainda tá aí? Então beleza, vamos falar de Man of Tai Chi.

    Começo por dizer que o filme tem uma premissa interessante. Tiger Chen, responsável por levar o legado do Tai Chi, (é uma arte marcial chinesa, que é reconhecida também como uma forma de meditação em movimento) precisa de dinheiro para salvar o seu templo da demolição, e para isso começa a participar de lutas underground organizadas pelo empresário do mal Donaka Mark, interpretado por nosso querido Keanu Reeves, que também assina a direção.

    Simples e direto, não é? A estreia na direção de Keanu Reeves não incomoda, o que é um aspecto positivo. O que realmente incomoda é a atuação do Sr. Reeves. Tá, você vai dizer que isso é chover no molhado, que todo mundo sabe que ele é péssimo. Mas o problema é que particularmente, eu não o acho péssimo ator. Gosto da atuação meio engessada dele em alguns papéis que combinam. Mas em Man of Tai Chi, chega ao ponto do insuportável. E digo isso como uma pessoa que gosta dele, então fico imaginando o que os que já não curtem o trabalho do cara devem achar.

    O filme entrega um roteiro simples, que tenta se mostrar como não sendo só um filme de luta, mas sim a jornada de um homem. Só que ele não consegue chegar lá. Falta carisma, falta profundidade, falta você realmente se interessar pelo Tiger. As lutas são muito bem coreografas, como é raro de se ver hoje em dia, mas estão longe de serem épicas. Vale muito mais a pena pegar um filme antigo do Jackie Chan pra ver lutas melhores e mais divertidas.

    Man of Tai Chi se mostra irrelevante no que se propõe, dando uma grande ênfase apenas no visual das lutas, mas acaba não chegando nem próximo disso.

    Texto de autoria de Diogo G.

  • Crítica | Inocentes

    Crítica | Inocentes

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    Produzido em Singapura, Innocents de Chen-Hsi Wong mostra um cotidiano escolar muito diferente da realidade ocidental, ainda preso a valores considerados atrasados no hemisfério onde se situa a América, e por isso chega próximo de chocar o espectador, apesar de toda a sua singeleza e cuidado ao abordar temas polêmicos relacionados a infância.

    A história é narrada pelos olhos de uma menina aplicada aos estudos e vista pelo adultos como um modelo de conduta, Syafqah – Nameera Ashley. Quase todas as ações passam pelo elenco majoritariamente infantil, o que demonstra que essa é uma história sobre o “mundo das crianças”, o que evidente não torna a sua trama desinteressante para o público mais velho. Na escola onde estuda – um ambiente de forte repressão e ensino bastante antiquado – ela conhece Huat, feito por Cai Chengyue, um menino problema padrão, que além de ser um estorvo em classe é também maltratado pelos colegas no lado externo da instituição – às vezes até nas dependências do local. Os dois são obrigados a conviver juntos, como se posto ao lado de uma boa aluna, o rapaz seria constrangido a mudar sua postura.

    Syafqah não gosta desse gesto forçado num primeiro momento, e permanece distante do menino, observando-o de forma platônica, sem travar com ele relação nenhuma, como uma observadora passiva, mas ela cede ao clamor de Huat por algo mais, enxerga nele uma carência enorme e logo se simpatiza por ele. Ambos têm trajetórias de vida parecidas, mas ainda assim, distintas.

    Os pais são retratados como vilões, no caso de Syafqah há um excesso de severidade por parte de sua mãe. Na primeira tomada em que ela aparece, a figura de autoridade é filmada ao longe, evidenciando o distanciamento que tem com a própria filha, a única relação presente ali é a da figura autoritária que imputa obrigações a menina. Para Huat e sua irmã – uma menina com necessidades especiais – o problema é ainda mais grave, pois seu pai os rejeita e sofre de um grave vício, que faz o rapaz temer por sua segurança e claro a de sua irmã indefesa. Tais coisas são sugeridas de forma sutil, com muita leveza. Huat e Syafqah tornam-se cada vez mais próximos.

    A forma como menino é tratado pelas “autoridades” é sempre em tom de humilhação, e ele se sente compelido a desistir de tudo e é impedido por sua amiga, até um ponto em que fica insustentável sua situação. O desfecho é emocionante, e faz o espectador duvidar da amizade dos protagonistas, o que se prova um engano, pois a relação dos dois é de total cumplicidade. A conclusão faz doer, como um murro no rosto, pois explicita a imundície do pensamento adulto aos olhos das crianças inocentes e denuncia a hipocrisia no discurso, que se diz bom mas que é menosprezador e humilhante para quem é diferente do que “eles” acham correto.

  • Crítica | Era Uma Vez em Nova York

    Crítica | Era Uma Vez em Nova York

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    James Gray começa seu quinto longa-metragem retratando o drama de estrangeiros aportando nos Estados Unidos nos anos 10, focando principalmente na dupla de irmãs polonesas, Ewa Cybuslki (Marion Cotillard) e Magda. As personagem são impedidas de entrar no país por motivos diferentes, a segunda supostamente por ter contraído tuberculose, e a primeira em virtude de um boato que só se comprovaria mais a frente. Ewa é impedida de ser deportada por um agente da Ilha Ellis, chamado Bruno Weiss, Joaquin Phoenix, que é aparentemente um sujeito bom e respeitável, mas esconde uma faceta bastante sombria.

    O filme explora um assunto bastante controverso e não faz cerimônia ao mostrá-lo logo de cara: a prostituição de imigrantes quase como única forma de sustento para uma mulher solteira e recém-chegada à “terra das oportunidades”. O cotidiano é mostrado de forma horrenda para a maioria das profissionais, apesar de não haver nenhuma cena explícita dos atos ou abusos sexuais, nesse ponto o roteiro é bastante ameno, até porque o assunto a ser discutido é outro.

    O enfoque é em Ewa e nas ações que ela se vê obrigada a tomar, para obter uma pequena fortuna, no intuito de libertar sua irmã da deportação de volta à Polônia, ações essas que passam a reduzir a auto-estima dela a zero. A premissa é muito boa e a atuação de Marion Cotillard é esplêndida como sempre, mas a abordagem da temática é muito leve e morna, seu personagem sofre com uma construção de caráter mal resolvida, pois ela é absurdamente desconfiada de Bruno, e com razão, mas é completamente crédula na bondade das outras pessoas, se agarrando desesperadamente a qualquer chance de fuga do seu inferno. O seu erro persiste até mesmo em seu derradeiro final e na confissão de culpa de seu nêmesis.

    O filme é morno, apresenta uma rivalidade familiar que possui um passado interessante, mas que se perde em meio a uma confusão de roteiro. Alguns personagens não tem muito aprofundamento e tal coisa foi assim idealizada para manter uma aura misteriosa em torno deles, mas falha miseravelmente ao criar curiosidade no espectador, o que poderia ser um ponto fortíssimo no filme torna-se absolutamente desprezível, a despeito até das boas atuações de Jeremy Renner e Phoenix.

    Apesar da entrega de Marion Cotillard e da culpa que consome a alma de sua Ewa Cybulski, a maneira como o roteiro conduz até o final é tristemente mal executada. Apesar de não ser mal escrito e ter em seu conteúdo uma boa quantidade de situações emocionantes, falta ineditismo e sem razão, visto que o tema não é tão explorado de forma competente no passado. A temática contestadora e polêmica poderia ser mais visceral com facilidade, mas ao invés de ter um enfoque maior nas agruras e no sofrimento de Ewa, tem a atenção voltada para a confusão mental/emocional de Bruno, o cafetão apaixonado e arrependido de ter deixado o seu bem mais precioso escapar por entre seus dedos, da forma mais natural possível para um homem como ele, transformando um sentimento que poderia ser terno em puro ressentimento, carregado de sujeira e podridão.

  • Crítica | Amante a Domicílio

    Crítica | Amante a Domicílio

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    O filme começa com uma filmagem em Super 8, de aspecto bem caseiro, simbolizando um tom amadorístico, prenunciando a profissão que Fioravante – ou Virgil – teria. Também é possível interpretar isto como uma referência a carreira de diretor de John Turturro, com apenas cinco filmes, pouco se comparado a seu currículo como ator – que soma quase uma centena de obras. Quase tudo no roteiro de Fading Gigolo é carregado de mensagens ocultas.

    A direção de Turturro está muito mais madura, ele parece ter aprendido muito com seus amigos, em especial Joel Cohen. Seus ângulos são precisos e capturam todos os sentimentos em volta, a fragilidade, a dificuldade em se viver só, o humor característico e quase sempre racial, e é claro a sensualidade – aliás, o elenco feminino é de primeira qualidade, com destaque para a veterana Sharon Stone (passável, se comparada às bombas recentes) e a maravilhosa Sofia Vergara.

    A história é focada em dois amigos, Fioravante – o próprio diretor, numa demonstração de desapego sem igual visto com quem é obrigado a atuar – e o judeu Murray, interpretado por Woody Allen de várzea, engraçadíssimo, com toda a afetação, comportamento gestual exagerado e verborragia típica de seus papéis clássicos. Após ser obrigado a fechar o seu antiquário, Murray logo nos primeiros minutos faz uma proposta bastante incomum para que o amigo, um homem de meia idade e sem muitos atrativos físicos, participe de um ménage, e para isto seria pago e então ele se vê diante de uma “nova carreira”.

    Com o tempo, Fioravante pega gosto pelo ofício, e passa de um estado tímido e avergonhado a de um profissional decidido e à vontade com o seu trabalho. Não é só a direção que é excepcionalmente caprichosa, há um enorme cuidado também com a fotografia e departamento de  arte – com cores mais vivas nos quartos femininos e tons escuros no subúrbio judeu, onde há toda uma comunidade. A regência de atores também é primorosa, e o esmero com a parte visual não é um pretexto para descuidar da trama, que tem em si muito pouco moralismo. Seus discursos fogem da banalidade do complexo de bom mocismo.

    Na parte final acontece um evento emblemático, que pode ser encarado como a recusa ao chamado da aventura. A virilidade de Virgil, o gigolô, falha na eminência do “amor verdadeiro” que jamais se cumpre. Há uma análise do papel de submissão da mulher na religião judaica onde se contesta se a tradição deve passar por cima das necessidades humanas. Virgil se apaixona pela única pessoa que o recusa. Tal coisa o faz repensar sua vida, ainda que a história dê a entender que tal mudança é apenas temporária, como se a inexorabilidade fosse um fato consumado. Fading Gigolo é uma comédia de incômodos que estuda até onde é válido explorar a vulnerabilidade das pessoas.

  • Crítica | Teorema Zero

    Crítica | Teorema Zero

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    Para quem não está acostumado a filmografia de Terry Gilliam, talvez estranhe um pouco este Zero Theorem. A veia humorística nonsense e a estética peculiar e típica dos produtos do realizador talvez ajudem a confundir ainda mais o público. A história se passa em um mundo corporativo onde “homens câmera” fornecem imagens para uma criatura controladora que usa a alcunha de Managemente, interpretado por um mirabolante e pomposo Matt Damon.

    A direção de arte é de um trabalho primoroso e é bem típica se comparada a filmografia do realizador. O ambiente futurístico é, em alguns momentos, sujo e decaído, para exemplificar o estado social onde a solidão é uma prerrogativa valorizada e uma prática comum, e em outras é hiper-colorido e barulhento, grafando o consumismo desenfreado como parte do modus operandi daquele “universo”.

    A história segue Qehon Leth – Christoph Waltz – um hábil analista de entidades – sua profissão não tem um par ordenado com o universo comum – que vive numa atmosfera extremamente corporativista onde se vive para trabalhar. Se sente incomodado, mas não pelo exercício de seu ofício, mas sim pelo entorno de pessoas, prefere a solidão de seu lar e tenciona trabalhar em casa a fim de evitar o incômodo da companhia humana. Qehon é um sujeito decadente fisicamente e está a espera de algo que poderá mudar a sua vida – e eventualmente muda – enquanto recebe a incumbência de resolver uma equação que nem os maiores gênios da empresa conseguiram achar uma solução.

    A fotografia fica a cargo de Nicola Pecorini, – já havia trabalhado em Contraponto, O Mundo Imaginário do Doutor Parnassus etc – o que garante um registro visual caracteristicamente típico de Gilliam. Segundo o realizador esta seria a sua terceira abordagem a universos distópicos satirizados, assim como em Brazil e Doze Macacos. Qehon teme viver, não permite provar nada em sua dieta que possua sabor, vive sua vida de forma absolutamente robótica e sem muita razão de existir. Está tão acostumado a sua rotina claustrofóbica que não percebe sequer quando acontecem coisas extraordinárias no seu cotidiano. Suas consultas com uma psiquiatra – Dra. Shrink Rom, interpretada por Tilda Swinton – só agravam a sua situação, o faz correr atrás de algo inatingível enquanto ignora o que pode lhe fazer feliz – a presença da belíssima Bainsley, estrelada pela estonteante Mélanie Thierry – até que seja tarde demais reaver o que ele ignora.

    A razão de “ser” ou “existir” e o sentido da vida parece só importar para o mercado empresarial, que faz uso dessas máximas para vender seus produtos. Os espécimes jovens, representados no filme por Bob (Radu Andrei Micu) têm uma relação esquisita com suas próprias crenças, podendo acreditar no conceito de alma, mas desacreditar em qualquer outra coisa – tal comportamento ilógico é flagrado atualmente também. No último ato como ser vivente, Qehon entende como faria sentido a sua própria existência, e se entrega ao nada e ao vazio, só então podendo provar da paz que tanto buscava.

  • Crítica | O Mordomo da Casa Branca

    Crítica | O Mordomo da Casa Branca

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    O filme se inicia com uma emblemática citação a Martin Luther King “A escuridão não pode expulsar a escuridão, apenas a luz pode fazer isso.”. The Butler mostra a trajetória do negro Cecil Gaines – Forest Whitaker – desde sua traumática e trágica infância, até a vida adulta, onde atuou como um servil mordomo na casa presidencial americana por longevos anos, passando por grande parte dos momentos marcantes da história americana, em especial pelos martírios e conquistas executadas pelo povo negro.

    No ato primeiro, Cecil é mostrado ainda como uma criança, aparentemente feliz, mas que logo teria sua vida marcada. Seu pai deixa claro como são as regras: “não se meta com esse homem (branco), o mundo é dele, e nós só vivemos aqui” – após essa fala a sua mãe é levada para fora de sua vista, para satisfazer o desejo de seu “patrão” e logo em seguida seu pai é morto, mesmo não apresentando nenhuma resistência. O trauma ocasionou nele a vontade de fugir, e garantir que seus herdeiros não tivessem acesso aquele mau, encarnado como o Sul dos Estados Unidos, uma região intolerante por si só.

    Cecil cresce, e se torna um “negro de casa”. Após consumar sua fuga, encontra em seu caminho um sujeito que o ajuda, lhe dá emprego e toma para si a máscara de mentor, dando-lhe um tapa no rosto ao ver o rapaz dizendo a palavra nigger – “este é um termo feito por brancos, carregado de ódio”. Já adulto, o protagonista passa a trabalhar em Washington DC, e graças à sua boa postura – cabeça baixa, submissão, e capacidade de invisibilidade – é convidado a trabalhar na Casa Branca.

    A magnífica atuação de Forest Whitaker faz o espectador crer em cada um dos seus dilemas, seja o medo de perder o bom emprego que tem, as preocupações com as reclamações de sua esposa – Oprah Winfrey, competente em sua proposta – ou com o bem estar de seus filhos. Louis, personagem de David Oyelowo, evolui de um menino próximo do pensamento rebelde americano, para um “revolucionário” membro dos panteras negras. A cena intercalada entre um protesto numa lanchonete no sul do país e o salão de jantar na casa branca é emblemática em mostrar a atitude geral do povo negro, alguns como inconformados, e outros serviçais leais ao homem branco.

    A trajetória de pai e filho vai em direções bastante opostas, mas igualmente emocionantes. A luta não é leve, é tratada como visceral e cheia de significados. A primeira-dama chorando após o assassinato de JFK, ensanguentada pelos restos do marido é de partir o coração, muito bem montada, e faz Cecil retornar à triste memória da morte de seu pai – mais uma figura inspiradora se foi.

    Os filhos de Cecil se engajam cada um para um lado, enquanto Louis torna-se um ativista político e evolui, deixando de lado a luta “rebelde” para se tornar um combatente intelectual, Charlie alista-se para a guerra do Vietnã. Quando indagado pelo irmão mais velho, o personagem, cômico a maior parte do tempo, diz seriamente que quer lutar a favor de seu país, e não contra ele, mostrando que ele enxerga a situação tão mal quanto o seu pai. A morte do filho faz Cecil rever alguns de seus conceitos. O convite do jantar impingido pelo presidente Reagan causa constrangimento no mordomo, que se sente como um mentiroso, um fantoche feito para exibição de uma falsa aceitação. A postura do político ajuda-o a enxergar o real valor de seu filho, igualando-o a um herói e não há mais um simples marginal. O reatar da relação acontece num primeiro passo com o pedido de demissão depois com o engajamento por parte do patriarca, e no último ato são os únicos dois que permanecem.

    O paralelo com os presidentes também é interessante, os mais importantes para o negro foram Jack Kennedy (James Marsden), que o fez começar a mudar o seu pensamento em relação à causa, e Ronald Reagan (Alan Rickman), que se mostra contra o término da segregação ignorando o apartheid – mesmo sobre protesto do seu próprio gabinete. Reagan é mostrado como um bufão, apresentado quase sempre de forma jocosa e pouco reflexiva, bastante parecida com a interpretação recente de George W. Bush, ambos encarados como imbecis por uma boa parte da opinião pública.

    Ao visitar Barack Obama – um novo tempo – Cecil lança mão dos presentes dados pela senhora Kennedy e por Reagan, e quando entra na sala de espera é enquadrado junto a uma foto de Abraham Lincoln, com um claro simbolismo de que ali começava mais uma etapa na guerra pela igualdade. O registro de Lee Daniels é muito bonito, repleto de simbolismo e demonstrações realistas da história, obviamente escolhendo o lado oprimido, mas em momento panfletário de forma gratuita. Tem todo o cunho político que a Academia tanto gosta e sem dúvida merece atenção especial por parte do espectador.

  • Crítica | Nebraska

    Crítica | Nebraska

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    A fita começa com um devaneio, focando o personagem Woody Grant – um brilhante Bruce Dern – caminhando, aparentemente sem rumo, até que é mostrado que o sujeito ancião está a pé a caminho de Lincon – Nebraska, pretendendo percorrer milhas de distância atrás de um prêmio que não existe. O novo filme de Alexander Payne tem uma premissa bastante emocional, onde traça a busca por anseios como parte fundamental da vida, tratando a falta de objetivos como algo ruim, mas bastante comum.

    Fotografia em preto e branco e repleta de tons claros remete a um passado nostálgico – para Woody – e há um jamais vivido – por David Grant, o filho caçula interpretado por Will Forte – também em um excelente momento. A trama transita entre os conflitos dos dois personagens na maior parte do tempo, e em alguns momentos, cruza o drama dos dois. A senilidade do pai, um problema tão pesado, é tratado de forma leve e cômica. Ele é facilmente enganado, o que se agrava com a teimosia típica da terceira idade. A criação executada pelo pai insensível e ausente tem consequências atrozes na vida da família, causando mágoa e insensibilidade na matriarca e no filho mais velho – June Squibb e Bob Odenkirk, respectivamente – e gera no filho mais novo uma personalidade passiva e covarde.

    A velhice é o retrato escolhido por Payne para mostrar a decadência inexorável à vida humana, e demonstra que esta pode ser encarada com bom humor. As conversas com o homem velho são francas, de uma forma que só um sujeito idoso pode falar. O diálogo franco sobre a rotina e os arrependimentos da vida – incluindo os fracassos – podem ser compreendidos como um estado de comodismo a respeito das experiências inevitáveis, mas é melhor lida como comentários anedóticos a cerca das coisas supervalorizadas na vida, como casamento, vida familiar etc.

    A busca incessante não é a respeito do dinheiro, o que fica óbvio, dado que o patriarca Grant não tinha direito a ele, apesar de sua forte e teimosa crença, mas tem a sina de manter acesa a fantasia de um sujeito que não consegue mais pensar por si só de maneira plena. Há uma sinceridade muito tocante na fala do personagem, bastante característica de quem não tem nada a perder. A cidade natal de Woody – Hawthorne – torna-se o cenário das lembranças de sua vida, e David pode acompanhar um pouco da trajetória de seu pai pelos olhos de seus antigos amigos, as histórias o aproximam ainda mais do velho.

    O malfadado dinheiro é visto como única coisa na vida do geriátrico senhor que valha menção, notoriedade e/ou reconhecimento. Rapidamente ele se torna uma mini-celebridade em sua terra. O “enriquecimento” sem merecimento causa inveja e produz nos conhecidos “mais chegados” sentimentos mesquinhos e de cunho aproveitador – o que faz incluir o resto do núcleo familiar na aventura, a fim de defender o homem senil dos possíveis abusos por parte destes. A jornada os faz viajar por todas as experiências que tiveram juntos, e os faz perceber a importância de cada um dentro do grupo, mas sem nenhuma tolice sentimentaloide ou piegas.

    O ridículo traz à tona um desfecho que beira o patético, mas ainda assim é comovente, há uma clara evolução para os heróis da jornada, David deixa de lado sua inércia e reage ao perceber que seu pai está sendo ridicularizado, a mãe demonstra muito cuidado com seu companheiro de vida – a unidade familiar antes considerada até como inexistente vem à tona, num resgate no momento mais propício possível. Woody termina sua história pessoal usando um boné com os dizeres “Prize Winner”, e tem por fim seus dois objetos de desejo – uma nova caminhonete e um compressor de ar, e para fazer jus ao seu próprio orgulho, desfila pelo cenário de seu passado. Nebraska é o retrato de uma vida comum, mas observada sobre uma ótica não pessimista, é realista mas de uma forma bela, terna e burlesca.

  • Crítica | Na Mira da Morte

    Crítica | Na Mira da Morte

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    Produzido pelo estúdio Aberto Entertainment, esta pérola do cinema de mau gosto tem em seu nome original Assassins Run, mas também foi vendido como White Swan, numa tentativa mequetrefe de angariar um público que não é o seu.

    A história gira em torno de um casal: Christian Slater interpreta o apaixonado Michael, que, por incrível que pareça, não é todo mau em sua atuação – o que por si só já seria um bom motivo para manter distância deste produto, o presságio é claro e forte – casado com a bailarina Maya (feita pela co-diretora Sofya Skya), que, entre outras coisas, é tachada de oportunista por ter um laço matrimonial com o milionário dono do teatro local. Tudo é bonito e a relação entre os dois não é sequer desenvolvida em tela, mas isso não é importante. O que importa mesmo é que a Máfia Russa vai acabar com a felicidade da família sob um ótimo pretexto: “Vocês americanos roubaram nossos recursos, nosso petróleo e nossas mulheres!”. Os gângsteres malvados assassinam Michael e perseguem sua esposa, tornando a vida dela e a da filha um inferno.

    A forma de narrar a história é em flashback, e a tentativa maior é a de esconder a total falta de qualidade e conteúdo deste roteiro, mas falha miseravelmente, até por conta dos diálogos risíveis – coisas como a fala de Skya:Eu sou um cisne!” – que seria melhor caso fosse substituída por “Eu queria ser Natalie Portman, mas tá faltando talento!” – e das cenas de luta, um show à parte, nas quais a personagem principal se utiliza de um “Ballet-Fu” para se livrar de seus opositores.

    A cereja do bolo de estrume é o combate principal, em que todo e qualquer golpe faz com que a zona de impacto inflame instantaneamente. Ela usa movimentos como Grand Écart e Grand Battement para se livrar dos agressores. A facilidade com que Maya entra e sai dos locais públicos após fugir da cadeia é única – “Como conseguiu fugir? Estamos na Rússia, não na URSS!” – justo!

    Não há uma atuação que não seja um excremento forte e mal cheiroso, com exceção da já citada de Chris Slater. Os personagens são completamente unidimensionais, maniqueístas e sem motivações críveis. Sofya Skya tentando passar emoção é ruim demais, seu choro é uma das coisas mais mecânicas já feitas para o mercado de home video. As cenas em que o drama é exigido são vergonhosas demais, e não só por parte da protagonista, mas também por seus coadjuvantes, tão insossos ou canastrões quanto ela, em especial Angus Macfadyen, que só aparece para tocar sua gaitinha infernal.

    O roteiro é tão bem construído que surpreende com a quantidade de situações forçadas, além de não deixar nenhuma dúvida: o óbvio sempre acontecerá. Palmas para Robert Crombie, que também comete o ato de direção. Ainda há uma enorme crítica ao sistema carcerário russo, que enfia suas detentas na solitária apenas por chorarem – falta muita civilização por aquelas bandas!

    O que é pior: gilette na sapatilha, ou a bailarina não sente que há uma lâmina em seu calçado até fazer ponta? As delegacias de pequenas cidades americanas só possuem um policial num dia normal. O vilão misterioso tem a sua identidade evidente desde as primeiras ligações que faz a Michael, e o desfecho é ainda mais surpreendente por terminar sem concluir o ciclo, pois Maya, após virar uma exímia assassina, sequer vai atrás de seu perseguidor, do assassino de seu amado marido.

    Enfim, Na Mira da Morte vale ser visto como uma diversão totalmente descompromissada com a razão, lógica, ética e principalmente com o cinema de qualidade. Ele explora de forma tosca e bizarra algumas das necessidades humanas, mas é tão mal realizado que se torna anedótico e burlesco.

  • Crítica | É o Fim

    Crítica | É o Fim

    77 - This is the End (É o Fim)

    Qualquer pessoa que se identifique com os valores padrões da classe média branca tradicional do século XXI, com toda certeza irá se identificar com esse novo filme de Seth Rogen e Evan Goldberg, responsáveis por outros filmes de sua turma como Superbad, Pineapple Express e Besouro Verde. Com um grande elenco de amigos (Seth Rogen, Jonah Hill, James Franco, Jay Baruchel, Jason Segel, Craig Robinson, Paul Rudd, Michael Cera, Rihanna, David Krumholtz, Mindy Kaling, Aziz Ansari, Danny McBride, Emma Watson, Kevin Hart entre outros), o filme é uma grande piada interna que não faz questão alguma de situar o espectador não familiarizado com as outras obras do grupo, pois é cheio de autorreferências e situações tipicamente vividas por atores ricos de Hollywood, também um grande foco do filme.

    A base do humor do filme é essa. Apesar de divertir e garantir boas risadas ao longo da projeção, This is the End (É o Fim), quem esperar algo a mais do que uma diversão adolescente com piadas de masturbação feitas por trintões poderá sair um pouco incomodado. Usando e abusando das referências tanto a seus próprios filmes, (principalmente Pineapple Express, que é recomendado ter visto antes para entender algumas piadas) quanto a clássicos de Hollywood, como O Exorcista e Mad Max, cada ator usa e abusa dos estereótipos que os consagraram em filmes anteriores, como Seth Rogen sendo o empolgado contido que grita sussurrando, Jay Baruchel e sua crítica a tudo e a todos travestido de um grito de solidão (o que rende um ótimo diálogo no início do filme, com Craig Robertson e Emma Watson), James Franco como o rico excêntrico, Jonah Hill como o gordinho tímido, afetado e orgulhoso pela indicação ao Oscar, Craig Robertson como o side-kick de sempre e por último o sempre desprezível e dispensável Danny McBride, antagonizando da forma mais baixa possível.

     A trama que começa com um clássico filme de desastre, vai se aprofundando até ganhar contornos bíblicos e um simbolismo religioso infantil, mas que nunca se leva a sério, então conseguimos comprar todas aquelas situações ridículas sem nenhuma sensação de culpa, até mesmo quando todos conseguem chegar ao céu e dançam junto com os Backstreet Boys (!!!). Porém, a maior qualidade do filme é também seu maior defeito. A despretensão com que é feito, na base do amadorismo e da “brincadeira”, faz com que falte a ele uma seriedade mínima na hora de considerá-lo uma produção, então o espectador o assiste da mesma forma que ele foi feito, sem dar muito valor. Mas só se sentirá ofendido com This is the End (É o Fim) aquele espectador extremamente desavisado e que estiver procurando um filme desastre clássico, como está na moda em Hollywood atualmente. Este não chega nem a ser uma sátira desse gênero clássico, mas apenas uma brincadeira entre amigos. Claro, uma brincadeira milionária, que todos sonhamos em fazer com os amigos de escola, mas nunca tivemos a chance.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Rush: No Limite da Emoção

    Crítica | Rush: No Limite da Emoção

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    Todo filme de Fórmula 1 no Brasil que não seja sobre Ayrton Senna (ou que não o transforme em semideus) será sempre tratado com um certo desdém pelo grande público, que costuma ver nele o único grande piloto da F1, mostrando um pouco de egocentrismo nacionalista e falta de conhecimento da história de um esporte que já teve seus melhores momentos em décadas passadas, e hoje sofre, assim como o boxe, de falta de fãs e credibilidade. Rush (com seu dispensável subtítulo brasileiro No Limite da Emoção) vem justamente para cumprir papel importante neste aspecto: o de mostrar que a F1 já existia e já era perigosa e emocionante antes de Ayrton.

    A história do filme retrata a rivalidade existente entre os pilotos Niki Lauda (Daniel Brühl) e James Hunt (Chris Hemsworth), portadores de personalidades bem distintas: enquanto Lauda era frio, metódico e brilhante, Hunt era um típico playboy, que adorava festas e os flashes da mídia. A disputa entre os dois se passa desde o início da década de 70 até 1976, quando Niki Lauda sofre um grave acidente no mesmo ano que James Hunt se consagra campeão mundial de F1, igualando o feito de Lauda no ano anterior.

    Com uma estrutura interessante, que insere flashbacks durante a narrativa tradicional, o diretor Ron Howard consegue contar uma história cativante sobre duas personalidades tão distintas, mas que rivalizavam e se completavam, de certo modo. Obviamente, certas liberdades poéticas foram tomadas para tornar o filme mais cativante. Porém, qualquer pessoa minimamente interessada no esporte, ou mesmo em conflitos humanos, saberá aprecia-la.

    Brühl e Hemsworth conseguem, cada um a sua maneira, passar um realismo na dinâmica entre os personagens, ainda mais Brühl, que parece ter estudado meticulosamente cada trejeito físico de Lauda, pois sua atuação impressiona. Hemsworth, limitado como é, se entrega verdadeiramente, mas ainda não consegue fugir do typecasting pelo seu tipo físico e padrão de beleza. Outro ponto positivo do filme é o figurino e os design de produção, que consegue passar nitidamente a sensação dos anos 70 a cada tomada, pelas roupas, penteados, carros, câmeras fotográficas, maquiagens e todos os detalhes.

    Porém, o que poderia ter trazido uma profundidade maior ao filme seria a inserção de outros elementos que pudessem tornar a dinâmica entre Lauda e Hunt menos linear, como talvez a interação de ambos com outros pilotos (momento só brevemente inserido na trama) e com a estrutura da F1. Com 2h03 minutos de projeção, desenvolver mais a história iria tornar o filme ainda mais longo pelo uso que se fez das cenas de corridas, muito bem feitas por sinal, assim como as sequências de transição entre os GP’s, mas sempre em detrimento da história, um vício cada vez mais comum na produção cinematográfica moderna.

    Ron Howard, ainda com essas limitações, consegue produzir um filme redondo, que satisfaz tanto quem está em busca de uma boa diversão com doses homeopáticas de profundidade quanto o fã de F1, que provavelmente irá fazer uma busca extensiva na internet para saber mais sobre essas figuras tão emblemáticas a respeito de uma época romântica de um esporte em crise, como a F1 atualmente.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Elysium

    Crítica | Elysium

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    Neil Blomkamp parece não querer sair do gueto. O cineasta utiliza uma ambientação bastante parecida com a de Distrito 9, especialmente no aspecto de favela, só que de uma forma mais “globalizada”, pois a comunidade carente em Elysium não se restringe somente a periferia de Joanesburgo, mas sim ao mundo todo, transformando a “aldeia global” num autêntico puxadinho sem reboco.

    A premissa tem em sua base um conceito bastante semelhante ao mostrado por Phillip K. Dick em Caçador de Androides – e que foi suprimido no filme de Ridley Scott. Como no conto, os ricos e aptos vivem fora da Terra, por esta não comportar mais a capacidade de estabelecer-se uma vida plena e saudável. A trama se passa em 2154 num futuro sujo e pessimista. A comparação visual com Mad Max, e seus filhotes bastardos, é inevitável, cenários desertos em meio ao que antes eram grandes metrópoles – e tal característica até ajuda a gerar empatia pela história contada.

    Polícia automatizada, agente da condicional robótico e repressor, sarcasmo como ato digno de punição, tudo isso para demonstrar a decadência da humanidade e também a inexistente compreensão às necessidades do próximo. A empatia está fora de cogitação, há uma valorização enorme do bem-estar puramente egoísta, sem importar com o social. A sociedade retratada sofre um controle coercitivo e de mão de ferro, que protege os ricos e estabelece normas rígidas aos pobres, punindo severamente os que não as cumprem. Temas como o combate à imigração, trabalho em regime semi-escravo e sem as mínimas condições de saneamento também são ventilados.

    O roteiro de Blomkamp é sem rodeios, pontual e preciso, isso é bom até certo ponto, até que as resoluções tornem-se coisas rápidas e fáceis de resolver, algumas até piegas. A construção dos personagens deixa a desejar. A atuação de Matt Damon é equivocada, mal dá para acreditar em seu drama e seu esforço dentro do emprego para fugir da marginalidade. Max, seu personagem, não parece o bandido arrependido que o script exige, e a ligação dele com Frey – Alice Braga na atuação mais lúcida do filme – soa forçada, assim como o laço afetivo automático de Max pela filha doente de seu antigo amor. Wagner Moura está histriônico e caricato, mas não compromete. Jodie Foster faz a encarnação da mulher autoritária, fria e insensível, mas que ao final parece resgatar um pouco de sua humanidade, recusando a ajuda da enfermeira, como que se punindo por seus atos errados. O filme trabalha com arquétipos demais, e o tema exigia algo mais profundo. O destaque vai mesmo para Kruger – Sharlto Copley – que faz um Chuck Norris rejuvenescido, que é até carismático, mas em momento justifica a virada que ele deu no final.

    Da terça parte para o final, o roteiro passa a apresentar um sem número de coincidências desnecessárias. Lembra muito os erros de Prometheus, com um ótimo início e um final aquém das expectativas, mas não tão desastroso quanto o primeiro. Elysium tem um amontoado de coisas boas, mas que  peca pela alta previsibilidade, problema que passa longe do excelente trabalho anterior do realizador.

  • Crítica | A Filha do Meu Melhor Amigo

    Crítica | A Filha do Meu Melhor Amigo

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    Julian Farino é um diretor londrino acostumado a encabeçar episódios de séries como Byron, The Office-US, Sex And City, Roma entre outras muitas. Em seu primeiro longa-metragem, faz uma comédia dramática que emula alguns dos elementos de filmes indie – a saber a temática, fotografia e disposição de cores – bastante populares e com público cativo, vide Juno, 500 Dias com Ela, Ruby Sparks etc.

    O roteiro de Ian Helfer e Jay Reiss, também estreantes no cinema mainstream, foca em duas famílias vizinhas em Nova Jersey, e que tem na rotina a segurança de suas vidas – mesmo que todos ali passem longe do contentamento com a condição em que existem. A história é narrada por Vanessa (Alia Shawkat), uma menina frustrada profissionalmente, que aparenta ter bastante ambições, mas que faz pouco esforço para alcançar seus objetivos. Apesar disso, a base do guião não é nela, e sim na geração anterior – pelo menos nesse primeiro momento – especialmente no casamento malfadado entre Paige  e David – pais da relatora, e na vida privada dos seus melhores amigos Terry e Carol.

    A vida de todos é imutável, e eles são incapazes de quebrar qualquer paradigma, até que a filha do casal Ostroff retorna para casa, após ter seus planos de casamento frustrados. Nina (Leighton Messter) volta desiludida e pouco preocupada com qualquer coisa que não seja os seus próprios desejos, e se mete em uma relação que rompe a amizade entre as duas famílias. O subúrbio é utilizado como o avatar da rotina e do medo da variação, o argumento toca em temas como crise de meia-idade, término de casamento, ótica adolescente sobre divórcio dos pais etc. Outro ponto de interessante discussão é até que ponto é valido apelar para a tradição e para os laços familiares quando estas coisas se interpõem a felicidade própria.

    As atuações são razoáveis, Hugh Laurie que ainda possui muito do Doutor Casa em sua caracterização, mas dá uma personalidade diferente ao seu personagem passivo de meia-idade. Messter não compromete, mas faz pouco acreditar em seus dramas. Entretanto o destaque certamente é Catherine Keener, até por ter em mãos o personagem mais rico da película, e que apresenta maior evolução deixando de ser a esposa dedicada, simulada e ilusória para se tornar uma mulher cheia de ideais e que dedica sua vida a atingi-los – além é claro de ter protagonizado a cena mais cômica e agridoce do filme, onde destrói parte da decoração de natal da fachada de sua antiga casa para logo depois agir de forma calma e serena no interior da festa natalina.

    O caso de Nina foi o catalisador da mudança, o evento que modificou o status quo e fez todos perceberem o quanto os personagens estavam insatisfeitos com as próprias vidas, o que inclui a própria Nina, Paige, David, Carol, Terry e mesmo Vanessa, além é claro de trazer clareza de o quanto eles precisavam se transformar.

    Sair da zona de conforto é difícil, mas é necessário em alguns pontos da vida. David percebe tarde demais que certos caminhos não têm volta. The Oranges é uma comédia de incômodos e constrangimentos, um pouco pretensiosa, mas ainda assim de divertimento fácil.

  • Crítica | Os Amantes Passageiros

    Crítica | Os Amantes Passageiros

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    Dentro de um avião fora de controle, um grupo de personagens excêntricos acredita estar vivendo suas últimas horas de vida. A partir dessa premissa, o espectador testemunha a volta de Pedro Almodóvar ao tipo de filme que o consagrou: a comédia. Desde Kika (1993) que o diretor havia deixado de lado esse estilo. E retorna a ele da forma mais escrachada possível. Mas, afinal, é Almodóvar, e de que outro modo ele o faria?

    Para o espectador saudoso dos primeiros filmes do diretor, com seus cenários de cores fortes, personagens extremos em situações extremas, figurinos extravagantes, diálogos disparados em velocidades alucinantes, está tudo de volta. E isso talvez dê a impressão de que o diretor está referenciando ou mesmo parodiando a si próprio. É difícil não relembrar de Mulheres à beira de um ataque de nervos que, assim como este, passa-se praticamente em um único cenário – um apartamento – e há uma personagem que deixa de ser virgem durante a estória. Além disso, há várias cenas marcantes – chocantes ou engraçadas – envolvendo drogas, sexo ou ambos.

    O rol de personagens, uma fauna bastante diversificada, inclui três comissários de bordo homossexuais – um que bebe, Joserra (Javier Cámara), um que consome drogas ilícitas, Ulloa (Raúl Arévalo) e um que abraçou a religião para se livrar dos vícios, Fajas (Carlos Areces); um piloto bissexual, Álex Acero (Antonio de la Torre), cujo amante é Joserra; um co-piloto “saindo do armário”, Benito Morón (Hugo Silva), por quem Ulloa tem uma queda; uma vidente, a virgem que deixa de ser, Bruna (Lola Dueñas); uma cafetina de luxo, Norma (Cecilia Roth); um empresário corrupto; um ator, Ricardo Galán (Guillermo Toledo); um agente de segurança; um casal em viagem de núpcias. Os personagens são estereotipados? Ao extremo, são quase caricaturas. Seus trejeitos e neuras são exagerados? Sem dúvida. Mas boa parte do humor e da crítica ácida deve-se justamente a esses fatores.

    Enquanto o roteiro se atém às ações e reações dos personagens dentro do avião, a trama se sustenta. Contudo perde força ao sair do ambiente confinado e mostrar uma subtrama, em que uma moça andando de bicicleta atende um telefonema do ex-namorado (o ator) num celular que “caiu do céu”, ou mais precisamente, das mãos de uma suicida que também conhece Galán. Apesar de interessante, principalmente aos que têm sua atenção atraída pela beleza da moça, Ruth (Blanca Suárez), a sequência não é muito relevante, e poderia ser encurtada ou mesmo suprimida sem qualquer prejuízo.

    O título em inglês, I’m so excited, é o nome da música utilizada como trilha sonora para um número de dança protagonizado pelos comissários a fim de entreter os passageiros – apenas os da primeira classe, pois os da classe econômica estão dormindo, todos foram dopados assim que a tripulação descobriu a pane. A partir daí pode-se ter uma ideia nítida do quão non-sense, exagerado e, ao mesmo tempo, sarcástico é o filme. Esse tom exagerado se vale ainda das cores fortes do cenário e da fotografia, com enquadramentos que lembram programas de tv – principalmente na hora do “show”.

    Não se pode afirmar com veemência que Almodóvar tenha perdido a mão. É possível que sua intenção fosse mesmo fazer uma paródia de suas melhores comédias. De qualquer modo, não deixa de ser um filme menor. Mas, levando-se em conta que Almodóvar é um autor – em oposição ao conceito de artesão, ou diretor por encomenda -, vale a máxima defendida por Truffaut na revista Cahiers de Cinéma: “Um cineasta que tenha feito grandes filmes no passado pode cometer erros, mas os erros que ele cometer têm toda a probabilidade, a priori, de ser mais apaixonantes que os êxitos de um ‘artesão’”.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | A Família

    Crítica | A Família

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    Com um argumento interessante sobre uma ótica poucas vezes utilizada no filão Mafia Movies, Malavita traduz para a tela a rotina de uma família em que o patriarca Giovanni Manzoni – Robert De Niro – delatou seus paesanos, e está no presente momento realocada no programa de proteção a testemunha, migrando de cidade em cidade na França. A premissa chama atenção, mas o tom sério passa longe deste filme.

    Luc Besson parece rememorar seus bons tempos de Quinto Elemento e apresenta uma comédia que parodia os inúmeros clichês de filmes de máfia, assim como o filme citado fazia piadas com ficção científica. É caricato e traz uma violência graficamente inverossímil e até engraçada em alguns pontos.

    Os personagens são absurdamente agressivos, não só o pai, que era do crime organizado, mas também os dois filhos, Belle, interpretada por uma fetichista, Dianna Agron, e Warren feito por John D’Leo – o que leva a crer que a sanguinolência está no sangue, e é claro, por parte também de sua esposa Maggie – Michelle Pfeiffer, que possui uma personalidade sociopata tão agressiva e irascível quanto a do marido. O foco do filme é nessa relação familiar, que é mal construída.

    O que também não ajuda a ambientar o espectador é a quantidade de incongruências. Giovanni é obviamente perseguido por seus antigos companheiros denunciados, e por isso troca de identidade, no entanto seus filhos e esposa permanecem com seus primeiros nomes intactos. Os Mafia Guys com metralhadoras não acertam as crianças, mas uma menina com pistolas consegue repeli-los e matar alguns, amedrontando os calejados bandidos – a inversão de papéis é uma piada clara, mas muito forçada. Usar a própria propriedade como cemitério para desafetos “apagados” também não é nada aconselhável. O modo como Don Lucchese descobre o paradeiro do traidor também é de uma conveniência absurda, mas é até tolerável em comparação com os outros problemas de roteiro.

    Os momentos que retratam o período em que Giovanni estava com a sua “antiga família” são coloridíssimos – época áurea e de felicidade. Robert De Niro volta a fazer um pastiche da sua própria figura, o que é até interessante em dado momento. A relação entre sua vontade de escrever suas memórias é uma alegoria a ânsia por ser notado de novo e não passar o fim de sua vida no anonimato – o paralelo traçado com Os Bons Companheiros é de uma metalinguagem genialmente executada e escancara até para o espectador desatento que a motivação de Giovanni é fugir de ser mais um sujeito ordinário, em muito lembrando o protagonista de Goodfellas, Henry Hill, que não suportava a ideia de não ser alguém importante e que compartilha o mesmo destino de Gio, como protegido do governo federal sem muitos luxos.

    Besson faz uma película de pura referência ao gênero, mas num formato caricatural, fazendo piadas com os elementos clichês comuns ao filão. A conclusão é deveras moralista, enfatizando a máxima de que o crime não compensa e que nunca é tarde para a redenção, uma pena, pois com um elenco que reúne De Niro, Vincent Pastore e Tommy Lee Jones, seria comum esperar algo mais maduro e não tão genérico.

  • Crítica | Vale do Pecado

    Crítica | Vale do Pecado

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    Uma estrela decadente, com o rosto completamente deformado devido a inúmeras plásticas mal sucedidas, unido a ela no elenco principal, um ator de filmes pornô sem experiência quase nenhuma no cinema tradicional, e que faz um papel semelhante ao de sua própria vida, unido a isso, um orçamento irrisório de 155 mil dólares obtido através de um site de financiamento coletivo – e tudo isso, encabeçado por uma das grande mentes do cinema mundial, mas que jamais conseguiu se adequar a panela, mesmo após uma carreira de sucessos memoráveis. The Canyons tinha tudo para ser mais um sub-produto e filme b genérico – e tem todos os elementos disso, fora os já citados – mas não é.

    A iconografia visual é caricata e lembra muito alguns aspectos de produtos de categoria XXX, graças principalmente a fotografia de John de Fazio, que colabora e muito para manter a artificialidade da obra – artifício este auto-declarado por Bret Easton Ellis – a câmera captura a superficialidade da juventude contemporânea de uma forma tão crua e expositiva que chega a ser tocante e totalmente não condizente com o cinema atual.

    A fita foi oferecida para muitos festivais, mas era quase sempre recusada graças a sua baixa qualidade e as polêmicas que envolviam sua produção – principalmente na espinhosa questão entre Lindsay Lohan x Paul Schrader. A atuação da tresloucada e quase ex-atriz é fenomenal no que se propõe – demonstrar uma mulher que já brilhou muito, mas que está longe dos holofotes, e optou por uma vida marginal. James Deen – que faz o produtor audiovisual Christian – é tão pessimamente dramático e tão fraco que consegue convencer o público de que ele é um sujeito mau por essência, sem espaço para nenhuma dimensionalidade que não esta – ele é o canalha, egoísta e controlador por essência. Essas caracterizações aliadas ao ofício de Christian garantem um caráter metalinguístico surreal ao filme.

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    Ciúmes, controle de informação, invasão de privacidade: demonstrações de atos dos personagens, na maioria das vezes executados sem nenhuma razão aparente. O roteiro de Ellis mostra mais uma vez uma geração sem causa ou motivação maior do que os seus próprios desejos e anseios mesquinhos e individualistas. Seu sub-texto é muito mais rico do que o parco elenco conseguiria transmitir. Em um ponto do filme, Christian declara a sua amada como ele funciona: “Eu te amo, mas do meu jeito!” – até o sentimento que deveria simbolizar atenção ao outro é retratado de forma narcisista. Mesmo nas outras relações mostradas o mesmo acontece, todos os personagens são obcecados e não se permitem viver – e principalmente perder o que lhes faz bem – não há redenção ou saída fácil, não há para quem torcer.

    Lindsay Lohan ainda possui talento, pena que todo esse potencial esteja chafurdado, escondido debaixo de uma completa ausência de rotina e vida regrada. Se ela tivesse maior disposição, certamente seria cogitada para mais trabalhos com grandes diretores. Schrader também merecia uma sorte maior, visto que tem um olho raro para situações do cotidiano, e as registra de forma emocional, agressiva e visceral.

    Ouça nosso podcast sobre Bret Easton Ellis.

  • Crítica | Garganta Profunda

    Crítica | Garganta Profunda

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    Deep Throat é um marco no cinema por inúmeros motivos, entre eles, ter trazido os filmes adultos para o mainstream, o que possibilitou que ao gênero tornar-se uma indústria muito lucrativa. Lançado em 1972, rompia paradigmas, ecoando os gritos da revolução sexual da década anterior.

    Logo aos 4 minutos é mostrado um sujeito praticando sua “intimidade” via oral com uma mulher, amiga da personagem principal Linda Lovelace – interpretando a si mesma. Os efeitos sonoros (bolhas na água) aliados a trilha formam um quadro absurdamente hilário. A protagonista é uma mulher atormentada, que não consegue obter orgasmo de forma alguma – mesmo após uma enorme orgia, com direito a sexo anal filmado de forma bastante explícita, ménage e outras exemplares de boa prática carnal.

    É possível também observar a moda da época, com os atores bastante “cabeludos”, muito mais que suas colegas femininas – um tapa na cara de Nanda Costa e companhia – mas é óbvio que o foco de público era no bom e velho “entra e sai”. Garganta Profunda apresenta cenas bem executadas por Jerry Damiano, e um repertório vastíssimo no seu pouco tempo de duração – pouco mais de 60 minutos. A história prossegue com a “heroína” procurando ajuda médica, e então descobre que seu clitóris está localizado na garganta, e para ter orgasmo ela precisaria se submeter a um procedimento chamado garganta profunda – que consiste em descer o membro masculino laringe abaixo – e é nesse ponto que reside o maior talento de Linda. As imagens utilizadas para exemplificar o orgasmo dela são um show a parte – foguetes sendo lançados, sinos badalando, etc. Ao finalmente obter o prazer, a paciente pede ao médico – Harry Reems – em casamento, parodiando a prática comum de associar-se o prazer ao amor.

    Garganta Profunda teve um orçamento de aproximadamente 25 mil dólares, e gerou um lucro superior a 600 milhões. No bom documentário da HBO Por Dento da Garganta Profunda (Inside Deep Throat) mostra a rejeição por parte do público mais conservador e do governo Nixon, excessivamente moralista, que prezava por valores familiares pelos “bons costumes”. Tal filme ainda mostrou o que aconteceu com os protagonistas da fita – Lovelace entrou em depressão, acusava seu ex-marido de tê-la obrigado a fazer o filme e falava que as cenas gravadas eram um registro dos abusos sexuais que sofria, igualando as cenas a prática do estupro. Jerry Damiano se defendia dizendo que ela se sentia a vontade nos sets. O realizador ainda sofreu bastante, sendo acusado de associação com a Máfia e encarcerado por conta disso. Harry Reems foi tomado como bode expiatório, sendo acusado de atentado ao pudor. No seu julgamento, ele declarou que sentia que alguns o viam como um demônio, e mesmo após toda a polêmica ter acabado não conseguiu dar sequência a carreira de ator – teria quase obtido um papel em Grease, mas foi cortado por ter sua imagem associada aos filmes pornográficos. Reems tornou-se alcoólatra, e chegou ao ponto de gravar seus filmes eróticos o tempo todo sentado, por não conseguir sequer manter-se de pé.

    Alguns anos após o sucesso de Deep Throat, Linda Lovelace tornou-se uma ativista contra a indústria de filmes adultos, mas ainda voltaria mais uma vez ao filão, por necessidades financeiras, ainda que este retorno tenha sido bastante decadente.

    A história do filme é pueril, principalmente se comparada à repercussão que teve fora das telonas. Garganta Profunda é um marco para o cinema moderno, e ajudou a popularizar a subcategoria mais lucrativa do cinema e do audiovisual em geral, além é claro de espalhar a fita erótica para além de seu público habitual, tornando-a algo popular nos mais diversos nichos.

  • Crítica | O Homem Que Não Estava Lá

    Crítica | O Homem Que Não Estava Lá

    70 - The Man Who Wasn't There (O Homem Que Não Estava Lá)

    Uma das características mais marcantes dos Irmãos Coen é a homenagem que vez ou outra prestam a gêneros de cinema que os fizeram gostar dessa arte. Em O Homem Que Não Estava Lá, a homenagem é feita ao noir, grande marca do cinema americano dos anos 40, famoso pelo preto e branco, em cidades esfumaçadas, femme fatales e narrações em off feitas geralmente por um detetive que investiga um crime. Praticamente todos estes elementos estão neste filme.

    O filme conta a história de Ed Crane (Billy Bob Thornton) um barbeiro infeliz que vive com sua esposa Doris (Frances McDormand). Ao desconfiar que ela está traindo-o com seu chefe Big Dave (James Gandolfini), Ed passa a planejar uma trama de chantagem contra o amante, a fim de ganhar dinheiro para investir em um negócio que acaba de ter contato com um cliente na barbearia. Mas quando seu plano vai por água abaixo uma série de consequências desagradáveis ocorre, ao melhor estilo dos Coen.

    A fotografia é excelente e eficaz na reconstrução dos EUA da virada da década de 40 para 50, com seus figurinos, carros e até mesmo os maneirismos, como o jeito de fumar, o que praticamente todo o elenco faz exaustivamente. As sequências são todas singulares, com o objetivo de demonstrar o vazio existencial de Ed, que sempre se queixa de não gostar de conversar com ninguém.

    O filme apresenta diálogos e situações interessantes. A construção dos “erros” vai se aprofundando de tal forma que consegue de início prender a atenção do espectador. Quando essa atenção começa a se diluir por conta do ritmo lento da narrativa, um personagem interessante é inserido, que nos atrai de volta a história: O advogado Freddy Riedenschneider (Tony Shalhoub), que misturando conceitos de ciência em um tom quase místico, tenta elaborar uma defesa para o fato de que a mulher de Ed está presa, mas que ninguém sabe que a culpa na verdade é dele.

    O interessante nisso é que nem mesmo Ed parece acreditar ou se importar na ambiguidade moral de sua mulher estar presa por sua culpa. Ele continua agindo como sempre agiu, como se fosse programado por um código externo de ética, tomando decisões de acordo com o que deveria ser certo. Porém, quando ele se toca que desperdiçou a vida fugindo de contato humano, é tarde demais. Todo o seu mundo artificial já havia desmoronado, e o conto clássico de crime e castigo, por vias tortas, já havia se concluído.

    Apesar de nuances interessantes acerca das motivações dos personagens e das discussões morais a respeito de suas atitudes, o filme não chega a envolver emocionalmente. Sentimos-nos ao seu final mais ou menos como Ed, acompanhando a história e os personagens sem nos envolvermos com eles, somente por obrigação. Acho difícil acreditar que esse era o objetivo dos Coen com o filme, que apesar de sua precisão técnica e de elenco, falha em gerar um envolvimento real com a história.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Lovelace

    Crítica | Lovelace

    lovelace

    A cinebiografia da atriz Linda Lovelace começa como uma reconstituição de Deep Throat – o clássico Garganta Profunda. A narrativa é lotada de flashbacks e mostra o começo dos anos 70, com a protagonista posando de puritana e pudica, avessa a práticas sexuais bastante comuns como o sexo oral.

    Para quem não conhece a história por trás de Linda Boreman – nome civil da estrela – mergulhar na intimidade desta é interessante, ainda que essa imersão seja superficial. A temática é adulta e até tenta ludibriar o espectador apresentando algumas cenas de nudez, mas sem sensualidade ou apelo erótico algum, mesmo tendo em Amanda Seyfried sua protagonista – que está bem mais sexualizada em Garota Infernal de Diablo Cody. A cena em que ela prova o seu “talento único” pela primeira vez deveria ser épica, mas passa batida, o que não condiz com a filmografia anterior de seus realizadores, Rob Epstein e Jeffrey Friedman, que em outros tempos, documentaram grandes  avanços no que tange a exploração de sexualidade.

    A questão de optar-se por pouca sensualidade é claramente proposital, afinal esta é a versão de uma Linda Lovelace aposentada e atormentada, mas a abordagem peca nesse aspecto também. O erro do longa começa pela premissa, que é forçada e chapa-branca.

    Sobre as caracterizações, há também um sem número de problemas, e pouco vale destacar. Chuck Traynor, esposo de Linda, é retratado num primeiro momento como um sujeito preocupado com a integridade de sua parceira, já na segunda parte, onde ocorre uma virada no roteiro, ele é mostrado como uma pessoa violenta e interesseira, que maltrata a pobre mulher, como o próprio diabo, para no final encarnar o cão arrependido, sem maiores justificativas no roteiro ou apelo dramático, por parte de Peter Saarsgaard, seu intérprete, é tudo muito jogado na tela. Seyfried não é uma atriz ruim, é bonita, tem belos seios, mas não passa a canastrice de Lovelace em frente às câmeras, ela não consegue usar a máscara de atriz sem o mínimo de talento, e tampouco sensibiliza o receptor nas cenas mais fortes.

    A narrativa não-linear parece ter sido escolhida mais por estilo do que por necessidade. As atrocidades a que a protagonista é submetida só são explicitadas após a mudança radical pela qual ela passa. O moralismo materno a empurra de volta ao seu agressor. Talvez esse seja um dos poucos pontos fortes do filme, a relação com os pais. Sua mãe é o autêntico avatar do conservadorismo, enquanto o pai protagoniza a única cena que passa perto de emocionar, onde Bob Patrick espreme o pouco talento que tem a fim de tentar resgatar sua filha daquela “vida bandida”.

    O roteiro é completamente parcial – a favor da atriz. Friedman e Epstein passam longe de causar comoção no público, falta sinceridade, intensidade e visceralidade, especialmente nas cenas picantes. Toda vez que o filme parece engrenar tira-se o pé do acelerador, a câmera parece correr o tempo todo com o freio de mão puxado. Mesmo próximo ao final quando a editora aceita a biografia de Linda, o fato não provoca nenhuma sensação, quando deveria ser um ponto de empatia instantânea.

    As últimas cenas contêm um caráter redentor e cor de rosa, que não poderia estar mais longe da realidade vivida pela “vítima”. A história omite inclusive o retorno decadente da personagem principal a indústria de produtos adultos, e como dito acima, não vale sequer pelas cenas de nudez – que são de uma beatice ímpar – Lovelace poderia ser excelente, e não é mal filmado, mas carece de alma, substância e conteúdo relevante.