Categoria: Críticas

  • Crítica | Apenas o Vento

    Crítica | Apenas o Vento

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    Após a onda de bons filmes vindos da Romênia alguns anos atrás, entre os quais o ganhador de Cannes Quatro Meses, Três Semanas e Dois Dias, o cinema do leste europeu como um todo vem ganhando atenção. Filmes da Bulgária, Bósnia e Hungria ganharam mostras específicas, atraem filas nos grandes festivais e passaram a ser distribuídos comercialmente nos cinemas independentes do país. É o caso de Apenas o Vento, longa de Benedek Fliegauf, diretor experiente e conhecido em seu país, mas que só agora teve um de seus longas exibidos no Brasil.

    O filme se baseia em uma série de ataques a famílias ciganas ocorridos em vilarejos da Hungria um tempo atrás, mas ao invés de buscar construir um panorama largo, ou tentar explicar o problema do racismo no país, ele se foca em apenas uma família e acerta por causa disso. A protagonista é Anna, uma menina de 13 ou 14 anos que vive com o irmão, a mãe e o avô doente em um casebre em uma comunidade cigana enquanto esperam o pai, que se mudou para o Canadá, mande dinheiro para juntar-se a eles.

    Anna acorda o irmão, vai a escola, fala com o pai ao skype, cuida da menina pequena de uma vizinha e é, em linhas gerais, uma menina quieta e responsável. Ela não é particularmente diferente de qualquer outra adolescente e talvez isso seja importante para que a brutalidade dos fatos narrados alcance todo seu potencial. Anna cumpre suas funções e tenta fazer seu melhor, mas Rió, seu irmão menor, parece mais consciente do beco sem saída em que se encontram: ele falta aulas e constrói um esconderijo, ele sabe, melhor que qualquer membro de sua família, que eles vivem em perigo apenas por serem quem são e que agirem como “bons cidadãos” não os livra de nada.

    Fliegauf enfatiza o senso de comunidade dos ciganos, especialmente a preocupação deles em cuidarem da própria segurança, uma vez que a polícia do país nada faria por eles. Em uma das melhores cenas do filme, dois policiais visitam a cena de um dos crimes e um deles expressa, se não sua aprovação, ao menos sua indiferença para com o que está acontecendo. Esse policial é da região e sua cor de pele e feições indicam que ele provavelmente tem origem cigana, mas uma vez fora, uma vez incorporado pela sociedade oficial, ele já não se importa e chega mesmo a odiar o povo “primitivo” de onde saiu. Portanto, resta a comunidade criar sua própria milícia: homens armados vigiam as estradas, interrogam os passantes a respeito de movimentação estranha e tentam vigiar a casa das famílias, mas não tem sucesso.

    O diretor não tenta em momento nenhum explicar, ou investigar, o acontecido. Ele apenas o relata a partir do ponto de vista de uma menina. Tudo é filmado com uma câmera na mão e praticamente sem recursos de iluminação: a maior parte das cenas são externas e a internas são tão escuras que mal se consegue ver o que está acontecendo. Não é, a princípio, uma escolha estilística, é simples falta de recursos, mas o fotógrafo de Apenas o Vento sabe tirar o melhor de sua situação e constrói oposições entre os campos livres e a casa claustrofóbica, a escola ameaçadora e o aconchegante esconderijo de Rió. O ar documental conferido pela câmera manual também é útil e enfatiza o anúncio de “baseado em fatos reais” exibido antes do filme.

    Apenas o Vento acerta ao não tentar ser mais do que é, ao tratar de um tema social espinhoso e uma ferida profunda da Hungria sem pretensões sociológicas, mas a partir dos seres humanos envolvidos. É memorável a cena que dá título ao longa em que Anna, após ouvir um barulho, diz “é apenas o vento” e não sabemos se ela o diz como um desejo, ou para enganar-se. Rió, no entanto, é mais cínico que a irmã e não se deixa enganar. Entretanto, o filme é excessivamente arrastado, fazendo com que 86 minutos pareçam mais de duas horas, sua sutileza, embora bem feita, não é suficiente para sustentar a história, que é no fundo inexistente. Fliegauf tenta construir um retrato de uma situação e uma família, usando-os como metonímia para um povo, contudo, ele se recusa a dar algum tipo de conflito ou vida interior a essa família (a exceção relativa de Rió) e acaba perdendo o espectador, que é incapaz de se conectar com seus personagens.

    Por causa disso, no fim o que era uma história sobre o lado humano da coisa, acaba sendo fria e distante, um retrato de alguém de fora para pessoas de fora. Ainda assim, Apenas o Vento é um exemplo notável de um cinema feito fora dos grandes centros, com poucos recurso s e que ainda assim se recusa a cair nos clichês do cinema de “mazelas sociais”. É um bom filme, principalmente na cena final quando afirma que não importa o quanto aquelas pessoas sejam seres humanos, elas serão, para a Hungria, ciganos acima de tudo.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Tabu

    Crítica | Tabu

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    O filme do português Miguel Gomes começa com uma trilha sonora composta por um piano frenético – que executa Insensatez, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes – acompanhado de uma fotografia em preto e branco. Esse cenário, que lembra e faz referência ao cinema mudo, logo se “contradiz”, com escravos africanos fazendo seus rituais na floresta, com direito a muitíssimo barulho.

    Tabu se divide em atos (prólogo, dois capítulos e um epílogo). A primeira parte é intitulada Paraíso Perdido, e introduz um trio de personagens peculiares: Aurora (Laura Soveral), uma geriátrica e ranzinza senhora, Pilar (Teresa Madruga) uma vizinha de meia-idade interessada nos assuntos da primeira, e Santa (Isabel Muñoz Cardoso), serviçal da idosa, cabo-verdiana e semi-analfabeta. Nesta parte, é mostrada a senilidade de Aurora – na verdade a questão é um tanto ambígua – que em seus momentos finais cede à paranoia, acreditando que a “governanta” está tramando contra sua vida. O estado mental deficiente dela é discutido até o seu epitáfio, onde surge uma figura misteriosa, que passa a narrar outra trama.

    A segunda parte, em flashback, mostra Aurora ainda moça – interpretada dessa vez por Ana Moreira. Chama-se Paraíso, e encena a infância e juventude da moça, vivida no continente africano. A personalidade dela que já era introspectiva, e piorou ainda mais após a morte de seu pai, e tal característica só seria “aplacada” após seu casamento.

    A vida adulta de Aurora é envolta de muitas questões espinhosas, como relações extraconjugais, amores proibidos, gestação indesejada, rompimentos bruscos de paixões etc. A ausência de música em algumas cenas dramáticas destaca ainda mais a singularidade da película, e faz dela uma obra anacrônica, ao mesmo tempo em que ela é reverencial ao cinema de F. W. Murnau.

    Tabu fica “envelhecido” antes mesmo de ser exibido, pois não é um fruto de sua época – isso não é demérito nenhum ao produto de Miguel Gomes. Só pela coragem em fugir de fórmulas comerciais de se fazer cinema, já vale a pena ser conferido e o elogio ao realizador, mas é muito mais que isso. Em alguns períodos, o filme é verborrágico, em outros quase não há diálogo, as imagens mostram toda a mensagem, e para chegar-se a um equilíbrio desses é necessário muito talento e trabalho, predicados que sobram neste longa-metragem lusitano. Os maneirismos e brincadeiras com a estrutura do guião acrescentam qualidade à obra, e juntos aos temas propostos: esquecimento, amor, solidão e velhice – compõe um quadro belíssimo.

  • Crítica | Deixe a Luz Acesa

    Crítica | Deixe a Luz Acesa

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    Logo na abertura, expõe-se de forma criativa a temática que permeará este Deixe a Luz Acesa. Com pinturas e obras de arte retratando homens nus, seminus – ou simplesmente à vontade – em seus quadros. No seu quarto longa-metragem, Ira Sachs aborda o cotidiano de uma relação homo-afetiva, mostra suas agruras e sofrimentos, tanto os comuns a qualquer tipo de casal, quanto os problemas específicos deste nicho.

    Erik – Thure Lindhardt – é um cineasta, homossexual assumido, com uma carreira voltada pra documentários que retratam quase sempre a estética e vida gay em geral. O período histórico retratado nos primeiros atos mostra o seu árduo trabalho com uma fita que retrata o histórico da vida gay de Nova York, dos anos 40 aos 90, e em paralelo a isso, Erik é mostrado procurando parceiros sexuais. Nessa “busca” são mostrados alguns estereótipos, até que em um desses encontros a relação fica mais séria.

    O roteiro aos poucos desenvolve a relação entre Erik e Paul (Zachary Both), desde o encontro casual, até o ponto em que eles resolvem assumir a relação, mas não há flores ou um mundo cor de rosa, ao contrário, os fantasmas do passado estão presentes.

    Paul enfrenta problemas sérios. No começo, tem de lidar com seu namoro (hetero) mal resolvido. Após isso “superado” e já morando com seu novo cônjuge, o personagem passa por um grave problema de abuso dos entorpecentes, fato este que o faz perder até a estreia do documentário de Erik. Paul sofre intervenção, é internado a contragosto e seu companheiro sofre junto com ele, e esse período é retratado de uma forma sensível, e que foge de pieguismos. Nenhum dos personagens é vitimizado, nem pelas circunstâncias e nem pelas pessoas.

    É impossível não notar algumas semelhanças entre o personagem principal e o diretor, se não nas situações de conflito, ao menos há um paralelo com o background de ambos. Ira Sachs é judeu, homossexual , e tem propriedade para falar do tema. Seu roteiro – auxiliado por Mauricio Zacharias – aborda temas espinhosos do cotidiano de um homem gay sexualmente ativo, e passa pelas situações comumente constrangedoras deste nicho.

    Destaque para a cena em que o protagonista descobre se é ou não soropositivo, um momento de dramaticidade comovente por parte de Thure Lindhardt. As atuações de um modo geral emprestam muita credibilidade ao filme, pois são próximas demais do cotidiano contemporâneo.

    Aos poucos, a relação entre Erik e Paul torna-se algo degradante e obsessivo, e próximo ao último ato, é mostrado como ela chega ao fim, e o destino que cada uma das partes toma. O maior esmero em Keep the Lights On é em retratar um relacionamento de forma verossímil, real e autêntica, longe dos romances idealizados e fantasiados presentes em filme de romance água com açúcar. O universo gay de Ira Sachs não é cor de rosa, é composto de carne, alma, sentimentos e verdade.

  • Crítica | Heleno

    Crítica | Heleno

    66 - Heleno

    Heleno de Freitas foi uma das figuras emblemáticas de um Brasil pré-campeão da Copa do mundo, onde o futebol era vivido, mas sentido de forma diferente, ainda saindo do amadorismo e dando seus primeiros passos em direção ao profissionalismo.

    Assim como muitas figuras do futebol, Heleno viveu glórias dentro de campo e dificuldades fora dele. Sua personalidade narcisista e egocêntrica lhe arrumou inimigos e só foi suportada enquanto rendia frutos dentro do campo. Depois disso, passou a entrar em uma espiral de autoconsumo que culmina com sua morte em um sanatório em MG.

    Está aí uma história que daria um excelente filme, caso bem conduzido. O que não acontece com o longa de José Henrique Fonseca. Apesar de ter uma fotografia de grande qualidade (a escolha de filmar em preto e branco foi acertada) e uma produção também eficiente, o filme peca naquilo em que filmes brasileiros costumam pecar: na narrativa novelística e que carrega exageradamente no drama, deixando de lado outras características dos personagens, tornando-os unidimensionais. Não conseguimos acompanhar muito bem o Heleno mito, não sabemos por que ele se expressa tão bem, ou como fala um inglês tão perfeito, ou de onde vem tamanha educação e refinamento que sustentam seu ego. O personagem nos é dado já pronto.

    O filme conta a história de Heleno de forma entrecortada, desde seu auge no Botafogo até sua decadência, mas falha em ambientar melhor o espectador, que, caso não tenha conhecimento de história do futebol, poderá se perder em meio às poucas dicas da época retratada. Sua passagem pela Colômbia é citada, por exemplo, em uma única cena de poucos segundos.

    As melhores sequências do filme são quando Heleno já é uma figura decadente, internado em um sanatório. A maquiagem e as atuações de Rodrigo Santoro são fenomenais e nos convencem da condição em que o ex-atleta se encontrava então. Mas, como jogador de futebol, faltam justamente momentos retratando sua genialidade e visão dentro de campo, com menos cenas estilizadas (como câmera lenta na chuva) e mais clássicas do esporte.

    Com um roteiro que se preocupa mais em retratar a decadência da pessoa, sobra pouco tempo para nos relacionarmos com o atleta, já que essa decadência ocupa muito tempo de tela. Quando Heleno termina, fica a sensação de que não chegamos a conhecer de verdade o jogador e o mito.

    Com vários outros jogadores fenomenais com histórias ricas do Brasil antes de Pelé, como Friedenreich e Leônidas, fica a dúvida se produções para tamanhos ícones não terão um tratamento melhor.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Círculo de Fogo

    Crítica | Círculo de Fogo

    O mundo se tornou um lugar chato. Realismo e verossimilhança viraram palavras de ordem no cinema, e até os filmes de ação e aventura hoje estão acuados. Isso tanto por críticos que querem ver profundidade artística em tudo, quanto por grande parte dos fãs, que passaram a ter um alto grau de exigência com cada mínimo detalhe. A solução muitas vezes é cair na auto-paródia, como se o gênero tivesse vergonha de si mesmo e precisasse pedir desculpas por oferecer apenas entretenimento. Isto posto, OBRIGADO, GUILLERMO DEL TORO. Mais do que gratificante ver um diretor gabaritado entregar um produto tão sensacional quanto Círculo de Fogo. Um blockbuster no mais puro sentido da palavra, que diverte se levando a sério dentro de seu maluco universo particular – e não há absolutamente nada de errado com isso.

    O filme situa rapidamente o cenário: num futuro próximo, a humanidade está em guerra contra seres denominados kaiju (monstro gigante em japonês), que invadem nosso mundo através de uma fenda interdimensional localizada no fundo do Oceano Pacífico. De tempos em tempos, um dos bichos emerge e vai tocar o terror nas cidades costeiras. Quando armas convencionais se mostram ineficazes, uma nova solução se faz necessária. E já aqui, com poucos minutos de projeção, o longa rompe totalmente com conceitos tão mundanos e limitados como realismo ou lógica. Tentar desenvolver um novo tipo de bomba, ou até mesmo uma arma biológica (já que os inimigos são seres vivos)? Pra quê, se é infinitamente mais legal construir robôs gigantes pra dar porrada nos monstros?

    Só que nem tudo são flores. Após alguns anos de vitórias, os jaegers (caçadores, em alemão) e seus pilotos não estão mais dando conta do recado. Monstros maiores, mais fortes, inteligentes e adaptáveis passam a aparecer com mais frequência, e os governos mundiais decidem desativar a iniciativa e investir na construção de gigantescas muralhas litorâneas – ideia “genial” e pouco tranquilizadora. Porém, o comandante do projeto jaeger, marechal Stacker Pentcost (Idris Elba), decide tentar uma última ação desesperada pra salvar o mundo. Pra isso, ele vai depender de um talentoso ex-piloto, há anos afastado por conta de uma tragédia pessoal (Charlie Hunnam), e de uma novata promissora, mas com zero de experiência (Rinko Kikuchi).

    Tudo no filme é familiar, pra não dizer clichê, mas perfeitamente executado. O grande charme da produção é combinar a estrutura narrativa/dramática e de personagens tipicamente hollywoodiana com premissa e ambientação gritantemente japonesas. E ao contrário do que a galera mais leite com pera esperneou, não é uma simples cópia de Evangelion (como se este mangá/anime tivesse inventado robôs e monstros gigantes). As similaridades são grandes, mas Círculo de Fogo referencia toda uma tradição nipônica que remete a inúmeras animações, tokusatsus oitentistas e até os ancestrais filmes do Godzilla e afins. Desnecessário dizer o quanto isso dialoga com o coração de quem viveu a infância a partir dos anos 80 – e ainda não esqueceu dela.

    O roteiro, assinado por Del Toro em parceira com Travis Beacham, é muito preciso ao trabalhar tudo em função da própria trama. Como são necessários dois pilotos em perfeita sincronia mental para controlar um jaeger (um único cérebro humano não suporta a carga), o desenvolvimento dos personagens acontece na iminência de, e durante, os combates. Que por sinal, são vários e nem um pouco maçantes. O ritmo construído cria a tensão necessária, e a alivia sem exagerar, não perdendo assim o impacto das cenas de ação (exatamente, ao contrário de Transformers). As lutas são naturalmente o ponto alto do filme. O alto orçamento aliado ao apurado senso estético do diretor resultou em monstros e robôs com características distintas e marcantes. Os ambientes também variam, os quebra-paus acontecem em alto-mar, no meio das cidades, nas profundezas do oceano… e é um mais épico que o outro. Os kaijus impressionam por sua ferocidade, enquanto os jaegers, pesadões como seria de se esperar de centenas toneladas de metal, apresentam variadas armas que emocionam a criança interior de cada um. Como não amar um “soco foguete” ou um botão “ativar espada”?

    Dentre os atores, Charlie Hunnam (mais conhecido por estrelar a série Sons of Anarchy) faz um feijão com arroz como um protagonista padrão, que supera rapidamente suas inseguranças quando é chamado à ação. Kikuchi se sai até melhor, conseguindo retratar o turbilhão de emoções de sua personagem de maneira contida, também um padrão, só que oriental. Mas no caso dela, incomoda mais a superação relâmpago do trauma pessoal. Pra contra-balancear, a química entre os dois convence logo de cara, fazendo com ambos cresçam como dupla muito mais do que poderiam fazer individualmente. Dessa forma, nos importamos com os personagens, e as cenas de ação ganham em peso dramático.

    O bom ator Idris Elba mostra que Samuel L Jackson poderia se aposentar hoje, que o cargo de “boss negão mothafucka” estaria muito bem preenchido. Cabem a ele os inevitáveis discursos motivacionais com frases de efeito – “Hoje vamos cancelar o apocalipse”, impossível não seguir um cara desses. Charles Day e Burn Gorman servem como um bom alívio cômico com sua divertida dupla de cientistas que implicam um com o outro. Max Martini e Robert Kazinsky, como os pilotos australianos que são pai e filho, trazem uma dinâmica muito interessante no limitado espaço que têm. Por fim, Ron Perlman não consegue NÃO ser estiloso, mas seu personagem é um tanto quanto inútil. Hannibal Chau, o negociante de partes de kaiju mortos (um conceito curioso, mas nem um pouco explorado), na prática não serve pra nada. Provavelmente, o Hellboy estava lá só pra constar, na base da camaradagem com o diretor.

    Conforme o filme vai se aproximando do final, os problemas vão aparecendo. Não propriamente erros, mas situações um tanto forçadas e exageradas até mesmo dentro do contexto. Por exemplo, os robôs são arregaçados e rapidamente estão prontos pra outra. Isso, somado à já citada resolução muito repentina dos conflitos individuais dos protagonistas, até poderia tirar alguns pontos do filme. Só que o jogo, amigo, já está ganho há muito tempo. O espetáculo é tão magistralmente orquestrado e conduzido, que Círculo de Fogo se torna maior que suas próprias míseras falhas. A exemplo de Os Vingadores, é o ápice do massavéio bem executado. Mais uma vez, obrigado, Del Toro. O Gigante Guerreiro Daileon está orgulhoso.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | Star Trek (2009)

    Crítica | Star Trek (2009)

    61 - Star Trek (Jornada nas Estrelas)

    Quando foi anunciado que J.J. Abrams seria o novo responsável por trazer de voltas às telonas a franquia Star Trek, confesso que não me importei, porque nunca liguei muito para essa franquia (e também porque naquela época ele não era tão conhecido quanto hoje). Não sei bem as razões, mas nunca tive vontade de ver a série em qualquer das gerações ou nenhum dos filmes. Talvez pela quantidade e pela eternidade que iria levar ver tudo, mas, mesmo assim, algumas características dos personagens e bordões criados pela série eram familiares, tamanha é a influência de Star Trek na cultura pop. Portanto, eu era o público-alvo do filme tanto quanto qualquer pessoa que não tivesse o mínimo de conhecimento da saga.

    Nesse aspecto, posso dizer que o filme agradou. Ao dar uma nova roupagem e modernizar os personagens, J.J. Abrams consegue criar um universo verossímil, mesmo fazendo algumas alterações que poderiam causar estranheza aos fãs da série clássica.

    O filme se inicia contando a história do pai do capitão James T. Kirk (Chris Pine) e como ele é morto por um ataque de romulanos e consegue salvar a vida de milhares de pessoas. Logo depois, vemos Kirk crescendo como um jovem impulsivo e que sempre testa seu limite, e o dos outros, na busca por emoções e desafios. Também nos é apresentada a origem de Spock (Zachary Quinto) em seu planeta natal, Vulcano, contrastando sua metade humana com sua metade vulcana, e como isso afeta e afetará sua vida. O que faltou foi um maior desenvolvimento aos outros personagens, como Dr. Leonard McCoy (Karl Urban), tornando a trama excessivamente centralizada em Kirk e Spock.

    A trama é relativamente simples, porém se utiliza de subterfúgios muito comuns em filmes do gênero quando os roteiristas estão encurralados sem saber para onde ir: a viagem no tempo. Porém, a forma como ela é usada serve de propósito ao desenvolvimento da história, então neste aspecto soa natural, apesar de essa mesma história ser contada no ritmo frenético que a ação moderna exige, fazendo com que o espectador possa se perder às vezes.

    O assassino do pai de Kirk, o romulano Nero (Eric Bana), volta no tempo para destruir os planetas de todos aqueles que não fizeram nada para evitar a destruição de seu planeta no futuro, e consegue efetivamente destruir o planeta Vulcano, para o desespero de Spock. No entanto, seu próximo alvo é a Terra, e algo precisa ser feito para impedi-lo.

    Enquanto Kirk e Spock ainda não são amigos e lutam para conseguir se manter no mesmo ambiente, Kirk é colocado para interagir com Leonard Nimoy, o eterno Spock da série clássica, tanto para explicar a questão da viagem no tempo, como para agradar os velhos fãs, pois só mesmo uma pessoa totalmente alienada da cultura pop não reconhecerá o rosto do velho ator, que dá uma boa contribuição, juntamente ao personagem Scotty (Simon Pegg), que garante boas risadas como o alívio cômico. Porém, o vício de Abrams em explicar demais a história para não correr risco de nenhum espectador perder o fio da meada também torna a sequência desnecessariamente longa e arrastada em seu final. No final, Kirk e Spock percebem que se completam, assim como todo o restante da equipe que encaixa muito bem nos novos atores, e conseguem enfrentar o vilão Nero em boas sequências de batalhas.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | A Espuma dos Dias

    Crítica | A Espuma dos Dias

    L'écume des jours

    A estranheza revestida de “cool” é um dos traços característicos de Michel Gondry: o cineasta ficou famoso dirigindo clipes em que Björk passeia por uma floresta encantada, os Chemical Brothers visitam os pesadelos de uma menina, e um stop motion feito de lego para o The White Stripes. Com a ajuda de Charlie Kauffman (roteirista de A Natureza Quase Humana e Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças) o diretor fez uma boa transição para o cinema e sua tendência a estranhezas se traduziu em histórias incômodas, com pitadas de fantasia e ficção científica. Mas parece que ao ser seu próprio roteirista e perder as amarras que um baixo orçamento representavam, Gondry começou a patinar.

    A Espuma dos Dias e todo do diretor francês: ele participou da adaptação do romance de Boris Vian e é um dos produtores do longa; para a França, onde seu status de celebridade é muito maior que nos Estados Unidos, o filme é quase uma super-produção. Livre de constrangimentos, o cineasta pode se empenhar em criar o universo de imaginação que sempre habitou, mas ele o faz às custas da história.

    O filme conta a história de Colin, um jovem parisiense que tem a sorte de ter “nascido rico o suficiente para não precisar trabalhar para os outros” e alguns de seus amigos, o obcecado Chick, que recolhe tudo que se relacione ao filósofo Jean-Sol Partre, e o criativo cozinheiro/advogado Nicolas. Um dia, em uma festa, Colin se apaixona por Chloé e, após um breve passeio em um veículo-nuvem, os dois se casam. Já na lua-de-mel, Chloé começa a passar mal e descobre-se que a moça tem uma flor de lótus crescendo em seu pulmão direito e para curar-se precisa estar sempre rodeada de flores vivas. O tratamento drena as finanças de Colin e, após a operação que retira a primeira flor de lótus, os médicos encontram uma em seu pulmão esquerdo.

    Trata-se de uma tragédia, mas Gondry nunca a aborda como tal. Ele retrata muito bem a alegria infantil e fantasiosa dos personagens na primeira parte do filme, mas falta sensibilidade e envolvimento na dor que os consome na segunda parte. A direção de arte e a fotografia fazem um bom trabalho ao representar esse sofrimento: tudo decai, decompõe, os tons tornam-se cinza e a casa dos protagonistas literalmente apodrece, mas esse cuidado visual não se reflete em cuidado narrativo.

    O cuidado com a estética, em detrimento da história, é o principal problema de A Espuma dos Dias. Cada geringonça citada por Vian em seu livro aparece aqui, em detalhes e com alguma explicação de seu funcionamento, há uma longa sequência para o pianococktail, e outra para o bizarro método de casamento criado pelo autor. Por outro lado, falta tempo para que o espectador se envolva com os personagens. Tudo é corrido, apressado e os atores parecem incapazes de sair da “felicidade festejante” que criaram na primeira parte da história, talvez porque seus personagens não tenham personalidade, sejam apenas figuras que enunciam o que sentem, mas sem qualquer vida interior.

    Chick talvez seja o personagem mais bem construído de todos, sua obsessão é genuína e convincente, ainda que Gondry deixe de explorar o papel de “anúncio” que o personagem poderia ter. Deixar de explorar o potencial da história é o segundo grande problema do filme: a história é comovente, uma bela metáfora sobre o amor e sobre como organizamos nossas vidas em torno de sonhos que, ao se desfazerem, levam tudo com eles. Mas essas coisas aparecem apenas muito levemente.

    É uma pena que o responsável por Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças seja incapaz justamente de infundir humanidade em seu filme, mas é justamente essa a grande falha de A Espuma dos Dias. É tudo muito bonito, mas vazio, fruto de um diretor fascinado com a própria estética e que se esqueceu de contar uma história.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Olhe Para o Céu: A Incrível História do Superman

    Crítica | Olhe Para o Céu: A Incrível História do Superman

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    Roupa azul, capa vermelha – as primeiras cenas de Look, Up in the Sky! são cortadas por personificações do primeiro super-herói (como a sua editora gosta de chamá-lo). O documentário de Kevin Burns reúne depoimentos de fãs ilustres dos quadrinhos e de muita gente da indústria, além de rememorar momentos clássicos da trajetória do Superman em diversas mídias.

    Voltando a sua origem, o herói foi criado como uma resposta a grande depressão econômica pela qual passava o país. O Superman de Jerry Siegel e Joe Shuster teria surgido primeiro num escrito chamado O Reino dos Superman, em que era um vilão telepático. Revisitando a ideia, é que mudou-se o perfil, e se decidiria por tornar o personagem no ápice do poderio físico humano.

    O filme faz um resgate das aventuras do herói por mídias audiovisuais e dentro dos quadrinhos também. Mostra as famílias reunidas ouvindo o show de rádio protagonizado por Bud Collyer (que viria a dublar também o desenho animado de Dave Fleischer). O rádio-seriado foi responsável por popularizar e muito o personagem fora do nicho das tirinhas de jornais e revistas.

    O documentário gasta um tempo demasiado com a figura de George Reeves, que interpretou o herói no cinema (Superman and the Mole-Men, um filme lançado em 1951) e na televisão, em 102 episódios – Adventures of Superman (de 1952 a 1958). Reeves teria pretensões artísticas maiores do que ser simplesmente um herói fantasiado, e cogitava até o ofício de diretor, mas teve sua vida interrompida por um incidente suicida.

    Nos quadrinhos, é destacada a administração de Julius Schwartz como editor dos periódicos do herói, mas o foco mesmo é nas produções para o grande ecrã. O período de preparação para Superman: O Filme é retratado, e os detalhes são até esclarecedores até certo ponto. São mostrados Alexander e Ilya Salkind (produtores) tencionando em chamar Mario Puzo para escrever o roteiro, e depois contratando o diretor. Mas a questão de divergências entre Richard Donner e os Salkinds é citada muito de leve, de forma bem chapa branca. O único argumento “a favor” de Donner é a ênfase que se dá pelo fato de que o segundo episódio da franquia já estaria 70% filmado. Os outros dois filmes também são comentados, assim como os outros produtos dos Salkinds – Supergirl e Adventures of Superboy.

    Nos quadrinhos, é destacada a reformulação de John Byrne e  A Morte de Superman, além dos produtos televisivos dos anos 90 – a comédia romântica Lois e Clark, e os desenhos animados de Bruce Timm. Há um enfoque considerável em Smallville, e o documentário afirma que o sucesso da série é que possibilitou a volta do herói aos cinemas.

    A parte final faz um belo resgate da memória de Christopher Reeve, e sua luta contra a paralisia até a sua morte. O efeito é parecido com a abordagem com George Reeves, claro, com uma visão bem mais otimista do que a do suicídio.

    O último ato foca em Superman: O Retorno de Bryan Singer. Look Up in the Sky! The Amazing Story of Superman é interessante, apesar de ser superficial em alguns pontos importantes da trajetória do herói. Ainda assim funciona muito como memória afetiva nas poucas partes em que se aprofunda. Ao passar os créditos são mostradas cenas das muitas encarnações dos produtos de Superman, desde cenas de bastidores até erros de gravação, com Singer, Brando, Reeves etc.

  • Crítica | Wolverine: Imortal

    Crítica | Wolverine: Imortal

    The Wolverine (Wolverine Imortal)

    Após o desastroso X-Men Origens: Wolverine, de 2009, é natural que qualquer fã do mutante mais famoso dos quadrinhos ficasse com um pé atrás a respeito de um novo filme do personagem, mesmo que os primeiros boatos a seu respeito fossem de um projeto com um cineasta de renome, como Darren Aronofsky, que acabou não se concretizando (para alegria de uns e tristeza de outros).

    Porém, as notícias da adaptação do clássico arco de histórias de Chris Claremont e Frank Miller com Wolverine no Japão permitiram novas possibilidades e o diretor James Mangold acabou por entregar uma história que por mais que não envolva totalmente o espectador nem apresente nada de novo em relação ao protagonista, ao menos não ofende o fã dos quadrinhos, de cinema e qualquer pessoa com senso crítico, como a produção anterior.

    Na nova história, Logan (Hugh Jackman) decidiu abandonar de vez a vida de herói e passou a viver sozinho na selva. Deprimido, ele é rastreado pela jovem Yukio (Rila Fukushima), enviada a mando de seu pai adotivo, Yashida (Hal Yamanouchi), que foi salvo por Logan algumas décadas antes, na detonação da bomba atômica em Nagasaki (em uma bela sequência). Yashida a princípio deseja reencontrar Logan para se despedir de seu salvador (já que está em seu leito de morte), mas depois faz uma proposta: transferir seu fator de cura para ele, de forma que Logan possa, enfim, se tornar mortal e levar uma vida como uma pessoa qualquer. Logan recusa o convite, mas acaba infectado por Víbora (Svetlana Khodchenkova), uma mutante especializada em biologia que é também imune a venenos de todo tipo. Fragilizado, Logan precisa encontrar meios para proteger Mariko (Tao Okamoto), a neta de Yashida, que é alvo tanto da máfia japonesa Yakuza quanto de outros oponentes que surgirão no decorrer da história, um tanto quanto cansativa.

    A trama, apesar de simples, é problemática em várias maneiras. Primeiro ao abordar novamente a Yakuza e seus membros tatuados e especialistas em artes marciais. Acredito que esse clichê já foi suficientemente usado em filmes de ação demais nos anos 80 e 90 (aliás, outro clichê é exatamente este: será que todo oriental sabe lutar e manejar armas?). A tentativa de dar ao filme um tom realista ao adotar a máfia como vilã inicial até funcionaria caso isso se sustentasse ao longo da narrativa, mas após sermos apresentados a Víbora e ao Samurai de Prata, toda a sequência com a Yakuza parece perder o sentido. Segundo por adotar corretamente a postura de dar tempo para os personagens se desenvolverem nos dois primeiros atos, mas se esquecer totalmente disso no terceiro, que é inchado com sequências de luta longas demais e, de certa forma, desnecessárias. E terceiro ao transformar radicalmente as relações dos personagens entre si e suas motivações gratuitamente de acordo com cada situação de maneira preguiçosa, a fim de encaixar a trama com um trabalho menor, torcendo para que ninguém perceba a incongruência.

    Exemplos disso não faltam: Shingen é envenenado pela Víbora e sofre alucinadamente, para depois aparecer e lutar de igual para igual com Yukio e vencê-la. Ela que antes havia dito que ele lutava “para o gasto”. Depois de vencê-la, Shingen ainda luta ferozmente contra Wolverine, em uma tentativa de remeter a icônica luta dos quadrinhos, mas extremamente mal-executada, já que, de uma hora para outra, Wolverine solta uma frase de efeito e abandona a luta para, segundos depois, voltar e matar o vilão que nunca deixa nada passar. Harada (Will Yun Lee) também é outro que age em um padrão o filme todo para no final, tomar uma atitude totalmente descabida. Há também a excessiva aparição de Jean Grey (Famke Janssen) nos sonhos de Logan, na função de servir de guia e desnecessariamente explicar a plateia cada momento do filme e o estado psicológico do protagonista.

    Os pontos positivos do filme ficam nas cenas iniciais (como a do urso e o enfrentamento no bar) e nas de ação, durante o enterro de Yashida e, principalmente, no trem, rendendo algumas cenas engraçadas. São cenas que, apesar de faltar violência e sairmos com a impressão de que ninguém foi morto pelas garras de Logan, conseguem transmitir perigo e um senso de urgência, além de serem bem executadas de modo que consigamos acompanhar, passo a passo, onde cada personagem está em determinado momento e o que estão fazendo, o que muitas vezes não é feito por diretores atuais. Porém, a melhor parte do filme ainda é a cena pós-crédito, que liga diretamente o filme ao próximo filme da franquia, chamado “Dias de um Futuro Esquecido”, trazendo personagens e atores conhecidos do público em um momento empolgante.

    Ao final, fica a impressão de que talvez tenha chegado a hora de tanto Marvel quanto Fox (assim como Hugh Jackman) repensarem o que a superexposição do Wolverine pode causar no desgaste do personagem, já que o veremos novamente protagonizado a sequência do ótimo X-Men: Primeira Classe. Encerrar aqui este ciclo do herói a exemplo da trilogia Batman de Nolan/Bale, daria chance a outras pessoas retomarem o herói com outros olhos e revigorar a combalida franquia solo de “Wolverine” nas telonas.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Tese sobre um Homicídio

    Crítica | Tese sobre um Homicídio

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    Analisemos o pressuposto seguinte: mesmo que cada obra de arte contenha uma intenção clara de seu artista, haverá interpretações subjetivas. A condição se justifica por elementos diversos e define a opinião de cada um que intenta produzir uma análise crítica de uma obra.

    O pretexto subjetivo em que me apoio é o apreço pelas narrativas policiais que tenho desde minha formação como leitor. Um motivo que me deixa em alerta quando vejo uma história que apresenta um mistério, seja ele tema central da história ou periférico.

    Tese Sobre Um Homicídio deve seu prestígio ao carisma talentoso de Ricardo Darín. O representante máximo do cinema argentino há mais de dez anos, onipresente em diversas produções, em parte porque tem reconhecimento internacional, e suas produções, sem exceção, ganham boa distribuição. Dando-nos a impressão de que somente o ator trabalha no mercado dos hermanos.

    A presença do ator e a história envolvendo um assassinato foram os responsáveis pelo sucesso em seu país de produção, com destaque para a personagem de Darín que se destaca desde sempre pela competência e entrega com que o argentino realiza.

    Roberto Bermúdez (Darín) é um advogado que, devido ao prestígio da carreira, realiza seminários no curso de direito da faculdade, escreve livros sobre a doutrina jurídica e possui laços com a polícia para consultas em casos que necessitam de maior atenção.

    Em sua primeira aula do novo curso, um assassinato ocorre no estacionamento da faculdade. Ao inserir na sala de aula a realidade do crime recém ocorrido, faz com que a suspeita recaia sobre Gonzalo Ruiz Cordera, aluno que chega atrasado no dia em questão

    A história se constrói ao redor destas personagens: Bermúdez, como grande advogado admirado desde a infância por Gonzalo, que esteve em seu seio familiar devido à amizade com o pai. As poucas aproximações entre professor e aluno produzem um discurso oposto sobre a força da justiça, a punição e a morte. Nascendo uma sombra de dúvida no advogado-mestre que o faz investigar de forma informal o homicídio.

    Se a margem da dúvida faz parte da investigação criminal, há outros fatores e procedimentos que determinam a investigação de um crime. A lacuna da suspeita é o espaço para que se compreenda que o crime em si se desenvolve a margem da história, como o gatilho para as dúvidas do advogado.

    A personagem de Darín foi comparada por alguns críticos a um clássico personagem noir por sua perdição. Mas vejo proximidade somente quando se observa que a personagem é maior do que a história em si, maior que o crime. Semelhante a muitas histórias do gênero citado, que fazem da morte apenas uma prerrogativa para apresentar um ambiente dúbio.

    Reconhecemos este elemento quando observamos que o advogado bem sucedido sente-se deslocado do curso natural da vida. Perdeu a esposa, não tem filhos, não vê mais planos futuros na carreira e passa a maior parte do tempo sozinho em sua casa bem decorada, bebendo e fumando.

    No vazio existencial nasce o jogo obscuro da dúvida alimentada pela obsessão de descobrir certa noção da verdade, suspeita que se volta para o aluno sem suspeita aparente. Tudo que vemos é modificado aos olhos do advogado. O elemento parcial convence o espectador de uma certeza não provada, cativada pela composição da personagem, induzido pela dúvida uma certeza.

    De maneira equilibrada, a decupagem trabalha a favor das inferências apresentadas pela dúvida. Em diversas cenas, a câmera passeia por espelhos, reflexos, vidros distorcidos, revelando que nem sempre observar um objeto é vê-lo da maneira como é, sendo impossível vê-lo com olhos imparciais ou, pressupondo-se que não há uma verdade absoluta, vendo da maneira mais fiel possível.

    Mediando a dúvida está o espectador, tão heroico como o personagem central, que deseja descobrir e acreditar que a suspeita da personagem é verdadeira. Ainda que, a parte a subjetividade, não há nada de concreto.

    A tese é apenas a enumeração de possíveis acontecimentos, cabíveis de interpretação pelo público. Um roteiro construído para equilibrar-se na dúvida.

  • Crítica | Passion

    Crítica | Passion

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    Brian De Palma é um diretor com carreira de sucesso indiscutível. Fruto de uma geração talentosíssima – formada por Scorsese, Coppolla etc –  não filmava desde Guerra sem Cortes. Este Passion é a sua versão para o suspense  Crime D’Amour, do francês Alain Corneau.

    Seu começo é lento, lotado de cenas contemplativas nos quartos das suas personagens principais, Christine (Rachel McAdams) e Isabelle (Noomi Rapace). Tais pedaços demonstram alguns dos conflitos que serão futuramente explorados, como a solidão, a luxúria etc.

    O roteiro brinca com alguns distúrbios psicológicos sérios, mas vai expondo tudo de forma gradual. Há uma mini-rede de influência entre as personagens principais e outros membros do grupo corporativo onde estas trabalham, em que imperam basicamente a sedução por meio do sexo, posse e poder, além da traição ética e carnal. Aparentemente há um enfoque no Narcisismo por parte de um dos personagens, mas com o desenrolar da história, nota-se que esse é um problema comum a quase todas as pessoas retratadas em cena.

    A trilha sonora, assinada por Pino Donaggi – que já trabalhara com o diretor em Carrie, Dublê de Corpo e Vestida para Matar – é sensacional e ajuda a compor o quadro de angústia vivenciado por Isabelle. A pressão psicológica e a agressão à sua auto-estima vão aumentando com o decorrer da película. Mais uma vez De Palma utiliza-se da sua filmagem competente, deixando sua câmera em ângulos tortos em meio a ambientes pouco iluminados, mostrando a instabilidade de seus personagens e o incômodo pelos quais eles passam, sem revelar de forma óbvia quais são as suas intenções, o realizador ainda se apropria de elementos tipicamente hitchcockianos, como Macguffins. O repertório narrativo e visual de Passion lembra em muitos momentos algumas das últimas obras de Alfred Hitchcock, como Topázio e Frenesi.

    A obsessão é retratada em alguns momentos com uma docilidade ímpar: a admiração torna-se paixão, evolui para fixação, quando se soma a rejeição causa traição, frustração e humilhação. O destino final é a vingança, logo acompanhada de uma reticente confissão. A priori, a história parece ser sobre paixões não correspondidas, mas é muito mais que isso. Há distúrbios de comportamento como stalkers se valendo da tecnologia para praticar chantagens morais e subornos sentimentais entre outras anomalias de comportamento. Não há personagem que não tenha algum interesse escuso.

    Com o decorrer do filme, a atuação de Noomi Rapace vai evoluindo, de caricata a bastante realista, o que empresta muito caráter ao lado dramático e misterioso do filme. O final e as reações de Isabelle deixam em aberto algumas questões. Os fatos mostrados na tela podem ter ou não ter ocorrido, total ou parcialmente, é posto em dúvida se alguns dos personagens são ou não reais – o que põe a prova o testemunho da personagem, assim como contesta sua sanidade mental. Um suspense num ritmo clássico, que apela bastante para a sexualidade, mas sem vulgarizar.

  • Crítica | O Grande Lebowski

    Crítica | O Grande Lebowski

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    Que os irmãos Coen são especialistas em criar universos e personagens singulares e que se tornam antológicos não é segredo. Porém, em O Grande Lebowski, de 1999, a dupla se supera. Se em Arizona Nunca Mais ambos já tinham provado sua capacidade de criar protagonistas do sul americano estilizados ao máximo e que conseguiam arrancar risadas do espectador a todo instante, esse estilo atinge outro patamar, que transforma este longa em um dos filmes mais cultuados dos diretores. E não é à toa.

    O Grande Lebowski contra com um grande elenco. Jeff Bridges interpretando magistralmente Jeff Lebowski, ou, como gosta de ser chamado, The Dude (“O Cara”, mas a tradução literal não consegue abarcar o significado genérico do nome, que está ligado ao personagem). Preguiçoso, leniente, com extremas dificuldades em se expressar e com amigos igualmente problemáticos, o excelente Walter Sobchak (John Goodman) e Donny (Steve Buscemi), Dude é daqueles personagens que nos incomoda no início pela dificuldade em terminar uma simples frase, passando até uma falsa ideia de que não seja apto de uma grande inteligência.

    Mas, no desenrolar dos acontecimentos, ele vai se mostrando a figura mais lúcida do filme, que tenta a todo instante trazer as pessoas de volta à realidade. Walter é o amigo do Dude, veterano do Vietnã e com claros problemas de raiva; sua vontade de ajudar só é comparável a sua falta de percepção das coisas. E é justamente essa dificuldade em lidar com as situações com que se depara que garante as melhoras cenas do filme, com falas memoráveis, como “This is what happens when you fuck a stranger in the ass!” ou ”You are entering a world of pain.” Buscemi também fica muito bem no comedido e comportado Donny, que aguenta calmamente as grosserias e cortes de Walter. Detalhe também para a hilária e pequena participação de John Turturro como Jesus, um jogador de boliche rival de Dude, Walter e Donny.

    A jornada do Dude começa quando seu tapete é roubado. Algo tão trivial serve de gatilho para uma série de eventos e confusões que nos remetem ao termo clássico para definir grande parte dos filmes dos Coen, a “comédia de erros”, pois são os erros e interpretações errôneas da situação que garantem a criação de cenas tão engraçadas quanto icônicas.

    Do outro lado, temos o milionário também de nome Jeff Lebowski e sua filha Maude Lebowski (Juliane Moore), que brigam pelo dinheiro de sua falecida esposa e mãe, respectivamente, e ambos veem em Dude a chance para ajudarem em sua empreitada pessoal. Em um terceiro grupo de personagens, há os alemães niilistas, que garantem cenas também engraçadíssimas, retratando de forma satírica o submundo da cultura das grandes cidades alemãs e sua excentricidade.

    Porém, apesar de personagens excelentes, faltou um pouco de tempo para desenvolvê-los, o que acaba prejudicando um pouco a narrativa, que se preocupa muito, em alguns momentos, com a parte estética e com a comédia ao invés de aprofundar as relações dos personagens com o objetivo central da trama, que por vezes fica meio perdida. Mas isto não afeta a ponto de prejudicar a narrativa, que tem o seu ponto forte mais nos personagens do que na história que eles perseguem.

    O Grande Lebowski é daqueles filmes que a gente guarda para citar falas e recriar situações entre os amigos, e somente filmes com personagens tão bons conseguem fazer isso.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Um Golpe Perfeito

    Crítica | Um Golpe Perfeito

    Golpe Perfeito

    Um Golpe Perfeito (Gambit), começa com uma introdução animada, do que a princípio, seria uma comédia de erros. Com direção de Michael Hoffman, o roteiro de Ethan e Joel Coen apresenta uma proposta ousada, com um mirabolante esquema de falsificação e fraude com pitadas de humor, mas que com o decorrer da história, o espectador é desiludido.

    A princípio, Um Golpe Perfeito é despretensioso, explora uma sucessão de atos falhos no plano de Harry Deane (Colin Firth), que contrata a cowgirl PJ Puznowski (Cameron Diaz) a fim de ludibriar seu chefe, o colecionador de arte Lorde Shabandar (Alan Rickman). O filme é cortado por uma narração, que se torna enfadonha, e que não é nada mais que um incômodo na maioria das vezes em que é usada – pior, o personagem que a faz só consegue falas significativamente interessantes quando dita as emoções e agruras dos personagens.

    O tom da comédia é nonsense, mas está longe de ser escandalosamente hilário, em alguns pontos chega a ser entediante. Lembra bastante O Amor Custa Caro, uma comédia romântica dos próprios Coen, e repete também os seus acertos – o elenco é formidável. Firth e Rickman elevam o nível da película, e conseguem com suas atuações, elevar considerávelmente a qualidade de Um Golpe Perfeito, seus personagens são interessantes, de peculiaridades e personalidades curiosas. Stanley Tucci também não compromete nas poucas cenas em que aparece.

    Deane torna-se muito mais engraçado à medida que se embebeda. As cenas dentro do Hotel Savoy são disparadas as melhores coisas da obra, mas a solução de mostrá-lo enciumado com a relação entre seu chefe e PJ não funciona, primeiro por não haver química nenhuma entre Firth e Diaz, segundo, por não ter sido construída ou mencionada qualquer intenção amorosa/sexual antes, esta foi uma saída muito fácil e se mostrou uma péssima escolha, o que evidencia que o roteiro está longe de ser um dos melhores da carreira dos irmãos.

    É lastimável que o plot enverede pelos erros comuns das comédias românticas, seu resultado final é uma história de amor fraca, com elementos de filmes de assalto, que esconde um caráter sentimental e açucarado, que não cumpre nem mesmo a intenção básica de “filme cor de rosa”. Michael Hoffman não consegue fazer jus a filmografia dos roteiristas, nem mesmo nos seus piores momentos.

    Um dos pontos altos no desfecho é o alarme anti-furtos – tão ridiculamente inverossímil que se torna cômico, mas tal esquete não salva o todo, ainda mais com a reviravolta que ocorre com Harry Duane nos minutos finais, que é muito previsível e poderia ser melhor construída.

  • Crítica | O Cavaleiro Solitário (2013)

    Crítica | O Cavaleiro Solitário (2013)

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    Mais um dos produtos Disney encabeçado por Gore Verbinski e acompanhado de Johnny Depp, este O Cavaleiro Solitário traz uma nova visão do clássico justiceiro mascarado do Velho Oeste. A história é contada por um índio ancião a uma criança fantasiada de Lone Ranger. Os fatos são contados por meio de flashbacks, recurso que parece estar cada vez mais em moda no cinema contemporâneo.

    Ao menos os cenários e figurinos condizem com o gênero Western, a Direção de Arte têm poucos erros e a atmosfera contribui para a imersão dentro da história, mesmo com a ausência de sangue nos tiroteios e execuções. O roteiro contém muitas gags hilárias e piadinhas físicas que, aos poucos, vão minando a paciência do espectador mais ranzinza.

    Depp está com todos os trejeitos típicos de seus filmes com Tim Burton e do próprio Verbinski, o que torna sua caracterização em algo completamente genérico, visto em quase todas as suas bombas recentes – quase sempre de cara pintada,  com atuações tresloucadas e caricatas. O próprio ator parece se incomodar com a repetição de estereótipos que vem fazendo, tanto que seu contrato não prevê sua participação numa possível continuação. O estilo canastra permanece irritante, principalmente quando este interage diretamente com o público, mas o fato deste filme ser voltado para o público infantil, faz relevar alguns de seus muitos defeitos de concepção.

    Armie Hammer também não acerta como Lone Rider, e é ainda mais canastrão que Tonto. Seu personagem e o índio revezam-se nos arquétipos de Mentor e Pupilo, mas a relação é tão mal construída e jogada, que não há como se importar com os percalços deles. Para colaborar ainda mais com a mediocridade da obra, é apresentada Helena Bonham Carter num papel de uma cafetina perneta, com uma prótese de marfim – objeto que gera uma cena fetichista totalmente descabida, que não é pesada, mas também não se encaixa num produto cinematográfico para crianças – não é sequer engraçada, é só de mal gosto.

    A ação empregada em Cavaleiro Solitário é muito semelhante a da série Piratas do Caribe: lotada de pirotecnias, com brigas “pouco violentas”, coisas explodindo pelo cenário,  e sem personalidade nenhuma, mais do mesmo. Verbinski se repete demais e aposta suas fichas no que sempre deu certo em sua filmografia, até nos erros o realizador tem a obsessão em se autorreferenciar, pois o romance entre John Ready e sua cunhada Rebeca Ready (Ruth Wilson) é muito fraco, e tem o desfecho parecido com o do casal de Piratas do Caribe: Fim do Mundo, onde Orlando Bloom e Keira Knightley também são impedidos por “forças maiores” de ficarem juntos. Neste, ao menos, havia um pouco de química, ao contrário da relação semi-incestuosa apresentada em Lone Ranger. Esta versão do O Cavaleiro Solitário carece de conteúdo, substância e relevância, e só não é absolutamente descartável graças a sua fotografia e direção de arte.

  • Crítica | Elena

    Crítica | Elena

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    A definição fácil, e bastante incompleta de um documentário, é que, em oposição a ficção, se trata de um retrato da realidade. Há muito a dizer sobre o processo narrativo em documentários, o olhar do diretor e as escolhas de montagem, mas é senso comum dizer que são filmes que utilizam o real como matéria prima. Essa definição é a primeira coisa que Elena põe em cheque.

    O filme de Petra Costa é todo construído em cima do que não se sabe, mas completa-se no sonho, na memória, nas histórias. O desconhecido é Elena, irmã mais velha da diretora que aos 20 anos foi para Nova York ser atriz e consumida pela solidão, a angústia e a aridez da profissão que escolheu acaba se matando, deixando para trás a irmã de 7 anos. 20 anos mais tarde é Petra que se matricula no curso de teatro da Columbia e busca na cidade os rastros da irmã que não chegou a conhecer realmente.

    Elena é um misto de investigação e carta aberta, uma tentativa de reconstruir quem foi aquela jovem e o que a levou a seu fim e ao mesmo tempo uma confissão e desabafo em que Petra diz a irmã mais velha tudo aquilo que nunca teve chance. Poético, mais do que documental, ele se utiliza de depoimentos, imagens de arquivo e mesmo cenas gravadas que lembram video-arte.

    O documentário vai se construindo em fragmentos: ouvimos o nome de Elena já na abertura, mas é aos poucos que descobrimos quem é essa pessoa, qual sua relação com a diretora e o que afinal aconteceu com ela. Petra Costa constrói bem sua narrativa e prende o espectador, que se vê curioso para descobrir quem é essa moça, porque está sendo um filme sobre ela e onde está ela agora. Entretanto, conforme a história de Elena fica mais clara, sua personalidade se nubla e, assim como a irmã cineasta, nos vemos diante de um quebra-cabeça sem resposta, uma história que só se pode completar com ficção.

    Petra anda pelas ruas de Nova York, fala com a mãe, reconta a história da família e sua ida para a clandestinidade nos anos 70. Contudo, o filme nunca almeja ser sobre a cidade, ou sobre a ditadura, ou famílias na ditadura, é sobre aquela família, aquela moça, aquela história, excessivamente pessoal, Elena é um sopro de ar fresco no cinema brasileiro que busca sempre evitar o íntimo, o lírico e falar das grandes questões sociais do país. É corajoso da parte da diretora ignorar a tradição mais forte do cinema nacional e sem qualquer disfarce falar de si, construir um filme confessional ao extremo, um filme que expurga demônios e acaba entregando algo que falta.

    Porque Petra Costa é talentosa e sua poética é fluída e metafórica, o filme transcende a pequena crise pessoal de onde nasceu e se transforma em uma história sobre a arte, a necessidade da arte e os meios pelos quais as pessoas se perdem. Porque ninguém é absolutamente único e a experiência humana tem sempre algo de universal, ao falar de si e de sua irmã, a cineasta fala ao espectador, às dores e angústias daquele que a assiste e entrega um filme que comove, faz rir e chorar e que envolve quem assiste naquele mistério.

    Contar o que se sabe é algo muito pouco feito no cinema brasileiro, é mais comum vermos jovens de apartamento em bairros nobres falarem sobre uma vida no morro da qual tem pouca ideia, Petra assume seu próprio universo e constrói ali um mundo. Elena é um filme simples, despretensioso e delicado, mas que se torna memorável porque fala a algo de íntimo e sentimental com uma beleza óbvia. No fim, quando a autora abandona um pouco a história da irmã para contar a sua própria, o filme escorregue para algo meio “meu querido diário” que quebra a narrativa forte que vinha se construindo até então, ainda assim tem qualidade e é um dos acontecimentos mais únicos no cinema brasileiro atual.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | A Roda da Fortuna

    Crítica | A Roda da Fortuna

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    A Roda da Fortuna (The Hudsucker Proxy) é o quinto longa dirigido e roteirizado pelos irmãos Coen (Sam Raimi também tem crédito como roteirista), e também um dos menos lembrados da filmografia de Joel e Ethan.

    A história começa com a chegada de um jovem entusiasta e idealista, Norville Barnes (Tim Robbins) à Nova Iorque dos anos 50, no auge do capitalismo americano, onde o sonho de vencer na vida movia gerações esperançosas após o pesadelo da 2ª Guerra Mundial. Paul Newman interpreta magistralmente o vilão e diretor das Indústrias Hudsucker chamado Sidney J. Mussburger, cujo objetivo era substituir o presidente da empresa, Waring Hudsucker, que havia se suicidado. Porém, como a empresa era valiosíssima, Mussburger decide abaixar o valor de suas ações e assim compra-la a um preço baixo. A fim de atingir seus objetivos, coloca como presidente Barnes, recém-contratado pelas indústrias Hudsucker.

    O filme apresenta bem os personagens, porém, a dinâmica entre eles e a demora na execução de seus planos, objetivos e interações, faz a narrativa perder um pouco do clima inicial. Os arquétipos clássicos são muito bem representados, como o trabalhador comum, o jovem idealista, o vilão poderoso, o conselheiro, dentre outros.

    Os diálogos possuem uma rapidez e fluência que remete aos filmes dos anos 50, ainda mais caracterizada na jornalista Amy Archer (Jennifer Jason Leigh). A linguagem corporal e trejeitos dos personagens, retratados de forma fiel, mas caricata ao melhor estilo dos Coen, nos faz acreditar que a Nova Iorque dos anos 50 foi mesmo um período mágico. Ainda assim a obra apresenta uma crítica ao capitalismo selvagem, em cenas ótimas, como a que os trabalhadores fazem um minuto de silencio pela morte de Hudsucker, mas são imediatamente avisados de que esse minuto será descontado de seus pagamentos. Além, é claro, da estilização do vilão e capitalista sem escrúpulos Mussburger e dos acionistas, tratados como meros instrumentos em suas mãos.

    Visualmente o filme atinge seus objetivos, com uma perfeita montagem e fotografia que lembra o cinema glorioso dos anos 50, com um ar de pastiche e comédia. Mas o drama de ascensão e queda de Barnes soa um pouco forçado, pois suas realizações e compreensões não parecem nos convencer em momento algum de sua veracidade, tornando tudo um pouco artificial. O humor negro e direcionado dos irmãos Coen aqui parece um pouco fora de contexto, não encaixando na história e no tom que a narrativa do filme sugere. As reviravoltas acontecem de forma artificial e uma rapidez que não fluem de forma natural para o espectador, tornando a boa experiência visual de seu início um pouco cansativa e enjoativa no final.

    Apesar de alguns defeitos, A Roda da Fortuna é uma história que envolve a sua maneira, valendo a experiência. Os Coen mesmo quando aparentemente erram, conseguem realizar obras acima da média.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Juan dos Mortos

    Crítica | Juan dos Mortos

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    O 1° filme do subgênero mortos-vivos – absurdamente em alta graças à famigerada série da AMC – produzido em Cuba não poderia ser mais emblemático. Juan de Los Muertos – ou Juan of the Dead – tem um letreiro que se assemelha propositalmente a de Dawn of the Dead.

    Juan (Alexis Díaz de Villegas) é um personagem acomodado e que não quer sair de sua zona de conforto de forma alguma, mas algo acontece na sua bela Havana e muda tudo – o esqueleto do roteiro é muito semelhante a um sem número de histórias, mas a forma como os fatos são narrados a partir de sua premissa é sem igual. A causa da infecção é sugerida como manifestação de divisionistas inspirados pelos EUA.

    A forma como Juan e seus amigos enfrentam os mortos é curiosa e jocosa. O nível de alienação dos nativos da ilha faz com que eles não percebam as diferenças entre antes e depois da volta dos falecidos a vida. Há mais elementos de humor do que terror, o que é um acerto, visto que o vilão está a muito saturado. Os efeitos especiais utilizados nas execuções tornam estes atos em eventos hilários. A fim de se redimir de ser um pai ausente e para ganhar pontos com sua filha, Juan resolve instruir as pessoas do seu bairro para combater os undeads, e claro, cobra um preço para que ele e seu esquadrão exterminem os parentes vitimados pela praga.

    As criativas formas de lidar com os infectados são geniais, e as cenas em CGI parecem retiradas de um filme da Global Asylum – são tão absurdas, toscas e inverossímeis, que geram um efeito contrário a sua péssima qualidade, tornando-se bem executadas dentro da galhofa que permeia o filme. Cumpre facilmente a tarefa de fazer o espectador rir. O lucro em cima da desgraça, e a graça em cima da tragédia tornam o humor negro uma das marcas da obra.

    O nível de deboche é tão grande que a crítica política fica apenas na superfície, mas ainda assim ela é presente em vários momentos. As piadas de baixo calão e de cunho sexual são implacáveis e extremamente politicamente incorretas.

    O grupo – cada vez menor – se vê cercado pelos mortos e diante da falta de perspectivas, decidem deixar Havana e rumar para Miami. Apresentam-se percalços e até alguns questionamentos éticos para Juan, mas isso é breve. O foco é outro, e Alejandro Bruguès proporciona ao espectador uma forma bem humorada de encarar o fim do mundo.

    Os créditos finais em formato de quadrinhos estilizados acompanhados da versão de Sid Vicious de My Way fecham Juan dos Mortos de forma “massa veio”, condizente com o resto da história, que possui um conteúdo, mesmo não dando atenção a ele. É um filme totalmente despretensioso e que precisa se tornar idiota para fazer rir.

  • Crítica | Bling Ring: A Gangue de Hollywood

    Crítica | Bling Ring: A Gangue de Hollywood

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    O artigo em que se baseia o roteiro – The Suspects Wore Louboutins – foi publicado na Vanity Fair, um misto de Caras e Marie Claire, ou seja, o tipo de revista que não tenho hábito (ou vontade) de ler, nem em salas de espera. Aliás, antes de assistir ao filme, eu nem sabia que Louboutin é uma marca, ou melhor, uma grife de sapatos – meu conhecimento desse assunto resume-se aos Manolo Blahnik usados pela Carrie de Sex and the city.

    Resumindo, não conheço (praticamente) nada do universo retratado no filme. O que não me impediu de desfrutar de todo o resto. Certamente, quem conhece grifes, marcas e celebridades terá um divertimento a mais. Porém, o filme sustenta-se bem sem esse conhecimento prévio.

    Não foi difícil comprar a ideia de um bando de patricinhas entediadas não achar nada de mais invadir casas de celebridades para roubar. Até mesmo o fato de o endereço dos famosos se encontrar a apenas um clique no Google é aceitável. Se há algo que foi difícil acreditar é que essas mesmas celebridades – ao menos algumas delas – , ao saírem em viagem, deixassem suas casas, enormes por sinal, abandonadas, sem sequer um empregado e, pior, sem sistema de segurança, nem mesmo uma câmera com sensor de movimento.

    E o que dizer de Paris Hilton deixar a chave da casa sob o capacho da entrada? Acredito que nem alguém cuja residência seja bem mais modesta, sem tantos objetos valiosos, seria tão idiota a ponto de confiar tanto na boa índole alheia. E não apenas isso. Qualquer um com um pouco de bom senso, depois de ter sua casa invadida duas ou três vezes, além de não deixar mais a chave no local de costume, certamente instalaria um sistema de segurança ou contrataria vigilantes. Não que Paris Hilton seja um exemplo de alguém de bom senso, mas mesmo assim. A situação toda que propiciou os arrombamentos parece bastante irreal quando analisada racionalmente.

    Mas não há nada de racional numa cidade em que pessoas deixam carros destrancados na rua com carteiras cheias de dinheiro dentro; ou em que famílias saiam em viagem sem verificar se todas as portas e janelas da casa estão trancadas; ou em que adolescentes de famílias ricas achem moralmente aceitável abrir esses mesmos carros e arrombar essas mesmas casas para se apossar de algo que não lhes pertence, apenas por pertencerem a alguém famoso que elas admiram e, logicamente, invejam; e, em que, cometido o delito, ainda se vangloriem e se exibam pelas redes sociais sem qualquer remorso. E o roteiro consegue mostrar essa distorção na visão de mundo desses adolescentes e a corrosão da moral que ao menos a maioria de nós acredita ser inerente ao ser humano.

    Os diálogos parecem artificiais. Mas basta assistir ao reality show que Alexis Neiers (no filme, Nicki, Emma Watson) apresenta – Pretty Wild, no canal E! – para perceber que aquele jeito artificial e grandiloquente é característico do modo de falar desse grupo de jovens. Neiers foi a principal “consultora” a respeito dos eventos, mesmo não sendo a chefe da gangue. Ganhou notoriedade por ser menos reservada que os demais ao comentar o assunto. E Emma Watson representa-a muito bem. O ar de mocinha de boa família que foi influenciada pelas más companhias fica bastante evidenciado em suas entrevistas à imprensa.

    Enquanto as garotas não parecem sentir qualquer tipo de remorso, Nick Prugo (no filme, Marc, Israel Broussard) é o único que demonstra certo peso na consciência pelo atos cometidos. É interessante seu diálogo com a repórter em que se diz assustado com o fato de as pessoas valorizarem mais os atos de vandalismo cometidos por eles – inúmeros desconhecidos pedem para adicioná-lo no Facebook – do que valorizariam alguma atitude humanitária. Se tivessem feito algo bom e generoso, a notoriedade não seria tamanha. Essa atração do público pelo estereótipo de Bonnie & Clyde é doentia. Broussard, apesar de mais bem-apessoado que Prugo, convence bem como o rapaz deslocado que topa acompanhar Rachel Lee (no filme, Rebecca, Katie Chang) e as outras garotas apenas para ser aceito como parte de um grupo.

    O roteiro não tem como ser muito criativo, já que se baseia em fatos reais. O que se vê então é uma sucessão de invasões, o deslumbramento com as posses dos famosos, fotos tiradas no meio de ambientes luxuosos, festas, drogas, bebidas, exibicionismo. Como retrato de um grupo sem restrições morais se divertindo à custa dos bens alheios, o filme funciona muito bem. E apenas isso.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Em Transe

    Crítica | Em Transe

    Em Transe

    A narração de Simon – personagem de James McAvoy – conta como eram os assaltos a obras de arte no decorrer dos tempos. O recurso introduz satisfatoriamente o público no filme de assalto a seguir, no gênero, é comum ver uma estilização munida de uma aura cool e moderna, e Danny Boyle consegue passar isso muito bem, melhor do que a maioria de exemplares recentes.

    A princípio, Em Transe é um filme de roubo, que acompanha o bando que surrupiou uma obra de arte de valor pornograficamente alto, e as agruras do plano que falhou. O erro acontece por meio de um dos membros, que havia perdido o quadro e para lembrar-se onde o “deixou”, lança mão de um tratamento terapêutico a base de hipnotismo.

    A forma como são sugeridas as repressões psicológicas são bastante críveis e verossímeis, sem apelar para o lugar comum. O inconsciente é mostrado de forma pouco mística – sem clichês como ambiente esfumaçado e cheio de neblina, ou apelações nonsense gratuitas.

    No decorrer da trama, a hipnóloga Elizabeth – Rosario Dawson, irretocável em múltiplos sentidos – decide entrar no “esquema”. Os motivos que a levam a entrar na situação são obscuros, e talvez, este seja o maior motivo de desconfiança, tanto dos personagens, quanto para quem acompanha do lado de fora da tela. É bom frisar, suas cenas de nu frontal são absurdamente bem registradas!

    A ambiguidade do filme passa por muitos estágios, e é muito devido à ótima atuação de James McAvoy, pois Simon transita entre a realidade e a sua inserção no inconsciente. Isso só se dá em virtude do talento de seu intérprete. Ainda assim em alguns momentos, o observador pouco desatento pode acompanhar através dos signos e sinais quando Simon está hipnotizado ou acordado. O roteiro flerta de forma interessante com anomalias mentais, como transferência, paranoia, megalomania, auto-isolamento e suscetibilidade de mente.

    Os repentes da música de Rick Smith ajudam a tirar o fôlego do espectador, o que não aconteceria certamente sem a perícia de seu diretor. Boyle filma esplendorosamente, sua lente e edição cooperam demais com a narrativa que permite uma inserção perfeita e sem interferência externa, é como mergulhar nas tranquilas águas de uma piscina, e sentir o líquido sufocando o sistema respiratório e, subitamente, conseguir ar para respirar. Os closes, os planos abertos e as viagens que a câmera faz pelos interiores dos cenários são realizados com um esmero magnífico, e o resultado final é deslumbrante, nada é filmado sem um significado ou por acaso.

    O último ato reserva surpresas ótimas, e expõe uma verdade patética e até deprimente para um dos protagonistas. Possibilita ao espectador escolher o lado que quiser. Seus personagens são tridimensionais e sem compromissos com uma moralidade boba. As cenas de ação são implacáveis, cruéis e até violentas. É um thriller dos mais bem feitos e é uma das obras mais bem executadas de Danny Boyle.

  • Crítica | G. I. Joe: Retaliação

    Crítica | G. I. Joe: Retaliação

    GI-JOE-Retaliação

    Em 2009, G. I. Joe – A Origem do Cobra esteve em minha lista de piores estreias do ano. Mesmo para um filme pipoca, o roteiro mal executado me incomodou, em destaque para os diálogos risíveis e as cenas de ação que equivaliam personagens do bem compatíveis com suas versões malvadas.

    A qualidade duvidosa não impediu que a história dirigida por Stephen Sommers fosse rentável. Alcançou o primeiro lugar nos mais assistidos por semanas consecutivas e sua receita foi de aproximadamente 300 milhões de dólares. A quantia necessária para que uma continuação fosse obrigatória.

    Não é necessário ter assistido ao primeiro longa metragem para se compreender G. I. Joe – Retaliação. Logo após a cena inicial, em que vemos a equipe dos Joe, uma narrativa em off anuncia o grupo e seus principais soldados, com bom grau de didatismo. Também porque, embora sequência da trama anterior, a história é parcialmente renovada quando, em um atentado, quase todo o grupo é dizimado. Tirando de cena um elenco liderado por Channing Tatum e colocando um dos atores de ação mais divertidos dos últimos tempos depois de Jason Statham: Dwayne “The Rock” Johnson.

    O minguado grupo sobrevivente sai a procura dos responsáveis pela retaliação e se deparam com a organização Cobra que tomou o lugar do presidente dos Estados Unidos e, como bons e antigos vilões da década de oitenta, tem como pretensão o domínio global através do medo da destruição nuclear.

    A produção de G. I. Joe 2 sofreu com diversos atrasos.  Foi convertida em terceira dimensão e, por conta de exibições-teste negativas, a trama foi modificada, criando um novo personagem para sustentá-la. Coube ao veterano Bruce Willis trazer um pouco de atenção para o filme, sendo a representação máxima da trama como o soldado que inspirou o grupo dos Joe e que ajuda-os a realizar a ação.

    A presença de Willis em cena é bem burocrática. Está situada em poucos momentos da trama apenas para que se compreenda sua presença como um mentor que volta ativa. A leve mudança estrutural do roteiro deixa-o melhor e prova que Willis, mesmo repetindo o papel de sempre, ainda consegue ter um publico fiel.

    Ao contrário das cenas de ação da primeira produção, que exageram em colocar personagens emparelhados para lutar entre si, há pouca luta corporal nesta sequencia e muito menos efeito em câmera lenta. A ação é mais fluida e acompanha o desenvolvimento da trama, centrada em derrubar a ascenção dos Cobra, um grupo mais interessante do que o dos mocinhos, alias. Além da boa substituição de Tatum pelo combo The Rock + Bruce Willis que dá mais credibilidade a história de ação pipoca.

    Sem nenhum arroubo criativo, mas também sem cair em clichês demasiadamente risíveis e sem graça, o filme entrega a ação e o divertimento descerebrado que promete, deixando no ar a possibilidade de que o velhinho Willis esteja presente em mais uma continuação futura.

  • Crítica | Barton Fink: Delírios de Hollywood

    Crítica | Barton Fink: Delírios de Hollywood

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    Barton Fink é um desses filmes que, em somente uma assistida, não é suficiente para captar toda a profundida da narrativa, seja com os detalhes inseridos na tela ou a complexidade de sua história. Qualquer um que acabe de vê-lo dificilmente consegue escapar de ficar pensando um bom tempo sobre todo o significado do que acabou de experimentar. Infelizmente o título em português Delírios de Hollywood acaba por estragar um pouco dessa experiência ao ter inserido nele um spoiler que está diretamente ligado a uma possível interpretação dos eventos ocorridos.

    O filme conta a história de Barton Fink (John Turturro), um escritor nova-iorquino de peças teatrais que acaba de atingir o sucesso com uma peça cujo tema é seu assunto preferido: o homem comum. Essa obsessão de Fink com o tema acaba gerando ótimas sequências e contradições na história, pois alfineta o escritor burguês e elitizado com sua obsessão por uma realidade concreta, onde a vida é uma batalha diária. Esse escritor, cansado da mesmice das mesmas histórias (simplesmente por não precisar se submeter ao desgastante trabalho do tal “homem comum”) procura nessa realidade uma nova fonte de ideias, conflitos e personagens mais conectados com a realidade. Porém, quando Fink encontra um desses sujeitos ordinários, não lhe dá ouvidos, pois está mais preocupado em ouvir sua própria genialidade do que a trivialidade de seu companheiro.

    Pois bem, Fink é contratado por um estúdio de Los Angeles para escrever um simples roteiro de um filme B de luta. Ele se hospeda de propósito em um hotel de qualidade duvidosa para não perder o contato com a realidade, coisa que os hotéis luxuosos de LA certamente fariam. Apesar de no início acharmos que o filme é sobre um escritor com bloqueio criativo – as cenas da máquina de escrever parada e as folhas de papel amassadas são constantes – logo ele se aprofunda na própria metalinguagem, a respeito das batalhas constantes entre roteiristas e suas ideias com os interesses comerciais de estúdios. Cada atitude e cada exagero dos diálogos, é milimetricamente calculado para mostrar o mundo artificial e paternalista dos estúdios com roteiristas, que supostamente irão trazer idéias novas a um mercado saturado. Da mesma forma que Fink é tratado muito bem no início, é escorraçado no final quando entrega a obra pronta – que não era sobre o que o estúdio queria.

    Mas, o ponto de destaque do filme é para Charlie Meadows (John Goodman), vizinho de quarto do hotel de Fink, que se apresenta como um simples vendedor de seguros, o tal homem comum sonhado por Fink, cuja gentileza e bondade transbordam em cada expressão. Após uma reticência inicial, Fink se rende a amizade com Meadows e ambos desenvolvem uma relação interessante, onde o primeiro está sempre preocupado em falar, mas nunca em ouvir.

    Após dois atos acompanhando a jornada do protagonista na busca pela criatividade, o 3º ato inicia-se com uma mulher morta ao seu lado. Nada mais do que a secretária e amante de W. P. Mayhew, um de seus escritores favoritos e que havia conhecido alguns dias atrás. Ao acordar em desespero, Fink recebe a ajuda de Meadows, que o ajuda de forma misteriosa e desaparece. Fink então recebe uma visita da polícia, afirmando que Meadows era na verdade um assassino com um histórico grande de vítimas, inclusive Mayhew.

    A partir daí, segue-se uma linha de questionamentos que fogem a  racionalidade que o filme estava seguindo. Fink realmente existe da forma como normalmente se pensa? Onde se situa a linha de sua sanidade e insanidade? Meadows realmente existe ou é um produto de sua imaginação mais profunda e sombria? Seria isso uma fuga ou uma forma de ele não ter de se assumir responsável por atos tão atrozes? Texto nenhum faria justiça ao espetáculo visual proporcionado pelos Irmãos Coen, que aqui referenciam Orson Welles a Hitchcock, de pequenas pistas até resolução de cenas com um profundo significado. O caráter da obra chega a flertar com alguns dos produtos de David Lynch.

    Considerado por muitos como o trabalho mais autoral dos irmãos Coen, fica difícil chegar a alguma conclusão sobre a história, os simbolismos, os personagens, e tudo o que o universo criado por eles representa. Extremamente personalista, intimista e subjetivo, Barton Fink (o filme e o personagem) refere-se a essa nossa tentativa de sempre estarmos em contato com o nosso pensamento e o que ele significa na prática, pois como ele cita no longa: “I gotta tell you, the life of the mind… There’s no roadmap for that territory. And exploring it can be painful”.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.