Categoria: Críticas

  • Crítica | Alvo Duplo

    Crítica | Alvo Duplo

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    Responda rápido: Qual o maior brucutu de todos, todos, TODOS??

    Só existe uma resposta possível para esta pergunta. O maior brucutu da história do cinema já correu por aí em uma corrida assassina, lutou contra todas as dificuldades num ringue de boxe, matou vietcongs na guerra,  foi a “cura” para o crime, já foi o campeão dos campeões, limpou seu nome ao lado de Kurt Russel, fez dupla com sua mamãe badass, foi congelado para lutar no futuro e explodiu a máfia com a ajuda de Sharon Stone. Esse cara já se provou o melhor assassino de todos, já foi a personificação da lei, já salvou pessoas em um túnel subterrâneo, vingou o irmão, ajudou a filha de um mafioso em busca de vingança e já salvou a Giselle Itié das garras de um ditador de republiqueta.

    A filmografia de Sylvester Stallone é a minha preferida de todos os astros de Hollywood. O termo “badass motherfucker” no dicionário informal do IMDB deveria ter uma foto do cara, pois ninguém é tão foda na telona importante para o “cinema brucutu” quanto ele. Com quase 70 anos, e a cara mais torta que a do Sloth, Sly continua mandando ver como um dos últimos brucutus vivos em atividade. Infelizmente, seu novo filme é a prova de que o estilo está mesmo com os dias contados, apesar de eu não ter desgostado totalmente de Alvo Duplo!

    No filme, Stallas interpreta Jimmy Bobo, um assassino profissional de Nova Orleans que é alvo de uma queima de arquivo da máfia após concluir um trabalho com seu parceiro. Implacável, Jimmy se alia a um policial de Washington (Sung Kang, o Han de Velozes e Furiosos) que é enviado para investigar o assassinato de seu ex-parceiro: o alvo do último trabalho de Bobo. Juntos, ambos devem descobrir o mandante dos assassinatos, mesmo sabendo que não podem confiar um no outro nem por um segundo enquanto estão juntos.

    O roteiro do filme é bastante normal, mas isso não é o importante. Quando “entrei no cinema” para assistir o filme, esperava apenas interpretações medianas e Sly mandando sua atuação mais canastra, e por isso não me decepcionei muito. Ao contrário do que sempre aconteceu em seus filmes de ação, o personagem de Stallone não se envolve em nenhum tiroteio com 30 caras mais armados que ele e que erram todos os tiros apenas porque ele é o principal. Um alvo de cada vez, Jimmy Bobo vai eliminando todos os envolvidos no plano para lhe assassinar sempre acompanhado de perto pelo policial que tenta impedi-lo de cometer os crimes. A relação entre os dois protagonistas, no entanto, é terrível e foi uma das coisas que eu mais odiei no filme.

    Sung Kang não é um ator internacionalmente reconhecido pelo seu talento nas frente das câmeras, mas nesse filme ele se supera no quesito ruindade e falta de carisma. Seu personagem (Taylor Kwon, o policial destacado de Washington) não estabelece nenhuma relação com o espectador durante o filme e seu papel como guru tecnológico e provedor de informação para o persona de Sly não possui nenhuma relevância. Quando eu digo nenhuma, é NENHUMA MESMO! Tudo que ele faz é atrapalhar Jimmy Bobo e dar informações que ele já sabia, sobre pessoas que ele já conhecia e sabia onde encontrar. Nenhum dos diálogos entre Kang e Stallone é digno de memória, e o máximo que ele conseguiu no filme foi ser comparado (devido à semelhança física e à inutilidade do personagem) com o Glenn, do The Walking Dead da TV.

    O vilão do filme, por outro lado, pode ser considerado um ponto positivo. Jason Momoa (O Conan, do NÃO TÃO RUIM “Conan, o Bárbaro”) manda bem como o assassino responsável por matar Jimmy Bobo e seu parceiro. Keegan é um assassino profissional que não se importa tanto com o dinheiro. Psicótico e descontrolado, o personagem de Momoa atua como assassino de aluguel apenas para receber alvos e poder saciar sua vontade de matar. Em duas ocasiões do filme, Keegan cai na porrada com seu alvo e ambas as cenas são bastante divertidas e bem executadas. Os demais vilões do filme são rasos e de pouca importância.

    A trilha sonora e a fotografia do filme são muito bem trabalhadas e contam, talvez, como o maior ponto positivo do filme. A trilha, composta por batidas e pela gaita com uma pegada mais Blues, e  por momentos de rock mais pesado, combina perfeitamente com o clima do filme, construído em boa parte pela fotografia mais escura e fria. A direção de Walter Hill não conta como um diferencial também, mas não prejudica o filme, o que por si só já conta como um ponto positivo já que o cara nunca chegou a emplacar como diretor. Vale lembrar que, contrariando ao que vinha acontecendo nos último filmes de Stallone, nada na produção deste filme possui seu envolvimento direto. Talvez se estivesse envolvido diretamente na construção do filme, a produção teria um ar verdadeiramente oitentista e um clima ainda mais “brucutu”, alcançando um resultado melhor na bilheteria e na crítica. Acho que nunca saberemos…

    O filme chegou sem barulho nenhum aqui no Brasil. Sem trailer (pelo menos nos GNCs de Santa Catarina), sem maior divulgação e com poucas sessões por aqui, o filme provavelmente não chegou a se pagar nas salas escuras. O boxofficemojo.com reporta um faturamento de quase 9,5 milhões nos Estados Unidos mas ainda não tem números do montante que o filme arrecadou ao redor do mundo, o que não parece ser boa notícia para um filme com nomes de peso como Stallone, Jason Momoa e Christian Slater.

    Como citei, Alvo Duplo não chega a ter um clima verdadeiramente “brucutu”, apesar de contar com a atuação canastra do maior ator da história deste gênero. No final, Sly e Momoa mostram bem que o último suspiro deste gênero tão apreciado por mim e por outros é, realmente, “Mercenários”. Parece-me que o cinema não tem mais espaço para filmes que se sustentam em cenas de ação e deixam o roteiro fora do centro. Uma pena, infelizmente…

  • Crítica | Máquina Mortífera 2

    Crítica | Máquina Mortífera 2

    Máquina Mortífera 2

    Dois anos após o original, Richard Donner repetiria a dose com a continuação de Lethal Weapon, e neste episódio começa a mil, não perdendo tempo com rodeios – o espectador é jogado logo de início no meio de uma perseguição de carro alucinante.

    Os absurdos do filme anterior continuam: corridas a pé, carros atravessando lojas, discussões enérgicas e infindáveis entre Murtaugh e Riggs – em que nenhum dos dois vence… O problema das continuações em geral é que se perde o elemento surpresa e o investimento maior é na maximização de tudo que deu certo no original. Maquina Mortífera 2 não é diferente nesse quesito. O tom é bem mais leve que o primeiro, solidificando ainda mais o clima de “filme para toda a família”, as piadas são mais frequentes, as gags engraçadinhas também aumentaram assim como o humor de teor racial – plenamente justificável, principalmente pelo contraste com os opositores.

    Um momento que certamente fica na memória de quem vê é cena da bomba presa a privada, enquanto Murtaugh estava… se aliviando, praticamente paralisado por 18 horas. Quando ele se desvencilha da armadilha, há um momento tocante com seu parceiro, mas isso é deixado de lado imediatamente, pois quando o artefato explode a privada cai inteira em cima do carro do policial, sem espalhar sequer um tolete.

    Os vilões são encabeçados por um diplomata sul-africano extremamente racista, que abusa do direito a imunidade diplomática, os absurdos que o bando comete beiram o impossível. Por não poderem “tocar” nos bandidos, os policiais encabeçados pela dupla dinâmica fazem um cerco psicológico aos terroristas, apelando para um tom jocoso, mas sempre político.

    É curioso hoje ver o Mel Gibon com uma placa na mão com os dizeres:
    “ End Apartheid Now!”

    A trilha de Metais continua pontuando os momentos importantes do filme, principalmente os de emboscada. Maquina Mortífera 2 investe mais em ação que o primeiro, em detrimento dos conflitos, e suas cenas são mais bem elaboradas e tensas.

    Com o decorrer da trama, Riggs se vê diante de seus fantasmas novamente, é confrontado e obrigado a reviver o trauma da morte de sua esposa e tem a chance de vingança que tanto buscava. Mel Gibson está muito mais a vontade no papel, assim como Danny Glover. O personagem de Joe Pesci (Leo Getz) é insuportável, mas sua chatice é proposital e serve bem a trama. Por vezes há oportunidades de Murtaugh se corromper e por as mãos no dinheiro sujo, mas o seu código moral não permite que ele caia em tentação, e apesar desta menção a abordagem ao tema é bem superficial. Ponto alto mesmo do tira veterano é a solução para o imbróglio da imunidade diplomática, resolvido com uma atitude típica dos filmes de brucutus dos anos 80.

    A mensagem no final mostra Martin Riggs decidindo por parar de fumar, escolhendo assim a vida, mesmo após enfrentar os seus medos. Máquina Mortífera 2 não é superior ao primeiro filme, mas faz seus personagens e as situações evoluírem, e por isso vale muito a pena ser (re)visto.

    Ouça nosso podcast sobre Máquina Mortífera.

  • Crítica | Máquina Mortífera

    Crítica | Máquina Mortífera

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    Em 1987 começava a franquia Máquina Mortífera. Dirigida em sua totalidade por Richard Donner, este episódio é roteirizado apenas por Shane Black, e apesar dos trabalhos anteriores de ambos flertarem com “histórias de Supertiras dos anos 80”, este Lethal Weapon oferece um pouco mais de conteúdo e substância em comparação com os seus primos cruzados.

    A começar pela dinâmica da dupla de protagonistas – que marcaram época e ditaram tendências. Roger Murtaugh, feito por Danny Glover e Martins Riggs com um Mel Gibson mais canastra do que nunca, são apresentados como dois policiais em momentos bastante distintos. Murtaugh é um afro-americano recém cinquentenário que vive no subúrbio de Los Angeles com uma família que concentra todo o seu foco e considera-se velho demais (clichê repetido muitas vezes em toda a cine-série) para o trabalho de policial em LA. Já Riggs é o novato realocado para o departamento de Roger por ser uma bomba relógio, com sérias tendências suicidas e total desprendimento social, mora em um trailer imundo, fuma como se não houvesse amanhã, não teme morrer, tem um passado trágico que o faz chupar pistolas o tempo todo e pra piorar é um exímio atirador. O grande trunfo do roteiro é a química entre os parceiros que se vêem juntos por obrigação – ao menos no início – mas tornam-se indispensáveis um ao outro, juntos eles aprendem a valorizar o que a vida e o trabalho podem lhe proporcionar, seja apenas a emoção e adrenalina no ofício ou um sentido um pouco maior do que apenas viver “um dia após o outro”.

    Além de ser bastante divertido, questões cotidianas importantes são abordadas: criação de filhos, união familiar, discussão de valores e segurança de entes queridos de policiais, corrupção de membros do alto escalão de órgãos governamentais, tráfico de entorpecentes, prostituição, violência urbana excessiva, mercado de vídeo erótico, ainda que alguns desses temas sejam apenas arranhados. Mesmo tocando nesses assuntos, o episódio ainda é apontado como uma diversão para “toda a família”, graças direção de atores, assim como as mil piadas e absurdos tão comuns nos filmes de brucutus.

    Tudo no filme é engraçado, a começar por um dos vilões, Mister Joshua (Gary Busey), caricato ao máximo e mau por natureza, que é tão ruim que odeia o natal. O ponto alto de sua existência é também onde o filme atinge a escala máxima do “Massa Véio”: após uma perseguição armada, Riggs e Joshua resolvem sua disputa na mão, no quintal de Murtaugh em meio a tempestade que lava os ombros ensangüentados dos heróis – nesse interim os outros policiais cercam os dois, não deixando escapatória ao bandido. O final do embate não poderia ser menos emblemático, com um tiro duplo de Murtaugh/Riggs, que serve como o batismo de sangue e como a representação gráfica de toda a parceria deles ao longo dos episódios seguintes da franquia: um sempre cobriria o outro, essa sempre seria a prioridade.

    A trilha sonora de Michael Kamen pontua muito bem os momentos de tensão, e ajuda a manter o clima do filme. Os solos de saxofone e guitarro em um estilo meio blue/jazz ressaltam as indagações e dúvidas dos personagens, seja as preocupações familiares de Murtaugh ou o instinto suicida de Riggs, sem as músicas de fundo certamente a aura de clássico de Maquina Mortífera não existiria.

    Lethal Weapon é uma metáfora sobre a história de amor e amizades entre dois homens, que descobrem novos sentidos para suas vidas, Murtaugh aprende a aceitar as agruras da idade avançada enquanto Riggs encontra uma nova família e mais motivos para viver além do trabalho. Foi imortalizado pelas atuações carismáticas de Gibson e Glover e funciona muito bem como uma diversão oitentista descompromissada.

    Ouça nosso podcast sobre Máquina Mortífera.

  • Crítica | Deus da Carnificina

    Crítica | Deus da Carnificina

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    Dois casais, Penelope e Michael Longstreet (Jodie Foster e John C. Reilly) e Nancy e Alan Cowan (Kate Winslet e Christoph Waltz) encontram-se no apartamento dos Longstreet para conversar a respeito de uma briga em que os respectivos filhos se envolveram. E o encontro, comprovando o princípio entrópico, avança e degenera rumo ao caos, transformando-se na carnificina do título.

    A exemplo de Who’s Afraid of Virginia Woolf?, o filme é adaptado de uma peça de teatro em que dois casais estão confinados num único ambiente – casa ou apartamento. Contudo, diferente deste, em que os recém-casados Nick e Honey (George Segal e Sandy Dennis) presenciam a lavação de roupa suja do casal “mais veterano”, Martha e George (Elizabeth Taylor e Richard Burton), em Deus da carnificina os casais parecem ter mais ou menos o mesmo tempo de vida em comum e as batalhas verbais ocorrem entre todos. Mesmo assim, é difícil não traçar um paralelo, já que em ambos os casais usam o conhecimento advindo da intimidade para que suas palavras causem o maior dano possível. A ironia, o sarcasmo, a acidez de algumas falas revelam que cada um conhece o ponto fraco do outro e mira ali propositalmente. Contudo, o diferencial do filme de Roman Polanski é que as discussões vão além do relacionamento entre os casais – por exemplo, o capitalismo despudorado de Alan versus o idealismo esquerdista de Penelope.

    O fato de ser uma adaptação de uma peça poderia se tornar um complicômetro. Porém, o diretor soube usar a técnica cinematográfica a seu favor, fazendo algo que no teatro não seria possível e, assim, direcionando o olhar do espectador a seu bel-prazer. Os atores surgem em planos e contraplanos, aos pares, trio, quarteto, acompanhando, como num passo de dança, a intensidade dos diálogos. E, assim como Sidney Lumet em 12 Homens e uma Sentença (também baseado numa peça), Polanski usa a câmera para controlar o ponto de vista do público e intensificar sua reação ao que acontece em cena. É interessante notar que o confinamento dos casais nesse ambiente deve-se totalmente ao acaso – o café oferecido na hora de ir embora, o sinal do celular que falha a caminho do elevador, entre outros pequenos eventos que fazem o casal Cowan sempre voltar ao interior do apartamento.

    E, já que o desfecho não é inesperado (sabe-se desde o trailer para onde se encaminha a trama), o interessante é acompanhar como isso acontece. Ver a evolução dos personagens. A civilidade e as convenções sociais sendo deixadas de lado. A polidez dando lugar à sinceridade extrema. As máscaras caindo à medida que os ataques verbais se sucedem. Situações triviais deflagrando reações desmedidas e aparentemente irracionais. A conversa, que se inicia de forma trivial, evolui de tal forma que deixa o ambiente tenso. Comentários normalmente inofensivos tornam-se o estopim para uma saraivada de reclamações e observações sarcásticas. E as protagonistas das discussões vão se alternando – casal versus casal ou um contra um em todas as combinações possíveis.

    A tensão que se instaura desde o início gera até uma reação física em Nancy. É estranho lembrar-se de um filme e referenciar-se a ele por causa de uma cena de vômito. Mas a cena foi tão bem feita e encenada, tão verossímil – tem-se a impressão de sentir aquele odor acre característico – que fica difícil não citá-la. Principalmente por que é a partir daí que a situação degringola. Se o espectador fica ao mesmo tempo surpreso e chocado com a cena, o mesmo ocorre com os personagens. O vômito parece servir de gatilho para os bons modos serem abandonados enquanto todos se sentem no direito de, a partir desse momento, expressar livremente seus pensamentos.

    Kate Winslet está perfeita nesta cena. Mas não apenas nesta: destaque também para o declínio do seu grau de sobriedade após alguns goles de um ótimo scotch. Aliás, todo o elenco está acima da média. Mesmo não tendo mais nada a provar, há tempos não se via Jodie Foster tão bem num papel. Numa obra em que a trama é calcada em personagens e diálogos, a excelência das atuações é algo essencial e que garante a fluidez da narrativa. O espectador consegue acompanhar, em closes e planos-detalhe, os gestos, maneirismos, micro-expressões de cada um dos atores, nuances dos personagens que seriam impossíveis de observar num teatro.

    Não é o melhor filme de Polanski. Mas mesmo um filme menor do diretor consegue conceder ao espectador uma experiência cinematográfica gratificante, mesmo que incômoda. Afinal, enxergar-se nas atitudes dos personagens não é nada agradável.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Um Porto Seguro

    Crítica | Um Porto Seguro

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    Não sou leitor de Nicholas Sparks. Conheço suas obras das adaptações cinematográficas, mas admiro seu entusiasmo. É um autor popular que vem compondo sua obra tendo como elemento principal o romance, sem nenhum medo de trabalhar com clichês e, a partir deles, produzir sua narrativa.

    Um Porto Seguro é a mais nova adaptação de sua obra, composta para conquistar tipos diferentes de público. A trama inicia-se com uma perseguição policial, criando um mistério que se desenvolve em paralelo com a história de amor, como se o autor unisse dois polos diferenciados em um mesmo elemento narrativo.

    Katie é uma garota misteriosa que foge de sua cidade até a pequena Southport, na Carolina do Sul, para recomeçar a vida. Mesmo evitando qualquer laço emocional, se envolve com Alex, um comerciante local, e, como costumeiro em histórias do gênero, o passado virá à tona como conflito.

    Não deve se assistir a uma produção do gênero esperando um arroubo de criatividade. As histórias de Sparks – e, basicamente, a maioria dos romances – são formatadas para se parecerem de alguma maneira. Dentro de um universo água com açúcar, há a quantidade necessária de conflito que se equilibra no mistério anterior vindo do passado, uma situação presente que dificulta a relação do casal e reviravoltas que, sem medo de utilizar clichês, se apresentam de maneira óbvia mas de forma que o espectador tão envolvido pela história não se importará.

    Sparks não tem medo de dar um golpe de realidade em seus românticos universos oníricos, seja uma história misteriosa a ser desvendada como nessa trama, uma amnésia traumática em Para Sempre ou uma doença degenerativa como em Diário de Uma Paixão. Nunca negando o estilo romanceado e os clichês, a maneira que compõe seu tecido narrativo de perfeição destruída pela realidade dá um novo fôlego para um gênero normalmente repetitivo.

    Evidente que não é a produção que agrada aquele que não suporta assistir filmes de romance. Mas satisfaz tanto quem gosta do gênero como não incomoda quem só está acompanhando alguém em uma sessão de cinema a dois. E isso é o suficiente para se compreender que, mesmo popular, Nicholas Sparks tem um talento em construir suas narrativas de amor.

  • Crítica | Um Bom Partido

    Crítica | Um Bom Partido

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    Em menos de dois meses, Gerard Buttler esteve presente em duas estreias nacionais: o longa de ação Invasão à Casa Branca e a comédia romântica Um Bom Partido, demonstrando a versatilidade do ator, que deseja ser reconhecido tanto como um herói como um personagem romântico – como é possível observar em sua filmografia.

    Um Bom Partido apresenta George, um jogador de futebol aposentado – elemento que é mais costumeiro a nós do que para estrangeiros – que, ao desejar um novo objetivo para sua vida, aproxima-se do filho e da esposa que o deixou.

    Em um primeiro momento, imaginamos que a trama será a típica história de rendenção de um homem que tenta anular os erros de seu passado. Há uma sensação de um leve drama familiar do pai que deseja aproximar-se do filho e conquistar seu amor. Mas, sem saber ao certo que rumo tomar, a história se quebra em diferentes vertentes.

    Há espaço para o humor exagerado que faz do pai um sedutor que consegue levar todas as mulheres que conhece para a cama, distanciando-se um pouco de uma provável intenção inicial do longa em ser um filme familiar, para, em seguida, deixar a personagem do filho de lado e concentrar-se no amor que George ainda sente pela ex-mulher, que está prestes a se casar.

    Mas a trama não sabe bem onde se encontrar. Sem ter um parâmetro definido em sua abordagem, não é possível estabelecer exatamente para quem está produção foi feita. O filme não pode ser assistido em família, por conta de algumas poucas piadas grosseiras. Não serve como um romance pelo cômico sexual da personagem. E, nas tentativas de se estabelecer em diversos elementos, o filme não consegue se manter em nenhum.

    Há coadjuvantes demais que desfilam seu talento sem necessidade, deixando sobras e pontas soltas em cena. Além de um Dennis Quaid como um marido infiel e paranoico que, de tão chato, chega a incomodar.

    A tentativa de Butler em não permanecer somente em um gênero é interessante, demonstrando seu interesse em ser versátil. Mas nada adianta se continuar realizando produções mal formatadas de que o público não se lembrará a longo prazo.

  • Crítica | Tudo Acontece em Nova York

    Crítica | Tudo Acontece em Nova York

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    Josh Radnor é um ator conhecido por interpretar Ted Mosby na sitcom How I Meet Your Mother. Esta película é sua estreia na direção de longas metragens, Happythanksmoreplease é um filme leve, com pitadas de humor com aparência de filme independente, mas com uma falsa cara de “história despretensiosa”.

    Sam Wexley, personagem de Radnor é em muitos aspectos a contraparte evoluída de Ted Mosby: inseguro, busca desesperadamente algo que não consegue alcançar, não sabe aonde quer chegar, distraído, enfim, a diferença básica entre Ted e Sam é a atmosfera, enquanto em HIMYM é o tom jocoso, em Happythanksmoreplease há um quê de subjetividade, o gênero oscila entre dramédia e história de amor e superação.

    O protagonista é um escritor que não consegue emplacar um romance, só escreve histórias curtas (contos), e que vai conversar com um editor sobre um dos seus trabalhos. No metrô a caminho da entrevista, ele encontra Rasheen, que se perde de sua família adotiva, e com o desenrolar do enredo, o menino vai morar com Sam. A relação dos dois poderia ser algo bonito e sensível, mas soa muito forçada, Rasheen “ajuda” o sujeito a se aproximar de uma garota e imediatamente depois eles ficam amigos – a transição entre completos desconhecidos que só tem a solidão como algo comum em grandes “amigos de fé” é muito rápida. Se Josh Radnor fosse um ator com uma capacidade dramática um pouco maior, talvez isso passaria despercebido.

    Há outros núcleos protagonizados por amigos de Sam, mas estes não são muito bem explorados, essas histórias paralelas deveriam ser melhores pensadas, como com a personagem de Zoe Kazan (Mary Catherine), que é prima de Sam e está numa encruzilhada com o namorado. Poderia ser legal, mas a história e a atmosfera em volta dela são tão descartáveis que se retirassem seu personagem e o de seu namorado do filme, quase não se notaria diferença, parece que eles estão lá apenas para preencher espaço no roteiro.

    Já com Malin Akerman – que interpreta a melhor amiga de Sam Annie – é diferente, apesar de seu drama ser ligado a um clichê (ela sofre um tipo raro de câncer, e não tem cabelos graças ao tratamento) e do romance do seu personagem ser meio piegas, sua atuação empresta muita veracidade a história, e o ponto alto do filme, méritos para a atriz, mais reconhecida pela beleza do que pelo talento.

    Tudo Acontece em Nova York é passável. Parece uma história pessimista e conformista mas sua máscara cai rapidamente, a mensagem final é extremamente otimista e sugere que o certo é esperar o melhor da vida, mesmo que a realidade momentânea aponte o contrário.

  • Crítica | Inatividade Paranormal

    Crítica | Inatividade Paranormal

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    Populares na década de oitenta, principalmente por causa de David Zucker com Apertem Os Cintos… O Piloto Sumiu e Corra Que a Polícia Vem Aí, a comédia pastelão sempre foi um subgênero do humor que baseava-se em histórias anteriores para produzir o riso.

    A grande demanda de Terror na década de noventa gerou Todo Mundo em Pânico, uma comédia dos irmãos Wayans que satirizava uma quantidade vasta de filmes de assassinos e, até hoje, se mantém com suas continuações (a quinta delas, com Charlie Sheen no elenco, tem sido apontada como uma das piores produções deste ano).

    Retomando as sátiras de terror, Marlon Wayans roteirizou, ao lado de Rick Alvarez (produtor de outros filmes do Wayans como As Branquelas e O Pequenino), Inatividade Paranormal. Uma sátira dos filmes mais recentes do gênero, hoje calcados em espíritos, exorcismos e no baixo orçamento de  filmes produzidos com a câmera na mão.

    Se o primeiro Todo Mundo em Pânico fazia rir por certo ineditismo, pelo retorno de um tipo de humor escrachado que não se via na época, o mesmo não pode se dizer desta produção. Na trama, filmada em estilo documental com câmera na mão, Malcolm anuncia ao público que dividirá a casa com a namorada, Keisha, sem saber que, além dela, um espírito será também um novo morador.

    É o cenário ideal para que surjam diferentes tipos rasteiros de piadas como repetição de escatologias, diversas insinuações sexuais e uma ou outra piada que, pela entonação dos atores, pode gerar certo riso. Afinal, é quase impossível que em uma hora e meia de piadas não haja uma que produza ao menos um risinho frouxo.

    Como elemento comum nos filmes de sátira, o roteiro se desdobra pela paródia, enumerando cenas que representam filmes diversos. De Atividade Paranormal a trama se transforma na possessão de A Filha do Mal, outra produção em estilo documental. E prossegue pulando de referência em referência, exagerando em piadas sobre cheiros e fluidos corporais, estimulos sexuais e outras piadas que devem ter um público, já que há uma continuação anunciada.

    Pode-se considerar a tentativa de Marlon Wayans em tentar produzir um filme tão significativo quanto foi Todo Mundo Em Pânico. Mas, justamente pela popularização desta obra, tantas outras paródias pastelões surgiram – como Espartalhões, Saga Molusco: Anoitecer, que não há mais espaço nem criatividade para se produzir um filme no estilo sem soar mal feito, caindo no pior defeito que uma comédia pode ter: não fazer rir.

  • Crítica | Sem Proteção

    Crítica | Sem Proteção

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    O estopim da trama é nebuloso. Não fica muito claro qual a motivação de Sharon (Susan Sarandon) para escolher se entregar naquele momento, depois de tantos anos. Além de não ficar claro como o FBI chegou até Sharon exatamente no dia em que ela resolve se entregar. Sua conversa com o repórter, na prisão, dá algumas razões, mas nenhuma delas convence, nem é forte o suficiente para justificar o abandono de sua família – seu marido e seus filhos. Apesar de carregada de um idealismo meio caduco, a visão de Mimi Lurie (Julie Christie) – de continuar levando sua própria vida – é mais convincente e bem mais realista.

    Não bastasse isso, alguns esclarecimentos sobre o passado dos personagens não chegam a causar suspresa. O espectador atento consegue, sem muito esforço, entender o que houve antes mesmo que Ben Shepard, o repórter vivido por Shia LaBeouf, explique suas conclusões ao editor do jornal em que trabalha. Aliás, no que diz respeito às pesquisas conduzidas por Shepard, há outro problema no roteiro. As respostas surgem tão facilmente, que fica pairando a dúvida: “Como o FBI não tinha conseguido qualquer pista sobre o paradeiro de Grant antes?”.

    Apesar da estória interessante, que lembra um pouco O Fugitivo (com Harrison Ford), o filme perde intensidade na segunda metade, que basicamente se resume à fuga de Grant (Robert Redford), seu encontro com antigos companheiros de grupo e sua perseguição pelo FBI. Além da estrutura encontra parceiro/obtém informação/foge antes do FBI chegar se tornar repetitiva, os eventos se sucedem muito lentamente. Em vários momentos, o espectador tem a impressão de que Grant não tem urgência alguma em chegar seja-lá-onde-for. E isso enfraquece bastante o envolvimento com a trama e o interesse pelo destino do protagonista.

    E o sucesso do filme acaba se calcando quase exclusivamente na qualidade do elenco peso-pesado, repleto de figuras tarimbadas, além de Redford e os já citados, temos ainda Nick Nolte, Chris Cooper, Stanley Tucci. Até LaBeouf está bem como o repórter que corre atrás da notícia seguindo seus palpites e pesquisando no Google. Conseguindo aos poucos se livrar da figura de Transformer Boy, desempenha com competência a função de ser o olhar do espectador dentro da trama.

    É uma pena que uma boa premissa tenha se perdido assim. E o que poderia ser um excelente thriller acaba sendo apenas um filme morno e um pouco cansativo.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | As Vantagens de Ser Invisível

    Crítica | As Vantagens de Ser Invisível

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    As Vantagens de Ser Invisível é baseado no livro homônimo de Stephen Chbosky – que também assume a direção. É um drama leve, pelo menos à primeira vista, e conta a história de um adolescente que se vê sozinho em meio a todos os conflitos que esta fase proporciona. Essa é a sinopse básica, mas falar isso seria arranhar muito na superfície, a película é bem mais do que parece.

    A película toca em temas espinhosos, e de uma forma única, foge de clichês e em momento nenhum é piegas ou panfletário. As Vantagens de ser Invisível é basicamente sobre pessoas traumatizadas. Charlie tem um bloqueio devido a um trauma, e essa questão só é “solucionada” no final do filme. Sam, personagem de Emma Watson (deliciosa como nunca e sexual ao extremo) tem vergonha do seu passado, Patrick, seu meio irmão, tem um relacionamento amoroso escondido, e eles formam um grupo de desajustados, auto-nomeados como Invisíveis, por não se encaixarem no padrão de colegiais normativos americanos. Charlie se vê como parte de algo quando está com este grupo de amigos, e isso o ajuda a superar seus demônios e a se livrar de sua incômoda solidão. Na prática, os Invisíveis são como um grupo de apoio mútuo, onde todos sofrem, se descobrem e são felizes juntos.

    O filme é entrecortado pela narração do protagonista, mas ao contrário da praxe geral, as falas acrescentam muito a história e preenchem o que as imagens não “poderiam mostrar”, principalmente por causa do tom de confessionário, isso é um dos enormes acertos de Chbosky. A edição também é algo primoroso, a montagem no final do filme faz com que o espectador sinta-se tão angustiado quanto o personagem.

    Quantos as atuações, pelo menos nos papéis centrais não há do que se reclamar. Pequeno destaque para Tom Savini e Paul Rudd, que fazem dois professores com funções completamente diversas. Savini faz um mestre corretivo, um pouco fascista (pelo menos para um dos personagens) e que grifa as exclusões, enquanto Rudd faz um mentor na mais pura essência da palavra, incentivando Charlie e fazendo-o descobrir sua vocação, mas tudo isso é só pincelado. O destaque mesmo vai para Ezra Miller, já visto (muito bem por sinal) em Precisamos falar sobre Kevin, que faz aqui um papel completamente diferente do anterior citado, é um garoto irônico, ácido, que odeia obviedades e com uma personalidade forte, seu Patrick é um personagem riquíssimo, e só é crível graças à ótima atuação de seu intérprete.

    O tema central da história e as razões que levam o protagonista a ser o que ele é só são revelados com o decorrer da história, e a maneira como é mostrada é adulta, séria e sem rodeios – nesta parte parece até que ele muda de gênero, o que é ótimo. Quando Charlie se sente inseguro, ele sempre se vê como um garotinho, de volta a sua infância e de volta a relação conturbada que teve com a sua tia que faleceu – sua pessoa preferida no mundo. O molestado sente-se culpado pelo destino do molestador, e essa questão é uma analogia para muitas coisas, inclusive para questões do cotidiano.

    Outro ótimo ponto positivo é a exploração do relacionamento homoafetivo retratado como algo real e não caricato, mais uma vez toca no assunto rejeição/aceitação, ainda que o tom seja leve. As Vantagens de ser Invisível é um filme adolescente, mas que não subestima seu espectador. Quem dera que todos os filmes juvenis fossem assim.

  • Crítica | Chumbo Grosso

    Crítica | Chumbo Grosso

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    Quem é familiarizado com o cinema “nerd” britânico deve conhecer bem o trio Edgar Wright, Simon Pegg e Nick Frost, pois ao contrário das produções homogeneizadas dos EUA que vão de Kevin Smith a Big Bang Theory, na Inglaterra o humor de referência atinge níveis mais maduros e com resultados bem mais inteligentes.

    Chumbo Grosso está nesse patamar. Depois do já excelente Shaun of the Dead (Todo Mundo Quase Morto), que faz uma sátira dos filmes de zumbi, agora o trio vem com um filme satirizando de forma inteligente os gêneros de ação/policial e investigação-de-um-homem-só-que-decide-fazer-justiça-com-as-próprias-mãos.

    Nicholas Angel (Pegg) é um dos melhores policiais de Londres, sendo bom ao ponto de causar inveja nos demais homens da lei. Por causa disso, é transferido por seus superiores para a pequena cidade de Sandford, que possui o menor índice de criminalidade de toda Inglaterra. Chegando lá, forma parceria com o curioso Danny Butterman (Frost) e começa a achar estranho o fato de acontecerem muitos acidentes na cidade, além de ninguém ficar preso e muitas pessoas simplesmente desaparecerem. Como bom policial que é, resolve ir a fundo na investigação desses eventos.

    Os dois primeiros atos são relativamente monótonos e se preocupam mais em nos situar geograficamente em uma vila no interior da Inglaterra, quando um policial exemplar de Londres é transferido pra lá. Depois, são somente descobertas em cima de uma possível grande conspiração na cidade.

    Porém, toda essa discrição só serve para o clímax final, que ao mesmo tempo subverte e se condiciona aos clichês do gênero, pois se em um filme tradicional o policial ao menos pediria ajuda, aqui ele encarna o “policial oitentista” (referenciado em filmes como Caçadores de Emoção) e parte para a guerra armado até os dentes, aproveitando cada momento para fazer uma piada em cima de uma piada (quando por exemplo, ao derrotar um dos vilões em uma briga, Frost pergunta a Pegg se após deixa-lo no freezer desacordado, falou a frase “fica frio”, típico fim de cena de luta no cinema de ação americano). Basicamente é um cinema de fãs para fãs, respeitando a originalidade de se contar uma história clichê, mas divertida e não ofensiva. Destaque também para as várias participações especiais, como por exemplo, Timothy Dalton, Martin Freeman, Bill Nighy, entre outros.

    O único aspecto negativo que percebi foi a forma que algumas cenas de ação foram filmadas. Com muitos cortes, sempre rápidos, e focados de forma a nos desviar de perceber algum erro de coreografia na luta, às vezes fiquei confuso tentando entender quem estava batendo em quem e com o que. Porém, nada que tenha estragado a experiência final do filme, pois cenas assim se repetiram em torno de duas vezes durante todo o longa. No modo geral, é um bom filme para quem gosta de uma boa comédia policial.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Pietá

    Crítica | Pietá

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    Embora o cinema coreano seja conhecido por filmes de terror e uma violência bastante gráfica, Kim Ki-Duk tornou-se um de seus nomes mais conhecidos fazendo o que parecia o oposto. Filmes como Primavera, Verão, Outono, Inverno… Primavera e Casa Vazia são extremamente líricos e habitados por uma violência que é mais psicológica e subjetiva. No entanto, em seu mais novo filme, Kim Ki-Duk abandona a delicadeza e se aproxima do conterrâneo Park Chan-Wook.

    O filme, ganhador do Leão de Ouro em Veneza, se centra em Gang-Do, um cobrador de dívidas extremamente violento e na mulher que aparece de repente afirmando ser a mãe que o abandonou.

    No início, Gang-Do é quase um animal: ele come, dorme, se masturba e cumpre seu trabalho com uma crueldade que, descobriremos mais tarde, é desnecessária. Quando um dia, uma mulher afirma ser sua mãe, ele reage com violência e rancor, mas aos poucos percebemos que sua dor e raiva são imensos e esses sentimentos serão o motor do filme.

    Dor, raiva e vingança são o que movem o filme de Kim Ki-Duk, mas tudo acontece em um nível visceral, quase primitivo. Há poucos diálogos, mas muito sangue e gritos de dor e o diretor nunca enquadra seus personagens por inteiro, reforçando a incomunicabilidade e desumanização das pessoas retratadas ali. A direção de arte coloca tudo em tons de cinza, exceto por Mi-Son, a mulher misteriosa.

    Mi-Son aparece para Gang-Do com uma echarpe verde viva e batom vermelho e todos os seus objetos possuem cores gritantes, se opondo à frieza cinza do resto do filme. A princípio, Mi-Son parece a única possibilidade de humanidade, afeto, piedade que o filme apresenta. Sua permanência ao lado do filho perturbado nos faz acreditar em um amor incondicional e um arrependimento genuíno. Contudo, para Kim Ki-Duk, não há escape, ou piedade.

    Mi-Son é realmente um símbolo do amor maternal e abnegado, profundo ao ponto da insanidade, ela é a única personagem verdadeiramente humana do filme, mas sua humanidade é, como se espera, falha, enviesada e cruel. Ainda assim, sua presença humaniza Gang-Do, seu amor torna-o finalmente um ser humano (ainda que perturbado) e coloca o dilema moral que, no final do filme, o espectador não é capaz de resolver.

    Pietá é um filme extremamente incômodo e, por mais gráfica que seja sua violência, é a força dos sentimentos demonstrados que fere quem assiste. Kim Ki-Duk foi estudante de artes plásticas e cada plano seu é de uma beleza incrível, que, quando a serviço de tal roteiro, aumenta o desconforto e o choque. No entanto, apesar de toda excelência plástica do filme, o roteiro de Pietá parece pálido perto de Oldboy, filme do mesmo país e que trata dos mesmos temas, mas de um diretor que parece mais disposto a colocar as mãos na lama.

    Kim Ki-Duk faz um filme limpo demais para seu tema, ascético quando quer falar de descontrole. É um bom filme, mas quando o diretor soube casar sua forma e seu roteiro (por exemplo em Casa Vazia) ele foi extraordinário.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Terapia de Risco

    Crítica | Terapia de Risco

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    Steven Soderbergh é diretor que trabalha com diferentes facetas em sua carreira. Há o diretor alternativo, que realiza produções de baixo orçamento como aquelas feitas em seus primórdios. Há o lado comercial e divertido que, ao lado do amigo George Clooney, produz histórias divertidas. E há uma terceira, que vem realizando panoramas temáticos em bons filmes como Traffic (sobre o tráfico de drogas) e Contágio (uma epidemia dissecada).

    Terapia de Risco parecia ser mais uma dessas produções que exploram um tema específico transformando-o em história, normalmente dividida em diversas frentes para produzir um panorama crítico. Dessa vez, porém, o diretor optou por concentrar-se em uma única história sobre a relação entre médico e paciente e o uso de remédios controlados.

    Na trama, devido a uma críse de ansiedade, Emily arremete o carro contra uma parede e é tratada pelo psiquiatra Jonanthan Banks, que, à procura de melhorar a condição da paciente, lhe receita um novo medicamento ainda em fase de testes.

    Tem-se a impressão de que vamos assistir a uma crítica pontual a respeito da relação entre a psiquiatria e o uso excessivo de remédios controlados. Há estatísticas que apontam que o número de usuários destes medicamentos aumentam a cada ano, nos fazendo refletir que ou a população está se tornando mais infeliz ou médicos têm receitado tratamentos em excesso, mesmo quando outros processos mais amenos, como uma terapia tradicional, fossem suficientes para resolvê-los.

    Médico e paciente estão em cena sem escolhermos um lado propriamente, até um grave acidente envolvendo a paciente que muda também a narrativa apresentada até aqui. O que poderia ser uma excelente trama sobre a potência industrial e comercial dos remédios controlados se torna uma trama de suspense em que médico tenta investigar o que de fato levou a paciente a provocar o acidente. Não bastando a mudança brusca, há uma reviravolta incômoda que parece improvisada.

    Até um momento inicial a narrativa permanece neutra, apontando fatos e deixando o julgamento para o público. Mas a imparcialidade muda, dando espaço para o tom policialesco e conspiracional que eclode em uma boba cena de revelação, com elementos tão melodramáticos que não possuem verossimilhança nenhuma.

    É como se o roteiro tivesse unido duas tramas distintas ou feitas por um roteirista que muda de personalidade no meio da escritura. Será essa a intenção de Soderbergh? Produzir um meta roteiro com um escritor bipolar para apontar como as doenças mentais estão presentes no mundo e que remédios podem ou não ajudar? Provavelmente não.

    Mas, compostas de uma maneira a causar um impacto ativo no público, a trama perdeu a potência de produzir mais um panorama crítico como aconteceu nos dois citados filmes anteriores, resultando em uma história de final tão rasteiro que a qualidade da direção de Soderbergh pode passar desapercebida por alguns.

  • Crítica | Dezesseis Luas

    Crítica | Dezesseis Luas

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    Grandes produções hollywoodianas sempre geram outras produções similares, normalmente inferiores ao seu produto original. Quando Harry Potter fez sua estreia nas telas, outras adaptações vindas de uma narrativa de um cenário mágico surgiram. Os Seis Signos da Luz, Eragon e Eu Sou o Número Quatro são apenas alguns exemplos: são obras que podem ter alguma qualidade em seu texto original, mas que foram formatadas para ter semelhança com a narrativa do bruxo.

    O sucesso da saga Crepúsculo também trilhou um caminho para o gênero com produções similares; ainda que, desde seu primeiro filme, tenha dividido o público entre os que mal recereberam a história, que tornou-se certo motivo de riso, e outra grande parcela de público que lhe trouxe sucesso mundial.

    Dezesseis Luas, criado por Kami Garcia e Margaret Stohl, seria a nova história de amor e magia da vez, tentando aproveitar-se de um espaço deixado pelo fim da saga dos vampiros após cinco filmes.

    Mesmo que sua trama tenha semelhanças com aquela do casal Bella Swan e Edward Cullen, a produção é mais voltada para uma narrativa adolescente que insere tais elementos mágicos como um elemento a mais para não desenvolver somente uma história amorosa. Em vez do patético apresentado por Stephenie Meyer, com personagens românticas em excesso e vampiros brilhantes, a dupla de escritores desta saga optou por seguir uma linha mais tradicionalista. Lena Duchannes, a personagem central, é deslocada, esconde os segredos habituais, mas carrega uma ironia carismática que faz dela e de seu par romântico, Ethan Wate, um ponto de ligação com o público. Ao contrário do casal da outra saga, composto por um vampiro apático e uma mocinha sem sal.

    Mesmo que não haja intenção nenhuma em ser uma história espetacular, observar duas personagens centrais divertidas e agradáveis é um bom caminho para uma história que não tem nenhuma intenção de ser mais do que uma aventura formada para um público juvenil.

    Dentro de seus parâmetros de história juvenil com um ambiente apoiado pela magia e história de amor que envolve maldições e bruxaria, a trama é funcional e deve atingir em cheio o gosto do público. Mesmo que o tradicional não apresente nada novo, a base tem mais sustentação que diversas outras histórias maiores.

    Some a isso atores consagrados sendo coadjuvantes bem à vontade com suas personagens, como se se divertissem ao fazer uma trama mais leve que não exigisse muito de seu talento, ao mesmo tempo que os deixa mais visíveis na mídia.

    Ao optar pelo caminho seguro de uma trama óbvia, seu resultado se fez bem equilibrado e agradável, entregando uma aventura juvenil com tudo que o público deseja ver.

  • Crítica | O Som Ao Redor

    Crítica | O Som Ao Redor

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    Na crítica da produção brasileira A Busca, mencionei que, tradicionalmente, a composição de uma história – seja narrativa cinematográfica ou literária – transita de um ponto de arranque a outro, tendo, nesse caminho, uma série de acontecimentos que podem, ou não, transformar a personagem central.

    Paralelamente a este estilo de história com uma intenção clara, há outras que se completam por um todo maior, como pontas que se apresentam a cada momento e que se unem somente no final.

    Estas declarações servem como afirmativa de que, embora tenha reconhecido que O Som ao Redor produziu muitas críticas positivas, não fui capaz de, após assisti-lo, ou após refletir a respeito do que assisti, encontrar um significado que representasse o filme com toda sua dimensão.

    Como infere o título, a trama parte de um bairro e faz dele uma personagem que permeia todas as histórias situadas na mesma rua. A sensação de invasão sonora é constante. É um dos longas brasileiros com melhor integração entre som gravado e ambiente que já assisti. Tem-se a sensação de estar inserido na cena ao reconhecer os barulhos cotidianos que estão presentes em qualquer ouvido de quem vive em uma metrópole. Essa identificação universal faz com que o público sinta que, mesmo sem uma história aparente, poderia ver seu próprio bairro refletido na história.

    O longa é divido em quatro partes, apresentando o único elemento novo no bairro: um grupo de vigias que deseja trazer mais segurança aos moradores. A concepção de capítulos dentro de uma história apresenta com mais nitidez o conceito de que estamos acompanhando tramas, como capítulos, que chegaram a algum lugar somente em seu final. Porém, este desenlace parece desimportante, e um tanto senso comum, que nem parece ter sido considerado primordial na concepção de seu diretor.

    O que mais se destaca são as relações estabelecidas pela história, mostrando como um grupo coletivo, mesmo vizinhos, tem seus problemas, amores e ódios. É a partir destes personagens, e do próprio bairro como um deles, que identificamos as intenções que não se mostram explicitamente.  Um recorte da vida cotidiana que não esconde nenhum de seus lados.

    Na recente polêmica entre Kleber Mendonça Filho e Carlos Eduardo Rodrigues, ex-diretor da Globo Filmes, sobre filmes comerciais ou não, vale afirmar que não há nada que transforme a trama de O Som Ao Redor em uma produção hermética. Sem dúvida pode afastar quem não está acostumado a uma narrativa que não se revela por completo, necessitando de uma observação mais atenta de que vê. Mas o problema, neste caso, não é da comerciabilidade ou não do produto, mas talvez de um público acostumado a ver histórias mais rasteiras e – como tem sido padrão em muitos cinemas brasileiros – em versões dubladas.

  • Crítica | A Caça

    Crítica | A Caça

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    O movimento Dogma 95 é conhecido por mim, mas não contemplado com um olhar mais atento do que aquele dividido entre crítico e apaixonado por cinema. Após assistir esta produção,  observei que o diretor era Thomas Vinterberg, um dos criadores do movimento. Desde já, peço que relevem qualquer omissão que faça em relação às regras primordiais do movimento.

    Com direção de Vintenberg e estrelado por Mads Mikkelsen – vencedor do prêmio de Melhor Ator em Cannes e hoje conhecido por interpretar o psiquiatra Hannibal Lecter A Caça é uma produção excelente que funciona, além de sua história em si, como uma análise e um estudo do comportamento coletivo e das fabulações de uma mentira.

    Mikkelsen é um professor de uma creche em uma pequena cidade em que todos se conhecem e luta para sobreviver a um complicado divórcio que lhe tirou a guarda do filho. Em um desses arroubos infantis, uma de suas alunas projeta uma pequena paixão no professor e, ao ser reeprendida por ele ao tentar beijá-lo, desenvolve a mentira de que o professor teria lhe mostrado as partes íntimas.

    A trama escolhe nos apresentar a história de maneira natural e coerente, sem nenhum apelo e nem escolha de lados. Parte de um gesto simbólico de uma pequena garota para uma mentira que conquista maiores dimensões e destrói a vida do professor.

    Mesmo que ao professor tenha sido confiada a educação dos filhos, a cordialidade e a amizade que a comunidade tem por ele são destruídas pela potência do rumor que promove uma histeria no coletivo, que começa a vê-lo como um monstro.

    O tema que serve como base da história é um dos mais polêmicos da atualidade, presente em notícias diárias de adultos que abusaram sexualmente de infantes. Se o assunto por si só tem uma pesada carga, a trama demonstra que até mesmo uma acusação neste teor é o suficiente para produzir uma raiva coletiva e desestabilizar o acusado. É inegável que trata-se de um crime hediondo; contudo, é interessante ressaltar que, em casos como este, a necessidade pública de fazer justiça ultrapassa a punição de uma lei e produz uma massa que deseja, literalmente, liquidar o acusador.

    A personagem julgada pela própria sociedade, sem oportunidade real de defesa, perde sua base. Aos poucos, vemos um homem equilibrado que tentava seguir sua vida após um divórcio ser destruído por uma opinião histérica pública. A composição de Mikkelsen para o papel demonstra que é um ator de grande intensidade vista em pequenas expressões. Sua dor é interna, minimalista nos gestos, se acumula em um crescendo que explode em uma das melhores cenas do longa, realizada em contraste tanto pelo espaço cênico, que demonstra o sagrado e o blasfemo, como é o auge da libertação emotiva.

    Em outro aspecto, há a mentira criada pela criança, motivo que desequilibra toda a vida do professor. Adentrando um pouco o escopo da psicologia, há estudos que afirmam que seres humanos são capazes de mentir desde a infância. O filme demonstra como uma mentira branca, uma pequena criatividade na hora de expor os fatos, pode ser fatal na vida dos ofendidos.

    A naturalidade da narrativa, que nunca transforma o tema em polêmica como normalmente é visto, e a boa credibilidade de suas personagens fazem de A Caça um reflexo e uma análise incrível sobre a força da mentira e o julgamento de um coletivo, nunca desequilibrando sua trama bem composta e sem nenhuma crítica prévia.

    Ao expor um acusado frente uma multidão que não acredita nele e o repreende, observamos uma angustiante sensação de que a verdade nem sempre é prerrogativa que a massa deseja ouvir. E a angústia da personagem permanece no espectador, que reconhece que há certas dúvidas que jamais se dissipam, mesmo na clareza dos fatos. É devastador.

  • Crítica | Indomável Sonhadora

    Crítica | Indomável Sonhadora

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    Indicado ao Oscar de melhor filme e melhor atriz, Indomável Sonhadora, do diretor Benh Zeitlin, é uma daquelas produções pequenas que aos poucos vai conquistando seu espaço dentro da indústria, e que talvez sirva para que mais uma enxurrada de produções similares venha na esteira.

    Misturando ficção, realidade e a mais pura imaginação, a história passada durante o furacão Katrina, em 2005 no sul dos EUA, nos mostra um lado deste país que raramente vemos no cinema, o que às vezes até nos leva a duvidar se aquilo é realmente um retrato de sua realidade. Durante boa parte do início da história, não seria surpresa se algum espectador desavisado pensasse que aquela história fosse passada em um local que não existisse de fato.

    Mas ele existe, e nele vive uma pequena população que se recusa em integrar-se a “sociedade moderna” e vive do seu jeito, ao melhor estilo “bom selvagem”, com suas regras, códigos de conduta e aprendizagem, que nos faz a todo tempo sentir raiva e compaixão por eles, que por vezes agem como animais, totalmente irracionais frente a obviedades que o estudo da ciência nos proporciona, mas que ao mesmo tempo sabem desfrutar melhor do que qualquer “civilizado” os momentos simples que a natureza pode dar.

    Em meio ao apocalipse criado pelo Katrina, passamos a conhecer Hushpuppy, uma criança que só conhece aquele mundo e o entende através das alegorias às quais foi apresentada, como uma história a respeito dos homens das cavernas e como eles se relacionavam com os animais que caçavam, o que daí gera na personagem uma série de questionamentos sobre as relações dos homens e da natureza.

    A história é basicamente a visão de Hushpuppy a respeito de tudo o que está acontecendo, portanto devemos deixar o nosso “vício da realidade” um pouco de lado para absorvermos todo o espectro da imaginação da criança, que por ter sua única fonte de conhecimento um pai por vezes ignorante e alguns amigos sem instrução, acaba por interpretar de seu jeito a realidade que vê e fazer sentido em tudo o que acontece, como faríamos todos em seu lugar. O próprio título original, “bestas do sul selvagem”, nos traz uma alegoria que remete tanto aos moradores deste sul remoto, quanto aos animais que Hushpuppy vê, e como ambos se relacionam.

    Brutalmente simples e sem glorificar, santificar ou usar a pobreza como panfleto político, “Indomável Sonhadora” nos traz diversas mensagens, que cada pessoa, com sua bagagem, poderá interpretar de um jeito. Mas acredito que a mensagem principal é a de que as relações humanas e nossas formas de pensar são universais, de que nossas crianças são as mesmas, independentemente se estão abandonadas no meio de um grande centro urbano ou em uma vila de pescadores, e sempre tentarão interpretar a realidade de uma forma mágica, buscando elementos em seu contexto, interpretando-os de sua forma para criar sua própria realidade a fim de facilitar a dura experiência do cotidiano.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Ajuste Final

    Crítica | Ajuste Final

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    Ajuste Final (Miller’s Crossing) destoa do filme anterior dos Coen, a comédia Arizona Nunca Mais, e retorna ao clima sombrio e tenso de Gosto de Sangue. Situado nos EUA durante a proibição do álcool, o filme trata dos problemas de relacionamento entre gangsteres pelas mais diversas razões, em uma trama que no começo parece simples, mas que vai se tornando cada vez mais complexa, até o clímax.

    A história começa nos apresentando Leo (Albert Finney), um gangster irlandês e líder político que comanda o lado leste da cidade com a ajuda de Tom (Gabriel Byrne), seu homem de confiança e conselheiro. Mas seu controle da cidade é desafiado por um ganancioso subchefe italiano, Johnny Caspar (Jon Polito) e seu braço direito Eddie Dane (J.E. Freeman). Com uma bela cena inicial que remete ao O Poderoso Chefão (quando alguém pede um favor a Don Corleone, que senta atrás de uma mesa apenas ouvindo a história), o motivo da discórdia entre Leo e Caspar nos é entregue logo no início, e envolve Bernie (John Turturro), um apostador que está pegando dinheiro indevidamente de Caspar. Bernie é irmão de Verna (Marcia Gay Harden), que é a namorada de Leo, mas que tem um caso com Tom. Parece confuso? E é. Por isso o filme demora um pouco para embalar, mas quando conseguimos acompanhar seu ritmo, ele não falha em momento algum.

    O conselheiro Tom foge totalmente do papel representando por Robert Duvall em “O Poderoso Chefão”, pois se lá o conselheiro era alguém quase infalível e intocável, aqui, ele tem problemas com dívidas de jogo que só vão aumentando, além de se envolver com a mulher do chefe, apanhar em vários momentos e ainda ser enganado, por mais inteligente que seja, por Bernie, em uma excelente cena. Apesar de todos os contratempos, Tom mostra toda sua perspicácia e sagacidade ao manipular as peças do tabuleiro a seu favor, mesmo que isso lhe custe algo no momento. Tudo em prol do objetivo maior. Um estrategista nato, que faz o que pode para conseguir o que quer. E é nele que reside o toque de humor característico dos Coen, que apesar de ser um drama pesado e escuro, ainda consegue encontrar espaço para tiradas sarcásticas extremamente bem colocadas.

    Tecnicamente o filme também é impecável. Lançado em 1990, não é nem um pouco datado. O figurino é excelente, assim como as locações e até os mínimos detalhes, como as armas e seus efeitos sonoros explosivos e como os gângsteres as manejavam, de tão pesadas e violentas que eram. A fotografia também é excelente, com tomadas sempre precisas de cenas belíssimas, como as rodadas no lugar chamado “Miller’s Crossing”, um pedaço de floresta que serve de local de execução e despejo dos corpos (e que dá o título original ao longa), além de retratar, com uma tonalidade escura, uma era extremamente violenta e depressiva. As cenas de execução são de um realismo também impressionante de tão bem executadas.

    Sem os típicos exageros hollywoodianos de corpos explodindo e voando para trás, tudo soa tão real que o mínimo dano parece impactar muito mais, e é essa noção de realidade que permeia todo o filme, pois sabemos que todos são mortais e numa época de extrema violência, lidando com o crime organizado, a morte se torna algo muito próximo.

    Conforme a história vai caminhando, Tom vai costurando tudo a ser favor, e na resolução, fica a dúvida se aquele era realmente seu objetivo ou se foi ajudado por circunstâncias externas, tanto que após tudo aquilo ele resolve não voltar a trabalhar como antes. Além dessa e de outras interpretações, fica a vontade de rever para tentar pegar mais e mais detalhes da história, prova de que ela funciona, e de como os irmãos Coen sabem contar uma história.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Killer Joe: Matador de Aluguel

    Crítica | Killer Joe: Matador de Aluguel

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    Este é o tipo de filme que, ao seu término, deixa o espectador na dúvida. Não dá para dizer se gostou ou não, porém não dá para negar que causa uma impressão que custa a se dissipar. O humor negro que permeia todo o filme, a sensação de conhecer talvez a família mais estúpida e desajustada da história do cinema, a certeza de ver a melhor atuação de Matthew McConaughey até hoje e uma sequência final de tirar o fôlego são apenas alguns dos elementos que fazem deste um filme difícil de descrever em palavras.

    Há nudez, violência física e verbal, falta de escrúpulos e de expectativas num universo obscuro e deprimente em que as pessoas moram em trailers, com um cão ladrando acorrentado durante toda a noite, com uma TV ligada todo o tempo passando aparentemente sempre a mesma programação. E William Friedkin apresenta isso logo na sequência de abertura, à noite e sob a chuva, esfregando – quase literalmente – na cara do espectador a depravação do mundo em que vivem os personagens.

    A trama em que os personagens estão enredados é praticamente uma tragédia anunciada. O público assiste sabendo que algo ruim irá acontecer. E acontece. Mas acontece muito mais do que era esperado. No último terço do filme, através da expressão truculenta e insana de Killer Joe, Friedkin parece se dirigir ao espectador: “Você estava esperando violência? Estava aguardando a tragédia? Então, agora aguenta aí.” E o espectador não é poupado de cenas cada vez mais perturbadoras, daquelas que dão vontade de desviar o olhar.

    A história é bem estruturada, apesar de sua simplicidade. Mas a força está mesmo nos personagens, complexos e bem desenvolvidos. Apesar do aparente exagero nas tintas, a ótima performance do elenco torna-os totalmente verossímeis. Há Chris Smith (Emile Hirsch), o jovem traficante, totalmente gauche na vida, que já foi expulso de casa pela mãe por tê-la agredido. Seu pai, Ansel Smith (Thomas Haden Church), tão bronco e ignorante, cuja preocupação maior ao conversar com a atual esposa sobre a filha caçula é não esquecer o dinheiro para a cerveja. Sua irmã mais nova, Dottie (Juno Temple), ingênua e totalmente alienada da realidade ao redor, cujo corpo adolescente é um misto de inocência e sensualidade. Sua madrasta, Sharla (Gina Gershon), uma quarentona enxuta (?), habituada a usar o corpo e o sexo para conseguir o que quer.

    E, finalmente, há Joe Cooper (McConaughey), o assassino de aluguel, detentor de um código de ética próprio e muito, muito educado. Mas educado de um modo assustador. A própria Dottie lhe diz: “Your eyes hurt” (“teus olhos machucam”). Contido, tem-se a impressão de que a qualquer momento ele irá surtar. E surta. E o mais assustador é que, quando ele surta, apesar de parecer descontrolado, percebe-se que suas ações não são impulsivas, que ele ainda é senhor de seus atos. Enfim, uma atuação sem precedentes de McConaughey, que consegue revelar aos poucos a psicopatia do personagem.

    E, dessa mistura entre humor negro e insanidade, emerge uma comédia de erros de tons mórbidos que causa um estranhamento no espectador, mas que valida toda a excentricidade do filme.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Invasão à Casa Branca

    Crítica | Invasão à Casa Branca

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    Filmes com temas quase idênticos sendo lançados na mesma época. Uma tendência que Hollywood sempre repete, e o mais recente exemplo é a dobradinha que mostra a Casa Branca sendo invadida. Olympus Has Fallen, batizado por aqui como, hã, Invasão à Casa Branca, foi esperto e se antecipou a White House Down (O Ataque), que tem estreia prevista pra setembro. Neste longa dirigido por Antoine Fuqua, acompanhamos Mike Banning, agente do serviço secreto que chefia a equipe de proteção do presidente. Afastado do cargo quando falha em salvar a vida da primeira-dama, ele tem a chance de redenção meses depois: terroristas norte-coreanos (sempre eles, hoje em dia) conseguem dominar a residência oficial do líder norte-americano, tomando ele e boa parte de seu gabinete como reféns. Mike, o cara certo no lugar errado, é o único capaz de, literalmente, salvar a pátria.

    Com essa premissa, não precisa ser nenhum gênio pra perceber que teremos altas doses do velho patriotismo exacerbado, tipicamente estadunidense. Com direito inclusive a simbolismos nada discretos, por exemplo, câmera lenta e música dramática quando os vilões retiram do mastro a bandeira dos EUA e a jogam fora. Ainda mais sendo um filme de ação, Invasão à Casa Branca entrega esse e outros clichês (central de comando que serve só pra explicar a trama pro espectador, garotinho espertoetc.), perfeitamente esperados. Então não cabem reclamações comunistinhas de faculdade style quanto a isso. O que na verdade prejudica o filme é seu roteiro indeciso entre se levar a sério, como um thriller político, ou se assumir como diversão descerebrada.

    A tensão entre as Coreias do Sul e do Norte é usada como pano de fundo e estopim para a ação dos terroristas, mas nada além disso. Não são feitas críticas políticas a ninguém, muito menos ao papel dos Estados Unidos. Até aí, passável. Mas a indefinição de tom afeta também o protagonista. Inicialmente inseguro, duvidando de si mesmo, basta entrar em ação para ele imediatamente virar o herói clássico, infalível. Problema que vem se repetindo em várias produções do gênero: tenta-se humanizar o personagem, mas falta o senso de dificuldade naquilo por que ele está passando. Um direcionamento diferente, mais descompromissado, ajudaria inclusive o ator. Gerard Butler se mostra bem mais à vontade proferindo frases de efeito e posando de fodão.

    Apesar desses problemas, com boa vontade dá pra embarcar na história e curtir as boas cenas de ação (o ataque inicial, em plena luz do dia, é sensacional) e a tensão bem construída ao longo do filme. O plano dos invasores é razoavelmente aceitável, e as interações entre eles e os reféns mostram uma crueza muito bem vinda nestes tempos em que o PG-13 suaviza quase tudo. Há que se lamentar, porém, que o presidente vivido por Aaron Eckhart não tenha um grande momento, limitando-se a fazer cara de mau enquanto espera o resgate. E também que o embate entre o herói e o ameaçador vilão-chefe fique aquém do que poderia ter sido. De resto, diversos atores conhecidos (Morgan Freeman, Dylan McDermott, Angela Bassett, Melissa Leo, Radha Mitchell, Robert Foster e até Ashley Judd, direto do túnel do tempo) servindo apenas como acessórios pra movimentar a trama.

    Em essência um meio-termo entre Duro de Matar e 24 Horas, Invasão à Casa Branca poderia ter sido melhor caso escolhesse um desses lados. Mas, em tempos sem Jack Bauer e com John McClane decepcionando, Mike Banning é o que tem pra hoje.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | Amigos Inseparáveis

    Crítica | Amigos Inseparáveis

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    Não há duvida que existe uma carência de bons papéis para atores veteranos dentro de Hollywood, principalmente se este for voltado para protagonistas. Mesmo grandes nomes como Al Pacino, Alan Arkin Christopher Walken, não tem lugar para certos papéis, ficando fadados a filmes de gênero ou apenas como coadjuvantes. Amigos Inseparáveis (Stand Up Guys) tenta suprir essa falta, entregando uma comédia policial com atores mais velhos, mas o máximo que consegue é soar como uma homenagem muito aquém do que esses nomes deveriam receber.

    Na trama, acompanhamos a saída da prisão de Val (Pacino), que passou seus últimos 28 anos cumprindo pena pelo assassinato do único filho do seu antigo chefe, o mafioso Claphands (Mark Margolis). Doc (Walken) busca Val e ambos passam o dia se divertindo pela cidade, realizando as vontades que o amigo não pôde fazer nos últimos anos. Contudo, Doc tem uma missão ingrata para realizar até o amanhecer: matar Val à mando do mafioso, como uma vingança pela morte do seu filho. Ambos entendem a gravidade da situação e decidem aproveitar as poucas horas que tem para farrear. Com isso, os dois decidem resgatar o velho amigo Hirsh (Arkin) da casa de repouso onde está internado e relembrar os velhos tempos juntos.

    O roteiro se desenvolve em volta dessa última aventura do trio, durante uma noite agitada com direito à idas a bordéis, boates, pequenos assaltos, uma vingança contra os responsáveis pelo sequestro de uma mulher, entre outras coisas. A direção de Fisher Stevens parece não ter a mínima ideia do que fazer com o roteiro de Noah Haidle e com o material que tem em mãos.

    Se o roteiro e a direção não colaboram, o mesmo não pode ser dito do elenco. Verdade seja dita, senão fosse por ele o filme não teria nada digno de nota a ser lembrado. O entrosamento entre os três atores é impressionante, bem como a construção de personagens de cada um. Walken, mais contido que o habitual, anda com cautela e precaução, demonstrando a tensão que está sofrendo pela decisão que precisará tomar em breve. Já Pacino, sempre muito expressivo, abusa de movimentos, mas sempre curvado, já que apesar de querer aproveitar intensamente o pouco que lhe resta, deixando claro o que deixou para trás nos últimos 28 anos. Arkin é o último a se unir ao grupo, mas rouba a cena, tornando o filme mais interessante.

    Amigos Inseparáveis tem uma ótima premissa, mas se perde num roteiro pífio, repleto de piadas bobas, diálogos ruins e situações constrangedoras, que se agrava na direção mal empregada de Stevens, o que no final das contas só fica parecendo uma versão terceira idade de um Se Beber, Não Case!, onde os velhos parecem ser obrigados a se portarem como adolescentes para parecerem legais. Ainda assim, o filme possui um certo charme, principalmente pelo trio de atores que estão muito bem no longa, o que só demonstra como esses veteranos são mal empregados e ainda tem muito a oferecer.