Categoria: Críticas

  • Crítica | Bem-Vindo Aos 40

    Crítica | Bem-Vindo Aos 40

    Bem-vindo-aos-40

    Estrelado por Paul Rudd e Leslie Mann, Bem-vindo aos 40 é o quarto filme dirigido Judd Apatow e daria sequência aos eventos ocorridos em Ligeiramente Grávidos, tomando como protagonistas um casal secundário do primeiro filme – apesar da caracterização diferente em quase tudo, pois, fora os membros da família, nenhum outro personagem é retomado.

    A temática principal da obra é a passagem do tempo, o envelhecimento e as rejeições provenientes desses fatores. É curioso mostrar como um casal estável mente tanto um para o outro a fim de manter a relação de pé; o tempo inteiro Debbie (Leslie) e Pete (Rudd) estão em negação. O casal tem medo de confronto, mesmo que o embate não seja entre eles.

    Há uma grande quantidade de tempo dedicado aos problemas do cotidiano financeiro da família. A instabilidade dos personagens é compreensível, visto o passado de cada um. Os traumas e problemas familiares de Pete e Debbie são expostos sem complacência, e o fato de ambos não terem por hábito mentir bem faz com que essas situações tornem-se ainda mais calamitosas. Personagens imperfeitos, irascíveis e facilmente atingíveis dão aos conflitos um caráter crível e verossímil.

    Como estímulo visual, há algumas cenas com Megan Fox sem camisa, o que é sempre válido. O paralelo entre os corpos de Megan Fox e Leslie Mann ajuda a escancarar o declínio físico gradativo da mulher, um dos maiores medos femininos com o passar dos anos. Os seios de Leslie Mann estão ficando irrelevantes, pois apareceram recentemente em Eu Queria Ter a Sua Vida muito mais vívidos – o diretor parecia querer destacar a forma decadente como a personagem se enxerga.

    As brigas entre um casal experimentado tendem a ser cada vez mais cruéis e implacáveis com o passar dos anos, e isso é mostrado de forma bastante crua. Num dos poucos momentos em que Pete e Debbie parecem unidos – em virtude de um antagonista externo em comum –, ainda assim eles permanecem longe: a câmera de Apatow flagra-os distantes, com um ângulo afastado deles, mostrando-os indo para o mesmo lugar, mas em carros diferentes, tomando direções opostas aos seus caminhos, mesmo após eles se “cruzarem”.

    This is 40 não é uma comédia, é um drama leve, no estilo de Tá Rindo Do Quê  com alguns elementos humorísticos. É uma jornada ao reencontro de um casal em crise que mostra como as agruras da meia-idade podem afetar o amor entre os cônjuges, e como estes podem viver juntos apesar de seus defeitos e fragilidades. A mensagem final é positiva, ainda que desencorajadora. Judd Apatow parece estar amadurecendo seu roteiro e direção cada vez mais, afastando-se do humor e tornando-se um realizador cada vez mais competente.

  • Crítica | Velozes e Furiosos 6

    Crítica | Velozes e Furiosos 6

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    Era uma vez uma franquia cinematográfica na qual roteiro e até mesmo cenas de ação eram apenas uma “costura” pra exibir veículos tunados em corridas clandestinas pelas ruas. Após um primeiro filme interessante, vieram dois abaixo da crítica, que agradaram apenas os aficionados por masturbação (visual ou não) com carros super estilizados. A bem-vinda virada veio a partir do quarto filme, quando as tramas passaram a mostrar uma equipe de ladrões gente boa promovendo assaltos em alta velocidade. Os carros continuam lá, lógico, mas a ação deixou de focar tanto nos rachas e abraçou o estilo “massa véio” com explosões e até porradaria.

    Os “puristas” podem até reclamar, mas é inegável que Justin Lin (diretor) e Chris Morgan (roteirista) souberam revitalizar a série Velozes e Furiosos, consolidando-a como o maior sucesso da Universal Pictures nos últimos anos. Não é à toa que um sétimo filme está confirmado – e já para 2014! Porém, os produtores poderiam fazer uma mudança. Ao invés de no final exibir o tradicional aviso alertando para não tentar reproduzir as cenas etc., seria mais válido mostrar no começo uma mensagem do tipo “Atenção: desligue seu cérebro antes de assistir. Bom entretenimento”.

    Nesta sexta aventura, Toretto (Vin Diesel) e sua turminha do barulho estão espalhados pelo mundo, curtindo os milhões que roubaram no Rio de Janeiro. Eis então que ressurge o o agente Hobbs (Dwayne “The Rock” Johnson, cada vez mais determinado a interpretar o Hulk sem precisar de CGI), pedindo ajuda da gangue para capturar um perigoso grupo de criminosos/terroristas internacionais. Além de prometer perdão total para todos os crimes cometidos pelo bando – sabe-se lá como ele teria poder pra isso –, Hobbs revela a Dom que Letty (Michelle Rodriguez) está viva e trabalhando com o vilão da vez, Owen Shaw (Luke Evans).

    Se alguém ainda tinha dúvidas sobre Velozes e Furiosos se passar em um universo paralelo, onde até as leis da Física são diferentes (como esquecer o cofre de várias toneladas sendo arrastado por dois carros como se fosse aquelas latinhas de recém-casados?), este sexto filme acaba com elas. Um tanque de guerra andando numa rodovia a uns 180 km/h; Toretto VOANDO a la Superman pra salvar sua amada – e capôs de carros amortecem quedas, lembrem-se disso; uma pista de aeroporto com no mínimo uns 100 km de extensão… Impossível levar qualquer coisa a sério. Seja pela empolgação visual das cenas ou pelo humor involuntário, é diversão garantida.

    Outro fator a ser louvado é o respeito pela própria mitologia. Nesse mundo de tantos remakes, reboots, prequels e o diabo a quatro, é muito legal ver uma franquia chegar ao sexto capítulo como uma única história em progressão, refereciando o tempo todo os filmes anteriores (sim, é vital ter assistido aos outros para se situar no que está acontecendo). Tudo bem, a história não é nenhum primor e os personagens são caricatos e rasos, mas ei, é o que tem pra hoje. Paul Walker ainda está lá, mas perdoemos a produção por isso. Um filme que nos brinda com Michelle Rodriguez vs. Gina Carano certamente tem crédito.

    E até mesmo o complicado terceiro filme, Tokyo Drift, finalmente é encaixado na cronologia. A cena pós-créditos cuida disso e já apresenta o próximo vilão, ninguém menos que O ATOR MAIS LEGAL DO MUNDO. Mesmo com Justin Lin fora da direção, Velozes e Furiosos 7 já é o melhor da série.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | Amor Profundo

    Crítica | Amor Profundo

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    Amor Profundo é um filme de 2011 que chegou ao Brasil com atraso e sem muito alarde, o filme de Terrence Davies é adaptado da peça de Terence Rattigan, um dos grandes nomes do drama inglês moderno.

    A história traz Rachel Weisz como Hester, a respeitável mulher de um juiz inglês que acaba abandonando o marido por uma relação autodestrutiva com Freddie Page, um ex piloto da força aérea inglesa. Passado na década de 50, o filme procura retratar as profundas transformações sociais que se dava na Inglaterra pós-guerra e retratar a herança, e as feridas, que a Segunda Guerra deixou no país, mas se perde e acaba apresentando só uma história de amor um tanto superficial.

    Freddie é, inicialmente, encantador. Um ex-piloto cheio de histórias, um dos que ajudaram a salvar o país do nazismo e Hester, intensa, porém presa com um marido totalmente desprovido de calor, não poderia deixar de se apaixonar por ele. Na primeira parte do filme, quando o casal se conhece e começa um caso, os personagens são bem construídos e a interação entre eles faz sentido, Davies faz um bom trabalho em contrapor o gélido Sr. Collyer ao jovem Freddie Rachel Weizs enche sua Hester de nuances, dando realidade a mulher intensa sob a fachada de respeitável senhora inglesa.

    No entanto, quando Hester abandona o marido para viver com Freddie em uma pequena pensão o filme desanda. A paixão desenfreada dela não é bem explorada, nem a distância dele, Davies parece asumir que o espectador vai se envolver com o casal e se comover com uma relação que no fundo ele nunca explora. Talvez a dramaticidade da história funcione no teatro, onde um grau maior de artificialidade é aceitável, mas no cinema o que aparece é uma relação morna que o cineasta quer quer se trate de uma grande paixão.

    Essa falta de intensidade se reflete na composição do filme: os planos são burocráticos, ainda que muito bonitos, e a montagem sóbria faz pouco por uma história que deveria ser tão cheia de sentimentos arrebatadores. Amor Profundo é esteticamente muito bonito e os tons azulados da fotografia ecoam o título original, The Deep Blue Sea, e enfatizam a depressão e o isolamento de Hester, mas justamente apagam a intensidade dos sentimentos. O que sobra é uma história de amor filmada em tons frios, feitos para afastar.

    Amor Profundo não é um filme ruim, é uma história bonita, com belas interpretações. Mas falta intensidade, principalmente quando a história em questão é sobre uma mulher capaz de se autodestruir por uma paixão. Se por um lado o sexo, a luxúria e as relações entre amor e paixão são um dos temas, por outro não há uma única cena de sexo e Hester e Freddie (mesmo no início do filme) pouco se tocam, Davies parece tomar a verbalidade do teatro e esperar que ela seja suficiente no cinema. Infelizmente, não é.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Se Beber, Não Case! – Parte II

    Crítica | Se Beber, Não Case! – Parte II

    Depois da arrecadação de bilheteria do primeiro filme era óbvio e evidente que Tod Phllips iria repetir a fórmula de sucesso. A continuação tem o mesmo esqueleto narrativo e os mesmos tipos de conflito, mas dessa vez em terreno selvagem e com uma interação um pouco maior entre os personagens. O escopo de escrotidão e exageros aumentou consideravelmente e, por esse motivo, Se Beber, Não Case! Parte II merece ser assistido.

    O roteiro pode parecer pueril e sem substância, mas toca em muitos temas capciosos, discutindo estereótipos raciais, uso abusivo de drogas lícitas e ilícitas, overdose, amnésia alcoólica, utilização de medicação prescrita sem autorização médica, “homossexualismo”, violência urbana e crimes internacionais. Discute também a universalidade de piadas sexuais, que a priori seriam entendidas por qualquer um independente de nacionalidade ou idioma.

    As viagens e devaneios de Alan (Zach Galifianakis), especialmente quando está meditando, mostram um pouco de sua psique, e como enxerga de forma particular o mundo. Ao viajar por sua mente, enxerga a si e aos amigos (Chow, Stu, Phill e Doug) como crianças – essas cenas tornam croncreto o que já era óbvio ao público: a forma de Alan enxergar a vida é infantil. Mas até ele supera muitos obstáculos – como o medo de se distanciar de seus amigos – e perdas – como o chapéu roubado e o macaco baleado, com a clássica frase de despedida emocionada – “queria que macaquinhos usassem Skype, talvez um dia…”.

    A jornada do herói dessa vez é centrada em Stu (Ed Helms): ele continua inseguro mesmo após a experiência em Las Vegas, e considera aquele episódio um grande erro – mesmo que este tenha levado-o a se separar e encontrar sua nova esposa. Sua condescendência agora é exercida à figura do pai da noiva, que o humilha sempre que tem oportunidade. O roteiro mostra o desenrolar da recuperação de sua autoestima perdida, muito ligada à aceitação do que ele é: um sujeito que parece contido, mas que internamente abriga um demônio que o faz se envolver com prostitutas, e também possuindo o poder de resgatar memórias suprimidas pelo uso contínuo de drogas soníferas.

    Um fato curioso é que o tatuador de Bangcoc seria interpretado por Mel Gibson, mas graças às últimas declarações afáveis aos judeus, sua participação foi proibida pelos produtores do longa.

    A maior participação de Ken Jeong fazendo Chow torna o filme mais engraçado ainda: seu personagem rivaliza com Alan pelo posto de caracterização mais hilária e esquisita. Mais uma vez a química entre Cooper, Galifianakis e Helms é o ponto alto do filme, que, ao seu final, repete o desfecho do primeiro, mostrando as fotos da fatídica noite perdida. Se Beber, Não Case! Parte II é uma versão maior, melhor e sem pudor de uma comédia de erros.

  • Crítica | Antes da Meia-Noite

    Crítica | Antes da Meia-Noite

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    Em 1995, Richard Linklater conquistou uma legião de fãs com um filme delicado, singelo, em que um casal passeava pelas ruas de Viena enquanto se apaixonava. Em 2004 ele revisitou seu casal e entregou um dos mais belos finais do cinema. Agora, novamente 9 anos depois, Linklater vem responder se Jesse perdeu ou não seu avião.

    Eu confesso que quando vi pela primeira vez o Anúncio de Antes da Meia-Noite fui contra a ideia, o final de Antes do Pôr-do-Sol funcionava por seu mistério e eu não via sentido em fazer o casal se encontrar por acaso mais uma vez, nem acreditava na capacidade do diretor de realizar um filme sobre um relacionamento estabelecido. Mas Linklater me provou errada e construiu um filme maravilhoso que já não é sobre se apaixonar, mas sobre manter o amor.

    Antes da Meia-Noite é ao mesmo tempo o mais maduro e o mais falho dos três filmes. Por um lado, Linklater cresceu como diretor e conseguiu finalmente comunicar coisas naquilo que não é dito, os silêncios e a escolha de planos nesse filme são repletos de sutilezas e significados, algo ausente nos dois anteriores. Por outro, o roteiro (escrito por ele em pareceria com Julie Delpy e Ethan Hawke) às vezes desliza e torna seus personagens, especialmente Céline, uma caricatura deles mesmos.

    Jesse, afinal, perdeu mesmo seu avião. Ele e Céline vivem juntos em Paris com duas filhas gêmeas, nesse verão, foram convidados por um renomado escritor a passar algumas semanas em sua casa na Grécia e o filme acompanha a última noite deles ali. A primeira cena mostra Jesse mandando Hank, seu filho do primeiro casamento, de volta para os Estados Unidos e funciona quase como um curta dentro do filme, estabelecendo os temas que serão explorados: incomunicabilidade e a dificuldade do amor.

    Depois dessa cena, Jesse entra no carro e ele e Céline dão início ao diálogo que perpassa o filme todo. Diferente dos anteriores, esse apresenta mais personagens, que enriquecem a discussão a respeito do que é o amor e as diferenças entre homens e mulheres que o diretor estabelece. No entanto, em alguns momentos tanto os personagens extras (especialmente Stefanos, o grego que só pensa em sexo) quanto a discussão sobre gêneros esbarra em clichês e obviedades quase machistas.

    Também tem uma ponta de machismo na personagem feminina: Céline sempre foi a jovem enroscada entre seu feminismo e sua vontade de ser amada, mas agora ela assume o papel da mulher histérica, que quase quer ser uma vítima da sociedade machista opressora. O discurso de Jesse ameniza o que poderia ser muito incômodo e suas queixas não deixam de ter dimensão real, mas o filme vai perto demais de um estereótipo feminino negativo para que isso passe em branco.

    Apesar desses momentos, o que mais chama a atenção em Antes da Meia-Noite é sua realidade: as queixas, a dor e a briga entre Jesse e Céline são profundamente verdadeiras, um olhar agudo sobre o que é um relacionamento e todo o trabalho e sofrimento que acompanham viver com quem parece ser sua alma gêmea. A sequência em que os dois discutem em um quarto de hotel é cruel, sufocante e ao mesmo tempo terna, o mais perto que o cinema chegou do casamento verdadeiro desde que Bergman filmou Cenas de Um Casamento.

    Mas o filme não é real apenas na dor, a conversa no almoço flue tão naturalmente que é quase como se o espectador estivesse sentado ali com aquelas pessoas. Assim como o carinho e a intimidade entre Jesse e Céline (e a única cena de sexo) é tudo tão fluído, tão natural que a primeira uma hora e meia de filme é absolutamente deliciosa.

    Antes da Meia-Noite é o mais melancólico e dolorido dos três filmes, mas é ao mesmo tempo o mais otimista, ao reafirmar a possibilidade concreta do amor apesar das dificuldades. É um exemplo de bons diálogos e atuações precisas, um filme minimalista, mas cheio de nuances quase como o relacionamento que procura retratar.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Se Beber, Não Case!

    Crítica | Se Beber, Não Case!

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    Um filme pequeno, sem grandes pretensões que alcançou o posto de comédia censurada para maiores de 18 com maior bilheteria da história do cinema – algo em torno de 458 milhões de dólares. Foi responsável por alçar seu diretor Todd Phillips e o elenco principal ao estrelato. A comédia de erros aliada ao humor politicamente incorreto e sem frescuras garantem a graça para praticamente todos os públicos, mas analisar o sucesso de Se Beber Não Case somente por isso é simplificar o bom trabalho da produção.

    O diferencial desta fita começa pelas filmagens in loco. Em tempos em que até séries de TV de baixo orçamento utilizam-se amplamente de CG, ver um filme com tamanha qualidade artesanal e sendo registrado nos cenários reais é no mínimo louvável. Poucas obras cinematográficas conseguiram capturar o clima e o espírito de Las Vegas como aqui, e isso empresta muita credibilidade à trama principal.

    Logo no começo é mostrado o “bando de lobos” metidos num apuro absurdo, e este é o lugar comum do grupo: em meio à agitação, loucuras, bebedices, prostituição, vida desvairada. O espectador é convidado a mergulhar na história junto com os “heróis”.

    Após acordar da ressaca, Stu – personagem de Ed Helms – é mostrado de frente por uma steadcam, imitando a sensação de tontura após uma noite de excessos, este é um ótimo recurso para mostrar como são os hábitos da trinca de protagonistas. A história explora basicamente a relação desse estranho grupo e como eles aprendem a viver suas vidas sem muito desprendimento moral.

    Alan (Zach Galifianakis) é infantil, insano e algumas vezes até irracional, suas tiradas são a melhor coisa do filme: “Se masturbar no avião é mal visto graças ao 11 de Setembro, obrigado Bin Laden”, “Tigres adoram pimenta, mas odeiam canela.”, ou quando este encontra Chow, um personagem oriental que os ataca: “Pare de me bater, eu também odeio Godzilla, ele destrói tudo”. Seus hábitos, sua bolsa de Indiana Jones e trejeitos efeminados, além da clara falta de convívio social fazem dele um personagem riquíssimo, que foi incorporado a praticamente todos os papéis de Galifianakis. Phil (Bradley Cooper) é um professor casado e entediado, que busca uma noite memorável enquanto Stu vive sua vida mais ou menos, controlado por uma mulher que o destrata o tempo todo. Os três precisam de algo mais, principalmente a libertação de si mesmos. A química entre o elenco é o fator primordial para que a fórmula dê certo, Helms, Galifianakis e Cooper formam um time entrosado e tudo se encaixa graças a eles.

    O conjunto de absurdos que acontecem no desenrolar da trama e suas desventuras tornam tudo ainda melhor, pois a empatia pelo trio é quase automática da parte de quem vê.  Se o espectador mais crítico forçar um pouco, dá até para achar semelhanças entre o filme e “Os Boas Vidas” de Federico Fellini, obviamente deixando de lado o estofo da película italiana. Ambos têm temas parecidos, explorando a boêmia como estilo de vida e fuga da realidade, por vezes cruel – e claro que o caráter e a mensagem final são completamente diferentes.

    Próximo do final, Stu enfrenta seus fantasmas e tem uma atitude, demonstrando que após toda aventura, ele evoluiu. Os créditos finais com as fotos mostrando as lacunas perdidas devido à amnésia do grupo se consolida como um desfecho magnífico para a noite épica dos amigos.

  • Crítica | Depois de Lúcia

    Crítica | Depois de Lúcia

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    Dirigida por Michel Franco, a película começa num ritmo morno, às vezes arrastado, mas que não é cansativa em momento nenhum. No princípio a câmera é estática e o espectador é convidado a vivenciar o cotidiano dos dois personagens principais: primeiro do Pai e, pouco depois, da Filha.

    A lente de Michel Franco é curiosa e seu manejo fala mais que os diálogos e situações. O ângulo mostrado tenta isolar os personagens, principalmente quando o lugar registrado é estranho a eles. Pouco da história pregressa deles é mostrada no início, os fatos são revelados aos poucos, o que se sabe é que algo terrivelmente grave aconteceu aos protagonistas. As relações familiares são mostradas de forma leve e a realização do filme é contemplativa, num tom quase documental em dados momentos.  Seus “heróis” tem sérios defeitos, não são bonitos ou vitimizados.  A forma como cada uma das pessoas reage à perda é única, essas formas são mostradas realisticamente e sem complacência. Uma das temáticas mais fortes é a diferenciação entre estar familiarizado a perda de um ente querido e se contentar com a situação. A superação da situação em si não necessariamente traz a felicidade, e o diretor explora isso muito bem dentro do roteiro através das situações propostas.

    Enquanto a reação do Pai é de ira e impaciência quando longe da filha, a de Alejandra – que só é chamada pelo nome lá para o meio do filme – é de difícil adaptação e distanciamento da realidade. Esse distanciamento faz com que suas reações relacionadas ao incidente a que é submetida sejam as piores possíveis, sua condescendência com quem emprega violência a ela, e a consequente docilidade e submissão fazem com que os atentados a sua auto-estima sejam cada vez mais frequentes, ao ponto dela questionar até o seu amor próprio. A transformação que ela sofre é perfeitamente cabível, pois a Filha preocupa-se em não atrapalhar a reabilitação de seu Pai – que parece, ao menos aos seus olhos,  começar a superar seus traumas.

    Os fatos que seguem com Alejandra e a abordagem escolhida pelo diretor é cruel e mostra uma realidade atual, forte e visceral, tudo nela é angustiante, as tentativas de fuga, a rejeição que só cresce a degradação gradativa do homem. A preocupação maior é em explorar o drama e não em poupar o espectador das situações fortes, e mesmo tocando em temas assim, passa longe da vulgaridade – artimanha que seria até compreensível, visto o caráter e gênero do filme.

    Depois de Lúcia é como uma tortura implacável, que em determinados momentos chega a ser cínica, mas que é exercida aos poucos, tratando primeiro de afeiçoar os personagens para depois jogar com os fatos que acontecem em suas vidas, e todas as consequências que estes geram. O suspense final e a desforra de um dos protagonistas é extrema, porém cabível e demonstra perfeitamente como uma tragédia – ou a sucessão de várias tragédias – podem modificar as pessoas. Demonstra de maneira crível como fatos traumáticos podem isolar os indivíduos, e fazê-los se abnegar em preocupação com aqueles que amam e que sobreviveram a tragédia.

  • Crítica | Vocês Ainda Não Viram Nada!

    Crítica | Vocês Ainda Não Viram Nada!

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    Um filme, que na verdade é uma peça de teatro, dentro de outro filme em que os atores reproduzem a peça de teatro. Confuso? Nem tanto.

    O filme começa com vários atores – representando a si mesmos – recebendo um telefonema avisando do falecimento de um dramaturgo, Antoine d’Anthac (Denis Podalydès), autor da peça “Eurídice”, encenada por esses atores, em épocas diversas. O último desejo do falecido era reunir todos eles para que assistissem à filmagem da encenação dessa mesma peça por um grupo de teatro jovem, Compagnie de la Colombe, cabendo aos atores decidir se a nova companhia terá ou não autorização para apresentá-la.

    A peça baseia-se no mito de Orfeu, músico e poeta, que se casa com a belíssima Eurídice. A beleza dela atrai Aristeu, um apicultor, que, ao ter seus galanteios refutados, passa a persegui-la. Tentando escapar à perseguição de Aristeu, Eurídice pisa numa serpente, que a morde, causando sua morte. Inconformado com a morte da amada, Orfeu desce ao Inferno na tentativa de resgatá-la. Sua lira e suas súplicas emocionam Perséfone, que convence o esposo, Hades, a atender o pedido de Orfeu. A única condição é que Orfeu não olhe para Eurídice até que ela esteja novamente à luz do sol. Perto da saída do túnel, vira-se para confirmar que Eurídice o seguia. Ele a vê por um instante apenas antes de ela desaparecer para sempre. Orfeu passa então a vagar pelo mundo, sozinho, em total desespero.

    Durante a projeção, os atores presentes reencenam o que se passa na tela, mesclando teatro e cinema. A proposta é, a princípio, bastante original e criativa. Nos momentos iniciais, paira a dúvida sobre o que realmente está acontecendo. São os atores, representando a si mesmos, vivenciando aquelas situações ou são os personagens? Solucionado esse mistério, o interesse na trama vai decaindo. A reprodução das cenas por mais de um grupo de atores deixa o filme cansativo após a primeira meia hora, enquanto o espectador ainda está descobrindo o jogo metalinguístico proposto pelo diretor.

    Interessante notar o contraste entre os dois “cenários”. Enquanto a mansão de Anthac é ampla, grandiosa e ostensivamente elegante – lembra demais um palco de teatro – , o cenário usado pela Compagnie de la Colombe é um galpão meio sujo, despojado, com poucos elementos de cena. E, enquanto o espectador assiste ao filme da peça e é convidado a imaginar os ambientes, quando os atores veteranos reencenam, em muitos momentos Resnais os coloca em cenários “imaginários”, já que o salão em se encontram contém apenas os sofás em que estão sentados. Em vários momentos, o tom surrealista é reforçado pela iluminação e pelo jogo de luz e sombra, criando uma sensação de sonho.

    É nítida a intenção de homenagear o teatro e glorificar o ator como peça essencial ao dar vida aos personagens, mas o exagero das encenações poderia ter sido evitado. Some-se a isso a complexidade da estória de Orfeu, por si só bastante carregada, e tem-se um desenvolvimento lento que termina por desperdiçar uma boa premissa.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Máquina Mortífera 3

    Crítica | Máquina Mortífera 3

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    A série Máquina Mortífera é a primeira cagada caça-níquel trilogia estendida que eu consigo me lembrar. O primeiro e o segundo filmes apontavam para um final de trilogia bastante esperado, ou pelo menos é isso o que os números mostram. Enquanto o primeiro filme da série abriu com 6 milhões de receita nos cinemas americanos, Máquina Mortífera 3 arrecadou mais de 33 milhões de dólares na abertura (em 92, isso era muita grana!). Com um número de salas dobrado em relação ao primeiro da série, o terceiro (e que deveria ter sido o último) filme faturou 5,5 vezes mais, provando que todos os americanos, 5 anos após a primeira aventura de Riggs e Murtaugh, ainda tinham fôlego para mais.

    No terceiro filme, a dupla de policiais descobre um esquema de tráfico de armas roubadas do depósito da polícia e distribuídas nas ruas com munição perfurante. Sabendo que um ex-policial importante do distrito está envolvido no esquema, Martin Riggs e Roger Murtaugh trabalham com uma agente da corregedoria e precisam fechar o cerco ao ex-oficial, impedindo seu plano.

    O filme é bom e teria, como citei no primeiro parágrafo, fechado a série Lethal Weapon numa trilogia de qualidade. Houve, durante os 5 anos que separam o primeiro e o terceiro filme, um bom trabalho de amadurecimento dos personagens, ainda que o roteiro deste terceiro seja o mais fraco de todos, na minha opinião. Máquina Mortífera sempre foi mais sobre os personagens, e muito menos sobre o plot policial em si.

    A série sempre foi dedicada e explorar a relação entre os detetives Murtaugh e Riggs, e o terceiro filme não é diferente. Neste, vemos Roger Murtaugh (Danny Glover) já cinquentenário e a uma semana de sua aposentadoria do departamento de homicídios. Martin Riggs (Mel Gibson), apesar de não deixar isso bem claro durante a maior parte do filme, se ressente de perder o parceiro e teme por acabar também com a amizade entre eles. Leo Getz (Joe Pesci) volta para “auxiliar” a dupla mais uma vez e temos ainda a adição da detetive Lorna Cole (Rene Russo), uma detetive da corregedoria que trabalha em uma investigação sobre Murtaugh e se vê obrigada a ajudar na missão da dupla de detetives. Quase tão “mortífera” quanto Martin Riggs, Lorna compõe o quarteto que caça Jack Travis (Stuart Wilson, o vilão Rafael Montero de A Máscara do Zorro) e tenta impedi-lo de escapar impune da venda de armamento roubado do depósito da polícia de Los Angeles.

    Mel Gibson dá mais um show na pele do surtado Martin Riggs e Danny Glover tem uma de suas melhores atuações nesse terceiro filme da série, interpretando um Murtaugh ainda mais inseguro e amedrontado do que no primeiro filme, quando seu personagem conheceu o de Gibson. Joe Pesci repete o trabalho que havia feito no segundo filme sem nenhuma novidade, o que não chega a ser ruim. Rene Russo impressiona na pele da agente especial que é, a princípio, rival da “verdadeira” Máquina Mortífera da polícia, mas depois acaba se tornando seu interesse romântico. Em uma das cenas, Lorna enfrenta sozinha quatro ou cinco capangas do vilão principal, numa sequência bastante cômica e inesperada. O vilão de Stuart Wilson, apelidado carinhosamente por um integrante do Vortex como “Seu Bigode”, é totalmente inexpressivo e com certeza o pior vilão de toda a série Máquina Mortífera. É tão sem graça que sua morte pode passar até desapercebida, ao final do filme, se você não prestar atenção direito…

    A trilha sonora impecável e a direção de Richard Donner, outras duas marcas registradas da quadrilogia, se repetem neste filme. O roteiro e o plot principal, que nunca chegaram a ser protagonistas de nenhum filme da série, são deixados ainda mais de lado neste terceiro filme, dando espaço para os hilários diálogos entre os personagens e os bem dosados momentos de drama com boas atuações. Ao contrário dos outros filmes, este terceiro tem bem menos “massaveísses”, limitando um pouco as cenas de ação e dando um pouquinho mais de importância ao trabalho investigativo dos personagens. Na minha opinião (fortemente influenciada por meu gosto pessoal por roteiros bem trabalhados ou por ação desenfreada), Máquina Mortífera 3 pode ser considerado um trabalho bastante “ok”. O final do terceiro filme certamente não foi tão impactante quanto imaginei, mas com certeza teria sido um fechamento legal para a trilogia se Hollywood fosse sobre cinema, e não sobre dinheiro.

    Ouça nosso podcast sobre Máquina Mortífera.

  • Crítica | Se Beber, Não Case! – Parte III

    Crítica | Se Beber, Não Case! – Parte III

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    O último capítulo da Saga Hangover começa de forma grandiosa, nas primeiras cenas o público tem uma prévia do que está por vir. Todd Phillips opta por fugir do lugar comum em que a franquia estava, sai de sua zona de conforto e explora pela primeira vez uma história fora de sua fórmula usual.

    Dessa vez a jornada heroica cabe a Alan – Zach Galifiniakis. Suas atitudes impensadas dão início a uma cadeia de eventos, que culminaria em uma tragédia familiar. Após o ocorrido, é mostrado um pouco do background do personagem, e escancara algo que antes já era apenas sugerido: os problemas de ordem mental de Alan. A situação se agrava pela recusa dele em tomar seus remédios prescritos. Stu, Phill e Doug voltam para tentar conscientizá-lo de que precisa se tratar, e as desventuras do grupo começam a partir daí. Os absurdos e as tiradas únicas do protagonista ainda são frequentes, as gags e piadas de humor ácido continuam afiadas, mas o foco na evolução do personagem mais memorável da série é o mais importante.

    Mesmo sendo uma fita de comédia, nessa continuação os gêneros acabam se misturando. Em alguns momentos é um filme de assalto, em outros é de espionagem, contém elementos de drama em quase toda sua totalidade, etc. O roteiro toca em temas pesados como psicopatia, esquizofrenia, assassinato, latrocínio, criminalidade internacional, rixas entre criminosos, assim como nos filmes anteriores, mas dessa vez o enfoque é um pouco menos superficial.

    A qualidade na direção aumentou muito, Todd Phillips evoluiu a olhos vistos e o seu script – unido a Craig Mazin – está mais maduro e assim como seus enquadramentos, o realizador parece querer demonstrar as suas influências, pegando emprestado estilos e modos de filmar de seus contemporâneos – o repertório de imagens emula desde Christopher Nolan, a Sam Mendes e Paul Greengrass, ainda que em um tom de paródia. Sua câmera deixou de ser tão estática, agora ela é móvel e viaja junto com os personagens. Certamente esse é o episódio mais épico e bem realizado da franquia.

    Mais uma vez a química entre Bradley Cooper, Zach Galifiniakis e Ed Helms provou-se eficaz. Mesmo as pequenas participações de Heather Graham e do Bebê Carlos enriquecem a trama. Ken Jeong e seu Leslie Chow ganha ainda mais destaque, seu personagem é o melhor explorado (fora o trio de protagonistas), e tem até bastante substância, guardadas as devidas proporções.

    O espectador que procura uma comédia despretensiosa certamente irá rir muito nesse Se Beber, Não Case! – Parte III, mas o filme é realizado para o fã dos personagens, pois demonstra como cada um dos integrantes da alcateia está após tantas aventuras juntos, o quanto a relação entre eles se fortificou e tornou-se algo estritamente necessário e simbiótico. E o final extraordinário mostra que não importa o quanto eles podem crescer e evoluir, não há como fugir ou negar a própria natureza.

  • Crítica | Depois da Terra

    Crítica | Depois da Terra

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    Muitos anos depois de os humanos serem responsáveis por uma catástrofe de proporções suficientes para destruir as condições de sobrevida na Terra, obrigando-os a se retirar do planeta, a humanidade encontra-se estabelecida em Nova Prime. Cypher Raige (Will Smith), general lendário que foi peça importante na colonização do novo planeta, garante à sua esposa, Faia (Sophie Okonedo), que após mais uma missão irá se aposentar. Na tentativa de aproximar-se do filho de 13 anos, Kitai (Jaden Smith), leva-o junto na viagem. Ao ser atingida por uma tempestade de asteroides, a nave em que estão realiza um pouso forçado – ou, melhor, cai – num planeta perigoso que, por acaso, é a Terra.

    Aliás, acasos, ou pré-condições para a trama se desenrolar, não faltam. Vejamos. Por acaso, pai e filho são os únicos sobreviventes humanos. Por acaso, o dispositivo para acionar o resgate está destruído. Por acaso, existe outro, mas está na traseira da espaçonave que, por acaso, caiu a 100 km de distância. Por acaso, Cypher fraturou ambas as pernas na queda e não tem condições de acompanhar o filho na busca. E, por acaso, um monstro predador de humanos, um(a) Ursa, que estava sendo transportado na nave, conseguiu sobreviver à queda. E, também por acaso, Cypher foi um dos primeiros a dominar a técnica necessária para derrotá-los.

    E com essa introdução, não é muito difícil antever o que se segue. Aliás, o roteiro não decepciona nesse quesito, pois é totalmente previsível. Não há qualquer surpresa, ou reviravolta súbita durante todo o filme. Não há ousadia alguma. Os clichês se acumulam – o filho que tenta impressionar o pai, o pai que o julga culpado pela morte da irmã, a necessidade de interação, o confronto, e por aí vai. Há até uma frase de efeito – “Danger is real, fear is a choice”, dita por Cypher – que tenta sem sucesso transformar a corrida contra o tempo de Kitai numa espécie de jornada espiritual ou num ritual de passagem. Certamente, por esses motivos (e mais alguns), apesar de se desenrolar em pouco mais de uma hora e meia de filme, a trama dê a impressão de se arrastar por infindáveis minutos.

    Quanto aos absurdos, há vários, mas dois especificamente abusam da suspensão de descrença e fazem o espectador comentar irritado: “Isto não faz o menor sentido!”. Um deles refere-se a uma auto-cirurgia que Cypher faz em uma das pernas para reverter um problema circulatório devido à fratura. E outro é digno de um filme Disney, quando Kitai consegue um amigo/protetor improvável, durante a sua jornada. Se o espectador ainda estiver tentando levar a estória a sério, esses dois momentos se encarregam de fazê-lo desistir.

    Num filme em que o desenvolvimento da estória se apoia em apenas dois personagens, espera-se que ao menos as atuações sejam memoráveis. Contudo isso não ocorre. Will Smith passa praticamente todo o tempo tentando assumir um ar autoritário e arrogante, mas consegue apenas fazer cara de quem comeu e não gostou. Enquanto que Jaden Smith não vai muito além, e passa a maior parte do tempo com cara de cachorro perdido, se lamentando.

    Enfim, se o espectador abstrair a enorme quantidade de acasos e relevar os absurdos, o filme consegue cumprir a função de entreter. Mas apenas isso. M. Night Shyamalan, mais uma vez, decepciona.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Turistas (2012)

    Crítica | Turistas (2012)

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    O cinema britânico vem nos dando algumas ótimas comédias no últimos anos, principalmente aquelas encabeçadas pela dupla Edgar Wright e Simon Pegg. Apesar de ambos não serem os responsáveis diretos por Os Turistas (Sightseers), Wright é o produto deste longa, o que pode ser considerado um indicativo de um mínimo de qualidade.

    O diretor Ben Wheatley foge dos estereótipos clássicos, e cria outros um pouco fora do comum, ao retratar um casal de ingleses em uma viagem pelo interior do país a fim de conhecerem paisagens e lugares pitorescos da Inglaterra. Chris (Steve Oram) é o novo namorado de Tina (Alice Lowe). Ele quer levá-la nessa viagem e compartilhar suas experiências com ela, que é dominada por uma mãe ciumenta e possessiva em um nível doentio, que passa de uma gentileza a ofensa em segundos, causando desconfortos até no espectador.

    O longa se inicia na preparação da viagem, e podemos conhecer um pouco da personalidade de cada um, além do cotidiano da vida de pessoas simples da Inglaterra. Porém, um simples evento que parece acidente, transforma toda a narrativa do filme, que passa de um simples road movie a uma escalada de violência de Chris, que descobrimos ser um serial killer. Para nossa surpresa, o medo de rejeição de Tina a faz aceitar, abraçar e até compartilhar e tomar gosto das mortes de Chris conforme a viagem avança, tudo para agradar ao namorado.

    E a partir daí o filme adota um tom de uma comédia de humor negro ácida e seca, com doses às vezes exageradas de violência gráfica contrastando com situações bobas e inusitadas, bem ao estilo comedido inglês. Acostumados como estamos ao cinema policial norte-americano, o fato de os dois assassinos sempre escaparem ilesos e sem deixar pistas dos assassinatos causa estranheza, mas ao mesmo tempo é feito com um realismo que convence, pois sabemos que na vida real o trabalho policial é mais difícil do que seriados como CSI nos mostra.

    Os problemas começam quando Tina sente ciúmes de Chris e mata uma mulher sem os cuidados necessários, o que faz a polícia obter uma descrição de ambos. E aí podemos ver Chris justificar suas mortes: Ele só executa quem, de alguma forma, merece, como todo serial killer pensa fazer, enquanto ela matou por puro capricho. Isolados e fugindo da polícia, o casal pensa ter se encontrado e se entendido de tal forma que sugerem um pacto, e o final do filme nos mostra a evolução de Tina, que de uma personagem totalmente submissa e controlada, passa a ser a dominadora em uma relação doentia, nos fazendo perguntar a partir de que ponto ela deixou de ser dominada por Chris e passou a controlá-lo.

    Apesar de não garantir gargalhadas espalhafatosas, Os Turistas é um bom filme, que às vezes se perde em estabelecer o tom ou em abusar dos recursos gráficos para demonstrar a violência dos assassinos, porém, consegue manter o ritmo e diverte o espectador.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Vigaristas

    Crítica | Vigaristas

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    Após ter visto o bom filme Looper e o excelente A Ponta de um Crime, descobri que o diretor Rian Johnson tinha mais um filme, chamado Vigaristas (The Brothers Bloom), de 2008. Por ser o segundo filme de Johnson, o elenco famoso chega a impressionar, pois conta com Mark Ruffalo, Adrien Brody e Rachel Weisz como protagonistas.

    O filme conta a história de dois irmãos, Stephen (Ruffalo) e Bloom (Brody), que desde crianças, por serem órfãos e trocarem sempre de lar adotivo, aprendem a dar golpes e enganar pessoas, mas Stephen faz questão de, nestes golpes, usar uma teatralidade para maximizar o efeito e fazer com que a vítima não perceba que caiu no golpe. Ao mesmo tempo, o filme estabelece desde o início a relação conturbada de Stephen e Bloom, pois este último não se sente feliz ao ver que sua vida toda, desde criança, foi ser um personagem nos elaborados golpes do irmão, sem nunca poder ter tido uma experiência de vida real. Porém, tudo isso irá mudar quando os irmãos combinam em dar um último golpe na milionária e solitária Penélope (Weisz).

    A partir daí, o filme usa e abusa do recurso das camadas de histórias e de golpes em cima de golpes, que vão se desenrolando e tentam a todo instante confundir e instigar o espectador a tentar descobrir se aquela situação (e o risco envolvido nela) é real ou apenas mais uma parte do golpe dos irmãos. Essa estratégia, quando estabelecida, diverte, mas com o aprofundamento das camadas e a rapidez dos eventos, personagens e situações, o filme acaba perdendo a densidade e ficando confuso, nos fazendo prestar atenção mais nos pormenores da história do que nos personagens e suas nuances em si.

    Também com um ar nostálgico e um pouco noir, mas diferenciando do tom de A Ponta de um Crime, Vigaristas possui um toque de comédia dramática, flertando também com os filmes de assalto dos anos 70. Essa característica retrô do filme está muito presente nas roupas, penteados, acessórios e veículos usados pelos personagens, apesar de o filme se passar em nossa época. Pelo tom dos diálogos, trilha sonora e todo um universo indie, o filme chega a lembrar muito Wes Anderson e talvez por essa tentativa forçada de se encaixar nesse universo lúdico, falhe em aprofundar os personagens e suas relações de uma maneira mais real e arriscada, pois em momento algum sentimos que essas relações do filme estão em risco, pois pelo foco excessivo na trama e nas subcamadas dos golpes, os personagens acabam ficando em segundo plano, prejudicando o clímax, que seria justamente sobre eles.

    Porém, cada ator executa perfeitamente seu papel e apesar das falhas, o filme traz cenas memoráveis sem apelar para a infantilidade gratuita do cinema indie, como quando Penélope embaralha as cartas fazendo um truque e conta sua história de vida, pois são essas cenas que estabelecem os personagens e suas motivações. E o principal problema do filme foi, ao final, deixar isso de lado para se render a um final teatral e digno aos personagens, mas que não disse muito ao espectador, já que naquele momento da narrativa, a expectativa era tão grande que qualquer evento espetacular pareceria trivial, como de fato pareceu.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | A Marselhesa

    Crítica | A Marselhesa

    A Marselhesa

    “A Marselhesa” é o nome dado ao hino nacional da França, composto em 1792 como uma canção revolucionária e que ganhou popularidade entre as unidades militares dos Marselheses na Revolução Francesa. Jean Renoir, notório cineasta francês, também conhecido pelos seus trabalhos nas películas La Grande Illusion (1937) e The Rules of the Game (1939), vai realizar uma rigorosa pesquisa histórica para retratar um dos mais significativos fatos históricos do mundo.

    O filme, produzido entre os anos de 1937 e 1938, vai acompanhar um breve intervalo que se inicia com a tomada da Bastilha em 1789 e que segue até a marcha do exército revolucionário na defesa das fronteiras em 1793 e a deposição do rei Luís XVI, dando ênfase para pequenos grupos de revolucionários da região da Marselha, os quais se dirigiram para Paris, somando forças de guerra para lutar contra os monarquistas – apoiados por tropas prussianas.

    O primeiro ponto a ser destacado do filme de Jean Renoir é a frase com que se inicia o longa metragem: “Crônica de alguns fatos que contribuíram para a queda da monarquia”. Desde o começo, Renoir deixa claro que não possui pretensão de fazer um relato histórico definitivo do período retratado. Diz isso mesmo tendo declarado posteriormente que foi o único trabalho da carreira dele em que se propôs a fazer uma intensa pesquisa documental, tendo criado apenas 1/3 das falas do filme.

    Guardas do rei marcham dentro do castelo e trocam de formação. A disciplina dos soldados e a beleza do ambiente do castelo é a primeira cena do filme. O Duque de La Rochefoucauld-Liancourt (William Aguet) pede um encontro com o rei Luis XVI (Pierre Renoir), que o recebe enquanto ainda estava na cama, recém-acordado e comendo. “É uma revolta?”, pergunta o rei. “Não, senhor. É uma revolução”. Esse simples diálogo é suficiente pra mostrar que estava por vir o maior medo dos monarquistas à época. Já era uma realidade.

    Na sequência, somos apresentados a Anatole Roux, mais conhecido como o “Cabrito” (Édouard Delmon), um velho homem miserável que acabara de matar, com um estilingue improvisado, um pombo que estava devorando sua colheita. Subitamente, um guarda real, juntamente de seus soldados, o aborda declarando a ilegalidade do ato de matar um suposto “pombo real”. Os soldados o levam a júri, onde o Cabrito poderia pegar uma sentença de morte na forca, se não tivesse conseguido fugir antes disso. Renoir explora a cena de maneira sutilmente cômica ao mostrar os exageros da suposta lei, que obviamente protegia a aristocracia e não o povo francês. Aqui já somos apresentados aos dois lados de tratamento e à predominante desigualdade social vivida pelos franceses. De um lado, uma nobreza que esbaldava toda a riqueza e o luxo de uma nação, enquanto no seu jardim jaziam pessoas miseráveis, sofrendo da justiça unilateral.

    Fugindo para as montanhas, Cabrito se encontra com Jean-Joseph Bomier (Edmond Ardisson) e Honoré Arnaud (Andrex), dois cidadãos que estavam escondidos nas montanhas por estarem fugindo “da justiça dos aristocratas”, os quais vão se tornar parte fundamental da história contada por Renoir. A ênfase à “justiça dos aristrocratas” por Arnaud deixa claro o descontentamento de um povo que já não aceitava mais os atos de ostentamento e tirania vindos de uma pequena parcela da população, que representava a elite francesa.

    A partir desse ponto do filme, Renoir vai acompanhar o caminho desses dois patriotas, lutando pela liberdade dos seus iguais. A maneira como o cineasta direciona a narrativa, passando de uma figura a outra até chegar nos dois personagens, é sutil e mostra qual a maior preocupação do filme: narrar a história através das pequenas ações de pessoas ordinárias. Nas reuniões dos agrupamentos revolucionários, suas assembleias fervorosas de ideais democráticos e pacifistas e o espírito patriótico de um povo que preza pela liberdade. Inclusive temos o surgimento do futuro hino nacional francês, que serviu de inspiração ao esforço de todos os cidadãos em igualdade e na busca de um futuro justo.

    Jean Renoir é um pacifista. Imagina-se que, em um filme que retrata um período tão conflituoso como a Revolução Francesa, seria mais violento em sua representação gráfica. Porém, Renoir prefere explorar outro lado do movimento. Há apenas uma sequência de cenas em todo o filme que representa graficamente uma batalha armada. Ao invés disso, na maior parte do filme, temos a exploração do espírito democrático e de união de um povo. Renoir, por ter participado de uma guerra e visto de perto as consequências trazidas pela mesma, rechaça as ações voltadas diretamente para a violência. Valoriza a vida humana e sua dignidade, e a violência existe apenas em forma de resposta, no caso do filme, quando os monarquistas tentam tomar a liberdade do povo francês. Inclusive, a escolha do cineasta em terminar o filme em 1792, com os soldados indo para mais uma batalha, demonstra que a violência da guerra não era o mais importante na análise daquele momento histórico. Os sacrifícios foram, sim, importantes, mas mais do que isso foram as histórias de cada um dos homens que fez parte da história da França.

    Renoir queria que seu filme trouxesse rejuvenescimento ao orgulho nacional e à unidade dos cidadãos franceses em um contexto de crise que a França sofria à época. A Marselhesa não conta apenas a história de uma revolução, mas dos dilemas pelos quais a França passava também em um período de crise e quase dentro de mais uma grande guerra.

    Texto de  autoria Pedro Lobato.

  • Crítica | Duro de Matar: A Vingança

    Crítica | Duro de Matar: A Vingança

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    Depois de uma produção mediana que, ainda assim, conquistou boa bilheteria, John McTiernan reassume a direção em uma trama que, como a anterior, foi desenvolvida a partir de um argumento prévio com a personagem central inserida em reformulações do roteiro.

    Duro de Matar: A Vingança dialoga diretamente com o primeiro filme. A cena de abertura dá o tom da produção, mostrando a caótica cidade de Nova York ao som de Summer In The City (John Benson Sebastian, Steve Boone, Mark Sebastian), com suas extensas ruas movimentadas, até uma grande explosão que interrompe as cenas panorâmicas.

    Em pouco tempo, compreende-se que, dessa vez, John McClane não é a vítima azarada dos acontecimentos, mas quem foi chamado para vir à ação por um terrorista que ameaçou destruir a cidade caso o policial não aparecesse.

    O filme inverte a lógica vista anteriormente para apresentar um novo fôlego para a história e introduz um elemento perigoso que se estabelece normalmente na parte final de uma trilogia: a adesão de um parceiro para a personagem central. Colocados ao acaso um do lado do outro, a parceria entre Zeus Carver e McClane, com um sempre irritado e bom Samuel L. Jackson, aproxima-se de outra dupla famosa no estilo: Riggs e Murtaugh de Máquina Mortífera.

    A dinâmica entre as personagens expande a ironia consagrada da personagem central, o que faz deste filme o mais engraçado dos três. Evidente que não há mais a intenção de se produzir uma história – ou personagem – verossímil. Tendo arrebatado grande público em suas duas histórias anteriores e transformado Bruce Willis em um astro de ação, tudo o que esta produção deseja é dar ao público mais uma história de sua personagem mais icônica.

    O roteiro feito por Jonathan Hensleigh (Jumanji, O Santo, Armageddon) equilibra-se bem entre McClane, seu coadjuvante, Zeus, e o bandido que, como infere o título, deseja, de alguma maneira, se vingar. O laço com a primeira história não é feito de maneira tão exagerada como vemos em filmes contemporâneos, parecendo uma sequência natural dos acontecimentos anteriores.

    Mesmo que a história esteja situada em uma época em que havia algumas experimentações nos efeitos visuais – que engatinhavam – com um resultado mal composto entre imagem e fundos computadorizados, a ação é ininterrupta e transforma este pequeno defeito em quase nada. Se em outras situações McClane tenta, à sua maneira, vencer as regras ditas pelo bandido, aqui passa a maior parte do tempo como um joguete e, aos poucos, vai percebendo as distrações impostas e as verdadeiras intenções do vilão, que tenta dominar a situação.

    Se não houvesse um retorno da personagem, a trilogia Duro de Matar fecharia com chave de ouro, sendo capaz de retomar elementos de seu próprio passado mas não entregando uma trama semelhante à anterior, costurando-a de maneira diferente e sempre apoiado em diversas cenas de ação.

    No país, o DVD lançado pela Buena Vista/Disney foi um dos primeiros da empresa, na época em que somente um menu com opções de legenda e dublagem estava disponível. O formato letterbox causa problemas para quem tem uma televisão em widescreen e a imagem do disco não é das melhores. É o único filme da série lançado pela Buena Vista/Disney. Embora esteja disponível nos boxes em DVD, ainda não há lançamento em Blu Ray, desfalcando a coleção em alta definição.

  • Crítica | Eu Vi o Diabo

    Crítica | Eu Vi o Diabo

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    Eu Vi o Diabo (I Saw The Devil), ou em seu título original Akmareul Boatda é o sexto filme da carreira do diretor sul-coreano Jee-woon Kim, o mesmo de Medo (Janghwa, Hongryeon ou A Tale of Two Sisters) de 2003 e que recentemente se arriscou no mercado norte-americano com o filme O Último Desafio, com Arnold Schwarzenegger.

    O cinema oriental e sul-coreano estão na moda faz alguns anos, e boas produções têm sido feitas neste país, principalmente nos gêneros suspense e terror. Eu Vi o Diabo, de 2010, vêm nesta mesma toada. A sinopse é a seguinte: Um policial de uma agência de elite da Coréia do Sul (que não é especificada) tem sua esposa (filha de um policial local) assassinada brutalmente por um serial killer. O marido então jura vingança e, com a ajuda do sogro, parte em busca dos suspeitos até encontrar o assassino e dar a ele uma dose de seu próprio veneno, até as coisas saírem do planejado. Até aí a premissa flerta com o desejo secreto de praticamente todos os seres humanos: a vingança nua e crua que todos desejariam colocar em prática caso algum membro de nossas famílias sofresse o mesmo destino da mulher do policial.

    Com 2h23 de duração, o longa estabelece muito bem os personagens, o conflito e a trama logo na primeira meia hora. O que segue a partir daí é o plano do marido, Kim Soo-hyeon, em perseguir o assassino como ele persegue suas vítimas. Porém, apesar de no início a premissa ser empolgante, as sequências de perseguição e violência vão aumentando e causando um certo desconforto, não só pela apelação gráfica, mas sim pela falta de tensão. De um cenário de mundo real, o filme vai adquirindo contornos mais americanizados de super-policiais que conseguem fazer de tudo a toda hora, desde manejar vários tipos de armas até lutar de várias formas com várias pessoas ao mesmo tempo, o que faz o filme destoar da proposta inicial.

    A fotografia, que mostra uma moderna Coréia do Sul em pleno desenvolvimento em contraste a uma pobreza tradicionalista que teima em sobreviver frente ao furacão do capitalismo, é interessante e ajuda a entender o embate entre o comportamento brutal de um lado dessa sociedade com a civilização, que falhou em compreender e cooptar as contradições desse processo.

    As cenas brutais de violência no começo também conseguem chocar pela maneira crua e fria que são filmadas, mas este mesmo excesso causa, no decorrer do filme, uma banalização dessas cenas, que ao invés de chocar, passam a incomodar, pois deixam de acrescentar algo que faria diferença na história e soa mais como apelação do que efeito narrativo. A suposta lição dada ao policial pela sua hesitação tanto em resolver o caso por conta própria, quanto para abandoná-lo e deixar nas mãos dos policiais, soou infantil, além de mal resolvida, pois sua vingança contra o assassino passa a atingir outros níveis, mas em momento algum oferece redenção ou mesmo uma explicação para as ações do protagonista, que deixa de ser um justiceiro passional para ser outro fora-da-lei sem razão.

    Em geral o filme possui bons momentos e uma boa premissa, mas o fetiche sadístico do diretor acaba prejudicando a excelente ideia inicial e o foco de sua narrativa.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | O Grande Gatsby (2013)

    Crítica | O Grande Gatsby (2013)

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    Baz Luhrmann é um cineasta conhecido por seus filmes exuberantes: cenários barrocos, trilha sonora rica e cenas apoteóticas. Romeu + Julieta e Moulin Rouge, seus melhores filmes, são belos exercícios visuais onde a estética característica de Luhrmann reforça e ambienta a história contada. O Grande Gatsby é o oposto disso.

    O romance de Fitzgerald fornece uma história sutil, construída em detalhes e subtexto e cuja força está justamente naquilo que não é contado.  A trama é contada por Nick Carraway, jovem recém-saído de Yale com um emprego no mercado financeiro de Manhattan e um pequeno chalé em West Egg, região de Long Island onde vivem os novos ricos. Nick é vizinho de Jay Gatsby, o homem misterioso que dá festas homéricas, mas de quem ninguém sabe nada. Gatsby se aproxima de Nick para chegar em sua prima Daisy Buchanan, que vive com o marido em East Egg, o lado do dinheiro tradicional, e com quem Gatsby, anos antes, teve uma história.

    A história é simples, mas as relações entre os personagens, a relação deles com o dinheiro e o poder e a função desse dinheiro na identidade de um indivíduo são o que está realmente em questão Tudo isso presente apenas por baixo de diálogos ácidos e ações frívolas.

    No filme de Luhrmann não há nada por baixo. Ele constroi maravilhosamente a estética e o espírito dos anos loucos, seu filme não é apenas visualmente impressionante, é frenético e excessivo como foram os anos 20 e nisso o diretor acerta muito mais do que Jack Clayton, responsável pela morna adaptação de 1974.  A essa estética se alia a trilha sonora carregada de hip hop organizada por Jay Z: a estética de opulência do hip hop é quase a versão atual das festas desproporcionais do “novo rico” Jay Gatsby, é um paralelo interessante e uma ironia fina.

    Mas essa ironia é o único sinal de acidez, crítica ou descontrução em todo o filme. Luhrmann toma uma história sobre a podridão do sonho americano e as falsas promessas feita por ele e a transforma em ode à esperança. Gatsby não ama Daisy, ele a confunde com a identidade que deseja para si mesmo e o filme chega mesmo a explicar isso, de forma bastante didática, apenas para logo em seguida voltar a ser uma história de amor.

    O didatismo, aliás, é um dos maiores problemas do filme, comprovando mais uma vez o pouco talento de Baz Luhrmann para sutilezas. A narração em off é excessivamente presente e explica em detalhes o que os personagens pensam e sentem mesmo que os bons atores pudessem muito tem demonstrar isso de forma mais cinematográfica.  Essa necessidade de ser explícito e literal gera inclusive soluções feias e absurdamente clichês, como palavras surgindo na tela quando um personagem escreve uma carta.

    Por outro lado, enquanto o diretor retira toda sutileza e subtexto do filme, os atores injetam nuances em suas interpretações. A Daisy de Carey Mulligan é ao mesmo tempo frágil, vulnerável e sedutora, a sua consciência de si mesmo, exaustão e frivolidade convivem de forma ambígua e encantadora. Leonardo DiCaprio é um Gatsby artificial, duro, ansioso e pouco confiante e deixa o espectador vislumbrar todo o vazio de um personagem que tem muitas histórias.

    Há sem dúvida bons momentos em O Grande Gatsby, principalmente quando Luhrmann se afasta um pouco, dá tempo de respiro e deixa seus atores e o universo de Fitzgerald trabalharem. Entretanto, na maior parte do tempo tudo que vemos são milhões de planos muito curtos, uma montagem muito rápida e infinitos elementos em cena. É um videoclipe muito bonito, mas em que as cenas se sucedem tão rapidamente e há tantos elementos em tela que é impossível identificar, e mais ainda digerir, qualquer coisa.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | A Parte dos Anjos

    Crítica | A Parte dos Anjos

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    Robbie (Paul Brannigan), um jovem desempregado prestes a ser pai, é sentenciado a cumprir algumas horas de trabalho comunitário depois de espancar um rapaz na rua por um motivo banal. No grupo de infratores que cumprem pena ao mesmo tempo que Robbie, ele encontra outras pessoas com o mesmo problema dele – ter vivido sempre à margem da sociedade e ter dificuldade em arrumar emprego. Robbie encontra também, na figura do supervisor do serviço comunitário, um amigo e um mentor no conhecimento de algo até então ignorado por ele – a degustação e apreciação de uísque. E Robbie entrevê, nessa nova atividade, uma possibilidade de mudar de vida, de começar uma nova vida com a namorada, Leonie (Siobhan Reilly), e o filho recém-nascido.

    Para os abstêmios ou não apreciadores de destilados, vale uma explicação sobre o título. A parte dos anjos refere-se àquele percentual de uísque que evapora dos barris de carvalho durante o envelhecimento. Lógico, tem a ver com a bebida “descoberta” pelos personagens, porém tem mais a ver com algo que ocorre na segunda metade do filme, mas que me abstenho de contar para não tirar a graça da estória.

    É um filme singelo que talvez fosse lembrado como apenas mais um filme escocês sobre as dificuldades do ingresso na vida adulta não fosse pela guinada no roteiro que ocorre a partir da segunda metade da trama. O filme deixa de ser uma estória dolorosa sobre problemas sociais e jovens infratores para se tornar uma aventura no melhor estilo sessão da tarde, em que ideias mirabolantes são postas em prática e conseguem ser bem-sucedidas a não ser por um percalço ou outro. Esse novo rumo surpreende o espectador e é nele que reside a leveza do filme, apesar de todo o non-sense das situações vividas pelos personagens. A mudança de tom e a nova abordagem da estória fazem toda a diferença no resultado final.

    A trajetória de Robbie remete ao herói injustiçado que recebe um dom, que será responsável pela rendenção do personagem. Robbie consegue, usando sua aptidão recém descoberta, vislumbrar a possibilidade de sair da vida marginal e imersa em violência em que se encontrava até o momento. E, contrariando a máxima de que o ambiente molda o caráter, decide tomar as rédeas da sua vida nas próprias mãos. Mesmo tomando um atalho a princípio – que leva o espectador a questionar se os fins justificam os meios -, livra-se do passado e dá um novo rumo à sua vida junto à sua nova família.

    O filme não é longo, e assim consegue manter o ritmo do início ao fim, sem “barrigas”. Os diálogos ágeis e ácidos ganham o espectador principalmente nas cenas em que o grupo se inicia na degustação – que apreciador já não passou por isso? Ser ridicularizado ao afirmar que um vinho, cerveja, uísque tem determinado aroma ou sabor – e durante a excursão a uma destilaria, em que o uso dos kilts causa consequências desagradáveis. O elenco central, praticamente desconhecido, tem boa empatia e convence como gauches na vida que tentam de alguma forma dar certo.

    É um filme despretensioso cujo sucesso reside na ambiguidade entre drama e comédia e que se torna bem sucedido justamente por não tentar misturar os dois gêneros e ainda assim conseguir manter o estilo do diretor, Ken Loach, e não deixar de lado a crítica social.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Máquina Mortífera 4

    Crítica | Máquina Mortífera 4

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    Em 1998, a popular trilogia se tornou uma quadrilogia. Seis anos após o terceiro capítulo, a “gangue” toda se reuniu para uma última rodada de aventura e muita confusão. Sempre sob o comando de Richard Donner, Mel Gibson, Danny Glover e companhia entregaram um digno fechamento da saga com Máquina Mortífera 4. Como não poderia deixar de ser, uma grande homenagem àquilo que marcou a franquia: uma comédia de ação onde, muito mais do que trama, o foco são os personagens, sua humanidade e o (mais martelado do que nunca) fator família.

    Acompanhando a evolução do cinema de ação, tanto tecnológica quanto conceitual, temos aqui as cenas mais grandiosas e exageradas da série. A começar pela sequência de abertura, onde Riggs e Murtaugh enfrentam um incendiário blindado. A solução? Atirar no tanque de napalm do cara, causando um efeito dominó que explode o bandido, um caminhão tanque e um posto de gasolina. Coisa de fazer Michael Bay aplaudir com lágrimas nos olhos. A consequência inacreditável do evento é a promoção dos dois sargentos para capitães da polícia de LA. A “explicação” é que eles precisam ser retirados das ruas, pois o seguro do departamento se recusa a cobrir as constantes destruições do patrimônio público que eles promovem.

    Tal promoção acaba não fazendo nenhuma diferença, pra variar. Eles vão trombar por acaso com a ameaça da vez, uma operação de tráfico de escravos vindos da China que se desenrola numa grande conspiração envolvendo a Tríade, famosa máfia chinesa, falsificação de dinheiro e corrupção do governo chinês. Um plot confuso, que visivelmente é apenas uma desculpa para movimentar a história e colocar os personagens pra resolver algum conflito. Nada muito diferente dos filmes anteriores, se pararmos pra pensar.

    Na vida pessoal dos dois parceiros, a novidade é que agora inclusive Riggs se pergunta se não está “velho demais para essa m…”. Prestes a ser pai, considerando casamento, em quase nada ele lembra o maluco suicida de outrora. Essa evolução pode ser creditada tanto ao seu relacionamento com Lorna (Rene Russo) quando a longa convivência com Murtaugh e sua família. Roger por sua vez, não fala mais sobre aposentadoria, mas vai se tornar avô – e não sabe disso. Sua filha mais velha casou-se em segredo com o detetive Butters (Chris Rock, deslocado por estar num papel não assumidamente cômico, mas não compromete). Completando a turma, o veterano Joe Pesci mais uma vez como o surtado Leo Getz.

    E, em seu primeiro papel em Hollywood, Jet Li nos brinda com o melhor vilão da franquia. Com pouquíssimas falas (todas em chinês) e uma agilidade impressionante, ele passa o filme arrebentando a cara de Riggs. Além de criar uma aura tão ameaçadora que rende um momento impagável na batalha final, quando a dupla de heróis se borra de medo do chinesinho que tem metade do tamanho deles.

    Apesar de exagerar em alguns momentos, como a prolongada batalha final e a sequência pastelão/final de novela na maternidade, o filme se manteve fiel à sua proposta. Uma aventura movimentada e muito divertida, com o merecido final feliz para nossos velhos conhecidos. E ainda bem que a franquia não teve uma revisita que poderia estragar tudo isso.

    Texto de autoria de Jackson Good.

    Ouça nosso podcast sobre Máquina Mortífera.

  • Crítica | Além da Escuridão: Star Trek

    Crítica | Além da Escuridão: Star Trek

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    O novo Além da Escuridão – Star Trek comprova que J.J. Abrams conseguiu o que parecia impossível: unir todo o universo da franquia sem atrair a ira dos fãs – que levam muito a sério o assunto e costumam não ser tolerantes com o que consideram infidelidade. J.J. fez uma reciclagem de temas, conflitos e personagens. E obteve o que muitos filmes recentes não alcançaram: pegar um universo incrustado na cultura pop, fortemente associado a atores diferentes dos que dispõe e, de alguma forma, fazer com que todos se importem como antes, colocando o entretenimento de qualidade para caminhar lado a lado com a inteligência.

    Se, no primeiro filme que assinou, o diretor introduziu personagens famosos da série, optando por contar de onde eles vieram e como se tornaram cadetes, até virarem heróis, neste, J.J. esmiúça como as relações de respeito, amizade e carinho entre eles foram pavimentadas. O diretor usa o passado para criar algo novo. Presta uma grande homenagem à série, aos filmes e aos personagens. Se já tinha adiantado isso em relação a Kirk e companhia, ele agora causa impressão com outro ícone da franquia, o vilão Khan, o mais famoso de Jornada nas Estrelas, que ganhou uma roupagem completamente diferente na ótima interpretação de Benedict Cumberbatch (o Sherlock Holmes do seriado homônimo atualmente no ar na TV). O caso é o mesmo do Coringa de Batman, que, quando feito por Jack Nicholson no filme de Tim Burton, em 1989, parecia imbatível, até que Heather Ledger se apossasse do personagem na trilogia criada por Christopher Nolan. Este, por sinal, também foi uma influencia para J.J., não só nos temas, mas também nas belas imagens capturadas em IMAX, depois que o diretor de Star Trek assistiu, a convite do próprio Nolan, a O Cavaleiro das Trevas Ressurge.

    Apesar das várias referências que vão emocionar os fãs de primeira hora, Into Darkness também foi concebido para entreter o público que nunca foi ligado a esse universo. É um filme de ação feito com habilidade – um filme em que a ação está sempre a serviço da trama. É interessante que J.J., junto com o diretor de fotografia Dan Mindel, use o mínimo possível de truques de CGI nas cenas que envolvem atores e movimento – e, com isso, obtenha uma boa dose de realismo, mesmo nas sequências mais fantasiosas. Percebe-se que há uma aura de tensão constante sem que ela seja gratuita ou interfira na trama.

    Um grande mérito é que o novo filme faz exatamente o que a série sempre fez: usar um cenário futurista para fazer um comentário contemporâneo sobre algum tema em voga na sociedade – no caso, o terrorismo; suas causas e consequências; a legitimidade, ou não, de se criar uma guerra com o objetivo de eliminar uma ameaça futura; a necessidade bélica do ser humano; os limites do militarismo; e os que servem à guerra ao terror. Into Darkness apresenta alguns conflitos morais complexos, como os bons roteiros de Star Trek sempre fizeram. Um dos questionamentos parte de uma intenção de se matar um homem sem um julgamento justo, sob a alegação de que ele é terrorista. O filme é, em última instância, uma alegoria transparente de uma reação desproporcional contra um ato de terror. Bem de acordo com as crenças de Gene Roddenberry, a narrativa se concentra nos valores humanos e no papel do indivíduo dentro da sociedade. E, mesmo com tudo de espinhoso que o filme retrata, a visão otimista de Roddenberry está presente. Em Star Trek, o futuro convive bem com o passado: naves sobrevoam a cidade de São Francisco, enquanto os nostálgicos bondinhos continuam lá servindo a população.

    J.J. demonstra que, até a chegada desse otimismo, não foi fácil e houve uma longa caminhada. O roteiro de Roberto Orci e Alex Kurtzman recebeu um tratamento de primeira de Damon Lindelof, parceiro de longa data do diretor e também um dos responsáveis pelo fenômeno Lost na TV. Outra característica desse estilo de roteiro, que também esteve presente em Os Vingadores, sucesso no ano passado, é o aprendizado de lições de vida por parte dos personagens icônicos, como a do papel de um líder, para Kirk, e a da complexa fronteira entre a lógica e a sensibilidade, para Spock, isso tudo entre outros temas que se prestam ao escrutínio, como a amizade, a lealdade, a ética e as regras. Por trás da mensagem de “explorar novos mundos”, existe o descobrir a si mesmo.

    A descoberta de Spock é um tema à parte. O ator e diretor Leonard Nimoy, apesar de muito grato à sua vida profissional e de ser um entusiasta de Jornada nas Estrelas, logo quando a série clássica foi cancelada, foi o que mais renegou seu passado a serviço de seu personagem (inclusive, com o livro Eu Não Sou Spock). Mas é ele a ponte para a chegada do novo elenco. Esta é sua oitava participação em um filme da franquia feito para o cinema. São as ironias do destino – que é altamente ilógico.

    O mestre de J.J., o cineasta Steven Spielberg, também recebe seu tributo, engendrado na cena inicial – uma clara homenagem ao começo de Caçadores da Arca Perdida. Não é à toa que a célebre revista Cahiers Du Cinéma aponta J.J. Abrams como legítimo sucessor de Spielberg. E J.J. Já deu mostras de pode ir além: onde nenhum diretor jamais esteve.

    Texto de autoria de Mario Abbade.

  • Crítica | Reality

    Crítica | Reality

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    Matteo Garrone ganhou projeção internacional  em 2008 com Gomorra. Sua adaptação do polêmico livro de Roberto Saviano foi elogiado em festivais como Cannes e Veneza, e celebrado como um retorno do cinema italiano ao neorrealismo: filmes voltados para a crítica social e tão comprometidos com um retrato acurado da realidade que diversas vezes utilizavam amadores em vez de atores profissionais.

    Gomorra é um filme cru e violento, um soco na cara do espectador que em momento nenhum pede desculpas ou tenta amenizar o terror daquilo que conta. Reality é exatamente o contrário. O novo trabalho de Garrone é novamente filmado com não atores, no sul da Itália e falado em napolitano, mas é uma comédia, uma sátira ácida e divertida, um filme agradável sobre um tema tão pertinente quanto a máfia italiana.

    Luciano é um pescador de Nápoles, querido no bairro. Ele vive com sua mulher e filhas, todas elas obcecadas com a versão italiana do Big Brother. Um dia, em um passeio pelo shopping, ele decide se inscrever para a seleção apenas para que elas fiquem felizes. Um tempo depois Luciano é chamado para uma segunda fase do processo de seleção e passa a ficar obcecado com a ideia de se tornar uma estrela de reality show.

    O filme acompanha o crescimento do delírio e da paranoia de Luciano enquanto espera a convocação para o programa. Ele vende a peixaria, compra roupas novas, age como se tornar-se uma celebridade fosse questão de tempo. Poderia ser ridículo e engraçado, e é, mas é também patético e dolorido e Garrone acerta ao balancear e explorar todos esses sentimentos.

    Aniello Arena, que interpreta Luciano, não é ator, mas seu carisma é um dos grandes trunfos do filme. O personagem é simpático, amável e extremamente humano. Luciano se veste de mulher no casamento dos amigos, diverte os clientes da peixaria, canta e dança nas festas locais. Em sua comunidade, Luciano é um homem especial e a queda que ele sofre é justamente a descoberta de que no fundo ele é apenas ordinário.

    Em oposição a Luciano, o filme apresenta Enzo, um desses ex-BBBs que acabam se tornando celebridades por um mês graças a uma mistura de beleza e clichês de auto-superação. Enzo tem apenas uma frase de efeito, nenhum carisma, nenhum talento, mas a televisão fez dele uma estrela. Enzo foi escolhido entre milhões de italianos e, portanto, deve ter algo de especial, algo que o destaca da multidão e é essa confirmação, a confirmação de estar destinado a grandes coisas que Luciano aguarda.

    Reality é uma comédia, Aniello e Garrone constroem um Luciano simpático e garantem que o espectador ria o tempo todo de seus delírios de grandeza. Ao mesmo tempo o diretor não poupa acidez e não hesita em desnudar o que realmente faz com que reality shows tenham tanto sucesso e causem tanto fascínio. Ao contrário de Gomorra, aqui o tema incômodo vem embalado em açúcar, mas isso não diminui em nada a sua força. Reality é um filme incômodo, forte e com um final maravilhoso.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.