Categoria: Críticas

  • Crítica | Anônimo (2013)

    Crítica | Anônimo (2013)

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    Afastando-se do tradicional costume de produções com desastres e catástrofes mundiais, Roland Emmerich se volta para uma teoria a respeito da origem do dramaturgo William Shakespeare, polêmica fundamentada por um estudioso em décadas passadas, afirmando que um dos maiores da literatura mundial era apenas um ghost writer de um nobre inglês.

    Antes que o absurdo gere protestos ou reclamações, Anônimo é um interessante exercício shakespereano. A trama inicia-se no próprio teatro com um ator apresentando a importância do dramaturgo e pedindo ao público um pouco de audácia para ouvir uma outra história sobre a origem deste mito. É a partir dessa história dentro da história – elemento clássico do autor – que conhecemos seu argumento.

    Um dos fundamentos principais para afirmar que William Shakespeare foi apenas um objeto de um escritor desconhecido se relaciona ao pouco material histórico encontrado do dramaturgo. Como um mero ator de teatro, há quem afirme que William não teria formação suficiente para escrever as peças e o fato de ter morrido sem nenhuma posse confirmaria sua função de fantasma. Afirmações que vão contra uma gama vasta de escritores que, mesmo iletrados ou sem uma formação acadêmica, produziram grandes obras literárias.

    No filme, o autor das conhecidas histórias mundiais viria da pena de Conde de Oxford, um apaixonado pelas letras mas que, oprimido pela família, prefere compor suas obras as escondidas. Encontrando na figura deste dramaturgo a possibilidade para escoar, de tempos em tempos, sua produção, alimentando a lenda de William Shakespeare.

    Leitores que possuem afinidade com o bardo podem reclamar do exagero da narrativa mas não devem deixar de admirar diversas cenas famosas de suas peças que, mesmo entrecortadas, aparecem em cena em diversas apresentações. Pois, a potência de Shakespeare foi tão grandiosa que atraiu a própria Rainha além das massas populares que lotavam o teatro para assistir suas obras.

    A produção de Emmerich tem um figurino tão apurado que mereceu a indicação ao Oscar. É curioso compreender porque diretor tenha se interessado por uma história que nada tem a ver com seu projeto constante de destruição mundial. Mesmo valendo-se de uma teoria fraca que tem mais imaginação do que realidade, a história é divertida e não deixa de ser um exercício de questionamento sobre a potência de grandes escritores. Mais importante é que o público saia deste filme desejando saber mais sobre Shakespeare, debruçando-se em sua obra única e ilimitada. Mesmo que Shakespeare não tenha sido este que conhecemos, a força de suas histórias falam por si só.

  • Crítica | Mad Max 2: A Caçada Continua

    Crítica | Mad Max 2: A Caçada Continua

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    Mad Max 2 é um filme com muita ação e movimento que tem enredo simples e eficiente. Nele, ainda temos a visão pós-apocalíptica e futurista do primeiro filme da série, com escassez de combustível e uma sociedade decadente, onde o mais forte prevalece e as pessoas se juntam em comunidades e gangues para sobreviver no deserto de um mundo anárquico e violento, o que proporciona um dos filmes mais implacavelmente agressivos já feito.

    As maravilhosas paisagens desoladas da Austrália, combinadas com a trilha sonora (que não é necessariamente primorosa, mas é marcante), proporcionam ao espectador certa angústia e um tantinho de depressão. Temos ainda aquela estética bem anos 80, de roupas e carros bizarros, que frequentemente são envenenados e fortificados na frente, onde pode-se prender o inimigo (e matá-lo com uma batida frontal).

    Estamos sozinhos com Mel Gibson, uma espécie de pistoleiro de western moderno (que lembra um pouco os personagens de Clint Eastwood), um homem que perdeu tudo, que quase não abre a boca e que, ao decorrer da trama, enfrenta os guerreiros da estrada, que dão nome ao filme e que são ajuntamentos de pessoas com códigos de conduta, lendas e mitos muito particulares. São basicamente gangues de motoqueiros, guerreiros samurais, kamikazes, gangues de rua, vaqueiros, policiais e pilotos que se digladiam pelos recursos escassos de uma comunidade protegida por Max. Isso proporciona muita ação, efeitos especiais primorosos e muita perseguição de carros (e caminhões).

    A experiência proporcionada pelo filme é fantástica. Literalmente somos imersos nesse mundo catastrófico e isso é assustador, nojento e emocionante. Para mim, Mad Max 2 é o melhor filme da trilogia e um marco dos anos 80.

    Texto de autoria de Robson Rossi.

    Ouça nosso podcast sobre Mad Max.

  • Crítica | Sombras da Noite

    Crítica | Sombras da Noite

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    A cada nova produção, Tim Burton divide seu público cativo. Grande parcela reconhece que as refilmagens feitas pelo diretor mais mancharam sua imagem do que deram vazão a sua criatividade. O que antigamente era visto como um excepcional estilo com uma parceria consagrada com um ator famoso, hoje pode ser motivo de riso pelo uso constante de Johnny Depp e da esposa Helena Bonham Carter como uma fórmula desgastada.

    Torna-se difícil avaliar mais uma de suas produções sem questionar-se o que aconteceu com Burton, que teve fase excelente na década de noventa e, desde a regravação de Planetas dos Macacos, começou a tropeçar tanto nessas adaptações, tidas como obras contratuais, como naquelas de cunho mais autoral.

    Após o imperdoável Alice No País das Maravilhas, carregado por seu estilo, retorcendo a história original, Sombras da Noite parecia ser uma história de retorno a sua origem gótica e ainda parodiando a demanda atual de filmes vampirescos. Baseada em uma série da década de sessenta, a trama nos apresenta Barnabás Collins, um sedutor que se transforma em vampiro devido a maldição de uma bruxa. Preso em seu caixão por duzentos anos, a personagem desperta e vive as transformações do mundo moderno, reencontrando sua cidade e o legado da família perto da falência, tentando reascendê-la na sociedade.

    Se o ambiente parece uma retomada daquele primordial, o mesmo não pode se dizer da história. Mesmo com liberdade, o diretor teve que caminhar por uma trilha já fundamentada pela série televisiva, o que serve de impedimento para maior escopo criativo. A adaptação cinematográfica não justifica-se pela falta de uma trama interessante que se divide entre o amor e ódio do vampiro e da bruxa que o transformou.

    Estranhamente, Johnny Depp está bem em seu papel de vampiro deslocado, deixando de lado a afetação que, desde o Capitão Jack Sparrow, surgiu em suas interpretações, compondo um personagem excêntrico, mas realista. Quem permanece sem atrativo é a esposa Bonham Carter. É inexplicável compreender, além dos laços familiares, porque o diretor insiste em usá-la sempre para o mesmo tipo de papel, inserindo-a mais como um dever do que como espaço, para que a atriz demonstre seu talento.

    Torna-se impossível não pressupor que Depp, Burton e Bonham Carter reconheçam o declínio desta parceria. Porém, permanece a impressão de que, uma vez definidos, não há nenhuma vontade de inovação, já que este formato foi funcional diversas vezes. Talentosos todos são, mas parece que estão mais preguiçosos do que nunca.

  • Crítica | Bronson

    Crítica | Bronson

    Produção independente lançada em 2008, Bronson é dirigido por Nicolas Winding Refn (Drive, O Guerreiro Silencioso), co-escrito por ele e Brock Norman Brock, e estrelado por Tom Hardy. O filme é uma biografia altamente estilizada de Michael Peterson, que ficou famoso como “o prisioneiro mais violento – e caro – do Reino Unido”. Já há mais de 30 anos encarcerado, boa parte desse tempo na solitária, Peterson fez a alegria dos tabloides ingleses ao longo dos anos. Seu nome virou sinônimo de episódios violentos, situações com reféns, rebeliões, incêndios e protestos.

    Ainda que vislumbre as motivações e origens da insanidade do protagonista, o foco do filme é na verdade um mergulho na sua perturbada psique. Aproveitando essa figura incompreensível de tão maluca, o diretor opta por uma narrativa surreal, com o próprio Bronson contando sua história diante de uma plateia imaginária e conseguindo a ovação que sempre buscou. Isso porque ele declara que sempre quis ser famoso, mas não tinha talento para atuação ou canto: a única coisa em que sempre foi bom era machucar os outros. Após brigas constantes na escola, Peterson foi preso pela primeira vez aos 19 anos. Assumindo o pseudônimo de Charles Bronson como sua identidade real, ele passou a extravasar toda a agressividade que havia dentro de si e a se sentir confortável atrás das grades, onde a sonhada fama finalmente veio.

    Da mesma forma que em Drive, aqui a direção de Winding Refn é marcante do início ao fim. O surrealismo citado aparece também no modo como os (vários) rompantes de violência são mostrados, sempre com o uso de trilha sonora pesada, seja ela orquestral ou eletrônica (com os sintetizadores típicos dos anos 80, que parecem ser uma obsessão do diretor). Isso confere às cenas um ar de apresentação artística, quase um balé. Com isso em mente, não são absurdas as comparações que Bronson teve com Laranja Mecânica. Antes que os xiitas tenham seus ataques, não estamos falando de genialidade e muito menos de importância na história do cinema. As semelhanças estão na estrutura narrativa e no plot básico de um indivíduo incompreendido que se expressa através da violência.

    Parece haver um consenso entre os críticos de que Bronson faz uma crítica ao culto às celebridades, mas, honestamente, o filme toca muito pouco, ou nada, nesse aspecto. As consequências e repercussões para a sociedade dos atos do protagonista são praticamente ignoradas. Muito mais pertinente seria apontar sua reflexão sobre a incapacidade da sociedade em lidar com alguém tão incomum: após sua “reabilitação” fracassar tanto em prisões quanto em instalações psiquiátricas, o governo chega ao absurdo de libertá-lo com um falso atestado de sanidade – o que obviamente não dura muito. Outra crítica, sutil ou nem tanto, é em relação à condescendência que os pais de Peterson sempre demonstraram para com ele, desde sua infância problemática.

    Tais observações, porém, são muito subjetivas e restritas à interpretação de cada espectador, uma vez que a atenção do filme é voltada toda para o próprio protagonista. Isso permite que Tom Hardy brilhe na composição do personagem, entre overactings propositais e justificados e uma expressão corporal assustadora (reconhecível no Bane que ele faria mais tarde). Mesmo não possibilitando nenhuma empatia, o Bronson dele consegue captar toda a atenção do espectador, sem dúvida ajudado pela claustrofóbica direção que nos mantém incomodamente próximos a ele o tempo todo – inclusive nos momentos mais desagradáveis.

    Único ponto a se lamentar, a ausência de alguns episódios mais doidos da vida de Bronson, como suas exigências malucas (certa vez pediu uma boneca inflável, uma xícara de chá e um helicóptero como resgate) e sua conversão e rápida “desconversão” ao islamismo. Provavelmente situações mais engraçadas foram deixadas de lado em nome da proposta de contar a história sob o viés psicológico. Nada que comprometa este filme perturbador, com direção e atuação poderosas.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | Informers: Geração Perdida

    Crítica | Informers: Geração Perdida

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    Informers – Geração Perdida é um filme de 2008 dirigido por Gregor Jordan, com roteiro de Nicholas Jarecki e Bret Easton Ellis – que, além de roteirista, é o escritor do livro em que o filme se baseia. Assim como suas obras anteriores, Ellis retoma aqui seus temas recorrentes: um universo de niilismo, almas perdidas e sempre cometendo excessos em uma vã esperança de preenchimento do seu vazio interior.

    Informers tem um formato parecido com o de uma novela. Há diversos núcleos de personagens que se conectam brevemente, sem grandes conexões físicas entre elas. Há, por exemplo, o porteiro de um um prédio (Brad Renfro) que deseja tornar-se ator mas, após tentar se desvencilhar de uma vida indigna do passado, é arrastado de volta a ela por seu tio (Mickey Rourke), um criminoso e viciado.

    Há também o casal formado por Kim Basinger e Billy Bob Thornton. Os dois tentam retomar um casamento de aparências depois de um caso do marido com uma âncora de jornal (Winona Ryder), que se relaciona com ele apenas pela sua posição de produtor de TV. O casal é desacreditado até mesmo pelos filhos. Um deles, Graham (Jon Foster), se vê em um triangulo – amoroso não seria o correto, e sim sexual – junto com Martin (Austin Nichols) e Christie (Amber Heard), e todos se encontram perdidos em meio a seus vícios e os falta de coragem, ou força, para retomar o controle de suas vidas.

    Apesar das breves conexões entre os personagens, o que verdadeiramente conecta a todos na história é a desgraça e a decadência. Se o formato pode ser parecido com o de um folhetim, seus temas e impacto não. Não existe redenção para nenhuma dessas pessoas. O paraíso de riqueza e a “terra do faça o que quiser” cobram o seu preço; seja pela AIDS, numa época em que a doença ainda não tinha esse nome, seja pela vida miserável, vazia e sem esperança.

    Qualquer traço de humanidade do filme não consegue passar dos minutos iniciais, quando, num velório de um amigo em comum, um dos personagens demonstra afeto e dor pela perda daquele que está sendo velado. Com isso, ele já não faz mais parte daquele universo e não aparece mais durante o longa.

    Em Informers não existe conclusão. Propositalmente, o filme não tem terceiro ato, justamente para mostrar a falta de perspectiva daquelas vidas e, assim, criticar e questionar a própria sociedade que dá origem a uma narrativa como essa: os ricos Yuppies da década de 80. Assim, Informers diz qual é o destino das pessoas se tomarem essas mesmas atitudes, que é a própria ruína e decadência.

    Justamente por sua construção, o filme talvez não seja tão interessante quanto as adaptações anteriores das obras de Brett Easton Ellis, como Psicopata Americano ou Regras da Atração. Mas, ainda assim, é uma boa pedida, tanto para os já apresentados a esse universo de perdição, sexo e drogas em função da sua crítica social quanto para aqueles que não dispensam uma obra sobre um mundo distópico. Apesar das formas, estilo e tecnologia serem do passado, o filme retrata uma distopia em que quase todos os nossos valores comuns foram abandonados em troca de uma vida que gira apenas em torno de si própria, sem possibilidade de avanço, como um vírus silencioso e mortal, que faz com que o tom dourado do sol, presente durante todo o longa, dê lugar a um céu escuro e nublado.

    Ouça nosso podcast sobre Bret Easton Ellis.

  • Crítica | O Hobbit: Uma Jornada Inesperada

    Crítica | O Hobbit: Uma Jornada Inesperada

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    Aproximadamente 9 anos atrás, saíamos da projeção de O Retorno do Rei emocionados tanto pela história, adaptada de maneira irretocável para o cinema, quanto por ter acabado aquela épica aventura para salvar a Terra Média. O questionamento de quando viria a adaptação para o cinema de O Hobbit era constante, e problemas dos mais diversos com a produção tornaram o hiato entre os filmes ainda maior. Mas, depois de uma longa e conturbada espera, podemos finalmente apreciar no cinema mais essa aventura baseada em uma obra de J.R.R. Tolkien, dirigida novamente por Peter Jackson, com roteiro de Peter Jackson, Guilhermo del Toro,  Philippa Boyens e Fran Walsh.

    Para os não familiarizados com a história, O Hobbit: Uma Jornada Inesperada se trata de uma aventura vivida por Bilbo Bolseiro (Martin Freeman/Ian Holm), em que ele se une ao mago Gandalf (Ian McKellen) e a um grupo de 13 anões, liderados por Thorin Escudo de Carvalho (Richard Armitage). O objetivo da comitiva é retomar o Reino Anão de Erebor e o tesouro dos anões do dragão Smaug. Nessa jornada pela Terra Média, enfrentarão os mais diversos inimigos e contratempos, desde orcs, lobos, armadilhas na floresta e tudo mais que uma boa aventura pode lhes proporcionar.

    A primeira coisa a se notar é que, assim como a trilogia Senhor dos Anéis não permitia uma análise final sobre cada um dos filmes individualmente, O Hobbit: Uma Jornada Inesperada também não pode ser pensado apenas como um filme único. Seu roteiro, planejamento e montagem foram para 3 filmes. Portanto, o arco dramático da história também fica à mercê de suas continuações, apesar de também ter que se comportar e funcionar de alguma forma como um filme sozinho.

    Outro ponto importante, ainda sobre a adaptação, é que com O Hobbit uma lógica comum do cinema foi invertida. Como se trata de apenas um livro de aproximadamente 300 páginas, dividido em 3 filmes, nesse caso foram adicionadas personagens, passagens ou elementos, quando o natural seria que fossem retiradas ou aglutinadas. Alguns desses elementos foram resgatados de O Senhor dos Anéis, outros repensados de Silmarillion. Essas inserções, ao mesmo tempo em que podem enriquecer ainda mais esse universo de criaturas fantásticas, podem também levar ao excesso, com situações jogadas apenas pelo intento de se criar algo ainda maior do que o original. Infelizmente, é o caso desse filme.

    O maior problema de O Hobbit: Uma Jornada Inesperada reside justamente na extensão de tramas, subtramas e flashbacks adicionados ou transcritos de maneira quase literal das páginas para o cinema. É nítido que os 169 minutos de exibição são muito mais extensos do que deveriam, e já suficientes para questionar a necessidade de 3 filmes para contar essa história. Apesar de contar com bons trechos cômicos, adaptados de maneira fiel ao livro – por exemplo, a chegada dos anões à toca de Bilbo -, a primeira metade do longa é um convite ao bocejo constante. Muitos são os momentos em que a trama gira em torno de si mesma sem levar a lugar algum e, para os que conhecem a obra, fica a constante expectativa para que chegue logo algum momento chave do livro, sem se importar realmente com esses elos da narrativa. Já para os que não conhecem, não posso entrar na mente de alguém nessa situação para saber exatamente, mas acredito que a experiência deve ser algo próximo à primeira leitura dos capítulos de A Sociedade do Anel em que Tom Bombadil dá o ar da graça. Ou seja, tedioso e andando em círculos.

    Entretanto, se a primeira metade é em grande parte desinteressante e sonolenta, do trecho final não se pode dizer o mesmo. Todas as batalhas – que acontecem com grande frequência – são muito bem elaboradas e trazem de volta a atenção do espectador. Um dos trechos icônicos, a briga dos gigantes de pedra, nada menos do que sensacional pode definir, e o aguardado trecho mais interessante dessa parte da história, as “Charadas no Escuro”, foi brilhantemente adaptado para as telas. Vemos um Gollum (Andy Serkis) ainda mais perturbado e ambíguo. Méritos aqui tanto para a atuação de Serkis, que se mostra ainda melhor e focada na construção desse personagem. E méritos também para os efeitos visuais, que deram ainda mais brilho e vivacidade para ele, confirmando o posto como uma das melhores composições entre CG por cima de uma atuação.

    Sobre o visual do filme – e nesse ponto é bom ressaltar que a versão a que assisti foi 2D normal, já que o filme tem 4 diferentes: 2D, 3D 24 FPS, 3D 48FPS e 3D Imax. Nessa versão, como já era de se esperar, todo o aspecto visual do filme é ótimo, desde a belíssima fotografia – capturando tanto os belos campos abertos da Nova Zelândia, que servem como palco para o filme, quanto cenas internas, com cenários trabalhados nos mínimos detalhes e que funcionam não só visualmente, para compor a perfeita ambientação e imersão na história, mas também dando vida à Terra Média, tornando-a novamente um personagem, talvez até o maior e mais importante personagem das histórias de Tolkien. Por mais fantasiosa que seja a história, com o bom trabalho executado em sua composição ela se torna crível.

    Outro aspecto interessante é a mudança de tom das histórias. Enquanto Senhor dos Anéis é uma jornada para salvar a existência das raças da Terra Média, uma jornada dura e temerosa para seus participantes, O Hobbit, como livro, já é uma aventura mais leve, com espaço para trapalhadas, comilança e um tom infantil – tanto é que o livro de 1937 era destinado aos filhos do Tolkien. Já na adaptação, algumas trapalhadas e situações engraçadas continuam presentes, mas um tom sombrio, mais sério, foi adicionado à história. Os anões já não são tão desajeitados e dão mais importância a recuperar suas terras do que o tesouro, em contraponto ao livro. Talvez isso seja uma tentativa de aproximar O Hobbit ainda mais à Trilogia do Anel, o que não é necessariamente bom nem ruim, principalmente ao vermos apenas a primeira parte da história. Talvez a versão para o cinema exija esse tipo de mudança e isso se mostre uma decisão acertada, mas essa diferença de rumos é algo que só poderá ser avaliado com clareza no encerramento do terceiro filme. Por enquanto, o máximo que podemos fazer é relacioná-la às nossas expectativas.

    No mais, O Hobbit: Uma Jornada Inesperada é um bom filme, bem apresentado como introdução à aventura de Bilbo Bolseiro, que deve agradar tanto aos mais fanáticos pela obra de Tolkien quanto aos recém iniciados nesse universo, mas ávidos por boas histórias de fantasia de capa e espada. Todavia, sua longa e desnecessária duração, aliada à falta de um encantamento subjetivo, quase “mágico”, fruto talvez do inesperado (que se faz presente nos filmes de O Senhor dos Anéis, mas no momento não desencantou em O Hobbit) faz com que essa nova trilogia comece a pelo menos um degrau abaixo da sua antecessora, algo que pode muito bem ser revertido nos próximos filmes. Mas esse é um assunto para dezembro do ano que vem.

  • Crítica | Abaixo de Zero

    Crítica | Abaixo de Zero

    Em 1985, Bret Easton Ellis chocou todo um público quando lançou seu primeiro romance “Less Than Zero” (Abaixo de Zero na tradução nacional), o qual mostrava de uma forma diferente, pessimista e quase agressiva a classe de pessoas com maior poder aquisitivo na sociedade. Em 1987, o diretor Marek Kanievska faz uma adaptação homônima e leva a visão de Ellis para os cinemas.

    Abaixo de Zero conta a história de três jovens que se formaram juntos no Ensino Médio: Julian (Robert Downey Jr.), Clay (Andrew McCarthy) e Blair (Jami Gertz). Após vários anos distante de seus amigos, por ter ido para a Universidade, Clay é chamado por sua ex-namorada, Blair, para visitá-los. Chegando de volta à sua terra natal, Clay encontra seu amigo Julian completamente entregue ao vício por drogas e tenta ajudá-lo.

    A primeira coisa a se dizer de Abaixo de Zero é que o filme é um soco no estômago. Marek é bem sucedido ao adaptar a realidade de jovens ricos, mas que se entregam a uma vida de sexo e drogas em excesso, ausentes de qualquer esperança. É exatamente isso que se trata este filme: a falta de esperança. Esta ganha forma pelo fato de que é praticamente impossível fazer um viciado largar o seu vício.

    O filme apresenta várias cenas significativas que constroem a atmosfera decadente da narrativa. A atuação de Robert Downey Jr. é arrebatadora ao interpretar Julian que, além de viciado, foi expulso de casa e está devendo uma grande quantia em dinheiro para seu traficante. Seu personagem vai se mostrando cada vez mais ao longo do filme, mostrando devagar ao expectador o quão fundo ele está dentro do poço e o que faz para conseguir um pouco de droga. Os sentimentos são fortes e expressivos por parte do ator a retratar tudo isso. McCarthy e Gertz não são excepcionais, mas cumprem uma atuação satisfatória para seus personagens, desesperados ao ver um amigo decadente e tentando ajudá-lo.

    Toda essa decadência do personagem Julian se contrapõe, durante toda a extensão do filme, com as ambientações de Los Angeles, Bel Air e Palm Springs. Mansões, ruas limpas, carros caríssimos, glamour. Dentro de todo esse lugar visualmente intocável, a existência de elementos de podridão. Jovens que representavam “o futuro da nação” completamente entregues à aceitação da decadência de suas vidas.

    Abaixo de Zero é forte e expressivo. Todos os elementos do filme são muito bem colocados em sintonia com sua narrativa, o que o torna mais significativo ainda.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

    Ouça nosso podcast sobre Bret Easton Ellis.

  • Crítica | O Segredo da Cabana

    Crítica | O Segredo da Cabana

    O ano de 2012 foi excelente para Joss Whedon. Ao mesmo tempo que foi super aclamado pelo roteiro e direção em Os Vingadores, escreveu uma excelente história de terror que, não por acaso, tem conquistado uma legião de fãs.

    Ao se tratar de um filme de terror, saber menos é sempre mais interessante. Confesso que raramente leio sinopses de filmes com medo de descobrir detalhes antes de assistir ao filme. Assim, o que conheci de O Segredo da Cabana foi um belo poster que brincava com a ideia de uma cabana para montar, como um cubo mágico, e notícias afirmando que era uma produção recomendada para se assistir pela excelente história. Considerei o panorama atual do terror focando os grandes estúdios, indagando-me se seria mesmo um argumento tão interessante ou apenas um burburinhos de críticos tentando levantar um filme com má qualidade.

    É difícil apresentar sua sinopse sem apresentar nenhum detalhe específico que estrague a diversão. Portanto, é necessário saber apenas que o filme é uma homenagem aos filmes de terror. Com grande apuro, Whedon revisita o conceito de terror, principalmente a vertente atual, e, ao mesmo tempo que compõe sua trama, estabelece uma homenagem crítica. Se tornando complicado catalogá-lo como um mero filme de terror, pois sua narrativa quebra este conceito diversas vezes, ainda que o medo prevaleça como sensação primordial.

    A ambientação está presente, a maneira parcial de apresentar a história e com isso aterrorizar o público também. O diferencial é a potência da história implícita no meio assustador. Caminhando de segmento a segmento, o diretor realiza uma trama que tem sua história mas é, ao mesmo tempo, todas as histórias de terror. Não sendo exagero chamar esta excelente produção de um meta filme, dialogando com o próprio gênero.

    Mais do que criar uma teoria sobre o gênero do terror, como algumas personagens de outros filmes fazem, Whedon coloca a própria teoria em prática, o que explica porque a produção conquistou tanto público. A maneira fluida que conseguiu encaixar a crítica, dentro da história de terror, completa o filme além produzir genuína tensão no público. E nos fazendo inferir que talvez o terror de hoje está esgotado e precise de renovação.

    Infelizmente, a produção não será lançada nos cinemas brasileiros. Foi programada mas a Universal decidiu lançá-lo direto em home video em breve. Uma pena, pois produções de terror sempre tem boa recepção de bilheterias e uma história como essa mereceria ser vista na tela grande.

  • Crítica | O Último Grande Herói

    Crítica | O Último Grande Herói

    A década de noventa marcou auge e decadência dos brucutus. Vindos principalmente dos anos oitenta, realizaram bons e rentáveis filmes até então. Porém, os gêneros começaram a mudar seu paradigma, quebrando barreiras internas e o estilo machão em um filme de ação violento perdeu parte do prestígio. Van Damme, Stallone e Schwarzenegger, depois de sucessos como O AlvoRisco Total e Exterminador do Futuro 2, respectivamente, viram o sucesso de suas carreiras minguando aos poucos.

    A grande problemática de O Último Grande Héroi é a época de seu lançamento. O filme é um misto de comédia com ação, desenvolvendo a descrença do exagero destas produções ainda populares. Na época, a barreira entre gêneros ainda era alta, não houve espaço e aceitação para uma história que brincava tão explicitamente com tais mundos. O mesmo Scharza repetiria a sátira em outro estilo, no excelente True Lies.

    Vilões caricatos, heróis quase imortais, são aceitos hoje como um alívio cômico. Não se leva mais a sério pela tendência realista do cinema contemporâneo. Evidente que há exemplos isolados, tanto do realismo, como de um elemento mais híbrido. Porém, hoje se tornou um padrão que somente o tempo transformará.

    Assistido com distanciamento, a produção teve bom envelhecimento. A trama brinca com a fantasia de todo garoto em conhecer o seu herói favorito de ação. Ao ganhar um bilhete mágico para seu filme preferido, o garoto Danny Madigan atravessa para o mundo fictício do enredo. O estranhamento de situar-se em um mundo regido por outras leis é evidente. Armas possuem tiros limitados, heróis não sangram e sempre estão dispostos para mais um golpe. A ação se concentra boa parte neste ambiente até que o reverte com a chegada das personagens no mundo real, realizando outro golpe, dessa vez evidenciando como é difícil ser um mocinho na vida real.

    Sem perder a ideia de um entretenimento, o filme promove uma reflexão de seu próprio tempo e acabou por prever como o cinema pipoca se comportaria na década seguinte. Elementos que hoje apresentam alguns sinais de cansaço e que, muito provavelmente, também começarão a ser deixados de lado, à procura de outra inovação.

    Mesmo a metragem um tanto extensa, não tira o divertimento deste filme que falhou em seu lançamento, mas que hoje tem mais significado do que em sua época.

  • Crítica | Regras da Atração

    Crítica | Regras da Atração

    Regras da Atração, baseado no livro homônimo de Bret Easton Ellis e dirigido por Roger Avary e considerado um dos trabalhos mais significativos do mesmo como diretor. Assim como os demais trabalhos de Ellis, vai se focar em uma geração perdida e vazia, de jovens ricos, os quais se entregam às drogas e ao sexo.

    A história do filme vai se envolver nos conflitos e confusões amorosas de alguns jovens: Sean (interpretado por James Van Der Beek), traficante de drogas na universidade de New Hampshire, o qual é apaixonado por Lauren (Shannyn Sossamon), que está guardando sua virgindade para Victor (Kip Pardue), o qual já namorou Paul (Ian Somerhalder), que por sua vez só possui olhos para Sean.

    Durante toda a narrativa, somos apresentados aos fatos através dos olhos de Sean, Lauren e Paul, muitas vezes inclusive repetindo algumas cenas com o intuito de mostrar as mesmas situações, mas dos olhos de cada um deles. Essa é a primeira coisa a se dizer sobre o filme, o qual explora esses momentos com vários recursos divertidos e muito válidos à trama. Temos a “rebobinação” de cenas e o uso de “Split-screen” (tela dividida em duas). Em uma das cenas, duas câmeras se encontram e se unem a partir do momento em que Sean e Lauren se encontram também. Alguns momentos do filme são muito significativos e mesclam bem ao jogo de câmeras utilizados.

    Alguns podem achar que se trata de mais um filme do estilo de “American Pie”, mas aqui cabe uma ressalva, pois Regras da Atração não busca apenas mostrar o lado divertido da vida de jovens pansexualistas. Breast Easton Ellis é conhecido por retratar uma geração vazia de uma juventude entregue aos prazeres e a efemeridade da vida.

    Por mais que Regras da Atração possua esse lado divertido, temos situações que beiram o desesperador. Sean recebia cartas de uma admiradora secreta, a qual acreditava ser Lauren. Em determinado momento do filme uma garota completamente desconhecida ao espectador se mata em uma banheira, em uma das cenas de suicídio mais significativas que pude ver em filmes – e não pelo explícito da cena, mas pelo o que ela passaria a significar. Em flashbacks o diretor nos mostra a garota em dezenas de cenas anteriores do filme, porém em posições secundárias. Avary nos faz sentir que assim como Sean havia ignorado a a existência da sua real admiradora secreta no seu dia a dia, nós também a ignoramos. Os espectadores eram cúmplices de Sean ao fazê-la se sentir extremamente solitária, perder as esperanças e se matar.

    Tudo o que acontece leva a um fim onde todos os personagens acabam se entregando para a própria decadência e se conformando com ela. Regras da Atração é uma jornada a um mundo de jovens irreverentes e sem escrúpulos. As atuações são significativas para somar positivamente à narrativa deste filme. Avary adaptou muito bem os sentimentos, os quais Ellis é conhecido por passar em suas obras.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

    Ouça nosso podcast sobre Bret Easton Ellis.

  • Crítica | A Sombra do Inimigo

    Crítica | A Sombra do Inimigo

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    Alex Cross – A sombra do inimigo é um misto de thriller de serial killer e filme de ação que nos conta a história do detetive Alex Cross (Tyler Perry). Durante as investigações de um sádico assassinato, ele se envolve em uma trama conspiratória ligada a poderosos empresários, trazendo consequências não apenas a ele e a seus companheiros de polícia, mas também à sua família.

    Alex Cross e seus métodos de investigação fazem Sherlock Holmes parecer um iniciante, e isso se torna um dos primeiros problemas do filme. Ao analisar uma cena de relance, Cross já sabe quase todos os pormenores do caso, como cada detalhe aconteceu. Mais alguns segundos de análise e já consegue descobrir o modus operandi, que ele é um serial killer, voltará a atuar. Traça até um perfil psiquiátrico completo, sem nunca ter tido contato anterior com o criminoso, isso tudo com a ajuda de um desenho que o assassino deixa na cena do crime como pista para seu próximo ato. Em função desse desenho ele recebe o pseudônimo de Picasso. E a grande pista secreta, deixada por Picasso, é um nome formado a partir da dobradura do desenho, algo típico de revistas juvenis. Tudo muito pueril e óbvio principalmente porque as cenas se intercalam com flashbacks do assassinato, sempre confirmando que Alex Cross está 100% correto.

    O detetive que nunca erra mais à frente errará em uma das suas preposições. Como um castigo à sua autoconfiança exagerada, esse erro desencadeará fatos que mudarão a sua vida e a de seus pares, o que imediatamente dará o estopim para a busca implacável por vingança desse paladino da justiça. Ao ver-se impossibilitado de agir pelos meios legais, ele fará disso uma vingança pessoal, no velho clichê do policial entregando o distintivo. Se tudo isso fosse num filme de ação despretensioso, com alguns astros dos anos 80 nos papéis principais, seria ótimo. Mas não é: tudo é levado com absoluta seriedade e suposto realismo, traduzido inclusive pela câmera na mão nas principais cenas de ação, tentando colocar o espectador dentro da cena, mas é apenas falha e só traz incômodo.

    Outro ponto a se ressaltar é que quase tudo em A Sombra do Inimigo acontece com absurda sincronia temporal: coincidências seguidas de coincidências, colocadas na trama de maneira jogada, sem construção, apenas com o objetivo de resolver ou introduzir pontos chaves da história. O ápice disso se dá com uma batida de carros, totalmente ao acaso, que resulta no clímax final do filme.

    O único alento de A Sombra do Inimigo, que seria a transformação física e a construção do assassino Picasso por Matthew Fox, se perde em meio a um roteiro pífio, com situações sem pé nem cabeça para dar razão aos seus atos. Um exemplo disso é quando somos apresentados a ele numa luta de MMA, com seus 60 quilos, enfrentando um peso pesado. O personagem de Fox avisa: “Se me socar o rosto, você não lutará nunca mais”. Depois de apanhar muito, quando finalmente recebe um soco na face, ele entra em modo paranoico e acaba com seu oponente no segundo seguinte – fato que convenientemente não se repete em uma briga futura com Cross.

    Como se não bastasse tudo isso, terminamos com um plot twist envolvendo o bilionário vivido por Jean Reno, que serve apenas para validar as origens, até há pouco desconhecidas, da série de assassinatos. Novamente, apenas um artifício de roteiro para tentar fechar uma história mal construída. Melhor seria se esses pormenores ficassem em aberto; assim, pelo menos não seríamos obrigados a mais uma cena em formato de esquete, misturando uma gag com o castigo e redenção final do vilão e herói.

    Entre reviravoltas, situações e conceitos abordados e abandonados na sequência, coincidências, há personagens em excesso, que são introduzidos e depois simplesmente esquecidos, enquanto outros têm atitudes que não se justificam. Com tudo isso,  A Sombra do Inimigo erra em quase tudo a que se propõe. Nem mesmo as cenas de ação – que já foram bem feitas pelo diretor Rob Cohen em Velozes e Furiosos – empolgam o espectador, graças a uma câmera infeliz, tremida, impossível de acompanhar, que torna o filme uma experiência ainda pior.

  • Crítica | Psicopata Americano

    Crítica | Psicopata Americano

    Psicopata Americano não foi um sucesso notável de bilheteria, mas acabou se firmando como um dos filmes mais cultuados do cinema contemporâneo. O misto de violência, cultura pop e a atuação memorável de Christian Bale tornaram o filme uma espécie de clássico cult e referência para o cinema independente.

    Psicopata Americano conta a história de Patrick Bateman, um jovem executivo de Nova York que esconde fortes tendências assassinas. De dia, Bateman senta em seu escritório, almoça no clube e compara cartões de visita, durante a noite ele tortura e esquarteja prostitutas e rivais.

    O personagem de Bateman é apresentado enquanto realiza sua rotina cosmética diária. A precisão com que ele cita cada passo e principalmente cada produto, e a luz dourada que enquadra Bale como uma espécie de quadro ou deus grego deixam claro o que é Patrick Bateman: uma imagem. E no plano final da sequência, ao simbolicamente retirar uma máscara do seu rosto, o personagem confessa que sabe disso.

    Patrick Bateman é uma imagem, uma casca cuidadosamente construída, mas sem nada do lado de dentro. Nada, exceto a obsessão com essa imagem. A cena em que diversos executivos comparam seus cartões de visita é didática: eles são todos iguais, ainda assim cada um precisa ser o melhor.

    O filme é extremamente irônico e o distanciamento de Bateman é tratado de forma precisa e sutil, com destaque para os momentos em que ele discorre longa e academicamente sobre bandas da época, enquanto assassina alguém, assiste duas prostitutas transando ou se prepara para torturá-las. Mary Harron, a diretora do filme, acerta ao contar a história pelo ponto de vista de Bateman sem avisar o espectador disso, o que permite a surpresa e ambiguidade finais.

    A ironia confere ainda um ar absurdo a coisa toda: a violência de Bateman se torna extremamente caricata e no final até improvável; a forma como ele nunca faz nada em seu escritório, exceto palavras cruzadas; a noiva, interpretada por Reese Whiterspoon, que podia facilmente ser a “barbie anos 80”. O filme é uma crítica ácida, mas irônica, que equilibra violência e humor e talvez por isso tenha se tornado tão comentado.

    A direção de arte, os enquadramentos e a trilham reforçam a caricatura. Os figurinos são exatamente aquilo que diz o estereótipo dos anos 80, a direção usa planos e recursos datados, como o zoom e efeitos de transição na montagem e a trilha parece algum tipo de compilação de “top hits” da época. Tudo é extremamente anos 80, os yuppies, a cocaína, as roupas.

    Psicopata Americano critica fortemente o capitalismo e uma sociedade obsessivamente voltada para a imagem. Mas o faz de forma sarcástica e quase auto-acusatória (afinal, o cuidado da direção de arte do filme ecoa o de Bateman com seu corpo), ao contrário do que David Cronenberg fez em Cosmópolis, Psicopata Americano não se apoia em discursos, mas na imagem. Isso tudo, quando aliado ao final duvidoso do filme, parece querer falar de uma loucura que não é só de Bateman, mas própria do sistema.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

    Ouça nosso podcast sobre Bret Easton Ellis.

  • Crítica | Criança, A Alma do Negócio

    Crítica | Criança, A Alma do Negócio

    Poster Criança a Alma do Negócio

    Criança, a alma do negócio é um documentário nacional de 2008, dirigido por Estela Renner, produzido por Marcos Nisti e Maria Farinha Produções, que trata de um assunto de extrema seriedade e que muitas vezes é neglicenciado: a publicidade e o mercado de consumo direcionados para o público infantil.

    Criança, a alma do negócio é um documentário simples, todo baseado em depoimentos de pais, crianças, pedagogos, pesquisadores – enfim, um rol de diferentes pessoas – com o objetivo de debater e questionar tanto os métodos quanto a ética que permeia a publicidade e o consumo voltado para crianças e adolescentes, e quais os impactos que isso poderá trazer à nossa sociedade no curto e longo prazo.

    Com um estilo influenciado pelos documentários de Michael Moore e, principalmente, Super Size Me, de Morgan Spurlock, somos apresentados primeiro a uma série de curtos depoimentos intercalados de crianças, pais, especialistas e até comerciais, que nos passam como é esse relacionamento entre as crianças e o consumo. Crianças dizendo, por exemplo, que preferem comprar do que brincar; uma garotinha que sabe de cor alguns comerciais e tem nada menos do que 22 pares de sapato; até mesmo o sentimento de frustração, não só dos pequenos como dos próprios pais, quando não têm os seus desejos atendidos; além de outras influências negativas, como um sentimento de alta competitividade, e fatores de inclusão e exclusão de grupos pela posse ou não de determinados produtos.

    O documentário nos coloca alguns dados técnicos impressionantes, por exemplo, o de que o necessário para uma marca atingir uma criança é apenas 30 segundos. Ou até que 80% da influência de compra em uma casa parte das crianças. Some isso ao depoimento de uma menina, que diz o seguinte, ao ser indagada por que deseja comprar algo: “O motivo? Isso eu ainda não descobri. Só sei que eu quero”.

    Especialistas dão a sua opinião sobre qual é o papel da publicidade, e se é ético direcioná-la para um público que não tem uma real capacidade de discernir e interpretar aquilo que está sendo apresentado a elas. O CONAR, sendo um órgão institucional, acaba por defender majoritariamente os interesses da própria atividade comercial que ele representa, e não o público e as pessoas afetadas pela publicidade.

    Criança, a alma do negócio também nos aponta dados mostrando que o consumismo chegando mais cedo acaba por encurtar a fase da infância. Esta ideia culmina em um depoimento de uma “criança” de 13 anos, casada e na segunda gravidez. Esse depoimento é dado em tom natural, sem nenhuma intenção de chocar, inclusive com um ar infantil, o que é totalmente díspar em relação à situação que ela enfrentará de criar e educar um filho. Talvez ela não tenha estrutura para lidar apenas com ela mesma, sem auxílio.

    Outros pontos são abordados, como a sustentabilidade, o papel dos pais tendo que lutar contra uma indústria bilionária, e até mesmo como isso pode influenciar na formação do caráter e dos valores desses jovens.

    Criança, a alma do negócio nos faz refletir sobre a sociedade que estamos criando para o futuro. Nos faz avaliar o valor da publicidade e do consumo, e qual o impacto real dela sobre todos os indivíduos – não só do prisma das crianças, mas questionando a sua influência sobre nós mesmos, e se realmente queremos nos definir por aquilo que compramos para, aí sim, formar o que somos.

  • Crítica | 007: Quantum Of Solace

    Crítica | 007: Quantum Of Solace

    Após o sucesso de Cassino Royale, a franquia de James Bond parecia novamente blindada, com grande potencial de apresentar uma sequência tão interessante como a primeira produção. Porém Quantum Of Solace não se mantém como obra por depender do desenvolvimento da trama anterior, sem um novo enfoque.

    Há uma significativa troca dos tradicionais vilões da franquia para uma personagem mais humana, sem nenhuma característica física marcante e que, sem um objetivo evidente de destruição, é um mercenário oportunista e ganancioso.

    O grupo terrorista que tinha como líder Le Chiffre era apenas um pequeno detalhe de uma rede mundial inserida no subterrâneo de cada governo, informações que nem mesmo o MI6 tinha conhecimento prévio. É dentro dessa ordem que James Bond tenta impedir que o grupo realize um acordo que prejudicará um país de terceiro mundo.

    Se a narrativa carrega potencial, teve uma execução mal formatada. Principalmente por ter sido realizada na época da greve dos roteiristas. O abalo significou começar as filmagens sem o roteiro completo, fazendo com que até mesmo Daniel Craig fosse obrigado a escrever diálogos para dar sequencia as gravações. Recentemente o ator pediu desculpas pelo fato, ciente de sua limitação para o cargo.

    Embora composto pelos mesmos roteiristas do primeiro, a trama parece um confuso emaranhado político entrecortado por cenas de ação. A direção de Marc Foster oscila, sem o mesmo apuro que Martin Campbell nas cenas físicas que repetem a estética sem o mesmo brilho. E parecendo aguardar algum gancho importante que nunca chega no clímax.

  • Crítica | O Homem da Máfia

    Crítica | O Homem da Máfia

    Andrew Dominik chamou atenção em 2007 ao revisitar o western, um gênero praticamente esquecido, com o excelente O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford. A direção sóbria e a crueza de Dominik injetaram frescor na fórmula e, a partir de então, alguns diretores consagrados – notavelmente os irmãos Coen – voltaram a olhar para um tipo de filme até então ultrapassado.

    Em O Homem da Máfia, Dominik novamente se volta pra um gênero fora de moda e o moderniza com uma direção precisa e eficiente. A trama se foca em Jackie (Brad Pitt), uma espécie de investigador da máfia chamado a uma cidade não identificada para investigar o assalto a uma casa de carteado. O filme se passa durante a primeira campanha de Barack Obama para a presidência, no auge da crise econômica que atingiu os Estados Unidos e principalmente os bancos e instituições financeiras de Wall Street. Esse pano de fundo está sempre presente, fazendo um paralelo com a história apresentada.

    Assim que Jackie entra em cena, fica claro que a máfia de Dominik não é a de Copolla: aqui não existem valores de nenhum tipo, nenhuma consideração familiar, e o método frio, burocrático e eficiente do protagonista claramente vem tomando o lugar das investigações e ferramentas tradicionais. Segundo Jackie, os Estados Unidos não são um país baseado em comunidade, solidariedade ou qualquer um dos valores apregoados por Obama; se trata, pura e simplesmente, de dinheiro e negócios.

    A visão política do diretor é muito clara durante todo o filme; no entanto, ele nunca se torna panfletário ou didático. Dominik é claramente um republicano, mas sua posição está costurada na trama, tanto no desenrolar da história quanto nas falas de seu personagem principal. É um filme pessoal, autoral e político, mas é também um belo filme de máfia.

    A fotografia escura e cinzenta lembra o tempo todo ao espectador que se trata de um mundo devastado e uma instituição decadente. A montagem é rápida, mas rígida, sem espaço para cenas desnecessárias ou cortes que desorientem o espectador: é um filme firme, austero, no roteiro e na linguagem. Essas escolhas são aliadas a interpretações excelentes (Brad Pitt é de uma precisão absurda) e provam que Dominik é um diretor extremamente competente e que caminha para grandes filmes.

    O Homem da Máfia não chega a ser um filme tão bom quanto O Assassinato de Jesse James, mas é competente, firme e tem a qualidade muito rara de articular perfeitamente as opiniões de seu diretor à trama. A visão cínica e controversa de Dominik e o brilhantismo técnico com que ele conduz seus filmes o apontam como um dos diretores mais interessantes da atualidade.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Os Penetras

    Crítica | Os Penetras

    poster de os penetras

    Os penetras de direção e roteiro de Andrucha Waddington, além dos roteiristas Nina Crintzs, Rafael Dragaud e Marcelo Vindicato. Faz uma mescla de referências a diversas comédias de sucesso recente. Dentre as quais, filmes de penetras, como o próprio nome já diz. Desconhecidos que por acaso viverão uma aventura maluca. E coincidências que geram um grande problema e movimentam a história. Para assim contar a história de Beto (Eduardo Sterblitch), um inocente, que vem do interior para o Rio de Janeiro, afim de recuperar sua amada. E Marco Polo (Marcelo Adnet), um malandro carioca que leva a vida fazendo pequenos trambiques e golpes. Para manter seu padrão de bon vivant.

    A ligação entre os dois, se dá por Laura (Mariana Ximenes). Uma garota de programa, e também golpista, que está aplicando sua cartada final num rico fazendeiro, Coelho (Luiz Gustavo). Mas que Marco Polo, ao tentar ajudar Beto a recuperá-la em troca de algumas vantagens da situação, acaba se apaixonando.

    O plot do filme todo gira em torno disso, as situações cotidianas daqueles malandros entre uma festa e outra invadida. A obra tenta ainda, colocar todos os membros daquele círculo, seja o mais pé-de-chinelo, até a rainha do baile, como “farinha do mesmo saco”, basta apenas uma oportunidade para alguém aplicar um golpe, pular a cerca, ou enganar alguém. E a grande reviravolta da história, vem com o objetivo de dar um pano de fundo ao personagem Beto, e fazer graça com a situação toda, que tudo não passou de um mal entendido. Culminando então, em uma espécie de redenção para Marco Polo, que se solidariza com Beto, depois de tanto enganá-lo. Ao mesmo tempo que Beto se transforma num estalar de dedos, não mais no cara ingênuo, mas também um malandro, disposto a aproveitar a vida. Isso tudo porém, é explorado de maneira tão pueril, com um humor raso, que no maior esforço possível, no máximo consegue arrancar alguns sorrisos. Exceção seja feita, do curto período em que Xando Graça e Babu Santana aparecem em tela no papel de dois policiais, que estes sim, conseguem arrancar boas risadas, investindo em um humor do absurdo, mas ao mesmo tempo, não distante de se imaginar como realidade.

    Quase todos os traços cômicos de Os Penetras,  se baseia nos personagens já habituais de Adnet e Sterblitch. Com isso, o roteiro se torna pobre, que pouco cativa o espectador, tampouco faz rir. E esse acaba sendo o maior problema do filme. Por ser uma comédia, que não se propõe a quase nada além de fazer graça de situações cotidianas. Precisa de mais do que seu ator principal fazendo seu habitué ingenuo, dizendo palavras enroladas, gritando “Eu Mudei”, ou “Vamos botar para fuder” dito com todas as letras, como principal piada do filme. Ainda mais diante das possibilidades e liberdades criativas que um filme pode oferecer a esses comediantes, fora da TV.

    É possível ainda que Os Penetras agrade àqueles que são muito fãs do trabalho rotineiro de Marcelo Adnet e Eduardo Sterblitch. Fora isso, o longa tem pouco a oferecer com seu roteiro insosso, e tentativas forçadas de criar bordões fadados ao esquecimento 20 minutos após a projeção.

  • Crítica | Frankenweenie

    Crítica | Frankenweenie

    Baseado em seu curta metragem homônimo de 1984, Tim Burton retorna às suas raízes no remake de um dos seus primeiros trabalhos como diretor em uma homenagem aos clássicos filmes de terror cult da história do cinema (Veja aqui).

    Frankenweenie conta a história de Victor e seu cachorro Sparky, que após ser atropelado em um acidente de carro, é trazido de volta à vida pelo seu dono, que é aficionado por ciências. Desde 2005 Tim Burton não fazia mais animações em stop motion (Noiva Cadáver), porém volta com o diferencial de ser produzido inteiramente em preto e branco e

    Como de praxe, a trilha sonora de Danny Elfman é certeira ao se mesclar à atmosfera sombria característica dos filmes de Burton. Por outro lado, Johnny Depp e Helena Bonham Carter não estão no elenco das vozes do filme, para surpresa de todo um público já acostumado com a presença dos mesmos em “quase” todos os filmes do diretor.

    Burton se diverte com sua narrativa e as várias referências que implementa nela. Até mesmo o cinema japonês não ficou de fora das referências, sendo possível encontrar uma clara homenagem ao monstro Gamera, pertencente ao mesmo universo de Godzilla e um dos inimigos do monstro. Não apenas ele, mas a Múmia, Frankenstein, Drácula e tantos outros estão presentes para o deleite do espectador.

    O character design dos personagens não precisam de comentários, eis que é um dos pontos mais fortes do trabalho de Burton. Muitos dos que estão presentes no filme já foram vistos nas outras obras do diretor, cabendo ao público reconhece-los dentre os personagens.

    Frankenweenie é um filme simples, que não procura ser nada mais do que realmente é: um filme que busca a diversão em suas dezenas de referências e, por isso, acaba sendo tão bem realizado.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Crítica | Os Infratores

    Crítica | Os Infratores

    Poster de os infratores

    Os Infratores (Lawless, 2012), filme dirigido por John Hilcoat (A Estrada), com roteiro de Nick Cave adaptado de um livro escrito por Matt Bondurant, neto de um dos personagens principais do longa, que é baseado em fatos reais.

    O filme nos conta a história dos irmãos Bondurant, que vivem no Condado de Franklin, Virginia. Na década de 1930 durante a recessão americana e portanto, com o cenário da lei seca. Os irmãos são Jack (Shia Labeouf) o mais novo, que tem sempre de provar o seu valor aos outros. Forrest (Tom Hardy), o mais velho; chefe da família, e Howard (Jason Clarke), o mais temido dos três, muito por seu comportamento explosivo.

    A família toca uma espécie de restaurante, posto de gasolina e base de operações para outros negócios, que agora com a lei seca, se resumem a fazer um Whisky clandestino de boa qualidade. Atividade que apesar de ilegal, é amplamente aceita e difundida entre as pessoas da região. O problema se inicia com a chegada do corrupto agente federal de Chicago, Charley Rakes (Guy Pearce), que deseja organizar o comércio de bebidas daqueles caipiras. Fazendo valer a sua autoridade sobre um xerife, que também não concorda com seus métodos.

    Rakes é um personagem enjoado, que destoa de todo aquele universo em que está inserido. Com trejeitos afetados. Um penteado dividido que é mantido com obsessão e um exagero constante no uso de sua colônia. Guy Pearce faz um bom trabalho na construção desse papel, apesar da pouca exigência de um personagem linear, sem nuances e traços contraditórios. Que não deixa dúvidas, nem ao espectador mais desatento, que se trata do vilão da trama.

    Somos apresentados também, a duas personagens femininas, Maggie Beaford (Jessica Chastain), uma dançarina da cidade que vai para o interior em busca de uma vida mais calma e acaba se tornando uma espécie de faz-tudo dos negócios dos Bondurant: garçonete, contadora, além de namorada de Forrest. A outra mulher da história é Bertha Minnix (Mia Wasikowska), filha de um pregador, que se apaixona por Jack, e acabam mantendo um romance proibido. Ambas as personagens pouco movimentam a história ou tem uma real importância naquilo que somos apresentados. Elas servem mais como um artificio para humanizar os heróis do filme, e de certa forma, transformar aquela história de crimes e violência, em uma história de família.

    Apesar dos créditos iniciais de ‘Os Infratores’ nos dizer que se trata de uma história baseada em fatos reais, tudo no filme funciona como se fosse uma saga de um pescador e seu peixe de 100 quilos no lago, contado enquanto se passeia por algum reduto longe da cidade. Quase tudo tem um certo exagero, tanto na velocidade com que as coisas acontecem, a proporção que os fatos tomam, e principalmente, as cenas de ação e tiroteios, longe de qualquer veracidade do nosso mundo. Mas que nos deliciaria ao ser contada como um “causo” do interior, repleto de lendas e folclore em torno da misteriosa família Bonderant, tida como invencível por toda região.

    Com homens da lei que agem por maneiras escusas. E transgressores honrados e corajosos, que não causam nenhum mal para aqueles que são bons. ‘Os infratores’ define muito bem quem é vilão e quem é herói. A única ambiguidade que vemos se dá na forma dos personagens Jack e Forrest, que são uma espécie de reflexo invertido. Enquanto o primeiro sempre foi um tipo avesso a violência, beirando a covardia, Forrest era o primeiro a se apresentar a ela. Em contrapartida, quando o assunto eram os negócios, Forrest era conservador, preferia manter sua vida tranquila, sem incomodar ninguém, para também não ser incomodado. Já Jack, era ambicioso, disposto a quase tudo pelo sucesso, venerando inclusive, o mafioso Floyd Banner (Gary Oldman) – que infelizmente faz um papel bem pequeno no filme e acredito que poderia ser melhor explorado.

    Com uma bela fotografia de Benoît Delhomme; direção competente de Hilcoat, principalmente nas cenas de ação, sempre intercaladas com cenas cotidianas que aprofundam e nos fazem simpatizar por aqueles personagens. Além de retratar o espaço e o tempo que aquela história se passa. Somado também a uma leve mistura de gêneros como Western e Gangsters, ‘Os Infratores’ se mostra um bom filme sobre um “causo” passado adiante por vários contadores de história.

  • Crítica | Marcados para Morrer

    Crítica | Marcados para Morrer

    A onda de filmes com o estilo handcam parece longe de acabar. Depois de virar praticamente o padrão em produções de terror, e algumas tentativas em outros gêneros, como Poder Sem Limites e Projeto X, a bola da vez é o policial Marcados Para Morrer. David Ayer, roteirista de filmes como Dia de Treinamento e o primeiro Velozes e Furiosos, escreve e dirige o longa sobre uma dupla de jovens policiais de Los Angeles (vividos por Jake Gylenhaal e Michael Peña). Apesar desta já ser a terceira vez de Ayer na direção, a impressão é que o negócio dele é só escrever mesmo.

    Ao optar pela estética de câmera na mão, o diretor parece ter apenas seguido uma modinha, e não tentado oferecer uma experiência até então inédita no gênero ação. Os problemas começam quando não apenas os policias gravam seu dia-a-dia (a desculpa que é o projeto acadêmico de um deles), mas os bandidos também se filmam só pra tirar onda. Então não há uma única filmagem, e sim uma colagem de várias só pra possibilitar que outros ambientes sejam mostrados sem quebrar a proposta. Até aí, nada demais, vários filmes fazem o mesmo. Só que em vários momentos temos ângulos de handcam que não fazem o menor sentido considerando as câmeras presentes no local. E em outros, uma câmera assumidamente convencional toma conta, ou seja, fugindo da ideia inicial. Essa esquizofrenia da direção, também aplicável à edição, aliás, acaba privando o filme daquilo que o estilo câmera na mão oferece de melhor, a imersão total na narrativa. Ficam somente os aspectos negativos, como qualidade de imagem inferior e lacunas na história.

    Caso tivesse sido filmado inteiro de maneira convencional, Marcados Para Morrer poderia ter sido um ótimo filme. Isso porque o roteiro é muito bem trabalhado, em especial em relação aos protagonistas. Amigos de infância, praticamente irmãos, os dois policiais revelam toda sua humanidade de modo bastante crível. Durante as patrulhas, eles conversam sobre tudo de suas vidas pessoais com um tom de intimidade e camaradagem que só parceiros de longa data poderiam ter. Alternando-se a isso, as situações tensas e até macabras que o trabalho joga diariamente pra cima deles, e como ambos reagem, lutando pra não serem afetados mais do que o suportável.

    A dura realidade impacta diretamente na visão romântica, principalmente de Brian (Gylenhaal), de que eles são super-heróis que vão salvar o mundo. Patrulhando as regiões mais barra-pesada da cidade, os personagens acabam se destacando e entrando na mira de um perigoso cartel mexicano. A presença violenta de gangues latinas, em conflito com os já estabelecidos negros, criou um cenário bem interessante e inclusive realista. Pena que isso, até pelo tempo e proposta, não foi tão desenvolvido.

    Em relação aos atores, os dois se saíram muito bem, há uma inegável “química” (totalmente heterossexual) entre eles. Gylenhaal se esforça e consegue convencer como durão, mas seria exigir demais dele a ausência de sua marca registrada: o olhar de cachorrinho triste está lá, nas cenas mais emotivas. Peña, não tão famoso de nome mas com um rosto reconhecível (de filmes como Invasão do Mundo, Crash, Torres Gêmeas, etc.) teve um trabalho consideravelmente mais fácil, viver um latino expressivo e tagarela. O resto do elenco está dentro do esperado no pouco espaço que tem, apelando pra estereótipos do gênero. Vale destacar a presença de Anna Kendrick, que já provou ser uma atriz competente, apesar de estar na Saga Crepúsculo.

    Naquilo que pretendia inovar, Marcados Para Morrer sinaliza que handcam talvez não combine com filmes de ação. Contudo, se enquanto experiência do ponto de vista técnico, o resultado não foi dos melhores, não deixa de ser uma boa pedida por cumprir a função básica do cinema: contar boas histórias.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | Moonrise Kingdom

    Crítica | Moonrise Kingdom

    Wes Anderson é conhecido por seus personagens estranhos e histórias um tanto surreais que, ao serem embaladas em uma direção de arte cuidadosa, constroem universos que parecem funcionar no limite entre a realidade e uma espécie de conto de fadas. Em Moonrise Kingdom, seu filme mais recente, essas características aparecem com clareza e montam um filme leve, divertido e extremamente autoral.

    O filme se passa em uma minúscula ilha na costa leste dos Estados Unidos, nos anos 60, onde vivem Suzy e Sam, uma “menina problema” e um garoto órfão. Os dois se conhecem por acaso, iniciam uma correspondência e planejam uma fuga através de uma trilha indígena famosa na região.

    Suzy e Sam se encontram por serem desajustados. Ele é órfão e detestado por seus colegas do grupo de escoteiro, ela é a filha problema de uma família “perfeita”, famosa pelas brigas violentas na escola para meninas. No entanto, conforme o filme avança vemos que todos os personagens, dos pais de Suzy ao chefe dos escoteiros, são igualmente desorientados em relação a vida e aos seus papeis no mundo e é Anderson ironiza com precisão esse desajuste entre as expectativas infantis e a desorientação dos adultos.

    Em vários momentos Moonrise Kingdom faz versões em miniaturas de filmes grandiosos: a uma sequência construída exatamente como um filme de guerra, a perseguição com motos de brinquedo a própria fuga que lembra clássicos como Bonnie e Clyde e Monika e o Desejo. Mas Anderson transforma os soldados em escoteiros e um casal de ladrões em duas crianças fugindo de casa, ele fala de pessoas comuns, pequenas e perdidas e do ridículo que as cerca.

    A paleta de cores do filme é toda construída com cores primárias ou pasteis e retoma os mesmos toms que o diretor vem usando desde seus primeiros filmes. Essa escolha, aliada a fotografia lavada, com cara de polaroid, ajudam a deslocar o filme para uma época e um lugar fora do tempo, tornando-o esse conto de fadas torto. O Narrador e a montagem evocam ainda os filmes da Nouvelle Vague, clara referência de Wes Anderson com sua simpatia por anti-heróis e desajustados, mas sempre de forma mais simples e infantil, como se o próprio cinema não merecesse ser levado a sério.

    Dessa forma, Wes Anderson articula os elementos recorrentes de seu cinema com um elenco notável e uma protagonista adorável e carismática para criar um filme que fala de um tema possivelmente dolorido, mas que o faz de forma leve, divertida e irônica. Moonrise Kingdom é irônico em cada imagem e finalmente faz jus ao humor ácido de Wes Anderson, além de ser seu melhor filme desde Os Excêntricos Tenenbaums.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Curvas da Vida

    Crítica | Curvas da Vida

    Curvas da Vida é o primeiro filme dirigido por Robert Lorenz, parceiro de longa data de Clint Eastwood, tanto na produção como em assistência de direção em vários projetos. O filme traz o próprio Eastwood atuando em um filme que não dirige, coisa que não acontecia desde Na Linha de Fogo de 1993.

    O longa conta a história de um veterano olheiro de baseball, Gus (Eastwood), que enfrenta problemas com a sua visão, que é parte fundamental para seu trabalho, em que observa bons jogadores em ligas menores para entrarem no Atlanta Braves. Gus vive de cidade em cidade, solitário, praticamente morando em hotéis baratos. Apesar das dificuldades, o personagem ama a vida que leva e, principalmente, o baseball. Klein (John Goodman) chefe e amigo de Gus percebe que seu principal olheiro está passando por problemas e pede para Mickey (Amy Adams), filha de Gus, para que o acompanhe nessa viagem para observar Bo Gentry, pois ele teme que esses problemas possa lhe custar o emprego e assim a própria vida de Gus.

    Mickey é uma workaholic e ambiciosa advogada e se vê obrigada a acompanhar o pai, deixando em segundo plano um importante caso na empresa, que lhe renderia a sociedade. Obrigada porém por ela mesma no que ela define como algo que não deveria se preocupar e sim abandona-lo, como ele mesmo fez no passado. Porém, simplesmente não consegue. Temos ainda Johnny (Justin Timberlake), um ex arremessador descoberto por Gus, que ao sofrer uma lesão é obrigado a se aposentar prematuramente. Agora, Johnny trabalha como olheiro dos Red Sox e assim cruza novamente o caminho de Gus e, por consequencia, de Mickey.

    Curvas da Vida nos trás um personagem recorrente de Clint Eastwood: O velho rabugento, resmungão, que de alguma forma está sendo colocado para escanteio e tem que provar o seu valor, não para si próprio, já que ele sabe do que é capaz, mas para aqueles que o acham ultrapassado. Ao mesmo tempo que Gus sabe a habilidade de um rebatedor apenas pelo som do contato entre a bola e o bastão, mal consegue usar uma máquina de escrever, quem dirá um computador. Dessa forma, corre o risco de ser substituído por um novato que se baseia apenas em estatísticas fornecidas por programas que nunca se sentou numa arquibancada para analisar a capacidade de um jogador. Nesse ponto específico do mundo do baseball, parece que vemos uma antítese do que nos foi mostrado em Moneyball de 2011.

    Além desse conflito entre o valor do tradicional, os velhos métodos com os novos e o progresso inevitável. Há também o conflito entre pai e filha, em que o primeiro ao mesmo tempo que quer o melhor para a vida de sua filha, ou pelo menos o que ele considera ser o melhor para ela. Uma vida confortável que ele mesmo não pode ter em função do seu trabalho acaba por impedir que ela seja feliz ou realizada. O personagem de Timberlake nos ajuda a delinear o relacionamento entre pai e filha, pois o filme traça um paralelo entre a relação de Mickey e seu pai e como isso influencia em todos os outros aspectos de sua vida. Ao mesmo tempo que ela consegue alguma aproximação com o Gus, fazendo-o conversar, falar sobre o passado, por mais difícil que isso seja para o personagem de Eastwood, ela também se aproxima de Johnny e talvez pela primeira vez consegue cultivar um sentimento real e amoroso por alguém.

    Curvas da Vida não é uma obra prima e tem seus problemas. O principal deles está em seu terceiro ato um pouco corrido para conseguir ligar todas as pontas soltas do filme a tempo. Além de uma história previsível em boa parte da projeção em que se algo diferente acontece quase sempre dá sinais de que servirá para um gancho futuro na história. Em contrapartida, é uma história muito bem contada. De forma leve, até despretensiosa. Com um elenco que funciona muito bem, desde Eastwood, e seu recorrente papel de um velho aparentemente ultrapassado pelo novo e que precisa provar que ainda tem algo a oferecer. Amy Adams, que ao mesmo tempo que pode ser doce e sensível, mas também é dura e corajosa. John Goodman e Justin Timberlake, com papéis menores, mas que encaixam perfeitamente e nos fazem nutrir simpatia por seus personagens.

    Com um roteiro de Randy Brown que beira a inocência e belas tomadas de Robert Lorenz que remetem à própria direção de Eastwood. Uma ótima fotografia de Tom Stern, outro parceiro de vários projetos da dupla Eastwood e Lorenz. Curvas da Vida parece um oásis de paz, em um cinema com cada vez mais necessidades frenéticas, e com certeza fará o seu dia melhor.