Categoria: Críticas

  • Crítica | A Centopeia Humana 2

    Crítica | A Centopeia Humana 2

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    Quem já assistiu ao primeiro filme, visitava comunidades estranhas no Orkut ou navegava por sites de bizarrices, sabe do que eu estou falando. Você pode não ter visto, mas com certeza já ouviu falar a respeito desse filme. E se não ouviu, vou dar uma resumida no primeiro, só pra sentir o drama:

    Duas garotas americanas em uma viagem pela Alemanha quando o carro quebra em uma noite escura no bosque. Elas procuram por ajuda e encontram uma casa isolada. O médico de meia-idade dono da casa se identifica como um cirurgião especializado em separar irmãos siameses. No dia seguinte, elas acordam amarradas em um hospital improvisado em um porão junto com um japonês. O sinistro doutor planeja ser a primeira pessoa a conectar pessoas pelo sistema gástrico (pra quem não imagina é ânus na boca e boca no ânus), trazendo assim a fantasia de sua vida a realidade: a centopeia humana.

    Detalhe que antes de realizar o “experimento” com humanos, o doutor fez com seus 3 cachorros pra ver se a teoria poderia ser posta em prática, e infelizmente deu. O filme todo gira na preparação pra grande cirurgia (diga-se que 60% do filme é isso), e depois de preparados, todos os cortes minuciosamente calculados, o doutor põe a mão na massa e vai grudando a galera. Feito a cirurgia, o resto do filme é apenas a aventura do doutor com seu novo bichinho de estimação (falei bichinho de estimação por que ele tenta adestrar os 3 como se fossem cachorros). Mas é claro que eu não vou contar o final de como essa bizarrice termina, se vocês estiverem curiosos pra saber se alguém morre, se alguém sobrevive, se acontece uma convivência pacífica entre eles, fiquem a vontade pra enfrente 1h45 de pura mentalidade imbecil, ou google it.

    No final de Centopeia Humana 1, não fica margem para continuação. Não pelo menos com o mesmo tema. Então tiveram a brilhante ideia de fazer um segundo filme, contando a história de um cara (COMPLETAMENTE) perturbado mentalmente que assiste ao primeiro filme e acha que pode fazer igual e fazer melhor, não com 3 mas com 12 pessoas.

    Eu, como já estou acostumada com essas coisas (mentira), resolvi assistir por que a curiosidade sempre fala mais alto.

    Centopeia 2 conta a história de um homem que se torna sexualmente obcecado pelo DVD do primeiro filme e imagina colocar a ideia da centopeia humana em prática. Diferente do primeiro filme, a sequência apresenta imagens gráficas de violência sexual, defecação forçada e mutilação; e o espectador assiste da perspectiva do protagonista. No primeiro longa, a ideia da centopeia era apresentada como um experimento de um cientista louco e com o foco nas tentativas de fuga das vítimas, mas esta sequência apresenta a centopeia como objeto da fantasia sexual distorcida do protagonista.

    Sinceramente, eu nem sei por qual bizarrice começar. Mas vamos pelo protagonista por que por mais que tenha cenas nojentas, violência pra cacete, e toda aquela parte da preparação de corpos e tal, ele SEM DÚVIDA foi o que mais me assustou.

    Martin (Laurence R. Harvey) é um britânico meio anão (ao meu ver), gordo (que adora ficar nu), asmático, não fala meia palavra no filme, doente mental e aparenta ter uns 40 anos. Mora em um pequeno apartamento com sua mãe que também, cá entre nós, não é das mais normais não. Ele foi abusado sexualmente pelo pai quando era um bebê, foi abusado pelo seu psiquiatra e se não bastasse tudo isso ele ainda é obrigado a ouvir de sua mãe todo santo dia, que o pai dele está na cadeia por sua culpa. Ele trabalha como vigia noturno em um estacionamento, e ao assistir o primeiro filme ele fica simplesmente fascinado com a história toda e resolver fazer igual (além de se masturbar com uma lixa. Sim, aquelas lixas de parede).

    Então ele começa a sequestrar as pessoas que voltam de madrugada para buscar o carro no estacionamento e VÁRIOS furos no roteiro vão brotando:

    – 1º ato falho: como é que somem 12 pessoas misteriosamente de um lugar e ninguém vai atrás pra saber o que está acontecendo? Ninguém pega uma filmagem? Oi?

    – 2º ato falho: ele pega um casal que está com uma criança. Ele leva só o casal para o cativeiro e salva a criança. A criança simplesmente some de cena.

    – 3º ato falho: pelas minhas contas, o pessoal ficou pelo menos 3 dias em cativeiro. Todos com ferimento na cabeça, todos baleados, todos perdendo sangue, todos sem comer, todos sem beber. E mesmo assim, toda vez que o Martin entra no recinto, eles arrancam energia sabe lá Deus de onde pra se sacudir freneticamente.

    – 4º ato falho: Martin não é doutor como o cara do primeiro filme. Ele não tem objetos cirúrgicos e quartos limpos. Então ele resolve realizar o procedimento usando um grampeador de escritório mesmo (além de usar laxante pra fazer a “comida” fluir mais rápido, oh que beleza). Pensando nisso, qual a chance de sobrevivência considerando o fato de que está todo mundo jogado em um porão abandonado, imundo e cheios de ferimentos? Bem baixa.

    Momento WTF: tinha uma grávida que ele sequestra no porão e ela se finge de morta. Ela começa a dar à luz quando ele tá colando todo mundo. Então ela simplesmente sai correndo, entra em um carro que está do lado de fora E O BEBE SAI NATURALMENTE. Ela pega e tenta protege-lo? R: não. Ele cai no chão e quando ela acelera o carro pra fugir, acaba esmagando a cabeça da criança. (?????)

    Filme de tortura sempre rolou no mercado. Um exemplo de “sucesso”, foi Jogos Mortais (que embora tivesse uma história por trás de toda carnificina gratuita, todos já estavam cansados após o 3º filme). Agora A Centopeia Humana, nada explica terem feito um filme desse. Não tem diálogos, não tem boas imagens, não tem nada. É pura tortura. Tão ruim que chega a ser engraçado. E isso por que eu vi a versão censurada (foi proibido em diversos países, e não encontrei a versão original de jeito nenhum). Se a curiosidade fala mais alto com você (do mesmo jeito que ela fala comigo) fique tranquilo e assista. O filme inteiro é em preto e branco, o que diminui e MUITO a sensação de mal-estar diante das cenas mais pesadas. Prepare-se para um final estilo WTF?, e por favor evite assistir antes ou após as refeições.

    Texto de autoria de Larissa Tinoco.

  • Crítica | Matadores de Velhinha (2004)

    Crítica | Matadores de Velhinha (2004)

    74 - The Ladykillers (Matadores de Velhinha)

    Um grande problema dos grandes artistas é que sempre após uma grande obra, as atenções se voltam para a próxima com a inevitável comparação de qualidade entre ambas. Desde fins dos anos 80, os Coen se mantiveram em produções de altíssimo nível, mesmo em gêneros diferentes. Porém, no início dos anos 2000, a famosa crise parece ter chegado, dando sinal de esgotamento em “O Amor Custa Caro” e comprovando isso definitivamente agora com Matadores de Velhinha.

    Adaptação de um filme de 1955, aqui traduzido como “O Quinteto da Morte”, a história gira em torno do professor Goldthwait Higginson Dorr (Tom Hanks), arquiteto de um grande plano para assaltar um cassino. Ele aluga um quarto na casa da senhora Munson (Irma P. Hall), uma simpática velhinha, onde convoca seus comparsas para o plano de ação, que era o de disfarçar o ato transformando o grupo de ladrões em um conjunto musical. A situação se complica quando a senhora Munson descobre o plano, o que faz com que os ladrões tenham de alterar os planos várias vezes, até chegarem a conclusão que deveriam matá-la.

    Caracterizado novamente no sul dos EUA, o filme dá espaço a toda a musicalidade negra, assim como em “E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?”, porém, na música gospel, com toda a energia característica dos cultos evangélicos daquela região. Também há no filme as características clássicas dos Coen, como o humor negro (porém, aqui um pouco gratuito e deslocado), os erros que avançam a história e os estereótipos clássicos, porém, o elenco dessa vez não ajuda muito. Se antes tínhamos Frances McDormand, agora temos o irritante e previsível Marlon Wayans, trazendo o lado negativo dos estereótipos, ao contrário daqueles que favorecem a história e familiarizam o espectador com o ambiente, como a personagem da sra. Munson.

    Apesar de ter um arco fechado, a história passa sem que envolva o espectador nela. O filme é plano em todos os aspectos e não consegue sensibilizar. Apesar de garantir uma ou duas risadas por conta da boa atuação de Tom Hanks, a tentativa um tanto quanto rasteira de se apelar ao humor de “tipos” garante mais olhadas no relógio do que diversão, na curta duração do filme (apenas 1h36). O filme também falha na tentativa propositadamente simples de emplacar uma discussão moral a respeito de justificar um roubo se ele fosse para uma causa nobre, onde a incorruptível sra. Munson não cai na tentação e no argumento dos fins justificam os meios do prof. Dorr.

    Tecnicamente, o filme é primoroso, como tudo o que os Coen fazem. Tanto os planos milimetricamente encaixados quanto os diálogos quase ininteligíveis e rápidos para os não fluentes em inglês. O destaque dado à música gospel também é louvável, pois dá um vigor a mais em uma narrativa lisa e com poucas emoções.

    Ninguém discorda da capacidade dos Coen de produzir grandes obras cinematográficas, de apresentar e desenvolver personagens das mais variadas formas, de estabelecer tramas, simples e complexas, que envolvem o espectador de maneira inteligente e tudo isso de forma comercialmente viável, o que a indústria adora. Mas também poucos discordam que Matadores de Velhinha é provavelmente o ponto mais baixo da genial carreira dos diretores/roteiristas/produtores.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Invocação do Mal

    Crítica | Invocação do Mal

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    Muitos roteiros valem-se do recurso de afirmar que a trama é “baseada em fatos reais” para dar mais peso à história. Neste caso, não é apenas um recurso narrativo. Essa tática já é tão manjada e utilizada tão sem critério que confesso ter duvidado dessa premissa e “googlei” o nome dos personagens depois de assistir ao filme. Ed e Lorraine Warren realmente existiram, foram demonologistas amplamente conhecidos e reconhecidos, e o roteiro baseia-se nos arquivos dos casos investigados pelo casal.

    O roteiro não prima pela originalidade, afinal não há muita margem para a criatividade ao escrever sobre uma casa mal-assombrada. Não há como escapar de sussurros e ruídos estranhos, portas e janelas se abrindo, ou se fechando, aparentemente sozinhas, pancadas no chão e paredes, quadros e objetos decorativos sendo jogados ao chão. Mas mesmo assim é bastante eficiente ao focar-se mais na tensão causada pela existência da “assombração” do que nos sustos em si.

    O prólogo – quase uma pegadinha para quem não faz ideia do que se trata o filme – funciona muito bem ao apresentar o casal de investigadores e seu modus operandi. Há, embutida nele, a dica de que o filme não se resumirá a sustos e gritos histéricos, como boa parte dos filmes de terror infelizmente costuma ser.

    A estória se passa no início dos anos 70 e vale a pena reparar na reconstituição de época que não deixa a desejar. Desde os carros, até as roupas – as estampas de vestidos e camisolas, os cortes dos ternos e camisas – passando pelos penteados – o que são aquelas costeletas? rs – e elementos do cenário – mobília e eletrodomésticos. Sem contar a trilha sonora, quase toda diegética, com ótimos hits da época.

    O elenco está muito bem, com destaque para Vera Farmiga (Lorraine Warren), lógico. Um rápido flashback sobre um caso investigado que “desandou” talvez explique sua constante melancolia, mas mesmo assim, sua cara de tristeza durante todo o filme às vezes parece meio forçada. Patrick Wilson (Ed Warren) não desaponta. Lily Taylor (Carolyn Perron), quase no mesmo clima de Hemlock Grove, consegue nos fazer esquecer do péssimo A casa mal assombrada. Ron Livingston, o eterno Tenente Lewis Nixon em Band of Brothers, é bem convincente como o único homem numa família de seis mulheres.

    Não sei se é realmente o melhor filme de terror dos últimos tempos. Mas certamente James Wan – responsável por Jogos Mortais (o primeiro, de 2004), pelo razoável Sentença de Morte (2007) e pelo recente Sobrenatural (2011) – conseguiu fazer um filme de terror acima da média, competente e com várias referências para os fãs do gênero.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Sem Dor, Sem Ganho

    Crítica | Sem Dor, Sem Ganho

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    Após passar alguns anos dedicando-se aos blockbusters de uma popular e milionária franquia, um cineasta resolve respirar novos ares. Orçamento baixo (estimado em 26 milhões de dólares), roteiro baseado em fatos reais… é de se imaginar algo mais intimista, mais “cabeça”, talvez? Não quando estamos falando do explosivo Michael Bay. Dinheiro e efeitos especiais à parte, a alma do diretor permanece em Sem Dor, Sem Ganho – uma divertida comédia de ação que até surpreendeu os detratores deste gênio incompreendido.

    Situada em meados dos anos 1990, a trama acompanha um trio de fisiculturistas de Miami que decide tentar um grande golpe pra mudar de vida. Daniel Lugo (Mark Wahlberg) é um personal trainer que assiste a uma palestra de auto-ajuda e sai iluminado: ao invés de ficar reclamando da vida, ele vai agir para ter aquilo que julga merecer. Com isso, entenda-se sequestrar um endinheirado frequentador da sua academia (Tony Shalhoub) e “convence-lo” a transferir seus bens pra ele. Os parceiros de crime de Lugo são Adrian Doorbal (Anthony Mackie), um simplório marombeiro que enfrenta problemas de disfunção erétil; e o ex-presidiário arrependido e hoje cristão, Paul Doyle (Dwayne “The Rock” Johnson). Atrapalhados até dizer chega, os fortões agem na base do improviso e tentativa e erro (e são muitos, muitos erros), e acabam tendo que se dedicar mais a consertar as próprias furadas do que a aproveitar o sucesso do plano.

    Como citado anteriormente, Michael Bay não deixou de lado suas marcas. Aspectos visuais impecáveis, apesar do orçamento reduzido, algo que faz lembrar da estreia de Bay em longa-metragens. O primeiro Bad Boys, de 1995, também se passava em Miami e trazia a ensolarada fotografia que aqui se repete. Ainda que Sem Dor, Sem Ganho tenha consideravelmente menos cenas de ação (pelo menos para o padrão do diretor), o ritmo ainda é frenético, com cortes e diálogos rápidos. Mesmo em cenas expositivas, a sensação de correria permanece. E claro, estão lá as câmeras lentas, a luz do sol estourando em diversos reflexos, e até mesmo uma explosãozinha básica, com direito ao trio de “heróis” de costas para ela, andando lentamente.

    O que acaba sendo um diferencial do filme é que o roteiro justifica – ou pelo menos acompanha – esses exageros visuais. Quando algo se anuncia como “baseado em fatos reais”, nossa reação normal é ligar o desconfiômetro e considerar a velha “magia do cinema”. Mas neste caso isso não afeta tanto, primeiramente porque ninguém duvida que os norte-americanos sejam capazes de maluquices. E depois, porque o filme se assume, desde o início, como um causo insanamente divertido, sem exibir qualquer pretensão documental/moralista.

    Nessa pegada, é uma diversão à parte especular até que ponto foram intencionais as zoações com o Sonho Americano. Começando com o protagonista dizendo que os EUA passaram de “um punhado de colônias mirradas” para “o país mais bombado do mundo” através de muito suor e trabalho duro. Conceitos de auto-ajuda tipicamente rasos se fundem tão bem, não só com o ideal capitalista estadunidense do “self-made man“, mas também com o simples (e povoado por mentes simples) universo da musculação. Impagável. E provavelmente involuntário, ou alguém acredita que Bay e os roteiristas Christopher Markus e Stephen McFeely se preocuparam em trabalhar camadas de ironia?

    Os atores que acompanham toda essa proposta escapista estão muito bem encaixados em seus papéis. Mark Wahlberg meio que repete seu papel em Ted, como um palerma que não se toca do quanto é estúpido. E, por se levar a sério e agir de acordo, acaba sendo muito mais engraçado do que seria se tentasse fazer humor. Abandonando um pouco a pose de fodão, The Rock também diverte como o incrivelmente ingênuo Doyle. Seja se entregando a Jesus ou à cocaína, ele consegue ser o mais tapado do grupo. Anthony Mackie e Rebel Wilson, ambos estereótipos, nada de especial. Ed Harris, ok trabalhando no automático. E Tony Shalhoub, o único que atua no filme, consegue fazer um personagem tão asqueroso que não desperta simpatia em momento algum, mesmo sendo uma vítima inocente. Ah, sim: a gatíssima Bar Paly confirma a habilidade de Michael Bay de transformar magrelas em deusas da gostosura na telona.

    Sem Dor, Sem Ganho não é, como alguns exagerados apontaram, o melhor trabalho de Michael Bay (isso só mostra que chega a ser irracional o ódio que muitos têm dele). É uma aventura descompromissada, um entretenimento bem executado. E deixa a interessante lição de que limites podem fazer bem ao diretor. Resta saber se ele entendeu isso, afinal, o quarto Transformers vem aí.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | Amor Pleno

    Crítica | Amor Pleno

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    A filmografia de Terrence Malick prima por uma caraterização visual ímpar, na maioria das vezes com poucos diálogos e recheada de imagens belas, oníricas, grandiosas e magnânimas. Foi assim em seu Árvore da Vida – vencedor da Palma de Ouro em Cannes, em 2011 – em que o realizador usa imagens de uma Natureza exuberante para apequenar o homem diante do Divino. Em Amor Pleno, Malick se usa dessa técnica novamente, mas muda a ótica e o enfoque.

    To The Wonder pode gerar inúmeras interpretações, até por seu caráter pouco comercial. Não segue os padrões hollywoodianos, mas ainda assim é bem mais palatável ao espectador pouco acostumado do que o seu anterior. Um de seus focos é nas relações entre os personagens, principalmente o amor e como a vida é construída baseada nesse sentimento.

    A relação entre Marina – feita pela inexoravelmente apaixonante Olga Kurylenko – e Neil – com um Ben Affleck muito comedido – passar por quase todos os estágios da Perspectiva da Morte, como negação, isolamento, raiva, depressão, o que faz muito sentido principalmente quando se analisa o papel de Marina. O passado da protagonista não é mostrado ou comentado diretamente, seu background é construído baseado nos seus relatos poetizados – que constituem um dos pontos fortes do filme – não são óbvios, são tocantes e belíssimos.

    A fragilidade do estado emocional de Marina é exposta inúmeras vezes através de signos visuais, como nas pegadas na areia cinzenta, ou na procura por uma resposta na figura religiosa – que tem como avatar o personagem de Javier Bardem. Os ângulos precisos, hora por baixo – detalhe nos pés – às vezes pelo alto – por cima das cabeças – verbalizam através da imagem o estado de espírito dela e de outros personagens. Quase sempre que é enquadrado, Ben Affleck é cortado (especialmente acima da cabeça). A câmera treme o tempo todo, e se mostra confusa, assim como a ótica de Marina em relação ao seu amado e a própria vida.

    As atuações constituem um dos melhores pontos do filme, é impossível não se afeiçoar a Olga Kurylenko, bela e talentosa demais, o espectador se vê obrigado a acreditar em seu drama. Bardem faz mais do mesmo, o que é sempre bom em seu caso. Rachel McAdams e sua Jane também emprestam veracidade à trama, a postura de sua personagem ajuda a evidenciar que os problemas da relação entre o casal de protagonistas, não passava pelo desdém de Neil, ao contrário da fala de Marina: “Pessoas fracas não conseguem terminar as coisas, elas esperam que os outros terminem por elas”. Jane se vê completamente refém do amor que Neil transfere a ela, sentimento este que deveria ser entregue a Marina.

    O deslumbre visual, ao contrário do produto anterior de Terrence Malick, é focado em imagens de coisas ordinárias e cotidianas, que reforçam a ideia da dificuldade em manter o relacionamento vivo. O cineasta gosta de colocar a Divindade como um alvo importante e até inalcançável para os seus personagens. Amor Pleno é uma experiência única, e deve ser vista como tal, causa fascínio no receptor e o torna testemunha das maravilhas mostradas na tela.

  • Crítica | Incêndios

    Crítica | Incêndios

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    Produção franco-canadense, de 2010, indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Direção e roteiro de Denis Villeneuve. Baseado numa peça (de mesmo nome) de Wadji Mouawad. Com: Lubna Azabal, Mélissa Désormeaux-Poulin e Maxim Gaudette.

    Em Montreal, Nawal Marwan (Azabal) é mãe do casal de gêmeos Jeanne (Désormeaux-Poulin) e Simon Marwan Gaudette) e sempre tratou ambos com distanciamento. Trabalhava há mais de 15 anos como secretária de um notário, cuja esposa (assim como ele) afeiçoou-se a ela e seus filhos. Nawal faleceu e durante a leitura de seu testamento os irmãos são surpreendidos com alguns dos desejos da mãe. Ela pede para ser enterrada sem caixão, sem lápide, sem epitáfio. Deixou duas cartas, ou melhor, três. Uma a ser entregue por Simon ao pai, que não conheceram e julgavam morto. Outra a ser entregue por Jeanne ao irmão, cuja existência desconheciam. E a última a ser entregue a eles depois das outras duas chegarem a seus destinatários.

    Os irmãos reagem de forma totalmente diversa. Enquanto Simon reluta em cumprir as disposições do testamento, querendo simplesmente dar à mãe um enterro convencional e seguir com sua vida; Jeanne entrevê a possibilidade de descobrir e entender a causa do silêncio de sua mãe nas semanas que antecederam sua morte, assim como de aprender sobre sua própria origem e a de sua família. E Jeanne viaja para o Líbano a fim de iniciar sua busca pelo passado.

    Inicialmente, pode parecer que se trata de um misto de filme de detetive e road-movie. Mas é muito mais que isso. O espectador acompanha duas linhas temporais, a viagem de Jeanne à procura de informações e a jornada de Nawal desde sua juventude. A alternância entre elas não gera confusão, ao contrário, as narrativas são complementares. As revelações são feitas aos poucos, sem pressa. E o espectador descobre, junto com Jeanne, os motivos que levaram Nawal a ser tão distante e a manter esses segredos durante todo o tempo.

    A peça em que se baseia o filme foi inspirada na estória de Souha Béchara, membro da resistência libanesa, que atualmente mora em Genebra. O pano de fundo da estória é a guerra civil libanesa, os conflitos entre cristãos e muçulmanos. Sem nunca nomear quaisquer dos personagens e localidades reais envolvidas, o roteiro evita cair no lugar-comum e tomar partido. Imparcialmente, enquanto o espectador acompanha o desenrolar da estória de Nawal, presencia a violência que passou a fazer parte do dia-a-dia da população local. É como se a trajetória dela fosse um resumo do momento histórico que vivenciou tão intensamente.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Extermínio 2

    Crítica | Extermínio 2

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    Extermínio 2 é uma grata surpresa. A continuação de Extermínio é inesperadamente superior ao seu antecessor. O filme começa com o estado de caos instaurado, assim como no primeiro, e é tão auto-contido que para se entender a trama não é necessário sequer assistir a prequência. As cenas de perseguição agora são fechadas, claustrofóbicas e amedrontadoras, a velocidade dos ataques continua, mas aqui elas são melhor realizadas.

    Após o prólogo, é mostrada uma Inglaterra em reconstrução, após inúmeras etapas de descontaminação. É feito um cerco onde os não infectados são postos separados dos doentes, numa espécie de área segura – ainda que essa segurança seja muito discutível.

    O ponto alto da narrativa é a relação familiar construída entre os protagonistas, e por mais que haja mil macguffins, é nesse ponto que o espectador atento deve focar. Juan Carlos Fresnadillo demonstra não só um bom tato com a câmera, mas também com as atuações. O elenco está em suas mãos e mesmo nas pequenas participações só há acertos.

    Extermínio 2 é muito competente em causar pavor em quem o vê, não é pretensioso e passa uma mensagem final um pouco catastrófica, mas ainda assim real: a de que a esperança por uma descontaminação – e consequente retorno a um estado de vida normal – é quase nula.

    A direção de Fresnadillo é algo extraordinário, a variação de estilos de filmagens com a câmera em primeira pessoa em determinado momento, em outros se utiliza de steadicam, se valendo de ambientes fechados e com pouca luz. Esses artifícios enriquecem demais a película, e proporciona a quem assiste um clima de pavor e suspense poucas vezes visto. Há outros elementos dentro do roteiro também interessantes, como a questão primordial sobre a proteção e o cerco que se faz ao Reino Unido, se este seria eficaz ou não, e se os métodos empregados pelo grupo de militares funcionariam numa condição tão calamitosa – estas indagações servem como metáfora para muitas questões cotidianas, e deixa uma resposta pouco agradável para a pergunta principal da franquia: A humanidade teria condições reais de combater uma praga tão avassaladora quanto a retratada na franquia?

    O casal primeiramente mostrado – Robert Carlyle e Catherine McCormack – está ótimo, tanto na química, quanto no decorrer da história, mesmo com todos os desdobramentos e agruras pelas quais seus personagens passam. A dupla de crianças – Mackintosh Muggleton e Imogen Poots –  também estão a vontade em seus papéis, emprestando ao drama familiar uma carga enorme de verossimilhança. No fim das contas, a história é quase que exclusivamente uma perseguição particular dentro do grupo de parentes citados. A relação entre eles é recheada de escolhas entre a vida e a morte (de seus membros) e a consequente dicotomia entre abandonar os entes queridos ou permanecer unidos como uma família normativa, ainda que o mundo – e a vida – tenha mudado totalmente.

  • Crítica | O Amor Custa Caro

    Crítica | O Amor Custa Caro

    o amor custa caro

    Todo grande cineasta, vez ou outra, se depara com projetos onde precisa ceder para conquistar público ou agradar seus empregadores a fim de mantê-los felizes o suficiente para continuarem bancando seus projetos pessoais, e poucos são os felizardos que nunca precisaram passar por isso. Com um orçamento de U$ 60 mi e uma renda mundial de U$ 120 mi, pode-se dizer que neste aspecto o filme atingiu seus objetivos. Artisticamente falando, porém, a produção não faz jus à filmografia dos Coen.

    A história gira em torno de Miles Massey (George Clooney), um bem-sucedido advogado especialista em divórcios que está entediado e em busca de novos desafios em sua carreira e em sua vida particular. Marylin Rexroth (Catherine Zeta-Jones) é uma mulher que deseja se tornar rica através do dinheiro conseguido em diversas separações, e que conhece Miles por este ser o advogado de seu ex-marido, Rex Rexroth (Edward Herrmann). Miles consegue a separação a favor de Rex, mas acaba se apaixonando por Marylin.

    O elenco, como de costume, é bem escolhido e Clooney está exagerado na medida certa como o advogado caricato. Zeta-Jones às vezes destoa nas caras e bocas sensuais, mas faz bem o papel que lhe é dado. A boa sequência inicial com Geoffrey Rush (que serve inicialmente só para apresentar-nos a Miles) também rende uma participação maior e muito boa no final, assim como a pequena (mas importante) participação de Billy Bob Thornton.

    Porém, apesar de o filme conter algumas das principais características dos Coen (como o humor negro e as viradas de roteiro), esses elementos não são suficientes para salvar o roteiro de certo cansaço no avançar da história, que de certa forma se torna previsível. O que realmente a salva são os personagens empáticos e cenas hilárias (e infantis, na medida certa) que tiram sorrisos agradáveis do espectador, que, graças a essas qualidades, acaba esquecendo e relevando as falhas estruturais da narrativa.

    O Amor Custa Caro funciona como comédia romântica ao dar espaço para protagonistas inteligentes se apaixonarem, ao utilizar clichês do gênero ao seu favor e como diversão pura e simples, mas fica aquém da capacidade de uma dupla que já nos deu produções como Fargo, apesar de estar bem acima da média das comédias românticas dos últimos anos, gênero desgastado como poucos.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Meu Namorado é um Zumbi

    Crítica | Meu Namorado é um Zumbi

    meu namorado é um zumbi

    Meu Namorado é um Zumbi começa com uma narração feita por um morto-vivo, que parece resgatar o raciocínio e algumas memórias. Apesar do público alvo ser a adolescente teenager assídua compradora de Capricho e afins, as cenas com os undeads não são farofa, ao contrário, são agressivas e com uma caracterização um pouco gore, ainda que seja uma versão amenizada da estética de zumbis. O filme se utiliza da mesma fórmula de Smallville e diversos sub-produtos: corpos sarados aliado a um tema canônico para a cultura pop.

    As incursões no modo de vida dos zumbis, que andam devagar e vão atrás de seu alimento constituem alguns dos pontos mais engraçadas do filme. Jonathan Levine utiliza-se muito do humor presente no seu filme anterior 50/50. A forma como “R” (Nicholas Hoult) recobra a consciência é curiosa e sua afeição por Julie – Teresa Palmer – é justificada, até porque o roteiro pouco se leva a sério (neste início somente), tornando todas as coincidências e clichês tragáveis.

    As piadas chupinhadas de Todo Mundo Quase Morto são reinterpretadas e até ridicularizadas, o filme é mais uma extrapolação do tema Fim do Mundo do que um filme de humor. A trama pega emprestado conceitos de Terra dos Mortos – quarto filme da antologia dead-alives de George Romero – como o aprimoramento dos infectados com o decorrer do tempo, o modo de vida dos sobreviventes se amontoando e formando cercos em volta dos acampamentos etc.

    Apesar de acertar no começo, a obra de Levine perde o fôlego com o desenrolar das tramas paralelas e cai nos mesmo problemas de seus primos da Saga Crepúsculo, torna-se sentimentalóide  e descerebrada, ignorando as boas coisas do começo. A motivação de Julie e a não existente contestação do cativeiro a que é submetida são demonstrações de como a história é mal construída. A empatia dela por R é automática e forçada demais, e sem nenhuma razão plausível. Para piorar a situação, a jornada do protagonista que deveria ser rumo ao alimento de carne humana torna-se moralista, R vira um zumbi sentimental, articulado e arrependido.

    O realizador não consegue decidir se este é uma pastiche dos filmes adolescentes açucarados, que se disfarçam com uma aura “dark” ou se é mais um fruto do meio. No desfecho, a união entre humanos e zumbis é muito forçada, e contradiz todo o enredo galhofa mostrado anteriormente. É uma ode ao amor e em como a vida desaparece sem a presença deste sentimento, a mensagem é piegas e genérica demais. Ainda assim, Meu Namorado é um Zumbi é bem menos constrangedor que Crepúsculo e suas crias, mas é igualmente irritante, principalmente devido ao começo ser muito superior ao desfecho do filme.

  • Crítica | Perigo por Encomenda

    Crítica | Perigo por Encomenda

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    Todo motorista que circula pelas ruas de São Paulo já está habituado aos motoboys. E quando digo habituado, refiro-me à presença deles e não às suas estrepolias no trânsito, geralmente súbitas e inseguras. Imagine se essa horda de “cachorros loucos” fosse formada por couriers pilotando bicicletas ao invés de motos. Conseguiu imaginar? Se sim, você acaba de visualizar Nova Iorque. Agora imagine que alguns desses “ciclistas” estejam correndo contra o tempo, não para fazer a entrega no menor tempo possível, mas para resolver um problema causado pelo conteúdo de uma das entregas. Imaginou? Então você acaba de vislumbrar o roteiro de Perigo por Encomenda.

    Wilee (Joseph Gordon-Levitt) é um quase advogado (falta fazer o exame final, algo similar ao da OAB) que trabalha como entregador-ciclista, ou bike messenger, suprindo sua demanda por adrenalina pedalando ferozmente pelas ruas de Nova Iorque. Na gíria dos ciclistas, ele é um fixeiro, ou seja, usa uma bicicleta sem marchas, sem roda livre (os pedais se movem o tempo todo junto com as rodas) e sem freios – já que os próprios pedais podem ser utilizados para frenagem. Ele é o que se poderia chamar de adepto do ciclismo “de raiz”.

    Bobby Monday (Michael Shannon, o General Zod de Homem de aço) é um policial viciado em jogo que quer o conteúdo de um envelope que deve ser entregue por Wilee. Vanessa (Dania Ramirez) é a ex-namorada, também entregadora, que desaprova o modus operandi de Wilee. Manny (Wolé Parks) é outro bike messenger da mesma empresa, que cobiça Vanessa e inveja Wilee.

    Gordon-Levitt literalmente deu o sangue pelo papel, sua atuação é intensa o bastante para convencer o espectador de que ele realmente consegue pedalar daquela maneira. Contudo, o filme basicamente se resume a perseguições frenéticas pelas ruas de Nova Iorque enquanto Bobby tenta impedir que o tal envelope chegue a seu destino, com direito a um alívio cômico proporcionado por um policial nova-iorquino, também ciclista. Alguns flashbacks intercalados explicam como cada personagem chegou à situação atual. Inserções no estilo Google Maps and Navigation ilustram as rotas a serem seguidas pelos messengers. E o próprio Wilee tem “previews” dos caminhos possíveis a seguir quando um obstáculo se apresenta.

    E é apenas isso. Um filme de perseguição, rápido, não cansativo, interessante de assistir num sábado de ócio no sofá com pipoca. Diverte sem ser tolo, apesar de algumas situações improváveis. Mas também não leva a qualquer reflexão pós-filme. Puro entretenimento.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Querida, Vou Comprar Cigarros e Já Volto

    Crítica | Querida, Vou Comprar Cigarros e Já Volto

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    Bodes em cima de árvores – em Marrocos qualquer coisa pode acontecer – e é com essa sentença nonsense e completamente insana que a película de Gastón Duprat e Mariano Cohn começa. Querida Voy a Comprar Cigarrillos y Vuelvo é um de exercício surrealismo certeiro, ufano e muito competente. Flerta com um realismo fantástico e apresenta um universo próprio.

    Baseado no conto homônimo do escritor argentino Alberto Laiseca, o roteiro conta a história de um sujeito ordinário – Ernesto, personificado por Emilio Disi – que vê a possibilidade de voltar no tempo e reaver sua juventude, mas com a mente envelhecida que tem naquele momento. A forma como ele “retrocede” é através do poder de um sujeito atingido por um raio – Eusebio Poncela – que ganhou poderes de um mini-deus (ou mini-diabo de acordo com a preferência do público). O Imortal em questão tem poderes telepáticos, e consegue controlar as ações dos humanos em volta de Ernesto, e em determinados momentos, ele veste a máscara de mentor e inspira o protagonista.

    O filme traz metáforas interessantes, como a extrapolação da vida real e retorno às memórias, revivendo as boas e más sensações vividas pelo homem, mas também toca em temas menos “açucarados”, como tentativas fracassadas de redenção – quando Ernesto percebe isso, cede aos seus reais desejos – fama, dinheiro e mulheres. Daí em diante começa um show de horrores, com o protagonista se valendo de seu conhecimento do futuro para conseguir lucro próprio, mas quase nunca com êxito.

    “Meu pai que sabia das coisas, dizia que a vida é uma torta de merda, e que cada dia, temos que comer um pedaço!”

    A ótica exposta pode parecer pessimista num primeiro momento, mas analisando de forma atenta, o espectador constatará que não é. A história é de um humor estúpido, às vezes, mas absurdamente fino e cruel em outros. Um recurso interessantíssimo é a narração, ora feita por Ernesto, ora por Alberto Laiseca, o que garante um caráter metalinguístico e raro. As tiradas e os diálogos são um dos pontos fortes também, como este: “O desgraçado (Ernesto) acredita na justiça, como se morasse na Suíça, pobrezinho!” – é verborrágico em alguns pontos e completamente silencioso em outros, e ainda assim, bastante equilibrado e comedido.

    Querida, Vou Comprar Cigarros e Já Volto é uma comédia sobre apatia e a dificuldade de se quebrar a rotina, utilizando-se do conceito de multiverso para provar seu ponto. É uma crítica ao tédio e à mediocridade, leva o conceito de Deus Ex-Machina a uma história ordinária e despreocupada em passar uma mensagem profunda, o que não é demérito algum.

  • Crítica | Extermínio

    Crítica | Extermínio

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    Danny Boyle  em 2002 lançava 28 Days Later, sua interpretação do que seria um mundo pós-apocalíptico. O filme encaixa-se nos gêneros de Ação e Terror e é muitas vezes excluído das listas de filmes de zumbis – e  essa é uma polêmica que nem vale a pena ser discutida, apesar de nele conter uma série de semelhanças com filmes de sobrevivência aos mortos: isolamento, medo de infecção, perseguição, mundo contaminado, ausência de meios de comunicação e condições de vida extremas. A diferença mais gritante entre as criaturas (Zumbis x Infectados) é que em Extermínio os seres não tem corpos putrefatos.

    Logo nos primeiros minutos é mostrado o motivo da contaminação. O espectador acompanha o personagem Jim, interpretado por Cillian Murphy, que sai de um hospital e percebe-se só, até encontrar alguns opositores, que obviamente querem sua vida. Ele é resgatado por um pequeno grupo de sobreviventes. Aos poucos mais pessoas vão se achegando.

    No topo de um prédio, uma dupla de sobreviventes é mostrada tentando captar água da chuva, distribuindo baldes e recipientes plásticos pelo terraço – estratégia interessante e quase exitosa, não fosse à falta de chuva que acometia Londres.

    A edição do filme é frenética, quase todas as execuções são em alta velocidade até porque os infectados são muito velozes, isso faz com que os combates fiquem engraçados em determinados momentos. Nos outros filmes de zumbi existe um motivo crível para ainda haver alguma resistência por parte dos humanos, pois mesmo que os infectados estejam em um número esmagadoramente maior, os mortos ainda sim são estúpidos, e em Extermínio não é o caso, pois as criaturas são ágeis e muito fortes, seria impossível resistir a eles sem armas, e na maioria das situações os personagens estão de mãos nuas.

    As cenas de ação poderiam ser amedrontadoras, mas sempre há um evento externo para quebrar o clima de suspense. Talvez a ideia que Boyle tentou passar seja que tal calamidade causaria sérias mudanças na humanidade e no mundo, o modo de vida conhecido até então entraria em colapso.

    A evolução dos personagens também deixa a desejar. Jim torna-se um assassino a sangue frio calculista e super poderoso de um instante para o outro, ao ponto de aniquilar um grupo inteiro de soldados treinados, desarmado na maior parte do tempo. Naomie Harris atua de forma sofrível, seu personagem é sem profundidade e sua execução é muito fraca. Ponto positivo são as participações de Brendan Gleeson e Megan Burns como dois sobreviventes que ajudam os protagonistas e do major West, um vilão reticente, bem personificado por Christopher Eccleston.

    A mensagem final do filme é esperançosa, mas não muita, e não fica clara se a contaminação aconteceu em escala global ou somente no Reino-Unido. Extermínio é um exercício de um diretor iniciante, muito aquém de seus trabalhos vindouros.

  • Crítica | E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?

    Crítica | E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?

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    Os Irmãos Coen são conhecidos por criarem exóticos personagens em meio ao retrato realista de um determinado local ou época, como podemos ver em Fargo, O Grande Lebowski e principalmente Arizona Nunca Mais. Em E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?, voltamos ao sul dos EUA, no período da Grande Depressão, quando três presidiários, Everett Ulysses McGill (George Clooney), Delmar (Tim Nelson) e Pete (John Turturro), fogem da cadeia rumo a uma missão de resgatar o tesouro que Everett havia roubado e escondido.

    Logo no início do filme, somos avisados que o roteiro é baseado n’A Odisseia de Homero. Como em Fargo os Coen já haviam pregado uma peça no espectador ao dizerem que o filme se baseava em uma história real, todo cuidado é pouco na hora de levá-los muito a sério. Porém, o que vemos é que o filme realmente se utiliza de elementos da narrativa do clássico grego, mesmo no nome do personagem principal, até mesmo nos confrontos e sucessivas confusões que os protagonistas se deparam, como o “Ciclope” Big Dan Teague (John Goodman), as três sereias no rio e a urgência de se chegar em casa antes que a esposa de Everett se casasse com outro homem.

    O filme tem tons de comédia pastelão, em homenagem ao cinema da época, com frases feitas e situações bobas, mas nunca gratuitas. Os três protagonistas se completam, cada um dentro de sua atuação, personificando um estereótipo da época: o bandido sulista malvado clássico, o bandido culto e o bandido de bom coração. A fotografia do sul do Mississipi, com seus pântanos e florestas quentes e densas, é bem utilizada em cada sequência, nos fazendo sentir que estamos naqueles locais, pois cada tomada tem um propósito singular de servir unicamente à história.

    Outro destaque é a trilha sonora, composta por canções folk do sul norte-americano muito bem executadas, e que são um personagem à parte na história, pois fazem os bandidos virarem astros de uma pré-indústria cultural quase de forma nativa, em uma alusão ao fato de que a musicalidade é inata ao sulista, tão forte é esta característica na região. Destaque também para o sotaque sulista, em que podemos ver, assim como em Arizona, a entonação perfeita de cada palavra e letra da forma simpática que os sulistas fazem. Isso infelizmente perde-se um pouco na tradução do título original para o português; “Ó Irmão, Onde Estarás?” ficaria mais fiel à proposta original.

    Outros pontos mais polêmicos são abordados, como política e racismo: há uma disputa política entre dois figurões da cidade que concorrem ao cargo de governador do estado, e apesar de nos ser mostrado desde o início que um seria ruim e outro bom, logo essa falsa crença é desmontada ao colocar a figura que supostamente iria renovar a política em um encontro da KKK, também tratada da forma como deve ser, a de uma interpretação simplista e falsa da complexa realidade local.

    Em meio a tantas informações subjetivas que temos de absorver, a história principal acaba ficando em segundo plano, assim como alguns personagens que poderiam ser mais desenvolvidos, como Tommy (Chris Thomas King), um músico que acaba de vender a alma ao diabo para tocar bem o violão, mas que só fica nisso, deixando no ar uma oportunidade perdida de flertar com outro elemento cultural conhecido do sul.

    Apesar de não ter a profundidade de Fargo, E Aí, Meu Irmão, Cadê Você? garante uma boa diversão e uma imersão a um universo fabulesco que garante boas risadas e nos remete a uma época e lugar que poderiam ter sido boas, mesmo que a realidade nos diga o contrário.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Frances Ha

    Crítica | Frances Ha

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    Noah Baumbach é um cineasta que acumula um número grande de contribuições para realizadores reconhecidos – trabalhou no roteiro de Fantástico Sr. Raposo e A Vida Marinha com Steve Zissou, de ambos de Wes Anderson – e em seu sétimo longa-metragem como diretor, apresenta um dos filmes mais pontuais de 2013.

    Frances Ha pode ser classificado como uma dramédia, pois não é tão melodramático quanto um drama puro e simples ou hilário como uma comédia pastelão – apesar  de conter muitos momentos engraçados. O gênero que mais justifica a película é o épico, porque a câmera acompanha todos os passos da personagem título. Frances é uma bailarina com uma vida absolutamente normal, longe dos holofotes, da fama ou glamour. Sua personagem passa dificuldades financeiras, sente falta da casa dos pais, sofre pra manter-se bem morando sozinha e tem dificuldades de se relacionar com os outros.

    Frances é um personagem de facílima identificação, graças à atuação de Greta Gerwig – que também colaborou com o roteiro junto a Baumbach – e ao background da dançarina. As agruras pelas quais ela passa poderiam ocorrer a qualquer um, assim como quase todos os seus sonhos – não realizados – sua apatia e sua mudança de atitude no ato final. Mesmo com tudo isso, Frances não é depressiva, murmuradora, queixosa ou ranzinza. Seu ânimo é sempre alto, mesmo quando está decepcionada. Nos momentos em que está triste ela ensaia um choro, mas nunca o põe em prática.

    O filme é registrado em preto e branco, e a fotografia monocromática contrasta com o ânimo e bom humor da protagonista. Em compensação, a ausência de cores combina com o seu estilo de vida, quase nunca exitoso nas realizações que propõe a si mesma e aos que a cercam.

    Frances só compreendeu que precisava crescer quando se viu sozinha – e o avatar dessa solidão se deu por meio de sua melhor amiga Sophie (uma irreconhecível Mickey Sumner). Este drama em particular empresta muita verossimilhança à fita. Em um ataque de raiva, Sophie quase desata seu noivado – relacionamento que já havia causado muita discórdia entre as amigas – após um porre. Mas a atitude dela em relação a isso foi madura, e pensada de cabeça fria, de forma não-impulsiva. Frances corre para encontrar sua “contraparte”, mas percebe que ela tomou o seu rumo, independente da própria relação entre as duas, e só então a bailarina percebe que precisa mudar a si mesma e as suas ações.

    As passagens de tempo são um tanto corridas e a jornada ao amadurecimento fica au passant, mas isso serve muito bem a trama, compondo um relato exposto de forma magistral e crível, pois quando uma pessoa discorre sobre a própria vida, certamente falará de forma resumida os fatos marcantes dela – mesmo os mais importantes – o roteiro presta o serviço de narração da jornada de Frances rumo ao seu aperfeiçoamento pessoal, profissional e até sentimental. Frances Ha é delicado, bonito e muitíssimo bem filmado, para dizer o mínimo e registra de forma simples uma carreira real, trôpega em alguns momentos, mas inspiradora em quase todos.

  • Crítica | O Quarteto

    Crítica | O Quarteto

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    O Quarteto é o primeiro filme dirigido por Dustin Hoffman – excluindo o não creditado Straight Time de 1978 – e toma a 3ª idade e a velhice como cenário e ambientação para sua história. O lugar comum é um asilo especial para músicos e cantores aposentados e mostra o seu cotidiano, a rotina dos artistas com suas carreiras findadas.

    O quarteto de protagonistas: Tom Courtenay (Reginald Paget) Maggie Smith (Jean Horton) Billy Connolly (Wilf Bond) Pauline Collins (Cissy Robson) – concentra quase a maior parte das atenções emocionais do filme, e mesmo neste núcleo, mostra que Quartet tem lados opostos e distintos, que variam de abordagem, caráter e clima. Enquanto em um lado há uma postura de abordar-se a fragilidade, outro é quase todo cômico.

    Maggie Smith e sua Jean Horton mostram uma artista que não lida bem com as agruras da idade, e os problemas consequentes disso – principalmente a derrocada pela qual passou com a chegada da velhice. Em determinado momento ela diz a um serviçal: Tome cuidado com ela (uma de suas malas de bagagem), ela é frágil – o objeto era um símbolo de sua mudança para a casa de repouso, e serve de signo para a sua situação em que vivia, ela se sentia mal e decadente.

    Já para Wilf Bond, tudo é motivo para fazer gracejos ou comentários de cunho sexual – segundo o personagem, é isso que o faz ter ânimo para acordar de manhã. Billy Connolly é impagável e sua personagem é a coisa mais espirituosa da obra, possui as melhores tiradas e é ridiculamente engraçado e hilário – assim como a maioria dos outros residentes do Asilo, que encaram a velhice não como um fardo. São exploradas inúmeras variações de senilidade, e na maioria dos casos não se apela para a misericórdia, pena ou dó, tais coisas são só retratados como percalços rotineiros, fatos inexoravelmente inevitáveis aos seres humanos.

    Reggie também é um personagem riquíssimo – o que denota um padrão, Hoffman consegue retirar o melhor de seu elenco. O cantor é retratado como alguém antiquado, mas ao ministrar uma aula a uma classe predominantemente jovem, traça um paralelo entre o Rap e a Opera, mostrando que – guardadas as devidas proporções – não há tanta distância entre uma e outra.

    O roteiro de Ronald Harwood é repleto de mensagens reflexivas (é até natural que isso aconteça, devido ao tema), mas uma das mais fortes é a que, com o passar dos anos e com a velhice chegando, a reputação e memória dos tempos áureos ficam cada vez menos importantes, em detrimento do prazer e do pouco tempo de vida que ainda sobra – tal discurso é professado pelo inspirado Wilf Bond.

    A reconciliação que ocorre no final é um pouco forçada, mas não estraga o todo. O Quarteto é tocante e belíssimo, retrata um final de vida digno para artesões e artistas, que poderiam ser solitários e esquecidos, mas que mesmo nesse derradeiro momento, são figuras memoráveis, e esse acima de tudo é o caráter deste filme, muito bem realizado por Dustin Hoffman.

  • Crítica | Dose dupla

    Crítica | Dose dupla

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    O filme é uma adaptação da série de quadrinhos homônima publicada em 2007 pelo Boom! Studios. Escrita por Steve Grant e ilustrada pelo brasileiro Mateus Santolouco, a HQ conta a história de um agente do departamento de narcóticos (DEA), Robert ‘Bobby’ Trench (vivido no filme por Denzel Washington), e de um oficial da inteligência naval, Michael ‘Stig’ Stigman (no filme, Mark Wahlberg), que investigam um ao outro sem saber de suas reais identidades. No filme, trabalham juntos tentando se infiltrar em um cartel, mas algo dá errado e ambos acabam perseguidos por seus próprios empregadores.

    É um típico buddy movie, mas com algumas particularidades que incrementam a narrativa. A fórmula “dupla combatendo o crime”, apesar de bastante batida, funciona bem aqui. Isso se deve principalmente ao detalhe de que cada um deles não sabe da verdadeira identidade do outro, ao menos no início da trama. Trabalhando para agências diferentes, acham que o parceiro é um traficante de verdade, o que resulta em situações bem divertidas. Depois de descobrirem que ambos estão do mesmo lado da lei, a “graça” persiste ao se tornarem uma versão século XXI de Murtaugh e Riggs, discutindo o tempo todo feito um casal ranzinza.

    É uma pena que a estrutura “dupla age baseada em fatos que se revelam falsos / dupla se ferra / dupla se safa” repita-se tantas vezes durante todo o filme, a ponto de se tornar cansativa. Na segunda metade do filme, o espectador já assiste às cenas aguardando o momento em que o roteirista “puxa o tapete” dos protagonistas para ver como eles conseguirão escapar.

    Não fosse o carisma da dupla central e a ótima dinâmica entre os personagens, o filme seria um daqueles em que o espectador começa a checar o relógio passados apenas 40 minutos de projeção. O pavio curto de Stig, assim como a aparente carência de uma inteligência mais aguda, fazem o contraponto ideal para a malemolência de Bobby e seu distanciamento de relações sociais.

    Usando uma paleta de cores “estouradas”, a fotografia deixa o espectador o tempo todo com a mesma sensação de desconforto causada pelo calor e pela aridez do deserto mexicano. Trilha sonora bacana – composta pelo responsável pela trilha do ótimo Distrito 9, Clinton Shorter – complementa bem tanto as cenas de ação quanto as (poucas) cenas mais calmas. Não é daquelas que se sai cantarolando do cinema, mas é boa o suficiente para não ser notada quando não é necessário.

    Filme de ação quase ininterrupta, diverte sem ofender (muito) a inteligência do espectador. Basta relevar alguns exageros e nonsenses da trama – comuns a esse estilo de filme – e a diversão está garantida, com direito a muita pipoca.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Bully

    Crítica | Bully

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    Há muitas cenas gravadas sobre Tyler Long – a 1ª vítima retratada no esquete – algumas delas, filmadas pelo próprio garoto. O motivo da sua morte teria vindo de uma “ordem” dada por seus amigos de escola, para que ele desse fim a sua própria vida. Ele assim o fez, no closet de seu quarto, para ser encontrado por seu irmão mais novo. Bully começa dessa forma, sem muitos circunlóquios, e em momento nenhum é gratuito – ao contrário, se utiliza bem dos depoimentos para provar seu ponto.

    O diretor Lee Hirsch treme a câmera propositalmente, para grafar as cenas que acha mais emotivas. No anúncio do nome da película é mostrada uma criança sozinha em um ônibus escolar, como um signo de isolamento, a imagem seguinte compõe o quadro, com todas as outras crianças sentadas ao redor da primeira. A cena é emblemática e demonstra em poucos segundos toda a tônica do filme.

    Passar pelos maus-tratos que os infantes impõem uns aos outros e fazer somente isso seria óbvio. O que é interessante em Bully é o foco nas emoções dos vitimizados, que passam por um sem número de rejeições. Quase todas as crianças têm a mesma queixa em comum, a tratativa adjetivada como “não ser normal” – algo que naturalmente incomoda qualquer pessoa ordinária, mas que para um menino é ainda pior. Não se sentir parte de grupo nenhum é uma rejeição enorme para alguém de tão pouca idade, e só sofrer interação por meio de atos de humilhação esmaga a auto-estima do sujeito quase a zero.

    São entrevistadas vítimas de diversos tipos, e seus parentes também. Geeks, homossexuais, negros, algumas reagem às ofensas, outras encaram com bom humor – mesmo que por traz dessa reação se esconda uma profunda tristeza -, há até algumas que se vêem como culpadas, como se fossem responsáveis por tais abusos. Uma menina homossexual – que havia sido atropelada por uma mini van, por responder aos que a agrediam verbalmente – responde aos pais sobre sair da escola onde estudava: “Se formos embora, eles ganham!” – para ela, sair do ambiente onde ocorre o abuso seria uma fuga da realidade.

    Por parte dos pais, há em comum a reclamação do descaso, passividade e pouca interferência do Estado, onde há até a sugestão de que se um filho de Senador sofresse com isso, no dia seguinte haveria leis que coibissem tais atos hostis – claro que essa é uma crítica passional, mas dar voz a essas pessoas é válido.

    O objetivo desta fita é provocar no espectador um sentimento de revolta e de asco a essas práticas, visa render em quem vê uma reflexão ao modo de educar as crianças e como lidar com situações como essa, e nesses quesitos, Lee Hirsch acerta em cheio, com seu conteúdo emocionante, parcial, é claro, mas sem demonizar ninguém.

  • Crítica | Sharknado

    Crítica | Sharknado

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    The Asylum é uma produtora que, há bastante tempo, vem produzindo filmes baratos, bizarros e completamente falcatrua. Suas “obras” mais notórias são os famosos mockbusters, plágios descarados dos blockbusters de sucesso. TransMORPHers, Snakes on a TRAIN e um mais recente, ATLANTIC Rim, são alguns poucos exemplos do que a Asylum já cometeu no mundo cinematográfico.

    Nessa onda de bizarrices trash, a produtora já fez diversos filmes de animais assassinos, gigantes ou não, com efeitos dignos de filmes caseiros. A galhofa extrema torna os filmes da Asylum verdadeiros virais na internet que, por si só, já criam sua própria publicidade no boca-a-boca. E nos últimos meses, um dos grandes hypes do mundo trash foi Sharknado.

    A ideia de unir a perigosa catástrofe natural (tornado) com a máquina assassina dos mares (tubarão – shark) criou uma obra digna de estar no topo do pedestal trash do cinema.

    Afinal, o que esperar desse filme? O que esperar de uma ideia desse nível? Um filme merda, claro! A galera do tênis verde vai detestar, xingar, gritar, massacrar o filme. Já os amantes do malfeito vão adorar!

    O trailer faz imaginar que o filme será apenas um furacão trazendo tubarões que irão cair sobre as pessoas e mata-las alucinadamente. Porém, um ponto positivo foi criar um ambiente onde os tubarões pudessem passear pela cidade e se divertir. O tornado/furacão/tufão/ciclone traz inundação às ruas, e com isso os tubarões poderão ter acesso a grande parte da cidade, aumentando a carnificina.

    O filme custou uma mixaria para ser produzido, então não podemos esperar grande primor técnico. Os atores são horríveis, dentre eles a Tara Reid, que, dentre os trabalhos de maior destaque estão American Pie e o “excelente” Alone in the Dark, do mestre Uwe Boll.

    Em muitos momentos, a edição faz com que o céu escureça de repente, e logo depois se ilumine. Ed Wood ficaria orgulhoso!

    Sem contar que, em determinadas cenas, o trânsito de veículos está completamente normal, como se o mundo não estivesse sendo assolado por um Sharknado. Provavelmente seria muito caro conseguir um alvará da prefeitura pra fechar as ruas, então vai assim mesmo! A câmera ajuda na previsibilidade do filme, onde o personagem prestes a morrer é enquadrado num plano mais aberto, onde o espectador já espera o tubarão cair sobre o infeliz personagem.

    Para os amantes dos tubarões, do trash, do bizarro e dos efeitos especiais baratos, este filme é obrigatório, uma das grandes surpresas do ano.

  • Crítica | Raul: O Início, o Fim e o Meio

    Crítica | Raul: O Início, o Fim e o Meio

    69 - Raul - O Início, o Fim e o Meio

    Provavelmente não existe um brasileiro que não saiba ao menos um trecho de uma música de Raul Seixas. Mesmo que ele esteja morto há mais de 20 anos e não seja fenômeno de mídia em tempos tão efêmeros, Raul ainda move multidões anônimas que sempre se manifestam em qualquer show com o irritante “Toca Raul”. Porém, há tempos que o cinema necessitava de contar a história por trás do mito, como foi chamado por várias figuras populares no Brasil, como Paulo Coelho e Caetano Veloso. E esse filme de Walter Carvalho faz jus ao personagem.

    Começando com uma estrutura reta de documentário, o filme se inicia contando a história do jovem Raul e seus amigos na Bahia, montando um fã-clube de Elvis Presley e aprendendo frases, trejeitos, penteados e roupas do Rei do Rock, mostrando um ótimo trabalho de levantamento da juventude de Seixas. O início romântico e conturbado da carreira se mescla a seu primeiro casamento com Edith, fato que se repetirá ainda diversas vezes na vida do cantor, que teve várias esposas e amantes. A cada novo sucesso, uma nova fase, com novo comportamento, nova mania e novo vício, o que mais pra frente se tornará motivo da decadência de Raul.

    Com entrevistas que vão desde suas ex-mulheres, filhas e amigos, o filme se foca mais na vida pessoal do cantor do que em sua carreira, ao mesmo tempo louvando a genialidade de Raul, mas ignorando aspectos práticos, como o processo criativo, as gravações, o nome dos discos, época do lançamento, e tudo o que poderia situar o espectador no entendimento das razões pelas quais Raul fazia tanto sucesso. Da mesma forma, o filme falha em explicar porque o ídolo, de uma hora para outra nos anos 80, passa a ser esquecido e não fazer mais sucesso como antes, necessitando da ajuda (ou aproveitamento, como é discutido) de Marcelo Nova para voltar aos palcos, mesmo que se arrastando, o que alguns dizem que prolongou a vida de Raul, outros, que a abreviou. O fato é que sua carreira foi tratada de forma menor em detrimento de sua vida pessoal, o que atrapalha um pouco o entendimento do tamanho de sua obra.

    Porém, o espaço enorme dado a Paulo Coelho e a tentativa intencionalmente falsa de deixar em segundo plano o enorme ego do escritor (que sempre tenta passar como humilde, mas não resiste em pateticamente se mostrar atirando flechas em sua casa na Suíça) mostra claramente como algumas feridas ainda estão longe de serem cicatrizadas, e talvez a batalha dos egos, mesmo com Raul morto, não tenha terminado. E nunca terminará.

    O fato é que Raul Seixas, como mito e como ser humano, é indecifrável, e por alguma razão, extremamente atraente a determinados tipos de pessoas, como os “malucos beleza” que todos conhecemos. Não à toa, todo ano em SP há uma reunião de fãs e sósias do cantor para se reunirem e saudarem o ídolo. Por mais que Raul não seja hoje o fenômeno da indústria cultural, basta ouvirmos um trecho de suas músicas para nos fazer ficar com ela na cabeça durante um bom tempo, pois esconde em melodias relativamente simples letras recheadas de simbolismo. Isso basta para definir um ícone. Ou como Paulo Coelho prefere, um mito.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Jobs

    Crítica | Jobs

    Jobs

    O filme enfoca a vida do sócio-fundador da Apple, desde sua juventude hippie, passando pela fundação da empresa que lhe garantiu a fama de inovador até sua volta à empresa como CEO, depois de ter sido relegado ao ostracismo durante alguns anos.

    Mesmo não conhecendo a fundo os eventos e nem tendo lido a biografia de Steve Jobs, percebe-se que parte das críticas feitas ao filme por Steve Wozniak (fundador da Apple junto com Jobs) procedem. Nota-se que é dada muita ênfase à figura de Jobs, às suas decisões, às suas ideias e ao seu modo de conduzir os negócios. Os demais personagens, apesar de provavelmente terem participado bem mais ativamente dos acontecimentos, ficam relegados quase a meros coadjuvantes. Não que Jobs não tenha seu mérito, isso é inquestionável. Mas o roteiro exagera ao tentar induzir o espectador a achar que Jobs foi o principal – senão, único – responsável para a Apple ser o que é. Steve Jobs vai de underdog a gênio inovador quase num piscar de olhos. Sim, é clichê. Assim como é extremamente clichê a cena em que ele tem sua epifania sobre o futuro a seguir.

    O filme tem um problema de ritmo. Apesar da duração ser de pouco mais de duas horas, tem-se a impressão de que se arrasta por muito mais tempo. Mesmo que aparentemente alguns eventos tenham sido “acelerados” a fim de caberem no tempo da narrativa – o que por vezes compromete o entendimento – o fluxo narrativo parece truncado, sem fluidez. Inevitavelmente, tentar condensar cerca de 25 anos num roteiro de duas horas incorreria em problemas dessa natureza. Há ainda falhas no roteiro que atrapalham a boa compreensão da estória. Em vários momentos, Jobs tem certas atitudes cujas motivações não ficam claras e o espectador fica com a impressão de ter cochilado por alguns minutos e perdido algo importante (talvez isso aconteça eventualmente).

    Contudo, discordo de Wozniak quanto à responsabilidade de Ashton Kutcher nessa visão de Jobs. O ator apenas interpretou o que estava no roteiro. Kutcher, aliás, apesar de bastante inspirado em alguns momentos – a ponto de fazer o espectador “ver” Jobs na tela – em outros, pende para a caricatura de um modo que chega a incomodar. É necessário ressaltar o excelente trabalho de Mary Vernieu na seleção do elenco. O “garimpo” deu um ótimo resultado, pois os atores escolhidos se assemelham bastante a seus correspondentes reais.

    Ainda sobre semelhança, a cenografia e o figurino remetem o público diretamente aos anos 70, logo no início. A reconstrução de época é muito eficiente, e mesmo o efeito “foto antiga” do filme não chega a incomodar demais. Para completar a imersão, destaque para a trilha sonora bastante emblemática. A fotografia também é boa, favorecendo ângulos que deixem Kutcher ainda mais parecido com Jobs.

    Para um filme que tem a missão de contar a trajetória de alguém responsável por uma revolução no modo como as pessoas encaravam a informática e os computadores, a obra passa longe de qualquer conceito inovador, beirando a mediocridade. Não há dúvidas de que se o filme fosse um produto da Apple, após o preview, Jobs enviaria o projeto de volta para a prancheta.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Wrong

    Crítica | Wrong

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    Começa sem som, sem nenhuma preocupação em explicar os fatos e com a câmera mostrando uma van em chamas. A obra realizada pelo francês Quentin Dupiex viaja por diversos estilos, é um drama que se utiliza de um ar de comédia bastante nonsense, parodiando filmes “sensíveis” como Eu, Você e Todos Nós, de Miranda July.

    A história mostra Dolph Springer (Jack Plotnick) um sujeito solitário e deslocado do mundo, que repentinamente perde o seu chão ao perceber o desaparecimento de seu melhor amigo, seu cachorro Paul. Dolph é um sujeito tão afastado de uma vida social saudável e de contatos minimamente satisfatórios com seus semelhantes – leia-se seres humanos – que os fatos que ocorrem com ele no decorrer da trama são até compreensíveis, mesmo com a natureza exagerada da obra. Sua insegurança latente o torna inofensivo, e por isso os outros personagens apresentam-se desarmados e até suscetíveis a suas palavras, mesmo os mais paranoicos e desconfiados, pois ele é um ouvinte convidativo.

    O roteiro de Dupiex passeia por um universo ilógico e absurdo, onde imperam a falta de razão e não muito motivo para as ações que se seguem. É uma metalinguagem do nonsense, uma vez que se usa de seus elementos comuns, mas também os satiriza. Tomando como exemplo Victor, o jardineiro (Eric Judor), em sua primeira ação com Dolph, o chama para verificar algo errado no jardim, e ao chegarem lá, observam que uma palmeira transformou-se num pinheiro – a discussão ocorre, eles acham soluções paliativas, mas  não há muitos questionamentos, não há nenhuma coerência ou fundamento. Absurdos como esses são bastante comuns, e o efeito delas é quase sempre muito engraçado.

    Dolph acaba sendo encontrado por um sujeito curioso, chamado Master Chang (William Fichtner) que possui poderes telepáticos – o que garante inúmeros momentos de hilaridade – e diz ter raptado o cachorro, para prevenir uma possível rejeição por parte do dono. Seu argumento passa pelo princípio de que a perda faz com que se valorize as coisas, inverte-se o “costume” e a “rotina” afim de que o sujeito perceba a necessidade pelo amor de seu animal. Fichtner é impagável, está excelente e é uma das melhores coisas do filme, assim como foi também em Fúria Sobre Rodas.

    O protagonista é tão ridiculamente isolado e incompatível com a realidade, que ele simplesmente não sabe dizer não aos absurdos propostos a ele. A possibilidade da quebra de sua rotina parece machucar seus sentimentos. Sua frágil estabilidade mental e emocional é posta em cheque a todo o momento.

    Wrong é um ótimo pastiche de comédias nonsense e filmes hipsters – subgênero bastante popular atualmente – tem um subtexto interessante, no entanto o mais importante parece ser a forma e não o conteúdo.