Malévolafoi uma das pedras fundamentais da empreitada de live actions da Disney, e seu sucesso passou principalmente pelo fato de desconstruir as questões básicas dos contos de fadas. Cinco anos após o filme de Robert Stromberg, entra Joachim Rønning, o mesmo que dirigiu Expedição Kon Tiki e Piratas do Caribe: A Vingança de Salazar para finalmente dar luz a Malévola: Dona do Mal, um filme que já começa estranho, explicando que a personagem-título se tornou vilã novamente aos olhos dos humanos comuns, entre eles, o reino de Ulstead, onde moram os pais do príncipe Phillip. Toda essa configuração é estranha, não faz sentido, mas tudo isso é subalterno, graças ao retorno dos personagens e do elenco capitaneado por Angelina Jolie.
A terra dos Moors (as criaturinhas mágicas, que agora tem algum senso de comunidade) é atacada por homens gananciosos, espantados obviamente pela protetora da floresta, que expõe seus chifres e asas. A música de Geoff Zanelli até dá algum charme a esses momentos, mas tanto as cores saturadas quanto a péssima desculpa para tornar a personagem em uma antagonista dos ditos normais fazem o filme soar artificial e incongruente.
A personagem de Michelle Pfeifer, a rainha Ingrith é bidimensional, mas ao menos tem carisma, sua composição é divertida dentro da caricatura que faz. Seus planos são maquiavélicos, preconceituosos e maniqueístas, mas em se tratando de uma historia que emula as animações antigas, faz sentido, uma vez que essa continuação não se preocupa nem com a mitologia antiga estabelecida, nem com as questões políticas antes abordadas no filme de 2014. Ao menos o roteiro registra bem o preconceito e receio da nobreza de Ulstead.
Os novos conceitos apresentados são apressados. As questões envolvendo o povo de Malévola (os seres das trevas) lançam mão de muitos atalhos narrativos, ao ponto de não haver qualquer complexidade nos personagens de Chiwetel Ejiofor e Ed Skrein, que deveriam prioritariamente serem sedutores além do visual, especialmente na ideologia, mas isso claramente não ocorre.
A trama trata o espectador como bobo nos momentos finais, fazendo este se assemelhar demais a O Caçador e a A Rainha do Gelo ainda que esse ainda mantenha suas protagonistas. O longa é histriônico e tenta mostrar as heroínas como falíveis, consegue se acovardar até nas medidas drásticas que toma e tem dificuldade em montar uma resolução plausível para si, e apresenta um texto é raso e até risível, contendo com uma paz conveniente e sem sentido, fazendo a rainha má ter semelhanças demais com Diabolin, de Cavalo de Fogo, no pior sentido possível.
Malevola 2 se perde em meio as discussões políticas rasas que propõe, e faz personagens que antes haviam evoluído retornar a estaca zero, em especial a Aurora de Elle Fanning, que desacredita firmemente sua “Madrinha”. As três fadas aliás, para nada servem, pois nem o vestido que elas fazem é utilizado. , findando a questão com piadinhas tão fracas que fazem perguntar se houve alguma revisão de roteiro antes do produto ser gravado e editado. Nem visualmente o filme funciona, detalhe esse que era bem positivo no primeiro, o que é uma pena, e faz esse se assemelhar a Alice Através do Espelhos no sentido de conseguir denegrir até o que era positivo no original.
Rob Zombie é conhecido entre outros fatores por ter sido o líder da banda White Zombie, por ter lançado carreira solo de sucesso com seu Metal Industrial e mais recentemente, por ter se tornado diretor de cinema. Após algumas fitas de terror originais, dois filmes remake de Halloween – Halloween: O Início e Halloween II – e alguns filmes de qualidade discutível como 31 e As Senhos de Salem, ele finalmente traz de volta seus três personagens mais famosos, Otis (Bill Moseley), Baby (Sheri-Moon Zombie) e Spaulding (Sid Haig), que terminaram Rejeitados Pelo Diabo com uma rajada de balas sobre si, supostamente mortos.
Os 3 Infernais começa com imagens da televisão, em que os personagens são entrevistados, e onde se nota a decadência física de cada um deles, com dentes amarelos, cabelos e barbas desgrenhados e magreza extrema (exceção claro a Baby, que prossegue linda), as filmagens parecem tão amadoras neste começo, que fazem lembrar um pouco do caráter paupérrimo de A Casa dos Mil Corpos, talvez o mais inventivo filme do diretor.
O roteiro se vale de um apelo popular, para que o trio seja liberado das grades que o cercam. Se Zombie foi criticado na duologia de Michael Myers por retratar os homens e mulheres do interior de maneira preconceituosa, como selvagens que excluem qualquer um que seja diferente, aqui a mira é sobre o povo, que gosta de adular bandidos e vilões, os mesmos que super valorizam as capacidades e atos dos que cometeram atrocidades. A crítica a esse tipo de exploração é velada, não se aprofunda muito, e nem precisa, afinal a ideia do filme é dar vazão ao horror e referenciar o exploitation dos sub-gêneros do cinema de horror.
As partes fotografadas como fitas antigas se restringem apenas a recordação de como os personagens chegaram ao ponto onde estão, quando a trama chega ao presente o que se vê é um método de filmagem tradicional, mas ainda assim bem sangrento e nojento, em gore que poucos cineastas especializados em horror tem coragem de empregar, embora as partes mais agressivas sejam cortadas pela edição, mostrando só o resultado posterior da carnificina, após a violência estabelecida pelos três bandidos.
A participação de Capitão Spaulding foi diminuída, a intenção de Zombie era ter mais momentos com Sid Haig, mas após visitar ele no pós operatório já no hospital e perceber que estava bastante doente e debilitado fisicamente ele decidiu reduzir o papel dele, ao passo que a Lionsgate afirmou que não vincularia seu nome ao filme caso não tivesse os três personagens. O acréscimo do personagem de Willis Foxworth ‘Foxy’ Coltrane, interpretado pelo colaborador frequente de Zombie Richard Brake ocorreu por conta disso, e de certa forma, essa limitação influiu no script que o diretor escreveu, pois pouco se vê a família Firefly junta neste.
A falta de inteiração entre os três personagens centrais causa um pouco de incomodo, pois separados eles claramente não tem a mesma força, além de ocorrerem idas e voltar um bocado desnecessárias da trama, variando entre os homens doentes e a mulher com severos problemas mentais. Zombie tenta compensar isso com referencias as cenas de jantar de O Massacre da Serra Elétrica e suas continuações, além de mostrar um conjunto de mortes executadas de maneira bem fria e estúpida pelos personagens, além é claro de desenvolver um deboche bem grande aos membros da comunidade suburbana dos Estados Unidos, mostrado como homens frágeis e fracos, capazes de ceder ao qualquer chantagem dos que deveriam ser meros foras da lei.
A câmera de Zombie é nervosa, como se tivesse obrigação de provar algo, talvez em resposta as péssimas críticas que recebeu antes. Há uma tentativa boba de compensar algo, e um exagero no peso que coloca durante as quase duas horas de exibição, além do mais, este tamanho para o filme parece mesmo exagerado, uma vez que seu ritmo não é tão bom ao ponto de manter a atenção do espectador durante toda sua exploração.
Nos momentos finais, Foxy, Baby e Otis tem enfim um descanso, obviamente cortado por opositores ligados a algumas de suas vítimas. Neste momento, há semelhanças claras entre sua trama e o filme de Oliver Stone com roteiro de Quentin Tarantino, Assassinos Por Natureza, que por sua vez, reinventa um pouco do mito de Bonnie e Clyde, no sentido de mostrar um casal adorado pela mídia causando morte e violência por onde passam. Os três infernais, nessa nova formação tem seguidores e fãs, mas o próprio filme não reflete muito sobre isso.
Os 3 Infernais é mais contido que os anteriores do diretor, tem menos histrionismos de Sheri-Moon, é mais econômico em matéria de edição, mas também é comedido em mostrar uma historia transgressora, o tempo inteiro Zombie parece estar com o freio de mão puxado, não conseguindo assim atingir o sadismo de Rejeitados Pelo Diabo (filme esse superestimado, aliás) e nem a inventividade de A Casa dos Mil Corpos (esse, subestimado, alias), ainda assim é possivelmente o mais equilibrado dos filmes recentes do cineasta, só a lamentar a pequena participação de Sid Haig por questões de saúde.
Há um aviso, antes de começar Correspondente Estrangeiro de Alfred Hitchcock, salientando que este não é baseado em nenhuma pessoa ou evento real, e que as coincidências são frutos da ficção e não existe qualquer intenção em retratar uma realidade ou qualquer fração dela. A história é simples, mostra Johnny Jones (Joel McCrea), um correspondente de jornal de Nova York que vai a Europa em viagem, utilizando um pseudônimo (Huntley Haverstock) já com a 2ª Guerra Mundial ocorrendo. Sua jornada se dá em viagens pela Europa e o longa é dedicado aos esforços dos soldados e militares norte americanos.
O começo da historia mostra o sujeito em Amsterdã, e lá, ele acompanha um estranho evento que envolve a morte de Van Meer (Albert Bassermann), um diplomata holandês. Daí se desenrola toda uma trama de espionagem e paranoia, e obviamente uma perseguição ao personagem, mas muita coisa ocorre até chegar esse status, em um desenrolar lento, diferente até dos filmes do cineasta dessa época, como O Homem Que Sabia Demais (versão de 1934), Rebecca: Uma Mulher Inesquecível e o posterior Sabotador.
Mesmo sem grande parte das marcas registradas do cinema de Hitch, Correspondente Estrangeiro tem momentos de disruptura. O assassinato de Van Meer mesmo é uma cena brusca, que ocorre rompendo completamente com o estilo apresentado até então, e essa mudança de caráter é registrada de maneira tão abrupta e surpreendente que o estado de calmaria não retorna em momento algum, pelo contrário, a partir desse momento as desventuras de Jones são mostradas freneticamente, como se ele fosse realmente um participante do xadrez estratégico da Segunda Guerra Mundial.
Os tempos bélicos de certa forma anestesiam o povo, que não vê mais o extremismo se aproximando, nem compreende direito os males que ele faz. Há momentos épicos, como a perseguição que ocorre no catavento, mas o que mais impressiona nas pouco menos de duras de filme é o quanto o protagonista é bobo, imaturo e crédulo em tudo. Ele quase é atropelado, após ser empurrado por um homem que quer seu mal, mas ele sequer nota a má intenção do sujeito.
Jones é uma demonstração do quanto o povo pode apelar para pensamentos pueris, não entendendo que quem está próximo e quem detém o poder pode querer o seu mal. Hitchcock não permite obviamente que seu protagonista fique estagnado, ele evolui e consegue ao menos perceber as armadilhas que ocorrem no quarto final do longa, se torna mais ardiloso, mais preparado e astuto, ao menos para perceber que não sobreviverá caso não se instrua.
Há referencias a obras futuras, como a Um Corpo Que Cai, mas também brinca com os clichês de Um Barco e Nove Destinos, em especial na sequencia envolvendo o avião que está sob o ataque o conseqüente naufrágio do mesmo. As marcas de Mestre do Suspense já podiam ser vistas nessa obra também, que mesmo lidando com problemas de efeitos especiais datados, ainda é uma produção que guarda esforços tremendos de sua produção para parecer grandiosa.
O cineasta é bastante corajoso em utilizar todo o seu conhecimento e talento para registrar essa historia anti bélica, se posicionando de maneira veemente e madura sobre todo o imbróglio contra o fascismo, inclusive culpabilizando os traidores das nações que formaram a Aliança contra o Eixo, pontuando tudo isso com a boa postura de Jones/ Haverstock agindo finalmente como um espião agiria, sendo esperto e manipulador quando precisa. Correspondente Estrangeiro foge bastante do maniqueísmo, ainda mais se comparado aos filmes de sua época, mesmo com o discurso final em rádio, que o protagonista dá ao povo.
Novo filme do diretor Sebastián Borensztein – o mesmo de Koblice Um Conto Chinês – passado em meio a crise argentina que resultou no congelamento bancário traumático em 2001, A Odisseia dos Tontos reúne um grande elenco, e conta a historia de uma comunidade de pessoas que morava em uma cidade distante, mas ainda na província da capital Buenos Aires. Este grupo, liderado por Fermin Panache, personagem de Ricardo Darin, junta as economias para adquirir alguns silos abandonados em uma propriedade industrial, dinheiro esse conseguido a duros custos, pois nenhum deles era abastado financeiramente.
Baseado no livro de Eduardo Sacheri, La Noche de la Usina, o investimento não chega a ser empregado da forma como eles querem, pois eles sofrem um golpe, que retira praticamente todo o fundo de investimento, e todo o roteiro mira a possibilidade de uma vingança. Fermin, o protagonista se culpa pelo ocorrido, ele convenceu a todos graças ao seu carisma e ao passado como jogador de futebol aposentado, figura essa lendária e adulada por conta de um feito desportivo grande. É ele quem tem maiores perdas, perdendo inclusive sua amada, em um estranho acidente após o nervosismo de ter sofrido o golpe.
É curioso como a cooperativa de trabalhos e interesses da obra se reflete também no extra-filme, pois Darin tem de lidar com outras atuações de grandes interpretes, entre eles Daniel Aráoz, Chino Darín, Verónica Llinás, Carlos Belloso, Andrés Parra e Rita Cortese. Cada um deles faz um papel diferente e carismático, com peculiaridades e claro, estereótipos e arquétipos.
O desenrolar da trama põe os personagens em situação limite, em especial o filho do protagonista, Antonio (Luis Brandoni), que flerta com a secretária do sujeito que cuida do dinheiro investido do grupo. O salto temporal faz o longa parecer um pouco confuso, e há muitos clichês e relações obvias e previsíveis do filme, mas o texto de Borensztein e Sacheri transforma a inteiração dos personagens em algo único, claro, facilitado pela química do elenco.
Há um bocado de pieguice no tratar das perdas familiares, mas fora isso o filme é bem divertido, e repleto de carisma, principalmente em seu final, onde a tal noite épica de revanche finalmente ocorre. O desenrolar da trama em várias frentes faz jus a expectativa criada em torno do filme. A Odisseia dos Tontos funciona até melhor que filmes de assalto mais recentes, quase como Onze Homens e Um Segredo com mais veracidade e dedicação por parte de um elenco também afiado, mas que tem bem menos pompa do que no filme de Steven Soderbergh, não deixando a desejar claro para o comparativo americano, até por falar mais com a realidade latina e ter paralelos reais bem mais tangíveis.
Documentário de Sean Menard, O Efeito Carter (conhecido em redes de streaming pelo nome original, The Carter Effect) fala sobre a influencia do ala-aramdor Vince Carter, um jogador excepcional e que mudou todo o quadro do interesse por basquete por onde passou, em especial no Canadá, onde foi atleta e ídolo do Toronto Raptors durante um período inesquecível de 1998 a 2004. O longa prima por depoimentos que variam entre o sóbrio e o emocional e consegue um belo equilíbrio entre esses dois aspectos.
A historia do filme começa falando sobre o advento do Raptors, da chegada da NBA ao Canadá, em Vancouver e Toronto e em como as crianças e as gerações posteriores foram tomadas por uma mania de basquete após a elevação do maior dos ídolos do esporte no país, em uma época que era difícil para os times de fora dos EUA jogarem, afinal, essa era uma época bem diferente da atual, onde o Toronto de Kawhai Leonard venceu a temporada de 2018-2019, pois até chegar a final era algo inédito.
A participação de Carter, que está ainda em atividade (ao menos até 2019)), falando sobre a própria historia, sobre os feitos e o quão difícil foi chegar onde chegou, dá ao filme um ar de auto biografia bem forte, e o modo como a câmera de Menard se porta faz ele se diferenciar de outros produtos documentais, em especial os televisivos, por mais que use a trilha de maneira manipuladora, por exemplo. Certamente se o documentário de 2014 Iverson fosse conduzido dessa forma, seria um filme bem melhor, pois Allen merecia uma abordagem tão vívida e emocionante quanto esta. Aqui se transborda carisma, não só na personalidade quanto de Vince mas também na cãmera que Menard conduz…
Carter era especialista em enterradas, tinha um jogo muito vistoso e já foi premiado em seu ano de novato na NBA, e alvo de disputados entre grandes franquias (foi escolhido pelo Golden State Warriors, mas acabou indo para o Canadá em uma troca). O filme passa bem pelos momentos marcantes da carreira, como quando ele ganhou a disputa de enterradas no ano 2000, que para muitos, era o melhor campeonato de enterradas da historia, incluindo ai os que Michael Jordan ganhou. O filme ainda se dá ao trabalho de mostrar varias entrevista em que jogadores lendários da NBA afirmam que no quesito “dunk”, ninguém supera o biografado.
O filme é bem pessoal, o mergulho na intimidade do personagens é absurdo e dá vontade de saber mais e de acompanhar o fim da carreira de Carter. O maior mérito do documentário é mostrar o quão querido, carismático e festeiro Carter era e é. A proximidade das figuras famosas do Canadá, dos rappers, entre eles Drake, e pessoas da cultura hip hop, faziam com que ele soasse como um jogador diferente, tendo uma identidade de astro muito forte, de certa maneira, semelhante a vida e obra de Wilt Chamberlain, guardadas as devidas proporções, pois não era tão individualista e tão inserido na cultura pop como o Golias era. Carter era um exemplo do que fazer e do que seguir bastante retilíneo, mesmo não sendo politicamente correto, conseguia se adequar as plateias e públicos mais heterogêneos mesmo com esse caráter gaiato.
Há alguns momentos que vistos hoje, soam bizarros, como uma entrevista com o ainda criança Stephan Curry, falando que se espelhava em Vince, e que seu sonho era se possível tornar-se profissional, mostrando que a influência e legado dele vai muito além do país canadense. O Efeito Carter mostra um personagem idolatrado e ovacionado e reconhecido pelos seus camaradas. Mesmo os momentos mais melancólicos, como a queima de camisas após a saída dele em 2004 é fechada em uma cena bem emocionante, em 2014 sendo ovacionado no Jurassic Park (estádio do Toronto) quando já jogava pelo Memphis, em uma sequência muito bem pensada pelo cineasta. Essa sequência reforça a ideia e o sonho do proprio jogador em voltar a jogar pela franquia, onde fez seu auge antes de se aposentar, embora atualmente, com 42, não haja muitas mostras de que isso acontecerá, no entanto, o registro de memorias e legado de Vince é muito bem mostrado e representado aqui, transbordando alma para um tipo de filme que normalmente é absurdamente protocolar.
O começo de Top Gang!: Ases Muito Loucos, combina demais com o do filme que ele parodia, Top Gun: Ases Indomáveis– na verdade, o filme de Jim Abrahams tem nome original bem diferente, Hot Shots – e a música inspiradora, Sea Maneuvers, de Sylvester Levay toca enquanto o porta aviões é ocupado por muitos palhaços, pessoas que jogam futebol, fazem churrasco, fazem coreografias ou simplesmente fazem baliza com as aeronaves como se fossem carros.
Um tempo se passa até que a ação finalmente começa, e graças como aves desviando do avião e falando. Topper Harley personagem de Charlie Sheen é um piloto, que está escondido e que sonha o tempo inteiro com seus feitos da época que seu pai pilotava naves. Seu novo nome indígena, Tukanchilla é mais um argumento de deboche, que o faz esquecer (de certa forma) o trágico destino de Buzz seu pai. Logo, um superior o encontra e oferece uma segunda chance para ele, retornar a marinha.
O roteiro de Abrahams e Pat Proft não tem qualquer vergonha em fazer troça, com um humor pastelão, contendo muitas piadas de peido, graça com a voz de personagens alterada por uso de gás hélio etc. No entanto, Topper não é tão diferente de Maverick, sua contra parte do filme de Tonny Scott, a diferença é que Charlie Sheen se leva menos a sério que Tom Cruise, principalmente por lançar mão de um humor típico do cineasta, o mesmo que fez Apertem os Cintos O Piloto Sumiu.
A apresentação do personagem Jim “Wash Out” Pfaffenbach é curiosa, pois seu interprete, John Cryer, que faria dupla com Sheen em Two and a Half Men – também há um pequeno papel para Ryan Stiles que fez Herb Melnick na mesma série, um dos personagens recorrentes mais engraçados da mesma – infelizmente os dois tem poucas cenas juntos, mas já se nota uma química entre os dois. A essa altura, eles mal tem a química que teriam. Além de Top Gun, o filme alude a Nascido Para Matar, de Stanley Kubrick, além de resgatar elementos de Águia de Aço, de Sidney J. Furie, a imitação barata do filme de Cruise, especialmente no que toca a questão de uma nova geração de pilotos surgir a partir dos filhos da anterior, embora aqui, mesmo com as piadas, seja mais plausível no outro filme. Há referências também a Rocky, Superman- O Filme e histórias românticas do cinema clássico, como Casablanca.
Há muitas piadas nos fundos dos cenários, é preciso estar atento para perceber todas, além de repetir sempre a gag dos homens sentando em cima de um cachorrinho. Os flertes e o sexo são apresentados de forma caricata, exagerada e muito engraçada. A primeira delas envolve uma festa gastronômica excêntrica e nojenta, em que o homem usa todo tipo de alimento para estimular o seu par, em um momento grotesco ao extremo.
A ideia de humor de parodia dos anos 90 agravou o tom de besteirol da outra década, tudo é muito mais artificial e galhofeiro, e certamente Top Gang só funciona pelo fato de Sheen se levar pouco (ou nada) a sério, mas ainda assim, há críticas bem ácidas, como no que toca o Almirante Benson de Lloyd Bridges, um oficial antigo e bastante confuso em cada uma das suas ações, uma representação caricatural do homem velho da marinha, o senil, o sujeito que não tem qualquer noção de civilidade, de trato ou de comportamento humano básico.
O paralelo que Topper faz, de que jogar para perder – ou seja, trair seu país – é errado como dormir com sua irmã (que apesar de ser uma boa moça e ter seios fartos, ainda assim é ilegal) é a síntese do quão descompromissado com a seriedade é o filme de Abrahams, que não se leva a sério sequer em seu combate final. Talvez se Tonny Scott assumisse um caráter parecido para o seu Top Gun, certamente ele seria menos vergonhoso, pois toda a estética da Marinha e dos aviões que a servem é patética ao extremo. Mesmo sem ter o intuito de fazer um comentário político, há uma reflexão sobre o quão mal preparados podem ser os militares dos Estados Unidos.
Top Gangue Ases Muito Loucos é um filme de amigos, onde o elenco é formado basicamente por camaradas, conduzido por um Abrahams inspirado tanto em direção quanto nas tiradas cômicas, que conseguem ser ainda mais malucas e extravagantes que seus filmes anteriores, além de fazer uma troça bem justa com os clichês com o gênero de Ação e Aventura escapista que permeavam o cinema na segunda parte da década de 80.
Luna é um filme sobre adolescência, focado no encontro de duas meninas bem novas, Luana (Eduarda Fernandes) e Emília (Ana Clara Ligeiro). Seu início se dá em uma escola, onde as meninas estudam e participam de algumas discussões políticas, a época, falando sobre o impeachment de Dilma Rousseff, com basicamente todos os meninos e meninas tendo alguma opinião sobre o assunto, menos ambas, que parecem estar enfadadas desse tipo de assunto.
A aproximação das garotas é lenta e gradual, começa vagarosa, após as duas se encontrarem na escola. Luana é bastante tímida, não conversa muito com os outros e tem dificuldades severas de se aceitar. Aos poucos, elas vão se envolvendo, solidificando uma amizade que envolve em alguns pontos terceiros, e vão descobrindo a sexualidade desabrochar, em ambas.
O filme mostra o dia comum dos jovens, mostrando eles se descobrindo, festejando, brincando e se divertindo, tudo de maneira bem despreocupada e alheia aos elementos externos, sejam eles quais forem. A vida sem maiores preocupações contrasta com a facilidade que as meninas tem em se exibir e se expor nas mídias sociais, e mesmo sem fazer julgamento de valor o filme acaba colocando esses aspectos em pé de igualdade, de maneira justa até, pois representa a realidade e os perigos provenientes dessa aura de “normalidade” em tudo se expor. Ter a oportunidade de falar o que quer e de se mostrar como quiser custa um alto preço, que se não for usufruído com maturidade e parcimônia, pode acabar causando em quem o faz a chance de ser chantageado ou abusado.
Azzi toma todas as precauções possíveis para registrar seu filme de um modo não usual, lidando com a temática do cyberbullying e vazamento de informações e privacidade de um modo que não parece nem didático e nem severamente culposo as partes envolvidas. Os personagens mais estereotipados não caem na armadilha fácil de serem super corretos moralmente, ao contrário, como é esperado pela baixa idade e imaturidade dos personagens são mostrados como humanos falíveis, capazes de inconsequências e até de crueldades, embora a distância entre esses dois aspectos seja enorme.
Os momentos finais são carregados de emoção, e tem a intenção de discutir de algum modo as formas de responder aos abusos e impropérios dos olhares acusadores e julgadores de quem condena a exposição sexual mas que faz uso dos frutos dessa apenas para prazer próprio e para menosprezar quem é “vazado”. As soluções mostradas soam irreais, fazendo que os momentos finais pareçam bobos e de soluções fáceis, fato que faz o final deste Luna parecer bem diferente de toda a abordagem até então.
Greta ficou conhecido antes mesmo de chegar ao circuito, quando estava ainda correndo os festivais pelo Brasil e o mundo, por conta de polêmicas com o governo federal vigente em 2019. Fora toda essa problemática fútil, o longa de Armando Praça começa silencioso, mostrando um veterano Marco Nanini descendo as escadas de um prédio antigo, vendo os cuidados médicos a uma pessoa.
Ele é Pedro, um enfermeiro homossexual que começa o filme tentando cuidar de Daniela Ramalho Silva (Denise Weiberg), que tem registro civil como Francisco Cícero Ramalho Silva, e que não aceita em meio a lotação do hospital, ficar na ala de internação masculina. Pedro e Daniela são muito amigos, e afim de arrumar vaga para ela no hospital onde ele trabalha, o sujeito acaba ajudando Jean (de Demick Lopes), um criminoso ferido, e o leva para casa.
O começo do filme é bem silencioso. Os poucos diálogos são bem pessoais, e acompanhado de uma música bem baixa, instrumental, a trilha toma o cuidado para não quebrar o naturalismo do filme e pra não fazer com que ele soe artificial. Há muita delicadeza e esmero no esforço do longa.
O roteiro lida com carência, dificuldade de aceitação da condição de solteirice e da solidão, através de um personagem calado, tímido e contido, mas que guarda um desejo interno de se liberar e de gritar para o mundo seus desejos. Nem o pragmatismo da rotina e a necessidade de manter-se financeiramente são capazes de sufocar esses desejos. A admiração de Pedro por Greta Garbo o ajuda a conviver com sua condição de pessoa só, tornando a idolatria em um estado de segurança, que ao menos em quanto está na cama, a isola da condição de não gostar de como é sua rotina.
Nanini consegue reunir muitos personagens no limiar que existe entre Pedro e Greta, um homem complexo e uma senhora complicada, onde ambos, apesar de terem personalidade diferentes, sofrem do mesmo problema, de não saber lidar com estar sozinho, não ter par ou algo que o valha. É certo que a relação que “eles” tem com Jean beira o doentio, mas também é certo que essa é uma boa representação de tantos relacionamentos de transferência psicológica, onde uma grande perda precisa ser suprida por algo novo. A denúncia que Praça propõe não é nada sutil, e nem precisa, afinal é algo corriqueiro, infelizmente comum de ocorrer.
Greta é baseado livremente em Greta Garbo, Quem Diria, Acabou no Irajá, de Fernando Melo, mas sua verve só é tão forte e emocional graças a entre de Nanini, que faz uma personagem diferenciada, que demora a evoluir até o quadro que considera ideal para sua vida. Os momentos finais mostram a sua transformação, e o objetivo que ele sempre teve sendo alcançado, de certa forma referenciando também a memória de sua grande amiga, mas ainda com coração mole e psique frágil o suficiente para aceitar o retorno dos que antes fizeram ela sofrer.
Projeto Gemini é um projeto de blockbuster que reúne em si muitos projetos que a priori, não tem muito a ver uma com a outra. A primeira delas é a dificuldade pós As Aventuras de Pi que Ang Lee tem em emplacar um filme elogiável, a segunda tem Will Smith como protagonista, vivendo o assassino do governo americano e atirador de elite Henry Brogan (seus últimos produtos também não foram muito bem recebidos) e claro, a nova tecnologia em 3d, que promete entregar cenas de ação mais nítidas.
No Brasil, infelizmente o filme é exibido em 60 frames por segundo ao invés de 24, como é o usual, mas não consegue corresponder ao que a tecnologia nova pede. Com todos esses fatores, o projeto tenta parecer algo além do cinema de ação e aventura genéricos, mas esbarra em questões básicas. Já na gênese do filme, há uma estranha (e péssima) referencia involuntária. Lee faz as vezes de David Ayer e começa mostrando Smith preparando seu rifle para um tiro a distância como foi em Esquadrão Suicida, mas aqui as intenções são diferentes, Henry diferente de Floyd Lawton é um homem de escrúpulos, só mata bandidos e terroristas e a comando do governo. Mal sabe ele (ainda) que há mais semelhanças com o Pistoleiro do que a premissa prega.
A culpa do personagem é um bom aspecto, dá a ele humanidade e até um pouco de profundidade, pois mostra ele como um sujeito que tem problemas em aceitar sua condição, pesando é claro as mais de setenta mortes que já cometeu. Evidentemente que há uma conspiração em torno do personagem principal, que passa a ser alvo de perseguição de seus antigos superiores.
As ideia do roteiro de Billy Ray, Darren Lemke e David Benioff (sim, o mesmo de GOT) são boas, mas a mão pesada do diretor e a quantidade enorme de coincidências e relações artificiais pesam contra o filme. A união dele com Danny Zakarweski, personagem de Mary Elizabeth Winstead não parece realista, tanto na rivalidade quanto na parceria dos dois. Os demais personagens secundários aparecem e desaparecem com uma conveniência monstruosa, e alem disso, ainda se apela para um clichê que já era batido nos quadrinhos e cinema dos anos 90, e que hoje, é ainda mais obvio e raso, a questão da clonagem.
A exibição em 60 frames demora a acostumar o olho, mas tirando esse inconveniente, a violência e as sequencias de ação são bem legais. Lee emula bem o estilo de Paul Greengrass e mistura com elementos dos filmes de David Leitch e Chad Stahelski (De Volta ao Jogo, Hobbs e Shaw, Atômicae John Wick 3), ainda que não tenha o mesmo brilhantismo, até porque a maioria das falas são baseadas em frases de efeito, e diferente das fitas de ação da dupla de diretores citadas, esse é um produto audacioso, que mira a alta ficção científica, sem jamais alcançá-la.
O Gemini que está no título é um grupo paramilitar estranho, comandado pelo vilão que Clive Owen vive, o senhor Clay Varris, e impressionantemente os agentes americanos super bem treinados acham estranho que ele e sua equipe lance mão de clones, mesmo que uma variação da palavra “gêmeo” sempre estivesse na alcunha do grupo, desde os anos noventa. Aliás, o fato dos heróis demoraram a chegar a conclusão de que o homem que os persegue ser de fato clone do personagem principal não faz qualquer sentido, e os faz parecer burros.
Ao menos, as perseguições de carro são alucinantes, bem construídas e encaixadas. Há também uma preocupação bem moderna, de fazer com que as incursões dos personagens pareçam verossímeis, mas até esses momentos são cortados pela artificialidade que impera em toda historia, com a presença de um boneco digital que não parece nada realista. A tecnologia de rejuvenescimento e de dublê digital é fraquíssima nesses combates, e piora demais no final, quando ocorre o epílogo.
As ideias que permeiam Projeto Gemini misturam a pretensão de soar tecnologicamente na vanguarda, com a utilização de um tema já bem gasto que é a questão da clonagem, assusta como ainda se aposta nesse filão, assim como também surpreende que o longa tenha tantas semelhanças com Star Wars: Episódio I, A Ameaça Fantasma, no sentido de ser um filme que tenta parecer avançado visual e tecnologicamente e com fragilidades de concepção textual, com a pequena diferença de que Will Smith parece acreditar no filme, enquanto todo o resto da produção só parece querer entregar um produto puramente comercial.
De Bel Bechara e Sandro Serpa, o longa-metragem Onde Quer Que Você Esteja começa com uma música a capella, evocando a simplicidade que imperará durante os pouco mais de 100 minutos de exibição, onde o foco narrativo mostra um programa de rádio onde a saudade impera, o programa que leva o título do filme dá oportunidade as pessoas de usar o microfone da rádio para tentar lançar uma mensagem a algum ente querido desaparecido, seja filho, pai, par ou algo que o valha.
A Rádio Cidade Aberta se localiza em São Paulo, mas o ambiente mostrado em tela prima pela universalidade, pois aparenta ser qualquer outra cidade brasileira. Há uma tentativa de aprofundar os dramas ali, mostrando a intimidade de algumas pessoas que procuram seus parentes perdidos.
A questão de lidar com o desespero que ocorre com milhões de brasileiros mostra o desespero dessas pessoas, que se vêem sem norte após o literal desaparecimento dos que fazem parte de sua rotina diária. Perceber a dor proveniente do sumiço e da indefinição do paradeiro de alguém querido é pesado, mas o fato do elenco ser rotativo dificulta ao espectador se apegar aos dramas mostrados em tela. Os que aparecem mais recorrentemente não são muito aprofundados, já que o foco dramático é em quem perdeu alguém.
A intenção do filme é muito nobre e tema já havia sido visitado pelos diretores em um curta de mesmo nome, é emocional e desesperador em muitos momentos, a temática pesada e os reencontros quando foge da pecha super otimista acertam, mas a maioria dos dramas apresentados são um bocado estranhos, primam por uma artificialidade um pouco incomoda, que se torna ainda mais estranha por ter um elenco recheado de estrelas como Gilda Nomacce, Leonardo Medeiros, Sabrina Greve, Samuel de Assis e outros.
Alguma coisa na tradução de curta-metragem para longa se perdeu, é bom que a temática se expanda, mas a duração é esticada demais e acaba fortalecendo a sensação de que Onde Quer Que Voce Esteja tem uma composição bem frágil. Não há muito equilíbrio da exploração da temática sentimental, na maioria dos momentos tudo soa muito melodramático e até as relações entre os carentes que procuram os sumidos soa artificial e gratuita em sua construção. A falta de substancia no roteiro é em algumas vezes driblada pelos atores, mas na maioria absoluta das vezes, a questão dramática soa boba, pueril e até um pouco infantil.
O lado B da filmografia de Alfred Hitchcock é composta basicamente pela época em que fazia filmes no Reino-Unido ainda, onde boa parte das marcas de seu cinema ainda estavam em fase embrionária. Há nesse ínterim verdadeiras pérolas, e uma delas mora neste Sabotador, que é uma exceção a essa regra inglesa, pois é considerado entre os especialistas o primeiro filme do cineasta com elenco completamente americano. O filme de 1942, também chamado de Sabotagem em outras traduções brasileiras, conta uma historia de conspiração e paranoia, provenientes do conflito da Segunda Guerra Mundial, ainda em curso.
Hitchcock começa seu drama com uma música histriônica, com metais pesados referenciando uma parede listrada e grande, como um portão de fábrica, que é tomado por uma estranha sombra com direito até a sobretudo, numa clara referencia a espionagem. O longa, cujo roteiro de Peter Viertel, Joan Harrison, Dorothy Parker trata da historia de Barry Kane (Robert Cummings), um mecânico de avião que é acusado de sabotagem na fábrica em que presta serviços, mas antes de chegar nessa conclusão o filme se dá ao trabalho de construir todo o ideal do trabalhador proletário, mostrando o cotidiano dos que trabalham, que no meio de um refeição, vêem uma fumaça preta tomar o lugar, causada pelo incêndio na fábrica.
Há um sensacionalismo nada sutil no filme, mas que é levado pelo cineasta com uma maestria monstruosa. A pecha de rei do suspense não é à toa, já se percebe uma mão bem habilidosa em criar expectativas, seja com a trilha que as vezes ensurdece, ou com a perversão do mundo comum presente na Jornada do Herói clássica, mesmo que para o diretor britânico o traço de normalidade da humanidade não fosse exatamente normal. As pessoas são exageradas, claro, mas o nível de preocupação com conspirações é bem condizente com o clima conflituoso dos anos quarenta.
O mundo em conflito deixa as pessoas mais suscetíveis a desconfiança em geral. Antes, para Barry, sua palavra já era o suficiente, agora, ele é obrigado a se envolver com toda sorte de malandros, com pessoas que barganham com o único bem que lhe é direito, que é sua liberdade.
O extremismo proveniente do governo alemão do III Reich influi na balança ideológica, causando alvoroço entre os países aliados, pondo trabalhador contra trabalhador. O texto é até bem didático nesse ponto, mostrando o proletário como o elo mais fraco, a resultante da quebra da corda quase sempre. Praticamente não há complacência com o pobre diabo que tenta provar sua inocência. As pessoas que o ajudam são tão necessitados quanto ele, se não mais, ele tem a solidariedade de homens e mulheres praticamente miseráveis e de pessoas de feições estranhas.
Didatismo em uma obra artística não necessariamente é um problema, e no caso de Sabotador esse aspecto é muito bem encaixado. As conclusões que Barry tem ao se aproximar do último quarto de filme impressionam, ele toma uma consciência de classe e uma noção política de embate ao fascismo que seria o comportamento ideal para o povo. É compreensível que o homem comum não queira se envolver com política e não queira perder os poucos privilégios que tem em busca de justiça e do que é certo, mas exemplos como o governo do austríaco Adolf Hitler na Alemanha dos anos 30 e 40 dão provas de que a isenção política ajuda a causar a perda até dos poucos direitos que o proletariado tem, e dependendo do regime, se for totalitário como era o III Reich, mais povos tendem a perder até a liberdade de terem suas identidades preservadas, como foi com os descendentes dos hebreus bíblicos. No caso de Barry, ele foi acusado de algo criminoso, que não fez, e tem sua vida posta em risco por conta da situação caótica que o mundo está posto, mesmo o sujeito dentro dos padrões arianos poderia sofrer, ou seja, nem a tola promessa de que os iguais ficariam bem era cumprida pelos poderosos da extrema direita.
Hitchcock teve bastante coragem em levar a frente um projeto tão engajado, que fez obviamente parte do esforço de guerra contra as forças do Eixo e que tem em seu esforço artístico momentos apoteóticos, sobretudo no final, com as sequencias de bombardeio e de perseguição entre os dois lados postos em contraposição. Mesmo os momentos mais viajandões, como o embate entre Fry (Norman Lloyd) e o herói da fita em plena Estátua da Liberdade é bem encaixada, mesmo com toda a irrealidade da cena em si, mesmo com todo o simbolismo que o ponto turístico teria mais a frente no tempo. Para a época, os efeitos especiais cabiam bem, e a finitude se dar imediatamente após a morte do antagonista é um bom desfecho para um filme que é bastante fruto de seu tempo, um espécime do cinema clássico de uma Hollywood que ia se solidificando, e maturação de um cineasta que ia ganhando contornos de figura lendária aos poucos.
Parceria entre a Warner Animation e Nickelodeon, o filme de Jake Castorena começa misterioso, apresentando um traço bem infantilizado, ao estilo dos últimos seriados animados de ação que a Cartoon Network passam mais ou menos no limiar entre Batman e as Tartarugas Mutantes Ninjas Adolescentes. A primeira cena dá conta de Barbara Gordon, num laboratório, sendo atacada por vilões com shurikens, mas antes que ela reagisse, uma silhueta ao estilo ninja aparece e a salva.
O longa é divertido já no início, antes mesmo da abertura estilizada, muito bem feita e acompanhada da música de Kevin Riepl, a Batgirl está em cima de um prédio, conversando com alguém que ela chama de Bruce, e em segundo plano, aparece uma gárgula, numa clara referencia a série animada do Homem Aranha dos anos 90, onde o Teioso conversava com uma estátua inanimada também, que tinha o primeiro nome da identidade civil do Batman.
Batman VS Tartarugas Ninjas é muito mais que um filme de referencia. A mistura de universos tão diferentes é inteligente e um esforço bem bonito. As cores são vívidas, mas não se abre mão nem do clima dark das revistas originais de Kevin Eastman e Peter Laird onde as tartarugas adolescentes foram introduzidas, assim como há todo um clima de gibi clássico de Neal Adams e Denny O’Neil na parte que toca o Morcego. A mistura dos vilões, com o Pinguim e seu bando e o clã do Pé também é uma inteiração engraçada.
Talvez o único senão visual, seja a caraterização das tartarugas, que para se diferenciar uma das outras, acabando tendo traços meio minimalistas, principalmente Donatello e Michelangelo, mas uma vez que se acostuma, isso se torna passável, sem falar que nas lutas, as ninjas funcionam bem melhor do que quando estão estáticas.
Há também um equilíbrio entre lutas mais sérias e outras pautadas na galhofa. Batman contra Destruidor é um dos momentos mais legais dentro das animações recentes da DC, bastante bem animada, violenta, agressiva e com boas referências a artes marciais. Por sua vez, quando o Cruzado Encapuzado enfrenta o quarteto de heróis, a entrada dele faz lembrar os momentos da abertura de Batman: A Série Animada. Além de Donatello, Michelangelo, Leonardo e Rafael como personagens engraçados, há também o insetoide Baxter Stockman como alivio cômico, personagem esse que faz o intermediário entre a Liga das Sombras e o Clã do Pé, alias, unir Destruidor e Ras AllGhul é das melhores idéias que poderia se ter ao mesclar universos tão diferentes, embora dificilmente o vilão imortal buscasse lançar mão do uso de mutações em seus asseclas.
Quanto o filme passa da metade, há mais confrontos entre heróis e vilões, além de seguir a regra básica de crossover, com união dos personagens bons e dos maus também. Nesse contexto, suavizam a figura do Robin que Damian Wayne faz, e alguns vilões se tornam animais antropomorfizados, sendo a maioria bem bizarra. O filme funciona melhor quando pouco se leva a sério, as lutas finaiis são bem divertidas, tem um cunho mais escapista, que remete aos clássicos do Batman dos anos 60, inclusive no clima camp do seriado de Adam West, e depois de uma bela cooperação entre os personagens, há uma série de reimaginações de capas clássicas do Batman, Batman e Robin, Liga da Justiça e das Tartarugas envolvendo os heróis em confronto e unidos também, com direito a uma cena pós crédito que inclusive faz referência a uma possível amalgama entre os universos, abrindo possibilidades para mais continuações para o longa.
Nos anos 80, os heróis do cinema eram os brucutus das fitas de ação, filmes esses cuja violência e combates eram desenfreados, onde homens musculosos e de aparência desleixada (a maioria tinha cabelos grandes e barbas que cobriam todo o rosto) que agiam basicamente como atiradores loucos, que mantinham metralhadoras na altura do abdome. Esse resumo prova que tudo que era feito era o exato oposto do que um soldado de verdade faria, e dentre esses, um dos maiores símbolos estéticos certamente é o Braddock de Chuck Norris, junto a John Matrix de Comando Para Matar, que fez Schwarzenegger ser encarado como um homem boçalmente musculoso, e claro, o Rambode Sly.
Missing in Action é um bom nome, mas a tradução Braddock: O Super Comando acerta demais na ideia de mostrar um exercito de um homem só em ação. O Coronel que Norris vive não é original, há vários personagens iguais a si antes e depois do ano de 1984, que foi quando este chegou ao cinema. A premissa passa pela desculpa de que veteranos da Guerra do Vietnã ainda estariam como prisioneiros do país asiático, e isso serve de pretexto para denunciar um conflito armado extremo onde os “americanos” sofreram e foram injustiçados. Essa derrota estratégica martela na cabeça de Braddock e na opinião pública americana, e essa crença se os prisioneiros existiam ou não era real, fruto de uma paranoia que pegou inclusive figuras famosas como Clint Eastwood e William Shattner. Depois de muito pensar, ele aceita a missão de ir ao país, para tentar provar que ainda existem campos de prisioneiros, mesmo que os burocratas políticos não queira isso.
James Braddock não aceita desaforos, responde aos senadores e superiores, e até se recusa cumprimentar o General Trau (do famoso James Hong, de Aventureiros do Bairro Proibido), um homem que agora é diplomata. Ao chegar, alguns flashbacks ocorrem, aludindo as mesmas questões que motivaram Rambo: Programado Para Matar e Bem Vindo de Volta Frank, com o Justiceiro, mas sem uma lição mais elaborada por trás, aqui, é só ação e ressentimento, como a maioria dos filmes da Cannon Group e Golan-Globus faziam, fitas de ação pura e simples, maniqueístas e pachequistas.
James é um homem compreensivo, fala na língua natal com os inocentes que foram usados para lhe acusar e os perdoa. Em compensação não tem qualquer educação diplomática, maltrata os burocratas e pega uma cerveja na garrafa e a toma no gargalo sem receio de ser encarado como um selvagem. Ele é fruto da paranoia da Guerra Fria, a vive intensamente e seus métodos são esses, até em seu flerte ele é pouco sutil, aliás, ele é canastrão até para fingir um álibi, fazendo uma expressão de quem não tem medo de ser culpado por ter ameaçado de morte uma autoridade local. O roteiro de James Bruner também não é sutil, é expositivo e discute todos os passos de James, principalmente pela boca de Ann Fitzgerald (Lenore Kasdorf), a diplomata que acompanha a excursão a Ásia,
Talvez o maior erro do filme de Joseph Zitto seja o de se levar a sério demais. Braddock é um herói em resgate nada sutil, e nota-se que o filme é barato, dado que as armas e roupas que ele usa não lembram em nada o que utilizavam na época do Vietnã. Ao menos os prisioneiros aparecem sujos e surrados, fato que faz com que haja alguma conexão do filme com a realidade, embora o discurso dos mesmos seja risível e super otimista. Pessoas que ficaram presas tanto tempo jamais pegariam em armas.
A versão dublada do Brasil salva ligeiramente o filme, já que pois tanto Darcy Pedrosa quanto José Santana iam muito bem e tinha vozes mais imponentes que as de Norris, mas nem mesmo isso salva o horror ufanista que é a invasão do discurso oficial das autoridades vietnamitas para a imprensa e para o mundo. O herói forçando a entrada no palácio, com os prisioneiros causa riso, evidentemente, de uma maneira tão tosca que chega a fazer esse Braddock soar charmoso até em seus defeitos propagandistas e nas evidentes dificuldades orçamentárias que o estúdio e produção tiveram, ainda assim, ele se tornou um clássico consideravelmente elogiado por quem gosta do gênero.
Co-produção da Warner Bros e Globo Filmes, o filme de Mauricio Farias busca fugir da pecha de cine biografia chapa branca. Hebe: A Estrela do Brasil tem muitos acertos e muito cuidado em retratar a vida controversa e divertida de Hebe Camargo, a apresentadora mais querida do Brasil, contando claro com uma interpretação muito bonita de Andrea Beltrão, que consegue encarnar bem a personagem-título sem jamais imitar a voz da personalidade.
O início do filme se dá por uma gravação, do rádio, onde Hebe e Nair Bello (feita por Cláudia Missura, que está idêntica a humorista por sinal) conversam e são ouvidas por um censor, em uma época que em que a Ditadura Militar gostava de afirmar que não havia mais censura. Já nesse início se percebe o espírito do filme, e a sábia escolha do roteiro de Carolina Kotscho, que mira um episódio central da vida da biografada para contar sua historia, apelando para o ano de 1985 como centro das atenções. O se vê durante as duas horas, é a transição da apresentadora da Bandeirantes para o SBT.
Hebe era uma pessoas de muita opinião, não levava desaforo para casa e isso é mostrado já no inicio, em um programa que recebe o Menudo, e onde briga com o produtor Walter Clark (Danilo Grangheia), é incrível como mesmo sendo curta essa sequência, a relação conflituosa entre as duas personalidade é bem demarcada, assim como o ímpeto e espírito da apresentadora.
O filme não deixa de lado discussões polêmicas, como o apoio dela as candidaturas de Paulo Maluf, ao passo que também reforça a ideia de inclusão dela, que vivia chamando transformistas e transgêneros famosos ao seu palco, levando pautas identitárias importante em uma época em que o conservadorismo imperava e essa dicotomia é muito bem apontada. Seu caráter episódico faz o filme lembrar um pouco Chacrinha: O Velho Guerreiro, embora esse seja mais corajoso, tendo um caráter bem mais dedo na ferida e se atenha a um tempo bem mais curto que o longa de Andrucha Waddington.
Os personagens secundários são muito bem registrados, Marco Ricca faz o marido de Hebe, Lélio e compõe um sujeito complexo, ciumento e covarde de uma forma tão fidedigna em sua entrega, que quase faz o público entender seus rompantes emocionais, embora nada justifique sua violência. Caio Horowicz também funciona também como o filho Marcello, em detrimento do real filho da apresentadora, que reclamou de fatos pontuais do filme, em uma clara demonstração de que não entendeu que apesar de biografia, há claro um enchimento de ficção. Mesmo as reclamações dele não denigrem a historia final, pelos motivos óbvios de um filme baseado numa historia real não ter necessidade de agradar familiar qualquer de biografado e também por que suas críticas pesar de carregarem adjetivos duros, eram evasivas e não provavam nada.
Beltrão tem um desempenho absurdo, sua participação é repleta de suor, lágrimas e veias saltando, ela parece uma mulher de verdade, uma mulher popular apesar das jóias, tal qual Hebe era, representa bem tanto o lado ícone quanto a humanidade da mesma, que despejava muita emoção nos programas ao vivo. É até curioso como a Globo ajudou a produzir e financiar o filme, pois a emissora é duramente criticada por Hebe, como aliás é bem conhecido, mas em se tratando de um filme totalmente anti censura, faz sentido esse apelo.
Hebe A Estrela do Brasil tem a mesma coragem de sua personagem título, foge da chapa branca, não liga para convenções ou reclamações dos envolvidos na história real e é um trabalho dedicadíssimo de Beltrão e de Farias, em uma dobradinha que prima pelo entrosamento e perfeição, resultando em um filme tocante, engraçado e bem divertido, um libelo contra a censura e contra o preconceito desenfreado.
Filme de Ricardo Mehedff, Foro Íntimo tem um começo silencioso, com um homem andando em uma repartição pública, na direção da luz que sai da porta. O sujeito é um juiz sem nome, vivido por Gustavo Werneck, e seu poder como autoridade juridica é de certa forma invertido, pois ao mesmo tempo que tem autoridade para autorizar a prisão de um cidadão comum, ele também se sente aprisionado durante seu trabalho, graças ao excesso de segurança a que ele é submetido.
Mehedff faz a escolha de fazer seu longa em preto e branco, e ao mesmo tempo em que tenta ser intimista é também violento. O tempo inteiro o protagonista pensa e sonha com sua própria morte, em alusão a uma fuga extrema da prisão em que ele vive. A curta duração do filme ajuda a fortificar essa ideia, unido é claro a abordagem mais sufocante, introspectiva e até reflexiva quanto julga o mercado de trabalho e o mundo corporativo.
O cotidiano mostrado no roteiro de Mehedff é mostrado sempre como um dia a dia armado, onde os seguranças estão munidos de fuzis, escopetas e armas de grande porte o tempo inteiro. Há uma alusão até uma ditadura de toga, em que os juízes ao mesmo tempo que são uma autoridade indiscutível, também se tornam vítimas da segurança maximizada.
O visual escolhido para o filme é minimalista, e isso favorece demais a imposição de uma sensação incomoda, mas o que realmente causa irritação é o fato do filme não ter um ritmo capaz de prender a atenção do espectador. Por boa parte dele soa enfadonho acompanhar este drama, e por mais que a ideia de replicar em quem assiste o estado depressivo do personagem, isso não é bem traduzido, mesmo quando se apela para sons estranhos, como de um enxame de moscas indo na direção do personagem principal.
Foro Íntimo é pretensioso, se atrapalha na tentativa de soar mais profundo do que realmente é, seu ponto não é ruim mas está longe de discutir largamente a construção da paranoia pela qual passam os personagens, e a construção do código ético desses homens também não foge da condição de arquétipos, fato que é até interessante por se tentar atingir uma universalidade, mas não exitosa, uma vez que faz a discussão parecer genérica demais.
Guto Parente é um diretor cearense, cujo cinema passa por caminhos inusuais, brinca com violência horror e terror. Seu novo filme solo, O Clube dos Canibais começa de forma onírica, mostrando uma mansão, onde as pessoas que estão lá gozam dos prazeres da carne, como luxuria, preguiça e gula. O casal que lá mora, Otávio e Gilda tem hábitos bem estranhos, poucos empregados e sempre cozinham suas refeições, de um modo bem estranho e predatório.
Há toda uma aura de estranheza no filme, seja no modo que o casal se alimenta – de carne humana, como já se deve perceber ao ler o título – ou na rotina dos dois fora da grande casa. O Otávio de Tavinho Teixeira (que também é diretor, o mesmo que fez Sol Alegria e Batguano), trabalha no ramo empresarial, é grosseiro com seus empregados e asseclas, parece estar sempre nervoso, tem no voyeurismo uma de suas taras, assim como a volúpia por sangue. É obcecado com a forma de temperar a carne. Todas as outras preocupações mundanas parecem lhe entediar.
Já a Gilda de Ana Luiza Rios é igualmente entediada, mas parece ter um asco de conviver com os que são iguais a si. Ao discutir com pessoas da “alta classe” ela finge interesse nos assuntos, mas logo depois vomita após ouvir as falas preconceituosas e elitistas dos mesmos. Ela parece não se adequar tanto a alta classe, tanto que ela costuma se relacionar
Isso se torna ainda mais bizarro por haver uma divisão de classes bem demarcada, onde patrões tratam de forma muita rígida seus empregados, e onde maridos são extremamente duros e autoritários com suas esposas. É como se o ultra conservadorismo dos tempos antigos voltasse de maneira tão visceral que chega ao cúmulo dos superiores canibalizando os inferiores.
A historia completamente viajandona mostra um grupo de pessoas mesquinhas, egocêntricas, que não pensam em qualquer pessoa que não elas mesmas. Parente consegue imprimir um gore impressionante, ainda mais para o cinema brasileiro, aspecto esse maximizado pela direção de fotografia de Lucas Barbi, que consegue ajudar o cineasta a esconder até o orçamento baixo do filme.
Também colabora para tornar a obra em algo único o fato do elenco estar bastante afiado, tanto Teixeira quanto Rios e os atores que fazem seus empregados realmente parecem pessoas reais, e a visceralidade que é imposta aqui resgata não só cinema de horror americano de John Carpenter e Wes Craven em começo de carreira, mas também homenageia as fitas italianas de horror, com os exageros típicas das historias ultra violentas. O Clube dos Canibais é uma peça em meio ao cinema de gênero nacional, e não tem medo de ser encarado exatamente como é, um thriller sanguinário e viajandão, que dentro dos seus exageros, acaba por fazer alusão um pouco a realidade tangente atual.
Ricardo Favilla comanda o documentário belo sobre a obra de Ziraldo. O longa Turma do Pererê.Doc começa com as falas do autor, a melhor figura possível para introduzir um público que não conhece a obra e os personagens desse gibi. Já nesse início há um mergulho na intimidade do desenhista, que diz que seu sonho desde criança era ser criador de quadrinhos, fato que esbarrou na descoberta tardia de que não havia revisa de um autor só no Brasil, até o próprio inaugurar a sua.
As entrevistas do documental incluem figuras ilustres, quadrinistas como Laerte e Mauricio de Souza, e estudiosos como Álvaro de Moyá (já saudoso), e a maioria deles destaca o quanto Ziraldo conseguia referenciava bem o ideário do povo brasileiro, referenciando o interior e a mata, já que naquela época pré Golpe Militar a maioria da população ainda não havia migrado para as grandes cidades. Turma do Pererê era muito fruto de seu tempo.
O quadro da pré historia dos quadrinhos autorais no Brasil é muito bem aludida, personagens e obras como o Chiquinho da revista Tico Tico – que era amado em todo o Brasil – e o Amigo da Onça da revista Cruzeiro são referenciados em tela, com ajuda visual e tudo. També se fala um pouco do que era publicado no começo do século XX, nos anos 30 e mais tarde no suplemento infantil do jornais, onde saiam as tirinhas. Somente nos anos 1940 começaram a circular revistas em quadrinhos feitas no país. A Gênesis das tirinhas era obviamente nos cadernos assessórios dos jornais, e essa iniciação aos olhos de Ziraldo era fundamental, por criar novos leitores. Para ele é culpa e responsabilidade da imprensa o êxodo de leitores brasileiros, pois essa porta de entrada foi fechada.
Ziraldo sempre foi uma figura controversa e cheia de opinião, e isso se refletia nas suas historias, e mesmo com as influencias gringas, havia muita brasilidade nelas – ao passo que utilizava números especiais do gibi para desmoralizar símbolos dos norte americanos, como Tarzan e o Papai Noel.
Engraçado como o traço do autor não tinha nada de infantil, Laerte até marca isso, que sua linguagem não estava nem só nos quadrinhos e tirinhas, mas também em trabalhos artísticos diversos, como o cartaz de Os Fuzis, de Ruy Guerra. O filme detalha bem o trabalho artesanal da colorização das revistas na época, bem mais demorado e difícil de fazer do que atualmente.
Talvez o maior legado de Turma do Pererê.Doc seja o de reverenciar Ziraldo ainda em vida, pois a maior parte dos documentários, como Henfile A Vida-Extraordinária de Tarso de Castro acabam por analisar as figuras lendárias da comunicação brasileira clássica tempos depois desses já não estarem mais vivos. Conseguir travar comentários com o próprio autor dá muita fidedignidade não só ao filme, mas também a carreira do artista, que é pontuada com mais uma forma de louvar seu trabalho.
Impressiona como os entrevistas acham Perere revolucionário e pioneiro, e ele realmente é, pois ajudou muita gente a fazer e empreender quadrinhos no Brasil, até Mauricio. Favilla faz um trabalho didático mais repleto de alma e inspiração, emulando bem as características básicas do trabalho de Ziraldo.
Nos últimos quinze/vinte anos, o cinema blockbuster se rendeu ao sub-gênero dos filmes de super heróis, e isso causou todo tipo de exploração temática. Coube a Todd Phillips apresentar um filme da Warner que buscaria um objetivo bem diferente tanto dos filmes super divertidos e coloridos do MCU – embora esse tenha muitas cores, em uma abordagem completamente avessa a essa – quanto da temática obscura pseudo-adulta das versões de Zack Snyder. Coringa é muito baseado em seu interprete, Joaquin Phoenix, que faz o aspirante a comediante Arthur Fleck, um homem de muitos problemas.
O cenário escolhido é uma Gotham City com greve dos lixeiros, tornando o simples hábito de transitar pela cidade um esforço hercúleo. Nesse ínterim, Arthur se maquia, forçando um sorriso com suas mãos, enquanto claramente seu semblante é triste. Ao fundo, se ouve o rádio, da onde saem as poucas vozes com quem ele interage, pois até seus companheiros de trabalho o segregam. Do lado de fora, se assiste uma cidade de arquitetura clássica e colonial, mas ainda largada, desleixada por anos de abandono dos governos municipais.
O espírito e caráter de Arthur é melancólica e depressiva enormemente, ele é incompreendido, mas não por qualquer frescura de relação que algumas plateias associaram – há inclusive poucos elementos do comportamento Incel, por exemplo, ao ponto de a maioria das associações desse comportamento ao que Fleck faz soarem reducionistas – ele lida com delinquência juvenil, humilhação contínua por desconhecidos e conhecidos, além de sofrer Bullying mesmo com idade avançada. Seu visual é estranho, assim como a risada forçada que ele dá, fruto de um dos seus problemas neurais. É curioso como o roteiro de Phillips e Scott Silver usa o movimento do riso como catalisador da tristeza e do nervoso.
É bem complicado de analisar o filme sem revelar partes fundamentais de sua trama, portanto se o leitor se incomoda com spoiler recomenda-se ler o que será falado abaixo após ver o filme.
As relações íntimas do protagonista são tão conturbadas que fazem até a condição de protagonista ser discutida. A historia é sobre o personagem de Phoenix, mas há tanto espaço para todos os outros personagens que o destaque é bem compartilhado, e sua condição de herói não é aproximada do Anti-Herói, e sim de Herói Falido, como foi Michael Corleone em O Poderoso Chefão. O papel que Frances Conroy faz como uma mãe presente, carinhosa mas extremamente carente explica boa parte da personalidade estranha de Arthur. Os colegas de trabalho também tem bons momentos, embora sejam curtos, mas o desempenho mais impressionante fora do ator principal são de Robert DeNiro, que faz uma espécie de anti Ruper Pupkin de O Rei da Comédia, e Zazie Beetz, que faz uma vizinha de porta do personagem-título, que vive no limbo ambíguo da frágil psique de Fleck. Essas personagens, por menos que sejam ajudam a abrilhantar o que Phoenix constrói durante as pouco mais de duas horas de duração.
É curioso como as gargalhadas involuntárias de Arthur pontuam não só a sua condição de não caber dentro da sociedade comum, como o estado catastrófico que Gotham e a maioria das cidades grandes tem. O riso incomodo representa bem como é a sensação geral do trabalhador precário em meio as cidades grandes e sujas. O trabalhador é massacrado, a política o reprime e o reduz a apenas um número e ter esse estado normalizado ajuda a causar doenças de alma e mente, ou ao menos serve como gatilho para isso. O corpo magro, machucado e lesionado ajuda claro a demarcar visualmente que ele tem problemas de comportamento e cognição, mas também representam como o homem comum sofre, portanto quando ele finalmente revida a segregação dos playboys inconsequentes, rapidamente o povo o abraça, levando sua causa até as última conseqüências, embora até isso seja discutível quanto a realidade ou não, pois quase todos os momentos do filme primam pelo fantasioso e onírico, e essa ambiguidade faz o filme soar mágico.
O filme passa pela rotina triste de Arthur, é visceral e repleto de gore, quase como um manual de psicopatia. É curioso como ao mesmo tempo que ele tem dificuldade em fazer rir o público que tem, seus atos violentos tem um humor implícito bem grave, causando vontade de rir de nervoso, tornando o espectador um pouco em seu personagem. A evolução do homem que sente não se encaixar em nada evolui quase naturalmente para o desejo de justiçamento, e é nesse ponto que faz aproximar o Coringa e Batman. Por mais que haja um cunho de Batman: A Piada Mortal no cerne do filme, há também semelhanças com Asilo Arkham de Grant Morrison, embora seja muito menos explicito, e more só nas semelhanças citadas.
O fato de não ter compromisso com o contrato social torna Arthur perigoso, pois as travas para alguém normal não funcionam consigo. O ritmo do filme beira a perfeição, tanto a construção do personagem quanto quando começa a ação mais gore soam absolutamente fluídas, e é nesse ponto que a aproximação deste Coringa com as fitas antigas de Martin Scorsese tem sentido, pois Bons Companheiros, Cassinoe Taxi Driver tem muito desse aspecto, não só temático mas também na forma de abordar. Há também claras referencias ao cinema de Francis Ford Coppolla, especialmente pela romantização do excluído e marginal, mostrando que uma pessoa que “pratica o mal” não necessariamente a faz por razões maniqueístas, mas sim por desprezo dos que deveriam ser os seus, agravado pelo fato de Arthur, ao contrário dos Corleones os dos soldados de Apocalipse Now morar em questões precárias e nada abastada.
É incrível como, após Fleck deixar as pílulas de lado, o mundo que antes estava ruindo começa a mudar seu caráter e zonas de conforto, com ele, que sempre viveu no caos, ascendendo aos céus e ribalta que ele sempre busco para si. Neste ponto, temáticas psicanalíticas como Complexo de Édipo são agravados, além da condição de stalker e claro, rejeição paterna e paranoia também são aludidas, e obviamente se mostra uma realidade que pode jamais ter ocorrido. A humanização do “herói” combina com o clima de terror, e até com a anestesia ideológica dele, que assume que não tem crenças, que nada o faz ter fé ou escolha de pensamento.
Há dois números visualmente maravilhosos, próximos do final, onde a sanha psicopata do sujeito rejeitado é finalmente alimentada, e há muita poesia neste ponto, mas nada irresponsável, ou que glorifique comportamento extremo. O tempo inteiro a câmera é solidária a Arthur, mas não iguala esses atos a qualquer moralidade correta, ao contrario. Vitória do Caos ou mais um devaneio.
O apocalipse de uma cidade suja e corrupta como Gotham é a Gênese, o nascimento do que seria o vigilante Cruzado Encapuzado e a forma como essa cena é conduzida (apesar de muitas vezes repetidas em película, TV e quadrinhos) e torna ainda mais problemática a questão de Batman ser um homem que bate em bandidos geralmente pobres (Os capangas principalmente), uma vez que o movimento popular evocado em Coringa faz pensar como o povo poderia tomar para si as rédeas de seu destino, com instauração do caos em um paralelo com a Revolução Francesa obviamente com uma motivação não presas a teorias, mas ainda assim consciente politicamente, independente do catalisador dela ter sido um sujeito sem posicionamento político definido. O céu é uma percepção bem particular segundo a ideia do filme, assim como a percepção do inferno, e Gotham reúne os dois arquétipos num espaço bem pequeno de espaço, em uma abordagem em áudio visual praticamente inédita, muito rica, violenta, condizente com as origens de Bob Kane, Bill Finger e Jerry Robinson mas também carregando uma carga dramática que se assemelha demais ao cinema europeu disruptivo dos movimentos da Novelle Vague e Surrealismo Alemão e Italiano.
Os documentários de Martin Scorsese já fizeram história – sendo O Último Concerto de Rock o melhor deles. Fossem essas vastas pesquisas a respeito de cinema italiano e americano, sejam sobre grandes nomes da música como os Rolling Stones e a vida e obra de George Harrison, o guitarrista dos Beatles, Scorsese sempre manteve um interesse especial com uma figura, no mínimo, controversa e enigmática. Estamos falando do cantor e compositor mais premiado de todos, cuja fortíssima verve política nunca deixou de pulsar em suas letras épicas. Bob Dylan é um profeta, e canta como tal. A ser descoberto, ainda, pela geração pop dos anos 2000 que não liga muito para o rock, ou a poesia que pode ser usada para analisar e criticar a realidade de uma época (recurso este que rendeu a Dylan um inesperado Nobel de literatura, o único para um músico nos 118 anos do prêmio), fato é que o cara da guitarra e sua gaita inseparáveis já meditou sobre tudo e todos, como se o palco para ele fosse o livro para o escritor.
Agora está um pouco mais fácil entender porque Scorsese dedica a Dylan uma atenção mais especial, que para outros. A arte e a pessoa de Bob Dylan atraem como só, e os filmes de Scorsese vibram de uma forma muito parecida com as verdades e a genialidade das letras do autor de Blonde on Blonde, ou o soberbo álbum Highway 61 Revisited. Aos que nunca ouviram ambas as obras, fica o dever da lição de casa, pois nela está o motivo real do cineasta de Touro Indomável e Taxi Driverse interessar tanto pelo baixinho com voz de cantor sertanejo. É porque o que saiu da sua boca teve um valor que serviu para parar uma nação inteira, e o ouvir, e questionar um contexto histórico que vai além: Bob Dylan refletiu sobre o status quo norte-americano num momento culturalmente caótico em que apenas um grande orador poderia decifrá-lo, e se fazer entender. Enquanto os EUA estavam de ressaca da Segunda Guerra Mundial, invadiam o Vietnã e dançavam no festival de Woodstock, Dylan olhava para a loucura e a inquietação generalizadas e compreendia tudo, em inesquecíveis palavras de reflexão.
É justamente nessa época que acontece a turnê Rolling Thunder Revue, em 1975, quando Dylan já era famoso o suficiente para convidar vários músicos da cena folk a viajar pelos Estados Unidos, revisitando a realidade das coisas com muita liberdade e um espírito itinerante de pé na estrada, vamos cantar!. Numa das entrevistas do documentário de 2019, o próprio cantor admite que não lembra mais nada dessa turnê, nem o porquê dela chamar assim, e aparenta não dar a mínima para qualquer coisa relacionada a ela – o momento é hilário que mostra o quanto Dylan é desprendido do passado, por mais glorioso que ele seja, e para ele tenha sido, mas não é mais. Scorsese reúne várias belas imagens de shows com grandes estrelas do momento, em especial a belíssima companheira inseparável do homem, Joan Baez (provavelmente a cantora que dividiu o palco com Dylan que melhor entendia sua mentalidade), cantando palavras mágicas como se proferir esses feitiços musicais, e irradiar seu encanto, fosse sua obrigação na Terra.
A bem da verdade, falar do impacto de No Direction Home, o primeiro e espetacular retrato de Scorsese a respeito da lendária figura do cara estranho que nunca perdoou perguntas idiotas de jornalistas, e sempre ousou questionar a realidade vigente no mundo ocidental do século XX, é ser injusto com as propriedades desse Rolling Thunder Revue. Ao focar na turnê para falar do cantor, o documentário mais recente perde muito de sua força por mais lindas que sejam algumas cenas – e são, de fato. Se antes falava-se do cantor, sua importância histórica e o peso de sua obra no mundo das artes, indo fundo no DNA dylanesco e na razão dele e das suas letras nunca serem esquecidos até o fim dos tempos, aqui Scorsese nos faz olhar para um encantador e libertador período de 1975, mas que, vez ou outra, parece confuso e longo demais para nos fazer ter a certeza de que isso vale a pena ser lembrado. O poder aqui então parece estar mais nas imagens, do que no significado delas, em mais de duas horas de material restaurado. Eis uma obra que não vai muito longe, mais para a curiosidade dos fãs de Bob Dylan, sendo que No Direction Home é de longe o melhor guia para começar a entender esse gênio que ninguém viu sair da lâmpada mágica, até porque ele nunca se deixaria prender a alguma coisa – exceto a música. Mas ai é uma questão de alma, são outros quinhentos.
De Leonardo D’Agostini, o longa Desafio de um Campeão conta a historia de Christian Ferro (Andrea Carpenzano), um jovem que é apresentado em uma loja de shopping, cometendo um pequeno furto, e ao ser abordado pelo guarda, o segurança lhe pede desculpas, já que ele é ídolo do futebol nacional, o camisa 24 da Associazione Sportiva Roma, o time mais popular da capital do país. É curioso como o filme trata de sua conduta moral antes mesmo de falar de seus dotes esportivos.
Pelas conversas nas mesas redondas, existe a preocupação crescente com a índole do atacante, de obviamente que a direção do clube romanista pensa em formas de tentar controlar sua estrela novata. É nesse contexto que aparece Valerio Fioretti (Stefano Accorsi), um professor tímido e com problemas de fluxo econômico, que é levado para tentar educar o jovem mimado e fazer ele conseguir um diploma colegial.
A premissa do filme mistura um pouco do filme francês Intocáveis, com referencias leves a Sociedade dos Poetas Mortos ou os filmes antigos do professor invadindo a escola, como Um Diretor Contra Todos. O paralelo com a figura de Ferro é facilmente visto em jogadores problema e mimados como Neymar Jr., mas encontra paralelo com jogadores italianos de talento e trajetória recente, como o ex-Roma Antonio Cassano e o centro-avante Mário Balotelli.
O aprendizado que é trocado entre o mentor, que tenta ministrar aulas de historia e o jogador promissor obviamente rende bons momentos, mas após uma hora de exibição a formula , desgasta um pouco, parecendo uma mera fita de auto ajuda, transformado em um número hiper dramático. O descenso continua, até o final do filme, pondo nessa decadência não só a relação professor e aluno, mas também um enlace romântico gratuito, e toda a construção bem pensada até então dá lugar a uma abordagem bem óbvia e trôpega, resultando assim em um filme mais genérico e menos potente do que poderia ser.
Ao menos Desafio de um Campeão tem alguns bons momentos entre Carpenzano e Accorsi, pudera, a maior parte dos momentos de ambos é exatamente esse, explorando a amizade que dali é fundada, uma vez que o jogo de dentro do campo quase nunca é aludido, não há plasticidade praticamente nenhuma nas partidas registradas dentro dos 109 minutos. A historia que busca ser inspiradora esbarra num moralismo um bocado exagerado, fato que faz o filme parecer muito com a cine série Gol: O Sonho Impossível, embora não seja tão fantasioso quanto este e suas continuações.
Produzido por Alexander Korda, ainda em preto e branco, Ser ou Não Ser é um longa de Ernst Lubitsch e é mais um dos filmes dos anos 40 que entraram no esforço anti Segunda Guerra Mundial. Apesar do nome, não vem a ser uma adaptação das peças de William Shakespeare, mostrando na verdade uma historia que se passa na Polônia ocupada, onde um grupo de atores canastrões acaba caindo na graça dos nazistas, durante a tal ocupação.
O filme começa com uma longa introdução silenciosa, mostrando os créditos do filme, seguida de um tour pela rua dos teatros na capital polonesa da Varsóvia, onde há inclusive uma representação do Fuhrer em plena rua, em que a maioria da população assiste atônita, mostrando fundamentalmente que as pessoas comuns não tinham uma boa visão de Adolf Hitler.
As cenas posteriores, em um escritório de militares nazistas, é dentro de um dos espetáculos dos comediantes. Em paralelo com esse espetáculo, há também adaptações das obras de Shakespeare, e claro, bombardeios na Varsóvia, que fazem lembrar a dura realidade da guerra, e que nem a bela arte teatral é capaz de aplacar a dor do povo que sofre com o poderio extremista alemão e nem aliena o povo por completo.
Há quem acuse o filme de soar um pouco sensacionalista. A música da trilha é sempre muito alta, dá um ar sensacional mesmo para os anúncios de campos de concentração, e as transições de tempo são bastante bruscos, mas ela traduz de maneira bem fiel a sensação que boa parte dos homens comuns tinham ao perceber o avanço da Guerra, além disso, há uma abordagem da resistência aos nazistas.
As atuações de Jack Benny e Carole Lombard são de uma entrega intensa, eles vivem respectivamente Joseph e Maria Ture, um casal de atores bem ambiciosos, e que se vêem no meio da trama de espionagem, que envolve Alexander Siletzky (Stanley Ridges), um homem que tem a missão de entregar uma mensagem aos nazistas, que influenciaria no destino da resistência. Todo o desenrolar dessa sequência exige muito dos atores, que dão uma boa demonstração de seus dotes dramáticos.
Quando atinge perto de uma hora de exibição, há uma intensa perseguição, repleta de suspense, em que um tiro ocorre. Realidade e dramaturgia se confundem, pois a perseguição ocorre no meio dos ensaios, e em meio a um ato onde a cortina sobe e mostra um homem sangrando, indo de encontro a morte. O simbolismo da cena é muito forte, evoca que os tempos de guerra primam pela artificialidade e pela teatralidade, e faz isso de modo sentimental, direto e visceral.
O fato de se chamar Ser ou Não Ser é até poético, em especial no terço final, onde há uma troca de identidade e um desempenho atroz do ator Ture dentro da trama metalinguística do filme. O grau de paródia, misturado com o conceito de encenação da rotina dos vilões se confunde ao final, mostrando a tal companhia de comediantes agindo a favor dos Aliados contra o Eixo, atacando as células nazistas, fazendo com que eles tenham baixas diretas, atrapalhando claramente o poderio tirânico dos nazistas, ainda que em uma pequena esfera. Lubistch traz a luz um filme que elucubra sobre identidade e sobre as dificuldade de viver em um mundo de extremos, e que não tem medo de escolher um lado ideológico, sendo um dos mais corajosos filmes anti-fascismo da época.