Invasão Ao Serviço Secreto é a terceira parte da trilogia Has Fallen, conhecida no Brasil como “Invasão a algo ou alguma coisa“, e seu início é silencioso, mostrando o método e ação de Mike Banning, personagem de Gerard Butler que em outras oportunidades já havia salvado a pátria e também o mundo. Os ângulos fechados lembram estilos de filmagem bem diferenciados, unindo a realidade semi documental de Tropa de Elite e outros filmes de ação brasileiros com os cortes secos e enfoques mais fechados da trilogia Bourne, em especial os filmes de Paul Greengrass. As cenas impressionam pela habilidade de Ric Roman Waugh em registrar a urgência, apesar de não ocorrer ali um fato tão agressivo quanto aparenta, quase numa reimaginação da peça shakesperiana Muito Barulho por Nada.
Há uma clara tentativa de tornar grave a vivencia de Mike. Ele toma pílulas, para lidar com o dia a dia estressante, com a proximidade da morte e com a violência corriqueira. Claramente ele não imaginou que viveria tanto, nem que passaria por tantas operações ileso como está, e entre uma ida e outra para casa, onde encontra sua família e amigos, ele vai sentindo a pressão aumentar.
O filme não é sutil, vai direto ao ponto especialmente no que toca a promoção do heroi dentro do órgão em que trabalha, e isso é feito pelo presidente novamente vivido por Morgan Freman, tal qual em Invasão a Londres – e ele recém assumido como líder de operações do serviço de proteção nacional vê um ataque hiper tecnológico e bem orquestrado ocorrer sobre si e sobre suas unidades. As não sutilezas não ocorrem só nas cenas de ação que são repletas de slow motion datado, mas também no fato de os ataques por drone ocorrerem logo após ele quase passar mal ante o comandante em chefe da nação soberana no continente americano.
As aproximadamente duas horas de filme resultam em uma obra de ação um bocado genérica, que se distanciam demais do bom potencial prometido por seu início avassalador. Butler está visivelmente velho demais para esse tipo de papel, Freeman também parece apenas se repetir em um tipo de arquétipo que já fazia quando Clint Eastwood era astro de ação.
Toda a questão envolvendo sua possível traição também é mal conduzida. A agente Thompson de Jada Pinkett Smith é uma personagem genérica, não passa de arquétipo, assim como a obvia inversão de perseguição ao herói. Há espaço também para reencontros com pessoas importantes de seu passado, os mesmos que antes não eram sequer mencionados, tudo para fazer Nick Nolte agir mais uma vez como velho louco e Danny Huston, que desde sua primeira aparição já parece um traidor.
O roteiro de Waugh, Matt Cook e Robert Mark Kamen surpreende praticamente nada, todos os rumos parecem telegrafados, com rumos decididos e desenhados muitos momentos antes de ocorrerem. O desfecho é doce demais para os heróis, mostra os vilões corruptos sendo presos, em um maniqueísmo exacerbado, com direito a colocarem o presidente Morgan Freeman em uma cena com políticos reais – entre eles Michel Temer e Vladimir Putin, no lugar de Donald Trump – e um resgate familiar envolvendo os novos personagens, incluindo momentos adocicados, com um bebê de poucos meses pavimentando uma nova relação de pai e avô.
Filme de 2012 dentro da estética conhecida no Brasil como filme de Sessão da Tarde, Troca de Talentos é dirigido por John Whitesell, o mesmo que fez Spot- Um Cão da Pesada e Vovó Zona…2, e começa em uma partida de basquetebol no colegial, onde o treinador Amross (Jim Belushi) fica extremamente irritado com o desempenho do seu time, o Eagles.
Ao mesmo tempo, se percebe Brian Newall (Taylor Gray), um garoto aficionado pelo esporte, mas sem muito talento para o jogo, que admira muito Kevin Durant, ala-pivô campeão da NBA e MVP que na época estava no OKC (sigla para Oklahoma City Thunder), e ate esse momento, o destino dos dois não se cruza, além da simples relação de ídolo distante e fã.
A abordagem e estética do longa é bem infantil, as piadas são terríveis, envolvem trapalhadas e humor físico, e os personagens não tem qualquer profundidade, substancia ou complexidade, ao contrário, são estereótipos colegiais puros e simples, mesmo Durant que é uma pessoa de verdade não consegue ultrapassar a pecha de atleta superstar, além do que a etapa da jornada do herói conhecida como o Chamado a Aventura é muito parecida com a trama dos vilões de Space Jam.
Não há muitos motivos para Brian ser tão odiado por seus colegas. Por ele ser um perdedor não justifica muito o fato de ser perseguido pelos populares, tirando é claro a condição dele ser o protagonista “humano” do filme. O filme ganha quando vai as quadras, e mostra Kevin em ação pelo OKC, mas isso é muito curto, e é exatamente nesse momento, ao consolar Brian que o jogador acaba por dar seu talento ao menino, sem maiores explicações, como que por mágica.
O filme melhora ligeiramente após a tal troca de talentos, Brian começa a se dar bem, melhora e muito seus arremessos, e até chama a atenção de Isabel (Tristin Mays), a menina por quem sempre nutriu um amor platônico. Ao menos, quando a trama se torna positiva para o “herói” da jornada, o filme melhora em termos de diversão e carisma. Brian quando começa a jogar bem é muito mais divertido que o vilãozinho estúpido Connor, vivido por Spencer Daniels.
De curioso, há o fato de que um dos comentaristas é Steve Kerr, que futuramente, seria técnico do Golden State Warriors, o mesmo time que eliminou o OKC nas finais de 2015/16 e que teria parte com Durant nesse mesmo time, com os títulos de 16/17, 17/18 e o vice campeonato em 2018/2019. No filme, ele é bem duro nos comentários a Durant em quadra, mas a realidade é que quando joga, ele ainda tem algumas boas características, mas quando tenta atuar é algo sofrível, não tendo qualquer momento positivo.
Há participações especiais de Reggie Miller, Shaquille O’Neal e Charles Barkley, e uma tentativa desesperada de emular características de Space Jam, além de “prever” boa parte do elenco de Tio Drew. Há também participação também de Kenny Smith, e é esse aspecto, das participações especiais o ponto mais alto que o filme atinge. Não há sequer uma maior reflexão sobre bullying ou super exposição de crianças e adolescentes nas mídias sociais, tampouco há qualquer explicação para Brian não se afetar nem um pouco pela má fase de seu ídolo, ao passo que também não faz muito sentido toda a mitologia em torna da troca de habilidades dos jogadores de basquete. Nem a relação entre pai e filho, que tinha potencial no início do longa é desenvolvida direito, também não há muito desenvolvimento nem do romance com Isabel e nem com o fato dele começar a ser arrogante do nada. Nem a mensagem de Durant, de que um aspirante a jogador deve treinar muito, nem isso gera reflexão em qualquer personagem, e Troca de Talentos é frívolo até entre os piores filmes sobre o esporte basquetebol, e praticamente só acerta quando referencia outras obras ligadas ao esporte.
Assistir A Morte Passou por Perto é como observar um grande jogador de xadrez no começo da carreira, errando jogadas e perdendo pra crianças no parque. Aliás, Stanley Kubrick era um exímio jogador do esporte, e mostrava um apreço intelectual por tudo que desafiava, com rigor, suas capacidades. Não à toa, seu coração escolheu a mais cara e difícil das artes, o Cinema, e nela começou com filmes tímidos mas que continham cenas memoráveis, como a já popular luta entre dois homens num depósito de manequins no final de AMortePassouporPerto. Aqui, Kubrick ainda estava distante, mas muito distante ainda de ser um Deus na arte que revolucionou, junto de seus contemporâneos, tais como Alfred Hitchcock (O Terceiro Tiro), Nicholas Ray (Johnny Guitar) e Don Siegel (Dirty Harry), e parecia ensaiar e se familiarizar, mas com propriedade já sentida por todos nós, vários elementos que iriam permear sua filmografia até seu louvável testamento em 1999, com o erótico e poderoso De Olhos Bem Fechados.
Então, como apreciar o começo de um esportista antes do mesmo extrapolar seus próprios limites? Motivos aqui para isso não faltam; transbordam, na verdade, no decorrer deste conto que promove a imersão realista na história de Davy, um pobre boxeador e sua vizinha, Glória, uma pobre dançarina. Cansados e derrotados, eles só querem escapar juntos de uma realidade suja, e recheada de violência. A Nova York deles não é a de cartões postais, mas pertence aos mais agressivos e truculentos filmes noir, o charmoso gênero de Hollywood dedicado a histórias de gangsteres e seus envolvimentos com damas fatais, crimes e o submundo da máfia. Aqui não é diferente, já que Rapallo, um desses homens-sombra sem rosto e endereço, fica com inveja do amor de Davy com Glória, e a sequestra. Ao retirar a luz do fim do túnel de Davy, algo precisa ser feito, e as consequências da procura frenética por Glória não demoram a acontecer. Somos levados por entre as áreas mais ricas e pobres da maior metrópole americana, entre becos anônimos e as luzes da Broadway, com a morte sempre no cangote de tudo, e de todos.
Essa visão pessimista não é negada, aqui, por Kubrick, mas revirada, enquanto a história parece buscar um antídoto para que Davy possa alcançar, finalmente, algum êxito na sua vida perdedora. As tragédias então se fazem onipresentes num mundo onde todos se atrapalham ao cruzarem suas vidas, com todos os personagens representando desafios, uns para os outros, mas o drama jamais é exagerado, ou pesado demais a ponto de nos perturbar. As sensações aqui são mistas, humildes, e nos fazem torcer até o último segundo pelo casal que Deus uniu, e o homem separou, em ruas implacáveis que Martin Scorsese tanto explorou, em Taxi Driver e outros tantos filmes célebres. O uso de flashbacks faz da narrativa um desafio bem-sucedido para o iniciante Kubrick, que comanda o filme com muito cuidado, aquém da naturalidade de outras obras (um ano depois, já iria produzir o maravilhoso O Grande Golpe, produto esse bem mais sofisticado, e seguro de si). Mas a verdadeira curiosidade, aqui, é o quanto já se nota, pela primeira vez, o rigor de Kubrick pelos detalhes. A Morte Passou por Perto é o nascimento de uma visão extremamente meticulosa que já estava aprendendo a caminhar, por conta própria.
Outro ponto interessante é a dramaticidade que a dinâmica técnica de luz e sombra nos oferece, culminando em grandes cenas, graças a uma boa encenação e um preto e branco realmente lindo, homenageando grandes clássicos noir como No Silêncio da Noite, e o impagável Alma no Lodo, de 1931, e com várias cenas (editadas pelo próprio cineasta, ainda com poucos recursos financeiros) fazendo referência direta a fotos do surrealista Man Ray, cujos trabalhos Kubrick admirava demais. No corre corre de Davy, sempre fugindo e se escondendo de criminosos (e de si mesmo), desvendamos o frenesi e a lógica do movimento que iriam existir a partir daqui em todos os filmes do gênio por trás de Laranja Mecânica, e O Iluminado. Uma lógica ambiciosa, e perversa por ser essencialmente trágica, em que uns querem alcançar os limites do espaço, outros os limites da rebeldia social, e outros a vitória quase impossível numa guerra. Já uns apenas desejam alcançar (ou resgatar, no caso) o amor das suas vidas, nem que isso venha custar a sua própria existência. Um belo exercício cinematográfico, em suma, ainda que embrionário, e um tanto inseguro.
Após muitos anos prometendo adaptar o livro de Charles Brandt, finalmente Martin Scorsese consegue realizar seu O Irlandês, que acima até da pecha de “filme de máfia”, resulta em um grande épico, dos que lembram o cinema clássico de DavidLean. O roteiro de Steve Zaillian (de O Gangster e O Homem Que Mudou o Jogo) adapta a historia do matador da máfia Frank Sheeran, o matador de origem irlandesa que auxiliava um grupo de mafiosos reais que ficou bem famoso por ter suas memorias publicadas.
A historia resulta em um longo e belo filme, que só foi possível de ser adaptado por conta da forma como a parceira Netflix transmite suas obras, sem restrições de tempo para exibição, fato que no cinema, certamente seria um impeditivo (muito injusto, já que a obra de Scorsese não é gordurosa). O retorno do diretor ítalo americano ao filão que lhe fez consagrar obras como Os Bons Companheiros, Cassinoe Caminhos Perigosos não poderia ser mais emblemático, violento e profundo, e seu início se dar em um asilo é além de emblemático, muito simbólico, e faz refletir não só sobre a velhice e a solidão e carência que normalmente vem com essa fase da vida, mas também há uma reflexão sobre a santificação que por vezes ocorre com pessoas que morrem ou que envelhecem.
Tal qual as outras obras já citadas aqui de Scorsese, esse também se usa do artifício de quebrar a quarta parede, e de falar com o espectador, em uma mistura de estilos entre Taxi Driver, por conta do intimismo e de a maior parte dos contos ser feito pelo protagonista, e um pouco como O Lobo de Wall Street, por evocar muitos absurdos e infortúnios.
A historia de Frank se confunde com o avanço da criminalidade mafiosa oriunda da Itália e escrutina seu crescimento como caminhoneiro e negociante de carne com a associação que foi fazendo com os ditos homens feitos, inclusive colocando nessa origem uma pitada de teoria da conspiração. Aos poucos é mostrado como sindicalismo, política e fraudes andam lado a lado nesse cenário mafioso, isso tudo com uma música que faz lembrar demais os acordes de Nino Rota a frente de O Poderoso Chefão.
Frank era um veterano da segunda guerra mundial, foi lá que ele matou pela primeira vez e naturalizou aquilo afinal, era uma guerra. Não demoram a aparecer as entidades criminosas, como Russell Bufalino, do recém tirado da aposentadoria Joe Pesci (que aliás, faz um papel bem diferente do que produziu nas parcerias com o diretor). A chegada dele aliás parece causada pelo acaso, como se o destino quisesse entrelaçar as duas linhas de vida, como se fosse inexorável aquela amizade e parceria.
A intimidade de Russ e Frank é desenvolvida aos poucos, de maneira gradual e natural, de forma bem silenciosa e sorrateira, emulando de certa forma o método que Frank tinha em executar seus trabalhos. Por mais truculento que ele fosse ao reagir emocionalmente aos problemas pessoais – e ele passional, e muito – ao executar seus atos criminosos ele era cuidadoso, exceto claro no inicio de sua jornada. Com o tempo a banalização da vida e de assassinatos é tomada como regra de comportamento, uma clara evolução do quadro de frieza quando o até então jovem executava inimigos de Guerra na Sicilia, Catânia e no interior da Itália. Matar os filhos do país da bota era algo impessoal desde o início de sua vida adulta, nada mais natural que prosseguisse assim, repetindo os feitos de guerra.
Jimmy Hoffa, um dos personagens centrais dessa historia real só aparece com quarenta minutos de filme, e traz um Al Pacino de volta a velha forma. Curiosamente a maquiagem e o CGI de rejuvenescimento funciona melhor com esse personagem – com Robert DeNiro e Pesci não funciona tanto, principalmente nas cenas diurnas. Toda a mitologia criada em volta do presidente sindical é muito bem fortificada, ele é um sujeito sui generis de fato, causa espanto por conta de suas manias e de seu carisma. É impossível não se apaixonar ou não odiar sua figura dentro de tela e fora dela também, Hoffa é irresistível não só para quem o cerca mas também para quem assiste.
Já se esperava isso, mas Scorsese faz de seu filme um show de participações especiais. Quase todo elenco de Família Soprano, Boardwalk Empire e filmes relacionados a Cosa Nostra, Omerta e outras facções e ligações mafiosas tem sua vez, e nenhuma é gratuita, ao contrario, há um cuidado para que cada papel seja executado de forma certeira e emocional, aumentando o aspecto de opera que o filme tem.
Frank é sobretudo um homem falho. Seu relato é bem sincero, em especial nesse aspecto. Ele não tem boa relação com a filha Peggy – aspecto que norteia toda a emoção do filme, e que dá a Anna Paquin e a pequena Luccy Gallina um ótimo papel, apesar de ambas estarem quase sempre caladas. A diferença cabal entre ele o Hoffa é o fato do segundo ser sempre bem quisto por todos, inclusive pelos de Frank, afinal, ele não pisoteia mãos de opositores, nem os espanca, não suja as mãos, seus crimes são escondidos pelo verniz elegante e social
O duo de Pesci e DeNiro é ótimo, mas o que se executa entre Hoffa e Frank é ainda mais soberbo e recompensa todas as péssimas uniões de DeNiro e Pacino até aqui, fazendo finalmente justiça a interação que sempre prometia ocorrer mas que decepcionava ou por ser muito curta, ou por ser em uma obra sofrível. Os rompantes temperamentais de Jimmy casam demais com o estilo discreto e conciliador do encarregado de executar os homens que a máfia mandava, e a relação dos dois vai muito além da simples cisma de que os opostos se atraem, eles parecem de fato amigos, parece mesmo que aquele era um pacto sanguíneo e eterno, e isso enriquece demais o drama e as consequências dali para frente na trama.
As três linhas temporais servem bem ao serviço de recontar uma historia, que mesmo com todos os absurdos, retrata uma realidade. O propósito parece não ser só o de biografar a vida de Sheeran, mas uma boa parte da historia criminal da America do Norte, incluindo ai um coração partido, e a sensação clara de que diante da Lei da Omerta, dos juramentos e do todo, só quem importam são os italianos e os membros da família, por mais glamour que seja atribuído aos “associados”.
As intenções de silenciar os adversários e a não crença (arrogante diga-se) de que os criminosos poderosos estavam acima do bem e do mal levou o grupo de criminosos italianos para um fim bastante merecido e melancólico, com direito a um envelhecimento sem qualquer dignidade. Scorsese avança em sua desglamourização da mafia em seu esforço anti O Poderoso Chefão, traduzindo bem as memorias de Frank especialmente no quesito melancolia. O matador arrependido tem o infortúnio de não ter morrido cedo, de envelhecer e ter que encarar seus pecados e toda a emoção que é empregada nesses últimos momentos tornam ele um sujeito muito humanizado, mas não livre das máculas que cometeu durante a vida, e só por isso O Irlandês já seria um filme soberbo, mas é mais que isso, é um belo retrato da vida cotidiana dos imigrantes e de seus filhos que tentaram uma melhor alternativa na America e só encontraram a marginalidade como alternativa.
Após um primeiro filme contestado, de bilheteria recorde e muita polêmica dentro e fora de seu drama, a continuação de Nada a Perder chegou pouco tempo depois, com o mesmo Alexandre Avancini como diretor, se inciando dessa vez com uma perseguição, de uma mulher, uma suposta fanática religiosa, agredida por uma pessoa de uma multidão, que se esvai assim que ela cai. A cena ao mesmo tempo é muito bem filmada e muito mal pensada, pois não faz muito sentido uma reunião assim e uma violência tão pequena.
Nada a Perder 2: Não Se Pode Esconder a Verdade sai do momento citado para ir até uma época mais atual, com Edir Macedo de Petrônio Gontijo com uma barba branca grande. Claramente há um maior arrojo visual em níveis de fotografia e cenários (pois figurinos e maquiagem continuam dignos de riso), e também, trata de aludir as polêmicas que envolveram a carreira e ministério de Macedo a frente da Universal. O biógrafo fala que vai falar de temas espinhosos,ao mesmo tempo que não demora nem seis minutos para se falar que até o dinheiro que foi utilizado no casamento de sua segunda filha, veio das vendas de livros, e não dos dízimos e ofertas e fiéis.
O filme se calcifica bastante o argumento de que a perseguição aos pastores e bispos ocorre pelo fato deles pregarem o evangelho. É incrível como esse argumento falso rivaliza com a tentativa dele de expandir, indo para os Estados Unidos para pregar em espanhol. É tudo muito artificial, desde o cabelo de Edir, que varia entre perucas preenchidas e outras calvas, até os diálogos, que miram a perseguição que os religiosos sofrem.
O texto passa por algumas questões polêmicas, como quando um bispo chuta a santa diante das câmeras, embora não se culpe muito o mesmo por isso e se carregue demais no drama. Há um exagero enorme com a violência que alguns fiéis sofre, um sensacionalismo barato e mais falso que as tentativas dos bispos e pastores de fingir que são todos inocentes, vítimas de uma luta santa, além do que há graves desvios da realidade, como a benevolência e paciência com outras fés que Edir parece ter, quando a realidade, é que boa parte de sua fortuna vem de uma literatura que condena (e muito) outras religiões, e isso é até usado como argumento no filme, lá na cena inicial o casamento.
A saga Nada a Perder é muito vaidosa, a abordagem é tão tola que chega a parecer sonsa. Mente-se sem pudor e claro, por ser uma biografia, uma ficção pode-se claro lançar mão de artifícios que não ocorreram, mas quando isso é tratado como verdade absoluta, e quando se usa tanta desonestidade para preencher o drama, é terrível. A carreira de Macedo é longeva demais, não é preciso inventar nada, nem a reação das pessoas. Os protestos na igreja, parece um ativismo político, e os políticos de verdade retratados no filme, são todos corruptos e malvados, mas não se aborda as tentativas de adentrar a política que a Universal fez já tão cedo. Mal se tem o Bispo Rodrigues, que foi um ex-bispo que entrou na política e foi caçado quando deputado federal.
A necessidade de se colocar como vítima, como centro de uma perseguição interna, e de mostrar as pessoas no entorno de Macedo sendo hostilizadas tem evidentemente um fundo de verdade, pois pessoas públicas tendem a ser visadas, mas todo o teatro e as surpresa das pessoas ao perceber que seriam mal vistas depois da instrução de Edir aos seus obreiros e pastores para arrancar mais dinheiro dos fiéis só não é risível porque a toda aqui é melancólica.
Há uma mentalidade manipuladora muito forte por trás do roteiro de Emilio Boechat, uma métrica que põe os evangélicos como o grupo mais perseguido do país, imune a qualquer culpa que lhe é atribuída. Avancini traz a luz uma obra quase herege, pois martiriza tanto seu herói que o deusifica, o iguala ao sacrificado Jesus Cristo dos Evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João, e o torna um sujeito tão abnegado e preocupado com tudo que o faz irreal. Até seus erros são humanos demais, sanguíneo e torto demais. As músicas sentimentais pioram o quadro e tornam tudo ainda mais desonesto. Para quem tem estomago é difícil terminar o filme, dada toda a fantasia pseudo edificante pela qual passa Edir.
As privações, escoriações e a peregrinação rumo ao Monte Sinai melhoram um pouco a trama, mas se tratando de um filme biográfico que tenta tornar um homem cuja carreira é tão discutível moralmente. Ao menos, o filme é honesto em um ponto, mostrando os políticos opositores a si sendo inquiridos prioritariamente pelos jornalistas da rede de TV do próprio religioso, reforçando a crença de que a Universal dá vazão a perseguição dos que se opõe a ele.
A sequencia em Soweto, que dá início a fase de expansionismo internacional da seita é engraçada e preocupante, engraçada porque Gontijo fica visualmente ridículo de cabelo cortado como careca, e preocupante porque reforça a ideia idolatra em torno do Bispo, e nada se fala sobre a perseguição que o mesmo fazia as religiões de origem africana. É curioso também notar que a Ester de Day Mesquita mal envelhece. Em determinado ponto, Macedo é tão caricato ao falar de levar as pedras de Israel para o Brasil, que faz pensar que esse e o outro filme talvez sejam fruto do delírio dele, uma invenção mental de proporções megalomaníacas, que inclusive contradizem as escrituras proféticas, já que a promessa é que Jeová restauraria o Tabernáculo de Davi, que era simples, e não o de Salomão, que era suntuoso.
Passados mais de 80 minutos, se quebra a quarta parede, mostrando o real pastor, pregando no Templo de Salomão para muitas celebridades, como Gugu, Dilma Rousseff, Michel Temer, Celso Russomano, empregados da Record e políticos ou perseguidos atualmente pela milícia religiosa ou envolvidos com grandes casos de corrupção, e isso de certa forma soa como um mea culpa em forma de ato falho, uma assinatura de culpa no serviço a dois senhores que é típico da carreira eclesiástica. A tradução do livro para a tela é bastante grotesca, perigosa e apenas um dos muitos pecados do homem que um dia sonhou expandir sua influencia castradora e intolerante, tendo até fotos reais que desmentem boa parte das cenas do filme. Não é preciso ir muito longe para perceber as falácias, é só observar atentamente.
É inevitável que Hollywood revisite alguns de seus maiores clássicos, na impossibilidade de revisitar todos por questões práticas (talvez nem tudo pareça rentável aos olhos dos executivos que regem estúdios), já que revigorar IPs envolve menor risco financeiro e criativo por parte de quase qualquer projeto. Quando se trata de filmes especialmente populares e cultuados, o máximo que espectadores podem esperar é algum nível de respeito e circunstância em torno da obra original; mesmo que a realização seja por parte de artistas com as melhores intenções, o norte destes empreendimentos artísticos é mercadológico, e os resultados variam conforme o vento (mais precisamente de acordo com as correntes que controlam orçamento e distribuição). Doutor Sono, continuação de O Iluminado, peça seminal da filmografia de Stanley Kubrick, baseado na continuação literária homônima de Stephen King para a obra adaptada (com várias liberdades) por Kubrick, não é a primeira vez que Hollywood se aventura em uma sequência para um filme de Kubrick (2010 – O Ano em que Faremos Contato, sequência de 2001 – Uma Odisseia no Espaço, a antecedeu; ambos os filmes igualmente inspirados em livros de Arthur C. Clarke), mas certamente é a mais honesta e inspirada incursão possível de volta àquele universo. Por consequência, uma das raras ocasiões em que voltar a um clássico realmente não parece motivado exclusivamente por dinheiro.
Roteirizado (reescrito, na verdade) e dirigido por Mike Flanagan, um dos mais sólidos realizadores aninhados no terror e em subgêneros adjacentes, Doutor Sono traz Ewan McGregor no papel de Daniel Torrance, a criança “iluminada” (capaz de feitos como projeção astral, percepção extrasensorial, telepatia e telecinese) da obra original, décadas após os eventos transcorridos no hotel Overlook, tentando reconstruir uma vida permeada por paranormalidade, perdas, traumas e vícios, e que se vê às voltas com outra criança (Abra Stone, vivida por Kyliegh Curran) dotada com os mesmos poderes e um grupo de iluminados (liderados por Rose Cartola, ótima personagem de Rebecca Ferguson) que busca pessoas semelhantes para consumir suas energias vitais e prolongar a própria existência.
Dan, que sobreviveu como pode junto de sua mãe aos eventos d’O Iluminado, quando a instabilidade emocional causada pela bebida fez seu pai, Jack Torrance sucumbir às forças obscuras presentes no Overlook, passou por (previsíveis) maus-bocados na idade adulta; com a morte da mãe, Wendy (Alex Essoe em flashbacks e breves recriações de O Iluminado), Dan se entregou a atitudes autodestrutivas e vícios que chegaram perto de destruir sua vida e, muito provável, várias outras. Chegando ao fundo do poço, o protagonista consegue um reinício em uma pequena cidade, largando a bebida e encontrando algum rumo na forma de um solícito amigo, Billy (Cliff Curtis), que o conduz ao AA, onde Dan encontra apoio, fortitude, e também uma oportunidade de emprego, como auxiliar-geral de um asilo. Sua condição de iluminado o permite confortar pacientes terminais ou próximos da morte. Ao passo em que encontra alguma paz de espírito, Dan começa a se comunicar com Abra, cujos poderes tem imenso alcance, através de escritos na parede do sótão que aluga. Abra, por sua vez, devido a este imenso alcance, acaba atraindo a atenção do Nó, um grupo de longevos iluminados que busca seus pares a fim de vampirizar seus poderes ou somá-los ao bando. Já tendo escassas fontes de poderes e vitalidade, enfraquecidos pela idade e apreensivos pela manutenção das vidas que levam, os membros do Nó descobrem Abra quando esta os observa, em choque, atacando outra criança iluminada – e Rose Cartola rapidamente a estabelece como o novo e oportuno alvo preferencial do Nó. Que Abra recorra a Dan de alguma forma em busca de justiça e compreensão para a violência que testemunhou, é um desdobramento lógico; Dan, no entanto, demorou o tempo de uma vida para se desvencilhar de traumas antigos, e reluta em tomar parte em ocorrências extraordinárias; é o incentivo de Dick Hallorann (Carl Lumbly), seu mentor e amigo, vítima de seu pai no hotel Overlook, que enfim o propele a não fugir de seus próprios destino e responsabilidade, mesmo que o curso das ações o conduza justamente até aonde Dan jamais quereria voltar.
Num primeiro momento, a expansão da ambientação e dos elementos presentes no filme original parecem condenar Doutor Sono a um inchaço desnecessário. O Iluminado é um filme simples e absurdamente eficiente em estabelecer sua premissa e o desenrolar dos fatos, e Doutor Sono, além de observar o filme de Kubrick, precisa (idealmente) apresentar algo que justifique sua existência de maneira a não diminuí-lo diante de seu predecessor (o que em si já configuraria um desrespeito). Mas é justamente o entendimento da necessidade de construir algo baseado no que Kubrick realizou que o trabalho de Flanagan se sobressai; se Kubrick demonstrava interesse genuíno na fragmentação psicológica de Jack Torrance diante do fracasso profissional e como provedor, e na maneira como as trevas se apoderaram de sua mente em meio ao isolamento (físico e mental) crescente cultivado em meio ao pesadelo do abuso de álcool, é a recomposição de Dan como indivíduo que leva Doutor Sono adiante. O roteiro de Flanagan aproveita o reencontro de Dan com sua dignidade para permiti-lo uma reconciliação com seus poderes e com as possibilidades de fazer algo bom, algo contrário à sua história, e não sucumbir ao medo de explorar seu próprio potencial (uma alegoria singela para algo tão nocivo quanto qualquer perverso fantasma remanescente no Overlook). Em determinado momento, o orgulho de Dan vence o peso da culpa que carrega ao constatar que conseguiu somar um período de sobriedade imensuravelmente maior do que seu pai jamais havia conseguido, e é um ótimo exemplo da valorização de Doutor Sono a pequenas mas significativas vitórias de suas personagens. Da mesma forma, Flanagan (um cineasta nem tão sutil, mas que sempre busca soluções elegantes e diretas em suas obras) não tenta perverter a estética e as convenções narrativas de O Iluminado em um esforço tolo para diferenciar-se ou de alguma forma superá-lo, seja em escala ou em impacto – o maior trunfo do longa é se aceitar como uma derivação natural do que veio antes, algo que ecoa também na maneira como suas figuras relacionam-se com a realidade fantástica que habitam. Dan tenta suprimir sua iluminação até aceitá-la como parte de quem ele é; Abra entrega-se a um uso justo e benevolente de seus poderes, e o Nó, guiado por Rose, objetiva apenas tragar energia para perpetuar-se em um estado irredutível de vida fácil e predatória. Não é à toa que Dan decide opor-se ao Nó em defesa de Abra, após um empurrãozinho de Dick Hallorann, e que para Abra e para o Nó suas posições pareçam ser as únicas possíveis. Se n’O Iluminado Danny era apenas uma vítima das elucubrações malignas das presenças do Overlook, em sua sequência ele pela primeira vez tem a chance de enfrentar personificações do mal ao invés de apenas fugir e eventualmente testemunhar desdobramentos trágicos. É claro que a história de Dan, mesmo girando em torno de Abra e contra o Nó, não poderia escapar de um enfrentamento com o próprio Overlook, mas atestando a busca por soluções que honram o original, a trama da continuação se direciona com simplicidade e clareza ao resgate daquele espaço, em si uma manifestação das ideias de Kubrick para a criação de King.
É curioso como a reverência de Flanagan pelo filme de Kubrick o inspira de forma saudável para desenvolver Doutor Sono como um capítulo de vida própria; Flanagan não tem medo de destoar razoavelmente da construção estética de O Iluminado, mas mesmo suas propostas mais ousadas (uma sequência de projeção astral, a representação dos pensamentos de Abra e Rose em suas respectivas mentes, a expansão das capacidades paranormais de iluminados) parecem soluções adequadas ao que cineastas daquela época, pós-Nova Hollywood, apresentariam. Talvez o elemento mais deslocado seja a apoteose da vampirização de iluminados pelo Nó, mas onde Flanagan perde pontos pela obviedade, ganha pela intensidade do processo e pelo efeito quase transcendental nos membros do bando – Doutor Sono não é um filme amedrontador como em certos momentos o é o filme que o inspirou, então, é elogiável quando consegue ser realmente macabro. Isto é parte do estilo de Flanagan em seus filmes e séries, e é incrível que ele não tenha aberto mão da mesma abordagem emocional que utilizou em A Maldição da Residência Hill para realizar uma continuação para a obra original. Kubrick recontou a trama familiar de Stephen King por uma ótica mais distante e observadora, e Doutor Sono soa como um resgate consciente dos valores dos livros de King na ambientação da película original. Muito se fala em reconciliar os universos literário e cinematográfico de King e Kubrick em Doutor Sono, mas Flanagan parece entender que as diferenças são irreconciliáveis, e que o melhor denominador comum é reconhecer as discrepâncias como pertinentes à complexidade de Dan, Jack e as novas personagens. Uma saída esperta e cheia de classe para um distanciamento bem conhecido por quem acompanhou a trajetória de O Iluminado das páginas às telas.
Embora Ferguson tenha quase todos os melhores momentos de personagem vil e carismática como uma autêntica habitante do Overlook, McGregor não fica atrás com seu Dan/Danny Torrance; aqui, existe a oportunidade de reapresentar o objeto de desejo dos fantasmas do Overlook como alguém dobrado pelas circunstâncias e atormentado por questões fora de seu controle, e que de certa forma nunca amadureceu de forma apropriada por não ter crescido e vivido como alguém normal, e o longa ainda nos sugere uma boa reflexão; quanto da facilidade com que Abra lida com sua condição é propiciada por uma família saudável, e quanto da ruína sentimental de Dan foi resultado direto de uma família em processo de decomposição tão avançado quanto a mulher do quarto 237. Também merecem menções Cliff Curtis e Zahn McClarnon, respectivamente como Billy, amigo e apoiador de Dan em sua nova vida, e Corvo, parceiro de Rose Cartola e um dos mais eficazes membros do Nó (é particularmente satisfatório ver McClarnon participar de um ótimo filme, após grandes papéis em séries como Fargoe Westworld). Flanagan é um ótimo diretor de atores, e os poucos momentos em que Doutor Sono se distancia mais do visual de O Iluminado, que o filme tende a seguir à risca, são exatamente os momentos em que Flanagan permite que as câmeras orquestradas por Michael Fimognari, seu parceiro habitual na direção de fotografia, se detenha mais nos rostos dos elenco e menos na integração destes rostos ao tecido narrativo do filme
Em geral, a trilha sonora composta pelos Newton Brothers para Doutor Sono ecoa certas manias do terror contemporâneo, e um filme quieto como este dispensaria até mesmo os poucos jump scares espalhados (e espaçados) pela generosa duração, mas há de se aplaudir em especial as breves intervenções da trilha original. A intenção de Flanagan era a de acrescentar ao universo dos iluminados, não a de apelar para a nostalgia desmedida (cineastas menos inspirados/as não pensariam duas vezes antes de recorrer à saudade de um clássico do cinema de horror), e isto conduz à maior prova de coragem e confiança de Doutor Sono: ao invés de apelar para recriações digitais, Flanagan escalou atores contemporâneos para personagens consagrados e praticamente indissociáveis se suas intérpretes. Carl Lumbly empresta solenidade e calor humano a um Dick Hallorann que já era adorável com Scatman Crothers, e Alex Essoe demonstra uma compreensão impressionante de como era a Wendy vivida por Shelley Duvall, sem concessões à Wendy caricatural que habita o imaginário coletivo de muita gente que assistiu ao filme original. É fácil repovoar o Overlook com bartenders, assessores e gêmeas sem maiores funções narrativas, mas conferir importância e gravitas a personagens que sempre serão alvo de escrutínio por parte do público, ainda mais através de rostos novos, é um ato de bravura – e Flanagan reserva uma surpresa fabulosa para um momento único de introspecção e desespero. Essoe, Lumbly e um recorrente ator nas obras de Flanagan simbolizam à perfeição o apreço dos envolvidos para com a obra original, e a excelência de Doutor Sono como sucessor valoroso a O Iluminado confirma que interesses duvidosos nem sempre impedem um triunfo.
Casablanca é uma obra do cinema clássico de Hollywood, sendo uma das obras mais lembradas no quesito romance. Dirigida por Michael Curtiz, a trama se passa no inicio da Segunda Guerra Mundial focada na historia de amor impossível entre Richard Blane e Ilsa Lund Laszlo.
Ao contrário do que boa parte do público pensa, essa foi uma produção barata, um autêntico filme B, gravada em uma época em que as grandes produções não estavam utilizando os grandes cenários, tendo esse sobrado para Curtiz produzir sua história, baseada na peça de Murray Burnett e Joan Alison.
Tudo foi organizado com as sobras de outras produções, e resultaram em um filme lucrativo financeiramente e bastante premiado, inclusive Oscar de melhor roteiro adaptado, texto esse assinado pelo trio Julius J. Epstein, Philip G. Epstein e Howard Koch.
Além é claro da ambientação, uma vez que o lugar na costa francesa do Marrocos era um porto para refugiados da Guerra e a interseção entre viagens, há aspectos técnicos que chamam bastante atenção. Entre elas, a musica de Max Steiner é um diferencial, com boas variações entre o Jazz que fazia sucesso na época, além dos temas românticos que embalariam o quase amor entre o protagonista e sua prometida proibida.
Em Casablanca, há uma casa noturna, O Café de Rick, administrado pelo personagem de Humphrey Bogart, Rick Blaine, um americano expatriado que prefere não se envolver com os detalhes da guerra e com suas tramas políticas.
Na introdução ainda, é mostrado ele lidando com todo tipo de gente, e conversando com Ugarte, personagem de Peter Lorre, que frequentemente participava de filmes no esforço anti-nazista. Ugarte era um pequeno criminoso que chega ao clube portando “cartas de trânsito” que conseguiu após matar dois mensageiros alemães. Essa é uma das quebras da neutralidade do sujeito, uma vez que ele parece saber que Ugarte é procurado pela justiça, mas faz vista grossa, como ocorre na maior parte do longa.
O roteiro não enrola, e não demora a se perceber que o clube fica em um lugar visado. Ofertas para venda do local sempre ocorrem, parte das pessoas que lá trabalham são excluídos, como o sujeito que toca piano Sam (Dooley Wilson), um homem negro que certamente seria perseguido na maior parte do continente europeu. É como se a casa noturna fosse um oásis em meio a um mundo louco, um espaço imune a politicagem extrema do Eixo e da resistência dos Aliados.
Ilsa pede a Sam para tocar As Time Goes By, canção composta pelo próprio Dooley Wilson, regravada a exaustão, até mesmo por Frank Sinatra.
A guerra afastou os dois personagens apaixonados. Rick teve que sair as pressas da França, graças ao fato de estar em uma lista negra dos nazistas. Por isso foi em fuga para Marrocos, junto a Sam seu fiel escudeiro. Os dois se colocaram em um exílio forçado, aceitando uma nova identidade. como pessoas irrelevantes, cidadãos invisíveis de um mundo em ebulição, tudo em nome da sobrevivência.
O filme é baseado em na peça Everybody Comes To Rick’s (que traduzido seria algo como todo mundo vem ao café de Rick) de Burnett e Alison como citado anteriormente. A tradução da peça no entanto tem sua liberdades, e uma personalidade própria, muito graças ao desempenho do Bogart, que é característico demais, ganhando do diretor carta branca para agir conforme fosse mais conveniente ao que entendesse sobre o papel. Isso garante a Rick uma verossimilhança, com reações e pequenas falas baseadas em improvisos que o tornam mais legítimo, verdadeiro e não mecânico.
Casablanca é conhecido principalmente por seu tom romântico, ao lembrar da relação que o protagonista de Bogart e a bela e angelical Ilsa (Ingrid Bergman) viveram em Paris.
As cenas dos dois, enamorados, em um passado distante da dicotomia da guerra parece ter ocorrido a eras. A atmosfera de como o amor é imersivo é bem flagrada, tanto que nesse trecho parece de fato que outro filme ocorre, resultando em outro oásis, distante da realidade não só da guerra, mas também do amor não correspondido.
Ilsa está no Ricks por um motivo: está em fuga, junto com seu par, procurado Victor Lazslo (Paul Henreid). Desse modo, os momentos mais sentimentais e singelos, os suspiros e apreciação de um cenário idealista e romântico é cortado, expurgado, graças as ações do III Reich e ao avanço fascista provindo de Stuttgart.
Mesmo que a intenção da peça/filme não seja a de causar tantas reflexões no espectador, afinal o filme busca entreter com um romance, há de perceber que a condição isenta da política é impossível de ser vivida, especialmente em tempos extremos como os mostrados nesse clássico.
O enlace sentimental é cortado pela truculência da Gestapo, do exercito nazista e do expansionismo de Adolf Hitler, e por mais que Rick tencione ficar em cima do muro, ele propriamente não o fica, só se isola de tudo para não ter lembranças de um tempo doce que se tornou amargo em suas memórias.
O beijo terno, compartilhado entre os dois como se fosse a última vez é uma das cenas mais bonitas do cinema, com os dois perdendo o foco diante da lente da câmera, com a taça de vinho caindo e ganhando nitidez, numa clara alusão a relações carnais. Esse era um fato bem incomum no cinema da década de quarenta, e a misancene é magistral ao colocar esse momento em contexto.
A despedida dos dois é desoladora, com o homem inconsolável, tentando segurar um mar de lágrimas e sentimentos, levado por seu amigo e companheiro até o trem quase a força, por não ter condições mentais de comandar seus próprios passos.
A chegada de Ilsa reaviva não só a paixão não resolvida, como também é um lembrete no exílio de que a guerra não é elegante ou cordial como querem fazer parecer os oficiais nazistas no Marrocos.
Mesmo que a preocupação da produção seja em construir o ideal para que o amor seja o norte do drama, o cenário, personagens e atmosferas não deixam esquecer que esse é um mundo de extremos. De um lado uma ideologia mesquinha, que desperta o pior nos seus adeptos e que provoca violência até nos que estão no lado oposto, e de outro, a tentativa de resistir a esses avanços autoritários, sem jamais cair na esparrela de tentar igualar os anti-fascistas com os nazistas de fato.
Por ser uma produção gravada no calor do momento, em meio ao conflito, não se cai na besteira revisionista de fingir que os antagonistas de Hitler eram iguais a ele.
A sequência final é tensa, e uma lição de abnegação por parte do personagem central, que vê sua amada se despedir, com o novo par dela, onde os heróis tem que finalmente assumir seus papeis como atores no cenário político.
Nesse ponto, não há mais espaço para a tal isenção que é pregada e proferida por Blane. As máscaras caem e a fuga dos “refugiados” finalmente ocorre, mas não sem apelar para a questão básica da ironia entre Richard e o homem da lei que lhe facilita a fuga e seu próprio exílio.
Casablanca poderia terminar melancólico, mas dada a malandragem de seus personagens é totalmente natural que não haja lamentos por parte dos homens que protagonizaram a historia, afinal, eles já sabem seus lugares no mundo e tem na resignação uma sensação bem comum e rotineira já.
Deadsight começa silencioso, com Ben Neilson, personagem de Adam Seybold acordando em um hospital vazio e abandonado. O homem, com cegueira parcial se locomove com cuidado pelos corredores do hospital, com os olhos vendados e com uma algema presa a um pedaço de ferro. Ele vai tateando, caçando uma saída mas sem conseguir muito sucesso, chegando ao ponto de entrar em uma ambulância que se mantém imóvel por não ter chaves ou quem a dirija.
O filme de Jesse Thomas Cook é agressivo e sufocante. Seus personagens vivem em um ambiente agressivo e pós apocalíptico, mostrando um cenário em que um vírus que tomou a humanidade, causando um caos terrível. Não demora ser introduzida outra personagem, a policial grávida Mara Madigan (Liv Collins), uma oficial que ao sair de casa, acaba perdendo seu carro, roubado por uma infectada. Sua condição parece tornar ela mais sensível a condição de quase morta ta infectada, embora ela ainda não saiba exatamente o que ocorreu ou ocorre.
O fato de não haver explicação sobre os causos dá ao filme um charme único, perto do exploitation de filmes de zumbis e de infecção generalizada. A historia continua a se desenrolar de maneira silenciosa fora os combates entre os vivos e os doentes, como se refletir sobre como viver influísse no modo de sobreviver, e de fato, influi.
É improvável demais que os dois personagens em condições tão especiais consigam subsistir por tanto tempo na situação apresentada, e aos poucos, as condições que os inibem vão diminuindo, mas ter mais condições de viver não faz com que a existência deles seja mais fácil, ao contrário, pois ter mais mobilidade (no caso da mulher) e mais acesso a visão (no do homem) são fatores que fazem com que ambos tenham mais motivos para se amedrontar. É como se a privação das qualidade comuns a todos causasse neles um infortúnio, tornando-os comuns como a maioria dos que foram pegos pela enfermidade. Não há comprovação de que gravidez ou cegueira parcial deixem a pessoa imune a estranha doença que assola os humanos, até porque mal se sabe sua origem.
A questão tabu, de Ben ser um fora da lei enquanto Mara é uma policial é bem explorada durante os 81 minutos de filme, assim como a situação limite de mesmo com o mundo em ebulição, ela estar prestes a dar a luz, começando portanto uma nova vida e uma nova dinâmica e rotina. Há fragilidades no roteiro que Collins e Kevin Revie escrevem para esse Deadsight, mas certamente é o menor dos problemas, pois Thomas Cook se esforça demais para dar uma aura diferenciada ao seu filme, mostrando uma violência gráfica comedida, graças obviamente a questão do orçamento para o longa ser muito baixo. Ele consegue fazer muito, mesmo com todas as restrições e entrega uma execução visceral e violenta, com um historia sucinta e honesta numa temática já bastante esgotada.
A Disney lançou seu serviço de streaming nos Estados Unidos, e como atrações da assinatura inicial haviam a série The Mandalorian e claro, o live action de A Dama e o Vagabundo, inclusive gravado com cachorros de verdade que eram obviamente dublados por grandes atores. A adaptação de Charlie Bean (diretor especialista em animações, sendo a mais famosa Lego: Ninjago) mostra uma cidade em uma pintura em preto e branco, que lentamente transita para as cores e contornos reais, num efeito bem bonito e carregado de sentimentalismo, tal qual a animação original de 1955.
A trama mostra a época de festas, com o natal chegando e a Lady/Dama chegando a casa da família de Jim e Darling. Não demora até passar um tempo, ela se tornar adulta, passando então a ser dublada por Tessa Thompson, e em meio a encontros com outros cachorros da vizinhança, ela vê sua vida por dois fatores externos, sendo o primeiro a chegada de um bebê, e outro a “invasão” e Tramp/Vagabundo, um cachorro vira-lata que passa a ensinar a ela que a vida não é só diversão e curtição. O cão é dublado por Justin Theroux.
Há uma semelhança grande do protagonista canino com o Aladdinda animação de 1992, ele é um larápio, de bom coração e que amolece diante de filhotes famintos. Essa construção, apesar de muito baseada em clichês e arquétipos serve bem no intuito de atalhar alguns passos da jornada. Rapidamente se percebe o espírito de cada um dos personagens, incrivelmente respondendo a questão relativa a animais domésticos terem alma ou não, pois nessa realidade, não há dúvida de que tem.
O elenco é recheado de figuras famosas, que aparecem com suas vozes de maneira bem discreta. Sam Elliot, Ashley Jensen, Janelle Monáe, Benedict Wong e Clancy Brown tem seu momento de brilho, mas a trama passa a ser realmente divertida e chamativa quando entra os felinos siameses e que infelizmente tem uma passagem bem curta.
Os números musicais são poucos porém tem uma excelência ímpar, é realmente uma pena que não hajam mas músicas, pois o desempenho aqui rivaliza com os melhores momentos de Aladdinde Guy Ritchie e faz a comparação com O Rei Leão de Jon Favreau ser vergonhosa para este último, porque apesar de ser um filme para cinema, esse feito com menos recursos e expectativas é muito mais repleto de vida e personalidade.
As aventuras dos dois caninos soa divertida, não tão mágica quanto na animação original, mas ainda tem um pouco de originalidade em sua abordagem. Há boa tradução aqui, ainda que comedida e discreta na maior parte de suas manifestações. Há como se importar com os personagens, ao contrário das traduções inócuas recentes nos live actions da Disney para o cinema.
No Tony’s, o restaurante de massas da cena clássica, há um pouco de forçação de barra, em como se monta o momento da janta da macarrão espaguete com almôndegas. Dois homens combinando com um cachorro de ajudar o mesmo a conquistar a fêmea é de um nonsense tremendo, que só é perdoado porque a cena em si é muito charmosa, ainda que piegas, e a cereja do bolo certamente é a cantoria, afinal, o musical abre precedente para esse tipo de abordagem mais irreal. Mesmo sem pompa, A Dama e o Vagabundo resulta em um longa divertido, mágico e com um sentimentalismo comedido, é um bom passatempo despretensioso e não denigre em nada a obra original.
Lançado em 2010, produzido pelo Fox Searchlight Pictures, divisão essa de filmes independentes do conglomerado da Fox, Jogada Certa é uma comédia de Queen Latifah, que vive Leslie Wright, uma fisioterapeuta que vive uma rotina de trabalhadora bem comum, entre dias bem atarefados com o trabalho e seu hobby, o basquetebol. Em menos de cinco minutos, ela passa por um encontro as escuras, que não termina tão bem quanto ela quer, e isso resume bem todo o plot do longa, ela tem que lidar com expectativas, alcançadas de frustradas, o tempo inteiro.
Ao chegar do fracassado encontro, ela conversa com Morgan (Paula Patton), uma amiga de infância, que foi criada com ela. A bela moça busca fama e tem um ideal de vida bem diferente da protagonista. O filme lida demais com estereótipos, seja os da rotina de Leslie, que acorda bem cedo e perde tempo tentando ligar seu carro que está sempre quebrado, além de morar em uma casa caindo aos pedaços. Há uma única fonte de divertimento para ela, que é o fanatismo pelo time dos Nets, franquia que atua no Brooklyn atualmente, mas a época, chamava-se New Jersey Nets.
Em um jogo da temporada regular, ela vê os Nets e acaba por acaso topando com Scott McKnight (Common), que vem a ser a principal arma ofensiva do time de Jersey. O jogador, que passará a ser Free Agency em breve convida a moça para ir a uma festa beneficente, e lá começa a flertar com a aproveitadora Morgan, mesmo que claramente Leslie estivesse apaixonada por ele.
Leslie é a clássica mulher engraçada, carismática, que todos acham que tem um bom papo, mas que não a assumem porque ela veste a máscara da “linda garota feia”. Isso é ofensivo, especialmente porque Latifah parece especialista nesse tipo de papel, fazendo aqui quase todos os trejeitos comuns as suas outras inúmeras atuações, onde está sempre aos berros e gesticulando com o vazio, com trejeitos e afetações típicas. O fato do filme ser dirigido por Sanaa Hamri, especialista em comédias românticas e que anos depois do filme, seria diretora de inúmeros episódios de séries focadas no público negro (em especial, Empire), faz tudo isso soar ainda mais problemático, pois não há tato, ou busca por não parecer uma caricatura de um conto de fadas datado.
Após aproximadamente 40 minutos, Scott é abandonado, e começa a agir como um depressivo, e obviamente que a protagonista feminina resolve agir como um ser humano sensível, trabalhando para muito além da função de fisioterapeuta que deveria exercer. Tudo isso é levado de uma maneira bem piegas, mas é nesse momento em que ele resgata suas origens, visitando quadras de basquete de rua, vendo meninos disputando 3×3 (partidas em trio), como um bom apaixonado pelo esporte. São nesses momentos que Jogada Certa não parece um protocolo romântico engraçadinho e se aproxima de fato de um filme.
Ela passa a ser quase uma treinadora, ou preparadora física, e essa evolução até tem sentido, exceto é claro quando ela consegue ir até o banco dos jogadores, conversar com ele. As partes jogadas são bem filmados, a decisão da diretora em filmar Common dos joelhos para cima foi uma boa alternativa para driblar a provável ausência de habilidades nos pés do sujeito, uma vez que para ele seria difícil reproduzir o jogo de pés de um armador.
O legado da obra de Hamri mora inclusive no atual emprego de Common, como representante de comunicação dos Nets, apresentando momentos comerciais nos intervalos entre os jogos nas transmissões oficiais da NBA, mas é pouco. O final é bastante conveniente, não ousa praticamente nada, e mostra o homem dando o valor devido a moça que cuidou dele quando ninguém mais fez isso. Jogada Certa ao menos tem momentos divertidos, e se baseia demais no carisma de Latifah e de Common, mas peca por não existir muita química entre os dois, o que é péssimo para uma comédia romântica.
O começo de As 24 Horas de Le Mans é silencioso em verborragia. O que se percebe são barulhos mecânicos, com o de um Porsche rasgando o ar por pacatas ruas francesas, logo depois predominam algumas luzes fortes no escuro, atrapalhando a nitidez, em uma representação básica da falta de visão do piloto que ocorre no circuito de corrida quando a noite chega. Esse breu é interrompido uma batida, que faz com que o fogo suba, iluminando assim a visão dos que assistem e disputa
O silêncio impera nos primeiros minutos do filme de Lee H. Katzin, mesmo as vozes que se ouvem não são de personagens diretos, e sim de alto falantes, informando o estado de saúde de Michael Delaney, personagem do astro Steve McQueen. Quando alguém fala diretamente, também é difícil de entender por conta de dois motivos, que são o idioma estrangeiro e o estado ébrio de um dos personagens, atônito com a batida que ocorreu.
Exige-se bastante de McQueen, até por conta da atuação praticamente muda do mesmo. Não admira que o filme não tenha tido uma recepção tão calorosa do público, pois ele é quase ensaístico na (pouco mais de) meia hora inicial, já que deixa a movimentação dos automóveis sobressair, seja os populares, nas estradas, ou os esportivos, nos circuitos. O trabalho de Harry Kleiner no roteiro também não foi fácil, pois ele teve que bolar situações que ocorrem em tela e que são registrados por Lee que falem mais do os diálogos expositivos que normalmente permeiam o cinema comercial mundial.
Apesar de não ser muito apegado ao didatismo, o filme explana bem as regras da prova de resistência, salienta as pausas de pelo menos uma hora dos pilotos, e que ninguém pode correr mais de 4 horas consecutivas durante esse que seria o 38º prêmio de Le Mans. A largada é dada com atraso entre as ações, quase como se o vídeo travasse, movido pela expectativa do início das disputas e também referenciando a mecânica de arranque dos carros que passearão pela pista.
O primeiro diálogo de McQueen se dá com Elga Andersen que faz Lisa Belgetti, o interesse romântico do mesmo, personagem essa que tem ligação com um antigo piloto que morreu em um acidente supostamente causado por Delaney. Para quem não conhece toda a historia do filme, não há percepção real de quem ela é, até porque a vida pessoal do motorista não parece importar tanto, só seu desempenho na escuderia é que vale, então esse nível de detalhamento não ocorre, tampouco há uma maior explanação ou exposição via diálogo. Os diálogos subsequentes também giram em torno do modo de correr e de construir carros potentes e velozes, já que o foco narrativo é esse.
As derrapagens nas curvas com o asfalto molhado são mostrados de uma maneira curiosa. Há bagunça, preocupação em tirar veículos e equipe para que não sejam atingidos, isso com a corrida em andamento. A paixão pelo esporte e competição passa por cima até de muitas normas de segurança. Os acidentes e incidentes são viscerais, repletos de sangue, suor e desespero, receio de perder a vida, sentimentos conflitantes que andam juntos, harmonicamente ou não e que causam apreensão não só no que toca continuar trabalhando com a paixão pela velocidade ou não.
A anestesia nas atitudes de Michael fazem perguntar quais seriam suas prioridades, mas ele é um homem calado, do tipo que se exigia do comportamento de macho alfa inabalável das décadas passadas a 1971, ano de lançamento da obra de Katzin. As 24 Horas de Le Mans é uma obra intimista em boa parte de sua abordagem, trata de paixões ligadas ao automobilismo mas sem fazer concessões ao estilo de arte comercial, sendo uma obra forte, sentimental e violenta na tradução dos impulsos básicos que envolvem as corridas e a resistência.
A adaptação do desenho da NickelodeonDora a Aventureira, o longa de James Bobin, chamado Dora e a Cidade Dourada começa como um musical, emulando os episódios do desenho animado com Dora e seu primo Diego ainda crianças, vividos por Madelyn Miranda e Malachi Barton, lidando com o macaquinho Boots e no final de separando. Todo o drama do filme gira em torno do reencontro dos parentes e o retorno as origens, ao menos da parte de Diego, já que a Dora adolescente de Isabela Merced continua tão animada, divertida e afeita a aventuras quanto antes.
Já no início se percebe uma certa inteligência do roteiro, ao quebrar a quarta parede, mostrando Dora falando direto com o espectador, e isso incomoda Cole (Michael Peña ) e Elena (Eva Longoria), os pais da menina. Também se percebe uma mistura entre o uso de CGI e animais de verdade. Os que precisam interagir mais com os homens, são feitos digitalmente, mas há também os reais, que conferem ao filme um aspecto de maior realidade.
Por mais infantil que seja, o resultado final da adaptação é um objeto divertido e bem carismático, se valendo do choque de gerações para ter conflitos, além de brincar com a condição de menina super otimista e cria de um ambiente não urbano para arranhar temas pesados como o bullying no ensino médio / high school, não só através da dicotomia entre Dora e os demais alunos (populares ou não) mas também com o Diego adolescente de Jeff Wahlberg, que não aceita bem suas origens e desconectou com a criança curiosa interior.
Outra boa reflexão é a forma como os pais tentam tolir Dora, que continua curiosa e “aventureira” mesmo dez anos após sua infância. A década posterior ao que é apresentado no desenho mostra uma garota que amadureceu, mas que amadureceu do seu próprio jeito, não preocupada em agradar terceiros, e sim talhada para assumir seus próprios desejos. A evolução não fez a personagem perder sua essência, nem sua alegria de viver, mesmo quando percebe que seus pais querem podar suas atitudes, mandando-a para longe.
O filme não é livre de momentos estranhos, como o fato da protagonista ficar o tempo todo com a mesma roupa, fato comum em desenhos, para economizar em animações, mas completamente bobo em um objeto live action. A desculpa para isso ocorrer até faz sentido, e é uma boa piscada para o público, mas ainda assim é estranho. Outro fator que causa espécie é o fato de tudo virar música, aproximando o filme de um musical, que em ultima analise, é bem executado neste aspecto. Merced é muito carismática, leva o filme nas costas, torna tudo muito divertido, mesmo que não tenha opositores a altura. Dora e a Cidade Perdida é um autêntico filme de aventura, que traduz para públicos mais jovens os clichês de Indiana Jones, Tomb Raider e Jumanji, mas com cara e identidade próprias, acertando demais quando lança mão de metalinguagem.
James Mangold retorna a ceara de cine biografias após produzir duas adaptações de quadrinhos (Logane Wolverine Imortal) em Ford Vs Ferrari, o longa que adapta a lendária historia em torno da construção do GT40, carro da Ford que viria a vencer a Ferrari na disputa das 24 Horas de Le Mans.
O foco do filme é na estranha e intima relação entre Shellby Carroll, único americano até então a vencer a prova, e Ken Miles, um homem difícil mas talentoso, tanto em mecânica quanto nas pistas. Aos poucos o filme desata fatos sobre a relação dos dois personagens, aludindo as coincidências de trajetórias dos personagens de Matt Damon e Christian Bale, atrelando a isso um duo divertido e carismático, que vez por outra, abre mão da realidade para mostrar um bromance cheio de altos e baixos, além de um cenário competitivo do automobilismo.
Shellby é um homem inseguro, no prólogo ele está correndo e percebe suas limitações físicas. Ele para, e vai para os bastidores de uma pequena construtora, ao contrário de Ken, que prossegue correndo mesmo tendo claros problemas econômicos, que resvala na sua relação com sua esposa Molly (vivida por Caitriona Balfe), e seu filho Peter (Noah Jupe). Além é claro de Damon e Bale, o elenco está muito afiado, ao menos nesse núcleo, com os citados e demais interprete desempenhando bem seus papéis. A Equipe Cobra de Shellby realmente parece uma equipe de mecânicos, fugindo de qualquer artificialidade.
O Imax realmente pesa na experiência de assistir o filme e o torna mais grandioso. As cenas dos carros cortando as curvas são absurdas, muito bem traduzidas visualmente, além de ter um som que grifa o ronco dos motores e o canto dos pneus. É óbvio que há muita interferência digital mas o trabalho que Mangold rege faz suavizar essas intervenções, muito por conta da mistura com efeitos práticos e pelo carisma de seus personagens. É fácil torcer pelo sucesso de Miles e Carroll, mesmo que sejam eles homens difíceis, é tudo muito palpável e fácil de encarar.
A entrada da Ford na historia é bem subalterna perto das questões envolvendo os personagens principais. Esse núcleo não repete o brilhantismo dos cockpits da Cobra, mas há muitos bons momentos. É incrível como universos tão diferentes dentro da questão do automobilismo se tocam e se misturam, mas não sem choques fundamentais, não sem guerras de vaidades e de espíritos.
O filme é um pouco extenso, mas não se perde, embora queira abraças muitas questões históricas. Mesmo quando a trama perde um pouco de sua força, há um trabalho esmerado em mostrar que aquele micro cosmo hiper masculino é sabotado exatamente por essa necessidade “machona” de sempre ter razão. Questões supostamente econômicas ganham contornos de rixas pessoais com uma facilidade monstra, e expõe a fragilidade da construção mental desses homens poderosos, seja Enzo Ferrari, Henry Ford II ou os executivos que os cercam. Todos os engravatados são caricatos, tolos e estúpidos, enquanto os que mexem com graxa são humanizados, repletos de virtudes e criativos.
O script não tem medo de soar irônico, e por mais que esteja teoricamente contando uma historia real, ele se compromete com a diversão prioritariamente, fazendo sua historia soar divertida, escapista, valorizando um estilo de vida aventuresco, mas não sem mostrar o cotidiano pragmático e pesado da intimidade dos personagens, em especial Miles.
Os homens vivem sua meia idade em crise, mas sem deixar de dar vazão aos seus próprios sonhos, e isso coincide os dois núcleos bem diferentes, e tridimensionalidade dos personagens faz toda a questão menos pé no chão se tornar crível. A briga física entre os personagens é hilária, mas revela muito mais do que ressentimento e receio via ingratidão, e sim uma cumplicidade e decepção de certa forma pela amizade entre Carroll e Miles não ser das mais perfeitas.
As batidas são muito reais e isso faz com que toda a historia repleta de sub-tramas de Ford Vs Ferrari seja justificada, uma vez há uma abordagem desportiva bem legal, também carregando bastante sentimentos nas amizades e rivalidades mostradas, mesmo que nesse aspecto haja um bocado de maniqueísmo e até um pouco de pieguice.
Produção da Warner Brothers, lançado em 1939, Confissões de Um Espião Nazista é uma obra comprometida com o anti belicismo e com um discurso anti nazista, e ele não perde tempo uma vez que acaba o anúncio com o nome do filme, é mostrado um misterioso narrador, contando os fatos do cenário político internacional do final dos anos 30, revelando detalhes do drama a partir de uma vila escocesa no ano de 1937. Ali todo o caráter conspiratório é iniciado, mas ainda de maneira misteriosa, e que se desenrolaria só depois de algumas outras sub-tramas serem reveladas.
O formato da historia é muito curioso para dizer o mínimo. Os primeiros momentos são como um prologo, indo depois para uma reunião, em território americano onde se veem bandeiras com suásticas ou com outros símbolos tipicamente usados pelo partido nacional socialista e pelas autoridades alemãs, ao lado de bandeiras dos Estados Unidos, e nesse lugar ocorrem reuniões de grupos extremos, mostrando que a influência hitlerista ia muito além do continente europeu, já que esse agrupamento ocorria em uma embaixada, ou seja, com anuência do governo.
Na tal reunião há palavras de ordem contra a mistura racial, e uma valorização dos ideais arianos, de raça pura, acompanhado por uma plateia onde existem jovens, entre eles o personagem Schneider (Francis Lederer), que por sua vez, é observado ela outra ponta dessa estranha trama, o agente federal Edward Renard de Edward G. Robinson, que pressiona o jovem ao longo do filme para entregar detalhes dos planos do tal grupo.
Tanto Robinson quanto Lederer se entregam bastante aos seus papeis, parecem realmente dispostos a desempenhar os estereótipos do agente do FBI cheio de artimanhas e o jovem iludido por uma ideologia torpe e que parece bem intencionada quando prega aos seus convertidos, mas o mais surpreendente no filme de Anatole Litvak é que esse é só um dos fatores importantes do filme, uma vez que há alguns outros tipos de abordagens. As especialidades do cinema de Litvak são duas: thriller e obras sobre a guerra. Seus outros filmes famosos são Ataque Nazista e Batalha da Rússia, dois documentários propagandistas, e perto do fim de sua carreira ele fez também filmes de suspense, e nesse Confissões de Um Espião Nazista ele mistura ambos estilos, ora apelando para uma hiper realidade documental, misturando com momentos de propaganda pró Aliados, fazendo o núcleo onde ocorre a tal espionagem e investigação com bastante tensão. Além disso a linguagem comercial do filme facilita a sensação de apreensão em quem assiste.
Os grupos pró nazismo são tratados como delirantes com mania de grandeza, mas não são subestimados por Renard e por seus homens, ao contrário, há um foco de encara-los como inimigos não só da soberania dos países, mas também como adversários da humanidade em geral. Não há pudor em denunciar o autoritarismo alemão e esse caráter o se intensifica na meia hora final. Os letreiros e narrações denunciam a arbitrariedade de Hitler e a hipocrisia do mesmo, usando pretextos dos mais esfarrapados para invadir republicas independentes europeias.
Por mais estranha que seja toda essa mistura resulta em um filme muito potente e a frente do seu tempo, principalmente por denunciar a maquina de propaganda nazista, mostrando detalhes do envio dos folhetos via correios, fato que conversa com a trama apresentada lá no início. O apelo para o perigo que acometeu os Estados Unidos também é muito bem grafado, e embora seja uma trama de ficção, há muita alusão a realidade, e ao desejo expansionista do Fuhrer em espalhar a mentalidade dos que se julgavam superiores e puros de raça para os países do continente americano, incluindo até a America Latina nesse planejamento.
Em 39 os Estados Unidos não havia entrado no conflito mundial, mas os esforços de guerra já eram conhecidos, através desse tipo de ação artística e social vista em Confissões de Um Espião Nazista, inclusive aludindo a possibilidade – um pouco conspiratória mas ainda assim preventiva 0 de que os Estados Unidos corriam o risco de ser ocupada pelo III Reich como foi a Tchecoslováquia, tendo isso sido evitado entre outros fatores por ações como a feitoria deste filme, que não tem receio de vociferar contra o Eixo no meio desta época tão conflituosa.
Luc Besson ganhou a vida como cineasta e produtor fazendo filmes de ação protagonizado por mulheres. Nikita, O Quinto Elemento e Lucy são produtos de qualidade diferentes entre si, mas que tem essa prerrogativa em comum. Em Anna: O Perigo Tem Nome, a historia se inicia em 1985, em Moscou, capital da então União Soviética, em um jogo de gato e rato envolvendo espiões da Guerra Fria e diplomatas internacionais, em uma representação bem caricata do que era o quase conflito entre forças ocidentais e soviéticas.
O filme não uniria sua historia comum com esse epílogo em um primeiro momento. Não demora a aparecer a jovem Anna Poliatova, uma jovem russa encontrada por um olheiro que a leva para se tornar modelo. A personagem de Sasha Luss muda radicalmente de rotina, e passa por toda sorte de clichês típicos de filmes adolescentes, em uma boa perversão dos estereótipos de filmes de super-espião.
Besson está bem mais contido em seu roteiro, não tenta inventar muito, investe em carisma e aventura para seus personagens, e numa estética de ação que está na moda. Há semelhanças fotográficas com Hobbs e Shaw, em especial pelo predomínio de cenas diurnas, fato que confere ao longa uma aura diferenciada, com uma trama de espionagem sobre o passado de Anna se desenvolvendo aos poucos, com flashbacks que fazem a historia ir e vir de maneira bem fluída.
A historia se perde um pouco em meio as curvas dramáticas da rotina da personagem título, mostrando ela tentando levar uma vida comum enquanto ainda serve a KGB, fracassando obviamente, seja pelos flertes de homens velhos e babões que tem que evitar, ou nas lutas que faz. Luss acerta demais nos combates, tendo sempre uma expressão de profunda confiança ao se aproximar de seus alvos, variando bem entre a típica Femme Fatale e a garota temperamental incapaz de aceitar desaforos. Ela tem personalidade e as transições que faz com dubles é bem fluida, mal dá para notar que a interprete é trocada, além disso, ela consegue reproduzir bem a condição de mulher que detesta seu ofício.
O filme é um pouco longo demais, provavelmente conseguiria trazer todas as camadas da trajetória da heroína com uma duração em torno dos 90 minutos ou menos. Anna é o mais assertivo dos últimos filmes de Besson, e por mais que seja uma pouco gorduroso, ele se equivoca e se atrapalha bem menos que Valerian e a Cidade dos Mil Planetaspor exemplo, exatamente por ser comedido e auto contido em si, e por não tentar extrapolar os limites de narrativa típica dos super espiões, embora tenha um texto contundente para o gênero de ação, alem de ter boas sequencias de lutas e fugas, não acertando tanto quanto Atômica por exemplo mas não deixando a desejar para fitas como A Justiceira ou a série Jessica Jones.
O longa de Barry Sonnenfeld começa tímido em sua exploração psicodélica, com imagens de insetos voando pelas estradas americanas, batendo no para-brisas de um carro que carrega imigrantes ilegais. O roteiro engraçadinho de Ed Solomon resumiria em seus minutos iniciais os motes do filme, a questão da vida curta e sofrida dos insetos, a tentativa de entrar ilegalmente em um lugar desejável, e a interferência governamental nisso, tudo ao som da característica trilha de Danny Elfman.
Produzido por Steven Spielberg – em uma época em que suas produções tinham mais a ver com sua filmografia como diretor – MIB: Homens de Preto tem sequência com uma ação de Kay, personagem de Tommy Lee Jones neuralizando seu antigo parceiro, além de um grupo de pessoas. Paralelos a isso, James, o policial do NYPD de Will Smith se mostra atlético, correndo atrás de um alienígena (cefalopóide), à paisana.
Smith vinha de uma popularidade monstruosa, sua série Um Maluco no Pedaço ainda era largamente reprisada, além de sua participação em Independence Day, outro filme de temática alienígena. Seu personagem seria um candidato perfeito para a vaga da Homens de Preto, embora fosse bem diferente do K dos quadrinhos, e embora também tivesse um perfil diferente de J, seu mentor.
O filme tem uma historia simples, mas brilha muito ao introduzir seus elementos. O personagem Edgar, vivido por Vincent D’Onofrio é muito engraçado, sobretudo quando é tomado pela figura insetóide. Ele tem personalidade e conversa muito bem com o montante de figurantes que assassina. Os outros coadjuvantes também são divertidos, Linda Fiorentino faz a legista Laurel Weaver e passa muito mais ao público do que apenas o conceito de colírio aos olhos masculinos, assim como Rip Torn funciona bem como o chefe bufão que Zed é, aliás a escolha por mostrar Zed foi muito acertada, em detrimento do mistério de quem ele é nas HQs de Lowell Cunningham, e isso só funciona bem graças ao fato de Torn cair como uma luva aqui, exalando leveza e carisma.
Toda a questão do recrutamento de J é muito bem orquestrada, e ela não demora muito a ocorrer. O ritmo do filme tem muitas semelhanças com outra adaptação de quadrinhos dos anos 90, o Maskara, consegue ser direto e sem enrolações, ao contrário dos filmes recentes de Marvel e DC. Pelo vidro dupla face, Kay observa seu pupilo, que é engraçado, espirituoso, inadequado e que arrasta a mesa de centro, interrompendo o silêncio. É por ser diferente que ele é selecionado, é preciso sangue novo e diferenciado.
Sonnenfeld capta bem o clima da cidade cosmopolita, com muitas imagens panorâmicas de Nova York, é curioso como ele é bem local mesmo em uma historia que abre possibilidades de muitos universos conviverem ali. O panorama político também é bem inteligente, ter de lidar com incidentes envolvendo membros da nobreza, ou com partos de refugiados é uma boa alternativa, mesmo que tenha um cunho humorístico nessa abordagem. Os bonecos mecatrônicos são excelentes, sobretudo o do bebê lula, assim como as excreções que solta. Há muita textura nas figuras aliens.
Smith faz muito uso de humor físico, reclama da comida e bebida que recebe, finge rir de piadas mal encaixadas, zoa o físico de outros personagens. Isso faz com que a sua comicidade soe um bocado infantil, o que não é exatamente um equívoco, já que o MIB tenta ser um objeto universal. A melhor das piadas bobas que ele profere certamente são as novas memórias personalizadas que ele passa a dar para os neuralizados. Contra o seu personagem, reza também uma piada sobre tamanho peniano, vista na bronca que J tem com o fato de sua arma ser minúscula, mesmo tem um tiro estrondoso e um coice, a graça obviamente
É simbólico como entre todos os vilões extra terrestres para os Homens de Preto enfrentar foi escolhido uma barata gigante, que representa um animal pequeno, nojento que causa muito asco nos humanos, um ser rastejante, que na Terra vive em lugares imundos, no lixo, e que reflete essa condição sendo um ser com complexo de inferioridade severo, além do que, mesmo sendo mutilado, ele ainda não está fora de combate, como a maioria dos insetos terráqueos são.
Legal que, na despedida emocional entre os parceiros, Jay e Kay conseguem dar uma pausa, tomar um banho, para não ocorrer a ultima conversa entre eles sujos dos restos mortais de seu opositor (nem mesmo a personagem de Linda Fiorentino está limpa), e tal “erro” é obviamente bem aceito, uma vez que registra uma sequência bem emotiva, que mesmo apelando um pouco para pieguice, funciona como uma bela despedida, que obviamente seria contrariada pelas continuações, que não funcionam tão bem quanto este, mesmo com o retorno do diretor. Mib – Homens de Preto varia bem entre os gêneros comédia e aventura, transitando bem e brincando com os clichês da ufologia e paranoia com muita leveza e sem levar a humanidade tão a sério.
Ventos de Liberdade é o novo longa do alemão Michael Herbig, o mesmo que fez Buddy e Lissi no Reino dos Birutas, e seu roteiro mostra um mundo em conflito, em 1979 em meio a Guerra Fria. Se passa na Alemanha Oriental, a parte do país germânico que tinha influencias “comunistas” e é baseado numa historia real. Tal qual ocorre normalmente com obras biográficas, essa também tem alguns muitos vícios, como um apelo emocional melodramático e um maniqueísmo que não combina com um visão sóbria do cenário político dos anos setenta.
Herbig não tem pudor em mostrar um socialismo doutrinador, nem em apresentar uma núcleo familiar que tem tudo, aparentemente, mas que vive numa situação de tensão grande. Há claramente um incomodo em viver dentro de um país cujo estado é forte, mas fora a influencia dentro das escolas, não há muitas mostras de condições de vida paupérrimas, no que tange o cotidiano dos Strelzyk. A tradução do que seria uma rotina realmente terrível não é bem feita, ao contrário, nem mesmo as questões ligadas a liberdade de pensamento são bem registradas nesse início.
A mão da direção é bem pesada, e isso faz com que o filme que gira em torno de uma estapafúrdia evasão do país através de um balão se torne ainda mais nonsense em sua abordagem, e pelo lado negativo, pois não há qualquer ironia na forma de contar historia, sobra artificialidade, tanto no modo como os fatos se desenrolam e nas atuações. Não ter verossimilhança causa estranhamento em absolutamente tudo.
Nem após a tentativa de saída da cidade de Thüringer modifica a qualidade do quadro exposto. Se nota que o cerco ao redor da família aumenta e tenta-se estabelecer um nível de tensão típica das antigas fitas hollywoodianas ou britânicas de espionagem dos anos 60 e 70, mas sem o bom trabalho que normalmente esses filmes dispunham. É tudo muito caricato, quase como nos teatros baratos praticados por iniciantes, além de ter um texto que não ajuda, que não é sutil, não é complexo e se exime de qualquer nuance.
O filme deveria mostrar sofrimento, apreensão, mas só há combate de fato perto de uma hora de exibição, e além disso, é fruto apenas de um sonho do protagonista, Peter (Friedrich Mücke). Nem visualmente o filme acerta, pois apesar de bem filmado e fotografado, há um predomínio de cenas muito iluminadas, que reforçam as belas cores dos cenários, reforçando uma ideia espiritual de aqueles lugares se aproximam do paraíso, e não de um lugar digno de fuga de uma família ordeira.
Há uma significativa melhora na historia quando a família tenta novamente a fuga de balão. O suspense a respeito do sucesso nesse intento é bem construído, mas até chegar a esse momento já se passou muito tempo, normalmente com uma trama que é arrastada demais, e que se propaga por longos 125 minutos aproximadamente, em uma condição até estranha, pois ele claramente não carece dessa duração tão extensa.
Ventos de Liberdade tem muito mais problemas que méritos, e é uma pena que assim seja, e que fracasse tanto no intuito de mostrar um retrato sóbrio da Guerra Fria, parecendo em última análise uma mera obra propagandista, que reduz tanto as diferenças ideológicas e governamentais vigentes na época, que quase iguala os horrores nazistas aos desmandos dos socialistas, ainda que não consiga nem mesmo criticar direito o governo alemão oriental, já que não há gravidade na rotina dos seus personagens.
Após o sucesso de Jovens Titãs Em Ação! Nos Cinemas, após uma cena pós-créditos, se assistiu uma participação breve dos Jovens Titãs da outra animação, muito se esperou o crossover entre as duas encarnações animadas do grupo, e eis que o longa de 76 minutos, dirigido por Jeff Midknow traz isso, incluindo aí uma bela abertura, com direito até a música tema do primeiro seriado animado, executada por Puffy AmiYumi e com referencias as encarnações mais velhas do super grupo.
Logo depois, aparece um bandido, dominado pelo Cavalheiro Fantasma, um vilão/entidade, e o quinteto vai até o banco para resolver a questão. Isso é um evidente despiste – um MacGuffin mesmo – para logo depois, mostrar o líder dos Titãs tentando se superar, em uma simulação de VR, em vídeo game, em uma síntese da busca por superar seus próprios limites. O chamado a aventura acontece quando um humanoide de aparência símia, o Senhor dos Jogos (Rhys Darby) interfere e revela a existência do multiverso, e põe os dois grupos para se degladear.
Não há muita cerimônia para começar o embate, na arena onde o certame ocorrerá há fãs ardorosos, com placas refutando o Teen Titans Go, dizendo que eles estragaram sua infância, e por mais obvia que seja a piada, ela soa honesta e correta. A briga entre os grupos é bem divertida, se leva pouco a sério, e os traços das versões adolescentes são um pouco diferentes, com um traço mais minimalista para não agredir tantos os olhos na diferenças das contra partes.
É óbvio que tudo isso é outro despiste, um plano ardiloso do Trigon da “versão bebê”, que captura sua versão e a traz de volta após a queda da mesma. Toda essa super trama é subalterna, basicamente para resgatar personagens míticos dos dois mundos diferentes (incluindo toda a turma do Papai Noel), e mostrar as diferenças básicas entre as versões dos heróis, enquanto a pequena Ravena tem que lidar outra vez com seus demônios interiores. A rivalidade entre eles é bastante divertida, e ainda guarda muitas surpresas, como as participações de outras versões dos mesmos.
As referencias aos longas Titãs: O Contrato de Judas e Liga da Justiça e Jovens Titãs, além da fase de Marv Wolfman e George Perez nos quadrinhos. O fato de não se levar a sério permite ao filme uma liberdade enorme, para ousar inclusive. A brincadeira com Vingadores: Ultimato, ressignificando as referências ao modo de seu universo próprio, com seu humor típico de um modo bem mais divertido que a do universo compartilhado da DC Comics no cinema. A batalha contra Trigon não é exatamente séria, mas tem momentos bastante épicos, fazendo referencias ao multiverso e até a Crise nas Infinitas Terras, que por sua vez, é uma bela homenagem aos homens que fizeram os Titãs serem o grupo mais divertido das animações dos estúdios Warner.
Surpreende a ninguém que Parasita seja um dos mais interessantes filmes dos últimos anos (e que tenha levado a Palma de Ouro de lambuja), visto que seu diretor, Bong Joon-ho, é responsável por realizar vários dos filmes mais interessantes há quase duas décadas, desde seu primeiro projeto no comando, Memórias de um Assassino. Mesmo tendo se aventurado (bem) por Hollywood, inclusive em parceria com a Netflix, as obras mais impactantes de Bong são sul-coreanas, e que ele se destaque em um dos países cuja filmografia recente, a partir dos anos 2000, é uma das mais ricas do planeta, serve como amparo suficiente para seu mais novo filme. Parasita é uma mescla de tons de humor e drama com timing impecável e trama absolutamente hipnotizante.
Apresentando uma família composta por Kim Ki-taek (o pai), Chung-sook (a mãe), Ki-woo (o filho) e Ki-jeong (a filha), Parasita demonstra cedo a precariedade financeira do grupo; morando em um minúsculo subsolo, aproveitando o wi-fi de lojas próximas e até mesmo permitindo que os gases de fumigação da rua (a janela do subsolo fica no nível do asfalto) entrem na casa, enquanto todos se fazem presentes, pra exterminar os insetos que logicamente infestam o paupérrimo ambiente. Dobrando caixas de pizza para uma pizzaria de franquia para ganhar alguns trocados (caixas igualmente fumigadas, mas esta é outra conversa, suponho), a família sobrevive como pode – e trata de aproveitar a oportunidade quando um dos amigos do filho Ki-woo, Min-hyuk, que vai até a casa de Ko-woo presenteá-los com uma pedra que simboliza sorte e fortuna, oferece a Ki-woo a chance de tutorar os estudos de inglês de Da-hye, a filha de uma família abastada, já que ele, até então o tutor (e apaixonado pela garota), não quer outros jovens interessados nela. Trocando seu nome para “Kevin”, Ki-woo se apresenta como o novo professor particular, e consegue a vaga na sofisticada casa da família Park após uma sessão de estudos onde tenta seu melhor para impressionar não a aluna, mas sim Yeon-gyo, a mãe de Da-hye, que acompanha de maneira obstinada os filhos (incluindo o pequeno e pretensamente “excêntrico” Da-song, cuja veia “artística” aparentemente é motivo de orgulho para Yeon-gyo) e adora o fato de a filha falar inglês. Ki-woo, por sua vez, identifica e agarra outra chance: ao perceber quanto dinheiro os Park parecem ter à disposição para gastar com outros funcionários, resolve dar um jeito de colocar toda a família, sob outros nomes e sem revelar suas conexões, para trabalhar na mansão dos Park. A mãe como governanta, o pai como motorista do pai da família, Park Dong-ik, e a irmã como tutora de estudos artísticos de Da-song – mesmo que para isto tenha que livrar-se de maneiras não muito honestas, ainda que criativas, das pessoas que desempenham estas funções para os Park há algum tempo.
A dinâmica de Parasita na construção das diversas relações exibidas do começo ao fim de sua narrativa é simples, o que não torna o filme menos complexo; as ideias de Bong Joon-ho e Han Jin-won, co-roteiristas de Parasita, abordam suas personagens como poréns na engrenagem social vista na tela. As motivações da família de Ki-woo podem estar escoradas na vontade de sobreviver e ter alguma dignidade, mas não é a pobreza, e nem mesmo o oportunismo, que os define. Da mesma forma, o contraste com os Park não se dá meramente por circunstâncias dinheirísticas; ao passo em que os Park podem se dar ao luxo de enfatizar e priorizar questões mais efêmeras e (superficialmente) desimportantes em comparação a seus empregados/funcionários, seria equivocado considerar que os Park se consideram superiores a Ki-woo, Ki-taek, Ki-jeong e Chung-sook, já que a absorção em suas próprias questões, de variados níveis de frugalidade, talvez os impeça até mesmo de enxergá-los comp indivíduos. Ego é um componente firme nas aspirações de todas as personagens, e o que varia é apenas o que os compele. Para a família de Ki-woo, dinheiro é um fim; para os Park, um meio. Para outras personagens (não convém revelar; Parasita é um filme repleto de nuances e invertidas sensacionais), o dinheiro é um estorvo. Para todos, é um tecido intersticial que gruda partes desiguais a partir de uma forçada (e real) perspectiva de colaboração e conveniência, e que só começa a desgrudar conforme cada pessoa percebe a inconstância da própria situação e a impossibilidade diante dos interesses alheios – desde que exista algum incentivo à inconformidade, o que torna os Park catalisadores de intermináveis problemas e faz com que sejam encarados, ingenuamente, como intermináveis soluções. Parasita não os demoniza, mas faz algo que quiçá pareça tão cruel quanto, que é desnudá-los frente a pessoas que não parecem feitas da mesma matéria. E o filme não faz questão de construir esta ponte, o que provavelmente consistiria em moralizá-los e dizer que são.
Bong Joon-ho sempre equilibra seus filmes em linhas tênues, feitas de observação e crítica social, mas pautadas em personagens que compõem bem mais do que a soma de suas partes nos roteiros que habitam; é fácil imaginar como seus filmes poderiam se tornar panfletários e até mesmo pueris, de fácil absorção e de ainda mais fácil contestação, e é gratificante perceber que, a exemplo dos outros componentes da sua carreira, Parasita evita resoluções fáceis e faz divertidos malabarismos (visuais e de roteirismo) pra impedir que seus elementos sejam usados pra tecer comentários casuais demais em relação ao que se vê. Sim, a situação da família protagonista é calamitosa, e sim, os Park são bem de vida e alienados (a obsessão de Yeon-gyo com americanismos e com a ideia de garantias de qualidade do que vem dos EUA, seja um currículo ou uma barraca, não é desprovida de sentido no mundo real), mas é a maneira como determinadas personagens enxergam outras (seja algo peremptório, como as interações do sr. Park com Ki-taek, ou graduais, como Ki-taek com o sr. Park – ou até mesmo de forma mais aberta, como a relação entre Da-hye e Ki-woo) que pauta o nível de toxicidade e falta de compreensão que sugere que eventualmente tudo irá desandar. E se o roteiro de Bong e Han ganha toma forma a partir da direção precisa e sutil de Bong e do ritmo leve da montagem de Jinmo Yang (um herói de Parasita; o timing de várias situações, em especial revelações, ajuda a dosar o peso de certos acontecimentos, e acrescenta humor ou horror à medida em que a narrativa necessita – um trabalho de edição bem similar em tema e tom ao que Thelma Schoonmaker leva aos filmes de Martin Scorsese, por exemplo), é justo dar créditos também ao elenco, que personifica traços da sociedade evitando caricaturas até onde é possível (certas figuras são simplesmente caricaturais por natureza, e elas logicamente existem). Vale destacar o excelente desempenho de Song Kang-ho (como Ki-taek; colaborador habitual e brilhante de Bong), como um pai de família que aos poucos percebe o quanto seu quinhão é ruim, independente de quão justo ou merecido, Cho Yeo-jeong, como a sra. Park (uma performance corajosa ao abandonar qualquer tentativa de não parecer insuportavelmente alienada), e Choi Woo-shik como Ki-woo, encarnando um conflitado ponto de partida e ligação entre mundos tão diferentes e a figura mais encurralada pelo insólito desenrolar dos fatos. Há ainda duas outras performances maravilhosas em Parasita, mas ambas dispensam elaboração – cada espectador(a) há de reconhecê-las assim que entrarem em cena, e seria um desserviço explicar como e quando.
O termo parasita, como adjetivo ou substantivo, confere título e identidade ao filme, mas a constatação de quem parasita quem dirá muito a respeito de quem dedicar algum tempo a pensar no que assistiu. É provável que vários(as) tentem reduzir Parasita a uma fábula de crítica social, ou mesmo condená-lo como um retrato sórdido de alpinismo societal – ambas visões estreitas e erradas. Há ideias em profusão no vencedor do prêmio máximo de Cannes deste ano, e nenhuma necessariamente nega ou corrobora a outra. Servem ao intuito de acrescentar níveis de informação e discussão. Isto tudo envelopado em uma estética apurada (e elegantemente variada, de um microverso para outro) para as diferenças entre as suficientes infestações de parasitismo monetário, comunitário e emocional que justificam seu nome. Contrariando o título, no entanto, Parasita é um filme do qual não faz bem algum se livrar.
Cemiterio Maldito II é uma continuação de outro filme adaptado a partir de O Cemitério, de Stephen King. Dirigido por Mary Lambert, a mesma que realizou o primeiro Cemiterio Maldito, seu começo até surpreende por sua inteligência, com um comentário metalinguístico mostrando uma equipe de cinema fazendo um filme de horror barato e de época, que é protagonizado por Renee Hallow (Darlanne Fluegel), que falece tragicamente, deixando filho e marido.
O roteiro é de Richard Outten se difere no início do capítulo um, nesse início, mas depois a historia volta a Ludlow, onde o menino Jeff (Edward Furlong) e seu pai Chase Matthews (Anthony Edwards) acabam de se mudar, tal qual Louis Creed e sua família fazem. Até o conceito de não lidar bem com o luto é reaproveitado, aqui no caso, através do personagem de Furlong, que de certa forma, retoma um pouco de seu John Connor em Exterminador do Futuro 2.
A trajetória de Jeff é de uma qualidade discutível enorme, pois se perde um bocado na repetição de arcos do outro longa, mas ainda assim, faz o espectador se importar com ele, não só pelo sofrimento com bullying, mas também pelos personagens coadjuvantes, incluindo aí Clancy Brown, que faz um policial sacana e cheio de personalidade, inclusive quando encontra “o mal”. Ainda assim, Lambert conduz algumas boas cenas, ao menos nas intenções. A câmera acompanhando um gato em primeira pessoa, acompanhado de um jumpscare que faz referência a morte de um filhotinho/pet, como era bem comum na beira da estrada onde os Creed moravam.
O encontro do cemitério é por acaso, assim como o convite ao sobrenatural. Apesar de reciclar elementos o roteiro guarda boas surpresas, e muito gore, especialmente envolvendo a familia de Drew (Jason McGuire), o melhor amigo de Jeff , e os efeitos práticos aqui estão ligeiramente melhores que o do filme um. Há outras quebras de expectativas, como a ressurreição de humanos bem antes do filme terminar, fato que dá uma nova face ao horror, dando vazão também a sequencias engraçadas, como a que tem um taxidermista envolvido.
Como continuação Cemiterio Maldito II não faz muito sentido. O caso dos Creed deveria repercutir muito em uma cidade pequena, e o assunto é aparentemente proibido no vilarejo. Não há sequer uma demonstração mínima de que estão guardando segredo, a unica pessoa que o cita é de fora da cidade, além do que não há qualquer menção aos caminhões da auto estrada. A comunicação espiritual que o protagonista sofre tem uma comicidade incômoda, a cena causa mais riso que espanto, além de haver alguns momentos constrangedores e polêmicos, que suavizam temáticas pesadas como estupro. Apesar do roteiro ter alguma coragem, ele ser perde na previsibilidade. Gus (Brown) é um.bom vilão, mas alem de ter uma expressão de pessoa má, ainda se faz uso de subterfúgios muito baratos e típicos de filmes de terror, incluindo até referencias ao Iluminado de Stanley Kubrick, fato que deve ter irritado Stephen King, que roteirizou o clássico Cemiterio de 1989.
Ao mesmo passo que tem coragem de pôr uma criança como catalisador do mal, o longa de Lambert se perde na quantidade enorme de incongruências e coincidências, que fazem ate a insanidade de Jeff parecer o menor dos problemas. O roteiro é sofrível, a violência gráfica é melhor que a do primeiro filme mas não ajuda a esconder a falta de sentido dos rumos que a historia toma. Ainda assim, está longe de ter justificada a pecha de filme terrível e catastrófico.
Para uma animação infantil Abominável começa corajosa, como um autêntico filme de monstro, exibindo a criatura selvagem que deveria ser violenta e horrorosa fugindo do laboratório onde está cativa, buscando a liberdade do seu modo selvagem e atabalhoado. Da parte humana acompanha-se a trajetória de Iy, uma menina que sempre busca muitas tarefas, para não ter que lidar com a perda de um parente recente. Isso faz com que sua vó e mãe se preocupem muito com seus afazeres.
As atividades da menina incluem cuidar de cachorros, ser babá, entregar coisas, todo tipo de ocupação que gaste seu tempo para que não pense na perda recente que teve e somente Peng, seu primo, um menino pequeno mas fanático por basquete consegue romper a barreira invisível de isolamento auto imposta pela garota. O chamado a aventura começa quando ela percebe um som estranho, no seu terraço e ao chegar lá ela se depara com a tal figura monstruosa, um Iéti. Obviamente o destino dos dois solitários se entrelaça e eles passam a viver momentos únicos juntos, incluindo ai outro membro da família, Jin.
Os personagens animados tem uma composição única, a animação que Jill Culton e o co-diretor Todd Wilderman comandam é muito boa, tanto nas figuras humanas quanto os animalescos. O filme é muito bonito, os cenários urbanos nas ruas de Xangai, até os naturais pelas florestas e pela neve são ótimos, de uma beleza ímpar, que produzem a aura mágica que normalmente abarcava os filmes da Dreamworks da década passada.
Há semelhanças substanciais do início desta obra com Jurassic Park: O Parque dos Dinossauros, inclusive no tocante aos personagens humanos, que são introduzidos após o prólogo e claro a condição do ser gigante ser visto a partir da ótica de sua antiga jaula. O ritmo é alucinante, quase não se vê a hora passar e a química dos personagens é ótima tanto no núcleo bom quanto no dos vilões, os primos chineses e os cientistas são muito carismáticas, sem falar na figura que Everest é, divertida e curiosa, como uma criança que tem tudo no mundo ainda por descobrir.
O sub texto e a mensagem passada as crianças não é inovadora, Abominável mira desconstruir a ideia de que é preciso atingir algo grandiosamente diferente para se ter gozo na vida, e faz isso lidando não só com as dificuldades comuns a qualquer órfão – como é com Everest, Yi, Peng e Jin – mas também com a desconstrução de estereótipos vilanescos e mesquinhos, pervertendo o que normalmente se pensa sobre figuras antagonistas, mostrando que de certa forma, Everest e os outros Yetis tem a capacidade não só de serem sobreviventes de outros tempos, mas de provocar nas pessoas sentimentos de arrependimento, sem apelar demasiado para pieguice, conduzido de forma sentimental e positivista.