Categoria: Críticas

  • Crítica | Amém

    Crítica | Amém

    As primeiras cenas de Amém mostram Stephan Lux (Ovidiu Cuncea), um homem caminhando pelos corredores do que parece ser um lugar público, com arquitetura clássica, mas antes dele adentrar o interior da Liga das Nações de Genebra, ele calibra um pequeno revolver, e o guarda em seu terno. A postura resoluta, a roupa social e os papéis que distribui destoam demais de sua postura. Ele dá um discurso inflamado, denunciando os maus tratos que ocorrem naquela época, com os judeus, então encerra a própria vida em um ato simbólico, com um tiro no coração.

    Constantin Costa-Gravas e seu corroteirista Jean-Claude Grumberg não inventaram esse episodio, Lux era um jornalista tcheco, e ele realmente se suicidou na Suíça em 3 de Julho de 1936 para alertar o mundo sobre o antissemitismo alemão. Em seus últimos momentos ele grita C’est le dernier coup, que se traduziria para Este é o golpe final, e o filme faz questão de logo após isso, mostrar todo uma marcha pelas ruas do país sede do Reich, louvando a suástica e o modo de vista ideológico da extrema direita, mostrando um estado forte, que oprimiria inclusive com Kurt Gerstein (Ulrich Tukur), um tenente que aos poucos ascende no exército nazista mas que tem a reprovação de sua esposa nesse esforço bélico.

    Gerstein é um cientista, seus serviços militares se limitam basicamente a falar sobre um gás que ele desenvolveu para matar animais, o chamado Zyklon B. Em paralelo a isso, alguns outros tipos de manifestação aparecem em primeiro plano também, como a organização dos religiosos, capitaneados pelo papa que Marcel Iures interpreta. Aos poucos, o religioso vai inflamando mais e mais seus sermões, pregando contra a intolerância reinante. Não demoraria para o destino dos dois homens se encontrar.

    Com apenas vinte minutos, o cientista percebe para que fins a SS e Gestapo usariam o gás que ele desenvolveu para matar pessoas. Ele não demora a começar a falar – até abertamente – sobre o mau uso de sua descoberta, e obviamente ele tenta trazer isso a antigos amigos, pessoas que combatiam os nazistas dentro da Alemanha, mas com a chegada da Guerra a prioridade passou a ser contra-atacar os inimigos, e não corrigir desmandos governamentais e crimes de intolerância.

    É evidente que um período de guerra move todas as atenções para o front, e que preocupações mais triviais deixam de ser prioridade, mas igualar o massacre a todo um povo e classe a algo menor e desonesto em um nível absurdo. O estado bélico altera o bem estar social, e serve também para esconder atos tirânicos, normalizando uma série de atos, que passam a ser mais aceitáveis por conta do regime de exceção, mas quanto mais o tempo passa, a opinião pública internacional vê com maus olhos a isenção da autoridade papal. Afirma-se categoricamente que a isenção diante da injustiça é uma forma de apoio a intolerância.

    Há uma sensação de agonia que invade o espectador ao assistir o drama que Costa-Gravas propõe. Todos os esforços do protagonista em denunciar a gravidade da segregação e dos assassinatos é recebido com desculpas da parte dos poderosos de que aquela não é a área de domínio dos mesmos. O jogo de empurra prossegue

    Chega a assustar o fato de somente o padre Ricardo Fontana (Mathieu Kassovitz) ter disposição para enfrentar a tirania e o lugar comum, ao apoiar a tentativa de Kurt. Amém é lento, sua historia se desenrola de modo tão gradual que causa até agonia em alguns momentos, mas essa letargia é bem pensada, pois alem de refletir a letargia dos homens poderosos que poderiam se opor ao triste regime, ainda registra muito bem a alienação geral que ali ocorre.

    Os momentos finais do longa variam entre a apreensão com o que o destino reservaria a Ricardo, e claro, se Gerstein conseguiria ou não seu intento, no entanto, isso tudo é conduzido de maneira demasiada morna, o que não seria um problema, já que se trata de uma historia real, mas se Costa-Gravas não procurou eximir seu filme de drama, poderia é claro ter dado mais emoção às curvas finais. Ainda assim, a resolução tendo pés fincados no realismo traz uma boa mensagem, com um letreiro no final, afirmando que o relatório serviu como matéria de comprovação do holocausto, e Gerstein sendo absolvido vinte anos depois de finalmente entregar os papéis.

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  • Crítica | Era Uma Vez Em… Hollywood

    Crítica | Era Uma Vez Em… Hollywood

    A filmografia de Quentin Tarantino é um objeto que merece estudo, dentro e fora das telas por inúmeros motivos, inclusive alguns que mal tocam a figura que o realizador tem para o cinema mundial. Odiado por cinéfilos mais alternativos (e chatos) e adulado por muita gente que conhece superficialmente a história de Hollywood (posers), ele costuma inflamar paixões demais com seus filmes, e a expectativa para que feche logo o décimo, e possivelmente, último filme seu causa frisson em muitos – talvez ele jamais cumpra a promessa de parar em dez, mas vá lá. Pois bem, Era Uma Vez em… Hollywood é sua nova obra, que prometia refletir sobre  a historia da Familia Manson e o assassinato brutal de Sharon Tate.

    Ao menos, essa era a promessa. O diretor e roteirista jamais escondeu que Alfred Hitchcock é uma de suas principais influências, tendo inclusive reproduzido um trecho de um filme dele em Bastardos Inglórios, e essa obra, usa muitos elementos do cinema hitchcokiano. No início do filme, são mostrados trailers fakes, de seriados e filmes, bem ao estilo Grindouse/Planeta Terror/À Prova de Morte, e logo, é mostrado a dupla de protagonista, a estrela decadente de seriados western Rick Dalton, e seu dublê Cliff Booth, feitos respectivamente por Leonardo DiCaprio e Brad Pitt.

    No início, o filme traz boa parte das marcas do diretor, há um foco especial nos pés das belas mulheres do elenco, cenas de dentro de carros, com a câmera registrando o ângulo de quem está sentado no banco de trás, no centro, além disso, há muitos diálogos que ajudam o espectador a entender o estado de espírito dos personagens, em especial a melancolia de Rick, que se sente mal sobre sua carreira, que aparentemente, não alcançou o que seu talento teria.

    Da parte de Cliff, a rotina do sujeito é bem diferente da que seu parceiro e camarada tem. Ele não tem dinheiro, ou luxos, vive em um humilde trailer, e faz todo tipo de serviço para sobreviver, sendo um faz tudo do ator de TV, além de obviamente fazer as cenas perigosas  em seus filmes e episódios. É engraçado que o longa seja um filme de outsiders e excluídos, e esse aspecto obviamente se vê mais na jornada de Booth do que de Dalton, mas ambos são páreas em suas funções, não tem trabalhos glamourosos, e o máximo de fama que tem, ocorre basicamente pelo fato de o mais abastado dos dois ser vizinho de Roman Polanski e Tate.

    O rooteiro é bastante linear dessa vez, até tem alguns flashbacks, e se permite fazer muitas pausas para mostrar o nível dos trabalhos dos personagens, com micro episódios hilários (ou não) da vida de Cliff, Rick e até de Sharon, que é magistralmente feita por Margot Robbie. É engraçado até como Tarantino não utiliza tanto a figura de Robbie como sexy simbol, pondo-a em momentos breves, dentro de festinhas comportadas. Mesmo quando estão em festas nas mansões da Playboy, as cenas são bem comportadas, as mulheres mais sexualizadas, são as que envolvem as membras do culto conhecido como a Família Manson.

    Tarantino faz uma ode ao cinema que sempre amou, mas especificamente o sub-gênero western spaghetti, inclusive desdenhando de quem desdenhava desses filmes italianos de ação, inclusive citando Sergio Corbucci (Django e Vamos Matar Companheiros), e além disso, ele brinca com mitos hollywoodianos, inclusive com ícones dos  filmes de artes marciais – em uma cena hilária, diga-se de passagem, envolvendo orgulho, vaidade e o sub mundo dos dublês – mas também humaniza demais os entes desse universo, pois os homens e mulheres que trabalham e vivem no backstage, mostrando esses como personagens mesquinhos, vaidosos, cujos passados são sombrios e cheios de boatos sujos.

    O texto brinca demais com a humanidade não só dos que estão sob as luzes da ribalta, mas sim com o todo envolvendo a indústria, o que de certa forma, conversa bastante com a montanha de polêmicas e crimes cometidos por Harvey Weinstein, antigo amigo de Tarantino e produtor da maioria esmagadora de seus filmes, evidentemente sem condenar por completo essas pessoas, mas também não suavizando a gravidade dos crimes cometidos.

    Era Uma Vez em.. Hollywood tem um humor negro muito forte, se utiliza bastante do gore no seu terço final, perverte fatos e biografias mais uma vez, em prol é claro de uma historia que Tarantino quer contar e consegue fazer isso louvando e debochando de inúmeros estereótipos do cinema norte-americano. O cineasta não tem receio de ofender qualquer grupo de fãs e só o fato de não ligar para possíveis reclames por parte de fãs mais intolerantes e xiitas já é um indício de tática ousada, e para variar ele revisiona a história, é reverencial com as vítimas da família Manson e desdenha dos membros desse culto, como também faz uma crítica fina às crenças religiosas da maioria das celebridades.

    A maior poesia desse texto reside em mostrar o quão frágil é o ego e psique de quem movimenta os sonhos de cinema do mundo, e faz isso com maestria e zero sutileza, apresentando um conto pervertido, pesado, com zero personagens inspiradores e ainda assim bem mais leve do que a realidade suja e tangível que Hollywood apresenta. O verniz que o cineasta apresenta aqui é sensacional e sensacionalista, eleva as estrelas ao seu devido lugar e não romantiza nada, desconstrói e reergue os pilares do cinema mais pomposo do mundo não conseguindo replicar ainda toda a podridão que reside ali na realidade, uma vez que nem toda ficção faz jus a realidade, e além disso, o filme ainda se vale pouco dos péssimos defeitos dos últimos produtos de Tarantino – em especial Django Livre e Os Oito Odiados – e mesmo tendo uma duração extensa, funciona de forma dinâmica, em especial na criação de toda atmosfera de estranheza e naturalidade necessária para que todo esse drama soe crível.

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  • Crítica | Velozes e Furiosos: Hobbs & Shaw

    Crítica | Velozes e Furiosos: Hobbs & Shaw

    A franquia Velozes e Furiosos começou bem diferente do que é hoje, para o bem e para o mau ela cresceu, angariou mais fãs e ganhou até status de cult graças aos bons diretores que aderiram a ela, e as participações especiais. Seu primeiro Spin Off de fato não poderia ser diferente, Velozes e Furiosos: Hobbs e Shaw tem David Leitch, o mesmo de De Volta Ao Jogo, Deadpool 2 e Atômica, e trouxe tanto Dwayne Johnson como o agente Luke Hobbs e Jason Statham como o espião Deckard Shaw, e já no início, se resgata a rivalidade entre os dois personagens, fugindo da cafonice ultra familiar vista no Velozes e Furiosos 8.

    O filme é tão pouco apegado a seriedade, que há uma espécie de teaser antes de sua exibição, mostrando os momentos mais testosterona de ambos personagens, isso tudo para relembrar o quão são brucutus e super humanos, antes de começar seu drama, e antes de introduzir seu vilão, Brixton, de Idris Elba, que de fato tem super poderes. Os dois heróis ao serem convidados para a tal missão tem a tela dividida, o diretor usa o humor para mostrar a rotina dos dois como se fossem gêmeos de mães e origens diferentes, e obviamente o roteiro de Chris Morgan trata de falar sobre as famílias e origens dos personagens, apelando para um sentimentalismo barato para justificar todas as cenas de ação, que aliás, são ótimas.

    As cenas de perseguição de carros estão ainda melhor construídas, há um senso de urgência grande e uma pequena reinvenção de dinâmica dado que a maioria delas ocorre na Europa, com outro tipo de mão, incluindo aí protagonismo na disputa entre carros e motos, fazendo valer inclusive o fator de super habilidades factuais dentro também do seguimento das perseguições.

    Há participações impagáveis, como a de Ryan Reynolds, que é infame e caricato na medida. O humor não é refinado, mas o crossover dos insultos, o deboche com o excesso de macheza nos filmes de ação recente, incluindo a franquia Velozes e Furiosos, carregando muito mais estilo que os outros. A escala de absurdos que é elevada é muito bem orquestrada por Leitch, que dá um renovo mesmo para os clichês mais antigos, como uso de mulheres bonitas para fortificar o lado machão indiscutível dos personagens. Ainda assim, o filme é comedido, e não coloca suas personagens femininas em trajes sumários de maneira gratuita, tanto Eiza Gonzalez quanto a co-protagonista que Vanessa Kirby faz não são tão hiper-sexualizadas.

    Toda a parte mais séria, com a seita Eteon do qual Brixton faz parte é estranha e mal feita, mas como o filme se leva pouco a sério isso não é um grande problema, ao contrário. Há um livre uso de sotaques fajutos, maquiagens das mais falsas possíveis e mais participações especiais. O longa é quase uma versão em carne e osso dos desenhos surtados ao estilo Animaniacs, desdenhando da ultra violência e não se importando em nada com as passagens de tempo bizarras e grotescas.

    O terço final do filme decai bastante, mas ainda se mantém engraçado, divertido e escapista. Mesmo a introdução de personagens novos, como Hattie de Kirby funciona bem, e a inteiração e laços familiares é bem resgatada. É curioso como Hobbs e Shaw mesmo regredindo na relação entre os dois personagens centrais consegue fazer uso de retcon dentro da franquia para contradizer o conceito meio ridículo de família imposto na octologia e estabelecer novos parâmetros. É até melhor que ambos sigam em aventuras em dupla, pois estão muito mais soltos (incluindo aí seus intérpretes) causando bem mais curiosidade no destino deles e das novas caracterizações do que nos outros personagens, sem falar que este filme possui o melhor vilão dentre os oito filmes, um perigo real, mais poderoso que os heróis e com toda a irrealidade e escapismo que o cinema brucutu atual pode oferecer.

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  • Crítica | Swingers: Curtindo a Noite

    Crítica | Swingers: Curtindo a Noite

    Swingers: Curtindo a Noite começa com uma conversa, entre Mike (Jon Favreau) e Rob (Ron Livingston), logo após uma apresentação musical que beira os três minutos, e a conversa tenta emular a casualidade dos filmes de Quentin Tarantino, embora seja uma formula bem mais barata, focada em trivialidades da vida jovem, e claro, também muito barato, produzido e escrito por Favreau e dirigido por Doug Liman, que também é o diretor de fotografia.

    A historia foca em Mike, que depois de se mudar para correr atrás de sua carreira de humorista, rompe com sua namorada e fica sem chão. Logo ele recebe a proposta de viajar com Trent (Vince Vaughn), para curtir em Las Vegas, a fim de esquecer os problemas de sua vida atual. O problema evidente é que eles não  tem muitos recursos para gastar em apostas.

    Mike e Trent são bem diferentes entre si, enquanto um é pilhado, nervoso e não consegue se divertir de maneira alguma, o outro é fanfarrão e sem qualquer chance de sucesso. Os personagens são bastante presos a arquétipos, incluindo os dois protagonistas e os periféricos, e no início os momentos mais dignos de notas são as brigas homéricas entre os dois personagens. Curiosamente Favreau ficaria marcado pelo papel de rabugento, seja em qual encarnação for, foi assim em Homem de Ferro e em Homem-Aranha: De Volta ao Lar, ou Eu Te Amo Cara.

    Swingers é um filme descompromissado, ele não tenta falar sobre temas pesados, profundos ou muito adultos, mas há alguns momentos bem estranhos na relação de Trent e Michael, o primeiro é quase um tutor do segundo, até interrompendo a relação sexual que travava só para saber se seu amigo estava bem (fez isso aliás mais de uma vez). Dentro da simplicidade da proposta, se vê o quão frágil pode ser a auto estima dos aspirantes a artistas que tenta entrar no showbusiness americano, e dos comentários metalingüísticos, esse certamente é o melhor, melhor inclusive que os diálogos engraçadinhos

    A tentativa de emular o cinema de Tarantino ou Martin Scorsese fica mais evidente com o decorrer do longa. Se percebe nas casas dos personagens pôsteres de Taxi Driver e Cães de Aluguel, depois é mostrada em uma cena em câmera lenta os personagens saindo em direção aos seus carros, como se a jornada rumo a farra fosse algo grandioso, como se houvesse algo realmente grandioso no caminho deles, mas o que se vê é mais um filme episódico, que tem alguns bons momentos, com câmera na mão, e um texto comprometido apenas em divertir e em mostrar um estilo de vida  desglamourizado, onde os fracassados terminam como fracassados e não conseguem grandes feitos, tal qual a maioria das pessoas é no seu dia a dia.

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  • Crítica | A Ascensão de Hitler: Os Filmes Coloridos

    Crítica | A Ascensão de Hitler: Os Filmes Coloridos

    A Ascensão de Hitler: Os Filmes Coloridos é um especial, que resgata documentos e filmagens em preto e branco sobre  a ascensão de Adolf Hitler na Alemanha, e as colore digitalmente obviamente. O período de estudo vai do pós Primeira Guerra Mundial até se tornar a figura mais celebre do Partido Nacional Socialista e figura máxima do governo do III Reich. O filme consegue ser didático e até professoral ao traçar a linha de vida de Adolf, focando até em sua infância e adolescência, quando aos 19 anos, após a morte de sua mãe, resolveu morar em Viena, a capital de seu país.

    O trabalho de restauração das imagens impressiona, realmente se percebe como era o dia a dia do Império Austro-Hungaro em meio ao final do século XIX. Com o avanço da produção, e apesar da narração um pouco invasiva, toda o  retrato do que seria a 2ª Guerra Mundial e a ascensão da Alemanha como país potência durante essa época é muito bem documentada e explicitada,tendo realmente um espírito até meio escolar.

    Por mais que o ideal do estudo seja exemplificar até para iniciantes e pessoas que não são profundas conhecedoras dos meandros da história, sobre o conflito que correu o fim da década de 1930 e início dos anos quarenta, há também a lamentação pela ascensão de Hitler, igualando-a a Benito Mussolini, o soberano italiano que era o símbolo do pensamento fascista governamental. O que se registra é que havia o receio que ele fosse um Mussolini germânico e isso não só se cumpriu como o próprio conseguiu até mais feitos que o futuro aliado  fascista. Hoje é fácil associar nazismo e fascismo como partes do mesmo espectro político, mas já houve duvida, em especial na época, e essa pequena parte serve muito bem para desmontar a tola ideia revisionista que corre a internet nos últimos anos, tanto de igualar Socialismo e Nazismo, quando dizer que o segundo é de esquerda.

    O especial é dirigido por Isabelle Clarke, e narrado em inglês por Doug Rand com comentários escritos por Daniel Costelle e seu intuito de traçar um panorama social, econômico e ideológico dos nazistas alemães acerta em cheio, em especial quando trata da ojeriza de Hitler e dos seus em relação aos comunistas, e no capitalismo fortalecido pelo Estado.

    Pouco antes do final da primeira parte do documentário (que contém dois capítulos), são mostradas fotos de um ensaio em que Hitler está de bermuda e com as pernas a mostra, com meiões que visavam tornar ele mais palatável junto a parte feminina da população. A tentativa era de humanizar o mito que agora era presidente de uma nação tradicional. Entre os ensaios, é mostrado também um no estúdio de Haus Hoffman, onde inspirado pela música de Richard Wagner, ele fez fotos mais imponentes, tentando de fato  parecer mítico.

    A megalomania dos nazistas era visual e vaidosa também, claramente, e isso é melhor explorado no segundo capítulo, onde fala um pouco da figura da cineasta e atriz Leni Riefenstahl, inclusive associando a figura da mesma a uma possibilidade de affair amoroso com o Fuhrer. Nesse ponto, se destaca os dotes da cineasta e a forma como ela glamourizou o regime do III Reich. Por mais que seja muito mais uma peça televisiva que cinematográfica, A Ascensão de Hitler: Os Filmes Coloridos tem um importante papel de discutir assuntos que são erradamente esquecidos, e relembra os motivos que fizeram a sociedade civil supostamente preocupada com o bem estar do próximo aderir ao pensamento totalitário de Hitler e seus asseclas, e não há qualquer receio em deflagar a hipocrisia vigente nesse meio conservador.

    https://www.youtube.com/watch?v=ct8MZY9ZtJY

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  • Crítica | Endiabrado

    Crítica | Endiabrado

    Harold Ramis ficou famoso como ator, mas também conduziu algumas boas comédias, entre elas, Endiabrado, um dos filmes protagonizados pelo carismático Brendan Fraser, no ano 2000 no auge de sua fama. Esse pode ser considerado um objeto subestimado de sua filmografia, a adaptação do clássico britânico O Diabo é Meu Sócio, acompanha o nerd de baixa auto estima Elliot Richards, um cara tímido, com dificuldade de socializar, mas que tem um coração bom. Um dia ele tem a oportunidade de tee seus desejos atendidos, mas de um modo diferente do visto em Aladdin.

    Nesse início é estabelecido o elenco que estaria em todas as realidade alternativas, formado pelos colegas de escritório de Elliot, que por sua vez, fazem bullying com o herói.  Cansado de tentar fugir da condição de rapaz patético perante os amigos, e após ser rejeitado mais uma vez. Sua obsessão por uma mulher linda, que também trabalha com ele – Alison Gardner, vivida por  Frances O’Connor – ele diz que daria qualquer coisa por uma única chance com ela. É aí que aparece a fogosa Elizabeth Hurley, no auge de sua beleza, como a figura sedutora do Inimigo da religião cristã. A grande questão é que Elliot tem uma alma diferenciada, tal qual o Jó que Deus e o Diabo tentaram, e ele é tão (auto) castrado não se permite ter prazeres, nem com a femme fatale de sotaque inglês, além de ser uma das mulheres mais bonitas dos anos 2000.

    Antes de ter acesso aos sete desejos, Elliot é capaz de fazer piadas qu na época fizeram sucesso e que hoje soam ainda mais atuais, recusando a fala da moça achando que ela é da cientologia. A ideia de mostrar um diabo sedutor e enganador mistura elementos anteriores do cinema, há um bocado de Coração Satânico e até Advogado do Diabo na composição do personagem, além de Mestre dos Desejos, no sentido da mulher sedutora perverter os pedidos do contemplado, além de fazer claras referências ao que fez sucesso nos anos 90, Elliot lembra muito Stanley Ipskis, de O Máskara, até a chegada dele a casa de show do demônio lembra o Kokobongo, e a motivação da garota ideal é a mesma.

    A musica de David Newman é sensacional e faz acreditar em toda aura dos capítulos inspirados em paródias, de Pablo Escobar. Fazer dos desejos uma fonte de novas realidades, com o mesmo elenco é uma ideia maravilhosa, e produz momentos incríveis, hilários e até originais. Em comum, todas as realidades tem um peso sexual grande, fazendo o diabo se perder a analogia do pecado inicial ter a ver com a luxuria, e nessa versão, esse parece ser seu pecado favorito, ao contrário da Vaidade, que é o da versão de Al Pacino.

    Mesmo sendo um cara idealista, Elliot continua egoísta, com o pensamento centrado em si, percebendo enfim que mesmo sendo bonzinho ele não é perfeito, ainda insistindo na pecha de que foi enganado. Ele não entende que não há dialogo com a antiga serpente, nem há modo de perverte-la, embora essa seja uma versão menos maniqueísta do clássico inimigo das almas cristãs. Mesmo Deus/Yhwe é mostrado de um modo estranho, como um presidiário, mas que prega que a alma do homem não pertence ao homem, e sim ao ser primordial de poder infinito, que anima todo o cosmo e universo.

    Apesar da mensagem cafona e piegas, de que “não há nada que você possa me dar que eu queira “, e da clara mensagem de superioridade de Deus sobre o Diabo, já que o segundo não consegue descobrir que Elliot conversou com o primeiro, pois além de não ser onipotente, também não é onisciente, não entende todas as coisas. Mesmo que sexualize Hurley – que aliás, parece gostar muito disso, ficando extremamente a vontade em trajes sumários- Endiabrado soa como uma comédia pró cristianismo, mas não castradora, não virginal, tanto que o herói que passa pela jornada cresce, e evolui para alguém mais ativo, e como prêmio, ele encontra uma vizinha linda, Nicky também feita por Frances O’Connor, em um final meio adocicado para toda a acidez antes apresentada, mas ainda cabível dentro da proposta viajandona e amalucada que Ramis propõe nessa versão.

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  • Crítica | Homens Brancos Não Sabem Enterrar

    Crítica | Homens Brancos Não Sabem Enterrar

    Misto de filme de assalto com ode ao esporte, Homens Brancos Não Sabem Enterrar de Roy Shelton começa com uma variação do tema musical da 20 Century Fox, para logo  depois passar para outra musica com elementos Black, cantada por três vocais, do The Venice Beach Boys . A trilha serve perfeitamente a chegada do estranho Billy Hoyle a Venice. O sujeito é vivido por Woody Harrelson, um aficionado por basquete que quer treinar na quadra ao ar livre que Eddie “The King” Farouk e Duck Johnson jogaram no passado.

    Logo, o caminho de Billy se cruza com o de Sidney Deane, o malandro feito por Wesley Snipes, e o acaso faz com que apareça a oportunidade dos travarem um crossover 3×3 em quadra. Após impropérios ditos um para o outro, Billy mostra ter uma habilidade grande, sabendo driblar muito bem, fintando bem e acertando passes de difícil execução, isso tudo nos 15 minutos iniciais.

    O filme tem uma carga de humor bastante forte, há toda uma gaiatice não só dos dois personagens, mas também nos periféricos. Depois de um tempo e de se confrontarem dentro e fora das quadras de ruas, a dupla passa a trabalhar juntos, praticando pequenos golpes, se aproveitando do fato de serem habilidosos e muito ágeis e não serem tão altos quantos os gigantes – Woody tem 1,78m e Wesley 1,75 – e nesses desafios que fazem, arrumam muita confusão.

    O modo como eles e outros personagens se vestem evoca a estética dos anos noventa, onde as blusas de cores gritantes e bonés de tonalidades claras eram moda. Incomoda um pouco os olhos assistir isso, e é até natural que um filme de assalto tenha sido feito nesta época, com a popularidade Michael Jordan sendo tão grande em popularidade. Outro fator preponderante para o filme fazer sucesso, é a brincadeira com o fato de haver um abismo de qualidade no basquete dos homens negros e dos brancos, aludido no título do filme e claro, na aparência de Billy, que além de não inspirar confiança, ainda é o suficiente para que todos apostem contra ele, fazendo ele ser sempre a barbada.

    Os locais onde os confrontos acontecem primam por uma realidade enorme, as tabelas onde eles arremessam são enferrujadas, a maioria sequer tem quadrados desenhados, e os efeitos do clima e tempo pesam sempre contra os arremessos de lance livre, e o chão duro pesa contra as quedas dos jogadores. Isso dá uma sensação de veracidade que poucas vezes se vê em filmes de esporte. Por mais glamorosos que sejam os atores sempre maquiados para um jogo, há substância e proximidade do real, e essa atmosfera é bem difícil de ser construída.

    A musica de Benni Wallace embala maravilhosamente as trapaças e dissabores de Billy e Sid, mostrando o branco perdendo sua amada, Gloria Clemente (Rosie Perez), uma mulher que prima pela independência e não deixa o seu amado dominá-la – e que curiosamente, vê a possibilidade de ganhar um game show de curiosidades chamado Jeopardy como forma de ganhar algum dinheiro – enquanto o negro tem dificuldades em ter sua independência, ou ter alvos pequenos, como uma casa própria, para ele, sua esposa e seu filho pequeno. Os problemas deles são muito tangíveis, fáceis de tocar e de se repetir na vida real, e isso aproxima o público de seus dramas, são questões universais.

    O que não ó universal é o receio de todos em relação a Billy não conseguiria enterrar a bola na cesta, já que há uma crença antiga de que homens brancos não conseguem esse feito. Fato é que isso é uma lenda, e mesmo sendo assim, o co-protagonista não consegue isso, e obviamente o roteiro de Shelton permite que ele tenha algum percalço genérico, onde sua vida dependeria disso e onde ele poderia provar seu valor de maneira bem clichê, mas tão divertida em essência que nem o espectador mais ranzinza implicaria com isso.

    Brancos Não Sabem Enterrar foi um filme recebido bem por público e crítica, e ajudou dois atores principais a ganhar o estrelato, deixando de serem apenas coadjuvantes para enfim ganharem notoriedade, com um virando um ator de ação e outro recebendo prêmios por sua dramaticidade anos depois. A amizade dos dois se pavimentou, eles já haviam trabalhado juntos em 1986 em Uma Gatinha Boa de Bola (Wildcats), onde jogavam futebol americano. Eles voltariam a se reunir em Assalto Sobre Trilhos em 1995, três anos após este, Por Uma Boa Briga, também de Roy Shelton, já o cineasta voltaria em outras oportunidades a explorar temas esportivos na sua filmografia, mas brigaria com a Fox, processando eles para nunca mais conduzir nada envolvendo o estúdio.

    Os momentos finais são emocionantes, envolvendo a amizade e parceria dos dois jogadores e claro, as relações amorosas que os dois têm, ambas em crise. Todo o esforço de equipe e produção foram recompensados, os dois atores principais treinaram arduamente, seis dias por semana para aprimorar o seu jogo, e as cenas de rachão são sensacionais, sendo assim, toda a parte dramática também ganha significado e peso, que são levados de modo natural obviamente pelo enorme carisma de Snipes e Harrelson, que dão charme a obra como um todo.

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  • Crítica | O Virgem de 40 Anos

    Crítica | O Virgem de 40 Anos

    Judd Apatow ficou conhecido nos anos  90 por fazer parte de uma geração de humoristas que dava muita vazão  ao improviso. Depois de participar da produção de  séries como Freaks and Geeks e Undeclared, ele se tornou diretor de cinema focado em comédias de costumes, e O Virgem de 40 Anos talvez seja a mais conhecida entre suas obras, que fala a respeito de Andy, um quarentão que tem a vida tranquila e cheia de hobbys, e que percebe que sua condição de celibatário nesta idade o faz ser completamente diferente dos demais colegas de trabalho lojistas.

    A rotina de Andy consiste nele acordando sempre sozinho com uma ereção monstra, que não cessa sequer depois urinar. Sua casa é repleta de bonecos e action figures de séries e filmes nerds  e até seus vizinhos o enxergam como um sujeito que precisa transar, mas a realidade que até o próprio protagonista é que sua vida não tem muito sentido além de ir trabalhar na loja Smarth Tech. Nesse cenário tudo é enfadonho e tende a se repetir, o show de Michael MacDonald que toca televisões grandes da loja, a convivência com o elenco de humoristas que hoje seria praticamente impossível de reunir – há Jane Lynch, Seth Rogen, Elizabeth Banks, Paul Rudd – e basicamente todos os seus colegas de trabalho tem só um sentimento por ele, que é o de ou desprezar ou ignorar ele, por ser tímido e diferente dos demais.

    Há todo tipo de dementes sexuais em volta de Stitzer, David (Rudd) não consegue superar sua ex, Cal (Rogen) se enfia em qualquer relação amorosa escatológica e Jay (Romani Malco) trai sua parceira a todo tempo, e o trio o julga, achando que pode dar dicas de vida para ele, doutrinando o sujeito na estrada que seria a vida de um homem sexualmente ativo, e esses momentos garantem momentos bem engraçados, como o sentimento de epifania que cada um tem ao perceber o óbvio, mas também revela o quão infantil é o homem heterossexual, que medem sua masculinidade pela quantidade de mulheres com que transaram na vida.

    É engraçado como o roteiro de Apatow e Steve Carrell perverte suas próprias regras, utilizando a masculinidade frágil, seus clichês e defeitos para desconstruir a visão das pessoas sobre os nerds (o ano era 2004, bem longe da alcunha soar cool como soa hoje), assim como mostra um sujeito tão sensível e respeitador que não consegue se aproximar do belo sexo. Todos os outros homens são mostrados como mesquinhos e escrotos, e os próprios verbalizam que Andy ter guardado sua essência pode ter sido algo bom.

    A comédia serve bem a Carrell desenvolver seu humor físico. Aquela altura, ele estava terminando a primeira temporada de The Office, e seu papel aqui é bem diferente de Michael Scott, embora ele também tenha um sem número de inseguranças, e lide muito mal com as mulheres. Incrivelmente ela não culpa as moças, tal qual a maioria dos celibatários fazem, isso já o faz distinguir da maioria do comportamento agressivo dos Incels, mas ele claramente tem problemas sérios.

    Mesmo sendo arisco e pouco afeito a relações, dois fatores sobressaem no modo de pensar do protagonista, sendo o primeiro o fato de apesar dele fugir da normalidade a condição de homem normal o enoja,em especial no fato da maioria dos caras tratarem as mulheres  como meros objetos, ele é diferente dos machões trogloditas que se divertem quebrando lâmpadas fosforescentes por prazer. Ele não exalar barbarismo, e isso inflige o segundo fator, ele não sente pena de si mesmo, e isso é inédito entre praticamente todos os homens em tela. Os momentos que ele se vê como o errado, são induzidos por seus novos amigos.

    A necessidade de aceitação que Andy sofre o faz cair em momentos absurdos, como quando ele vai se depilar em uma casa coreana, onde ele pragueja contra todos, ou ele agindo como um robô xavecador que faz a personagem de Elizabeth Banks se interessar por ele, onde ele não  fala e não age como um ser humano de carne e osso, tal qual a própria Beth, que também é uma caricatura de mulher. Ao mesmo tempo que isso ocorre, ele consegue ser patético e romântico ao ponto de encher o quarto de velas, virar os bonecos e retratos ao ligar uma fita de filme pornográfico, ao som de Hello de Lionel Ritchie.

    Aos poucos se percebe que a vida dos amigos supostamente mais maduros de Andy é triste, um é stalker, outro mente descaradamente para todos os conhecidos, outro não sabe lidar com sua orientação sexual, que é bissexual, aliás, todos os três funcionários da Smart Tech tem problemas em lidar com homossexualidade, e ficam fazendo piada com isso o tempo todo, mostrando que a base da sua sexualidade era insegura, Andy provoca nas pessoas uma memória, sobre suas primeiras experiências sexuais, elas são sinceras até demais consigo, mas ele não consegue ser com Trish (Catherine Keener).

    Os momentos mais ricos, irônicos e engraçados moram nas piadas de situações de suposto cotidiano, como quando Trish e Marla (Kat Dennings) discutem asperamente sobre sexo, uma vez que a filha mais nova quer fazer sexo, mas é impedida por ela. Toda a sequencia na casa da mulher e depois numa clínica de controle de natalidade é absurdamente engraçada, e mostra que a maioria absoluta dos homens mede sua força e poder pela extensão de seus pênis, e como e quando são usados.

    A única vez que Andy age como um sujeito ruim ocorre quando se sente confrontado por sua parceira, que vê o celibato como algo ruim e sente necessidade de tornar física a relação. Por mais clichê que isso seja e por mais que se apele para algo básico das comédias sexuais, sua reação é esperada, ele sem ter experiência age como se estivessem tentando extinguir o seu estilo de vida, agindo de maneira preciosista e desnecessária ao extremo. O homem volta a estágio mais básico, imaturo e irracional de sua existência.

    Evidente que ele dá vazão no final a mais piadas adolescentes, como transas de apenas um minuto, e o homem deixando a mulher estafada por ter muita energia retida enquanto ela é uma pessoa comum de meia idade. O Virgem de 40 Anos assume todo seu caráter satírico, ao mostrar os personagens cantando Age of Aquarius, como em um musical da Broadway como parte de um rito de passagem para os homens e mulheres, e por mais que seja uma comédia boba, há muito conteúdo de discussão, sem soar panfletaria ou ligada a movimentações de justice warriors, e esse é um filme muito mais aclamado por parecer um besteirol, ainda que seja uma total desconstrução disso tudo.

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  • Crítica | O Império do Sol

    Crítica | O Império do Sol

    O objeto que faz com que Jim Graham se separe dos seus pais, no meio de uma confusão nas ruas de Xangai, e tenha eternamente sua vida alterada no auge da Segunda Guerra Mundial, é belo e simbólico por natureza. E não tinha como não ser, pois, para recuperar sua miniatura de avião militar que deixou cair, entre milhares de chineses desesperados a fugir de tanques japoneses intimidadores durante a dominação que o Japão exerceu no país, nos anos 1940, o jovem Jim, de apenas onze anos, larga da mão da sua mãe, empurrada para longe pela multidão barulhenta de civis. Se em qualquer lugar a guerra afeta os mais pobres, primeiro, ou somente eles, a burguesa família Graham sente na pele os efeitos do conflito quando é separada pelo destino imprevisível das coisas, e o resto, para quem fica e para quem foi, é pura adaptação e resistência.

    E se também antes o menino se divertia em guerrear, vestindo roupas espalhafatosas na segurança de sua enorme casa protegida em uma bairro diplomático da cidade, e fingindo pilotar um avião de guerra e matando geral, pois, para a elite, o drama dos debaixo é um eterno motivo de brincadeira e risadas, tudo muda quando a realidade se impõe e os força a perceber que também vivem sob um teto de vidro – muito mais fino do que aparenta. Sozinho em Xangai, Graham acaba sobrevivendo no mundo dos refugiados indo parar num campo de concentração japonês lotado, onde os não-chineses são forçados a ficar ao longo da guerra se quiserem viver. Graham é poupado, mas sua bolha de classe é rompida enquanto, mesmo criança, aprende do que é feito o homem, seus conflitos e sua esperança sob constante provação por dias melhores.

    Na década de oitenta, após redefinir a lógica do espetáculo cinematográfico com blockbusters como os Indiana Jones, Tubarão, E.T. e Contatos Imediatos de Terceiro Grau, Steven Spielberg, dentro do competitivo cenário americano de cineastas, era o diretor perfeito para o típico filme de guerra esperançoso, e acalorado, onde os finais felizes justificam os meios que sua direção tenta suavizar. Porém nem sempre o mestre do entretenimento hollywoodiano acerta, e o motivo é mais simples do que parece: quando Spielberg mostra a crueldade do mundo e das nossas relações como elas são, grandes obras brotam disso. Qualquer cena de Munique, A Cor Púrpura ou A Lista de Schindler tem uma potência sensorial incomparável a qualquer minuto de O Império do Sol, filme este que o velho amigo de George Lucas prefere tornar fraco, e fácil de engolir, ao invés de uma sólida e memorável experiência artística – como as já citadas, anteriormente.

    Pode-se falar, contudo, que o filme é de dois fatores, aqui: um jovem Christian Bale, numa ótima atuação enquanto perde a inocência de sua zona de conforto ao invadir uma zona de pura tensão e selvageria (pouquíssimas vezes sentidas no filme), e a fotografia de Allen Daviau. A forma como muitos enxergam O Império do Sol como um dos épicos de Spielberg se vale principalmente dos espetaculares planos de Daviau, como na icônica cena de Bale, banhado pelo brilho de um pôr do sol verdadeiro, fazendo continência aos aviadores japoneses que ainda resistiam, mesmo com seu país explodindo em mil bombardeios. Visual impecável para uma cena indispensável ao protagonista. Seu personagem amava os ares, e foi na busca por uma miniatura de avião que ela, a aviação, o fez reparar na vida e na morte, cara a cara. Simbólico, mas aquém de todo o seu potencial dramático, temático e cinematográfico. Spielberg já fez melhor, mas também faria muito pior com Cavalo de Guerra. Esse sim, um insulto.

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  • Crítica | Liga da Justiça vs Os Cinco Fatais

    Crítica | Liga da Justiça vs Os Cinco Fatais

    Longa animado de Sam Liu, que resgata o  visual da animação clássica do universo compartilhado de Bruce Timm, Alan Burnett e companhia (sendo produzido e roteirizado por esses, inclusive), Liga da Justiça VS Os Cinco Fatais começa no futuro, mostrando o que seria a Legião dos Super Herois lidando com alguns vilões, até que eles conseguem viajar no tempo, para o presente onde Super Homem e outros heróis imperam sobre a Terra. Junto a eles, vai Starboy, um vigilante de poderes cósmicos e visual engraçado.

    Boa parte do humor mora nas diferenças de cultura, variando as linhas temporais. Starboy fica nu, em uma farmácia. Não demora a mostrar outros heróis, com destaque para duas moçar, Jessica Cruz, como Lanterna Verde, e Miss Marte como substituta do Ajax/Caçador de Marte. As duas personagens tem uma participação bem positiva e voluntariosa, conseguem ser bem desenvolvidas mesmo com o curto tempo de duração do filme, que tem menos de 80 minutos.

    Outra boa aparição é do Senhor Incrível (Mister Terrific, não o personagem principal de Os Incriveis), que funciona neste como o cérebro tático da Liga. O roteiro de Burnett, Eric Carrasco, James Krieg não valoriza tanto os vilões do Quinteto Fatal, mesmo sendo baseado na revista de Jim Shooter. O perigo deles não é tão bem utilizado, e em alguns momentos, esse parece um daqueles arcos do desenho da Liga, em três partes, mas condensado na mesma fita para parecer uma historia única.

    cameos também, especialmente no Asilo Arkham onde Hera Venenosa e Arlequina aparecem atacando Batman e Miss Marte, que funcionam por sua vez como uma dupla dinâmica repaginada, mas infelizmente o filme não passa muito disso, do sentimento nostálgico e da boa surpresa que é Jessica Cruz como Lanterna.

    Os vilões não tem carisma, nem tempo de serem apresentados, e a aventura aqui é genérica, falta inspiração e ousadia ao roteiro, que não faz temer pelo destino de absolutamente nenhum herói. Seus pontos positivos são bem explorados, como o casting de Andrea Romano, mas entende-se completamente o zero esforço da produção em fazer parte do que é considerado cânone no antigo Universo DC Animado (DCAU), é mais uma aventura escapista, com uma diversão moderada, que reflete um pouco sobre a finitude da vida dos heróis, e que serve basicamente para a personagem que Diane Guerrero dubla brilhar, a mesma atriz que também está em Doom Patrol fazendo um personagem regular.

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  • Crítica | Minha Fama de Mau

    Crítica | Minha Fama de Mau

    Erasmo Carlos foi um artista da Jovem Guarda que foi de certa forma ofuscado pelo Rei Roberto Carlos, o que é uma pena. A historia de Minha Fama de Mau começa já em 1965, em um Teatro Record lotado, cantando para a multidão do jeito que ele jamais imaginou. Não demora até o filme de Lui Farias colocar Chay Suede na pele do Tremendão, em 1958 na Tijuca  carioca, quanto era ainda um rapaz sem fama, cometendo alguns pequenos trambiques.

    O longa é narrado em primeira pessoa, e incrivelmente Suede consegue mandar muito bem, superando a pecha de galã puramente para fazer intervenções inteligentes na trama. Suas influências musicais – Bobby Darin, Chuck Berry e Elvis Presley – se misturam com elementos de gibis, e até um pouco da estética dos faroestes dos anos 50 e 60, os cenários e figurinos amarelados não deixam mentir, e incrivelmente essa estética casa bem.

    Da parte do elenco formado por ilustres, o Tim (no filme chamado de Tião, conforme seu apelido do passado) Maia de Vinicius Alexandre é bem melhor encaixado que o do filme/mini série da Globo mesmo com poucas aparições, já Carlos Imperial é feito por Bruno de Luca, que não compromete,mas o destaque positivo sem dúvida vai para Gabriel Leone, que faz Roberto, numa fase de vida muito nova, ainda mortal, apanhando dos playboy jiujiteiros namoradas dos “brotos” que cercavam Bob em início de carreira.

    O roteiro dá bons  momentos para de Luca brilhar como o cafajeste que é Carlos Imperial, além de  dar chance para Bianca Comparato brilhar como Nara, a musa de toda sua vida. As cenas bastante episódicas do filme dão a ele um charme especial, variando entre os pequenos momentos da juventude de Erasmo e cenas do Rio de Janeiro antigo, em preto e branco, resgatando as memórias da Cidade Maravilhosa de um jeito que faz com que ela soe como um personagem.

    O uso que Farias faz das cores combina demais com toda a gaiatice do herói que escolheu biografar, o diretor sabe capturar bem a alma da Jovem Guarda, em especial nos números  musicais de Roberto, Erasmo e Wanderlea (Malu Rodrigues), sem falar que a quebra da quarta parede, com Erasmo falando direto com o público e a reconstrução dos visuais típicos da época são ótimos, superando até a evidente diferença  entre Suede e o cantor que interpreta, que claramente tinha traços mais gordinhos e era mais surrado pela vida.

    É uma pena que as últimas partes do filme que mostram a derrocada do cantor não sejam tão inspiradas quanto as do auge de sua carreira, mas ainda assim há belos momentos nesse ínterim. Minha Fama de Mau ganha o espectador já no início, e o encanto pelo meio, onde a Jovem Guarda se estabelece. A direção de arte e fotografia fazem compor um quadro belíssimo, que só é abrilhantado pelas músicas seminais de Roberto, Erasmo e Cia e pelas atuações de um elenco afiado de um modo poucas vezes vistos em cine biografias brasileiras. Mesmo não sendo dedo na ferida, também não é chapa branca. Considerando o montante de biografias medíocres de figuras da música brasileira e mundial, Lui Farias acerta demais, em um esforço  quase inédito em comparação com seus pares, ocupando um lugar de destaque tal qual Chatô: O Rei do Brasil, de Guilherme Fontes fez alguns anos antes.

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  • Crítica | Homo Sapiens 1900

    Crítica | Homo Sapiens 1900

    O filme de Peter Cohen começa analisando fotos antigas, em preto e branco, filosofando sobre como o homem se enxerga, na sociedade, na natureza e nos seus cenários. Depois de uma música instrumental um bocado manipuladora, Homo Sapiens 1900 brinca com o mito de Frankenstein, e até alude a outras obras da cultura cinematográfica para ilustrar seus pontos, analisando fatos históricos de uma maneira fácil de compreender e até didática.

    O documentário foi lançado em 1998 , e sua construção se baseia em arquivos de fotos e filmes, que tentam traçar um panorama das mudanças sociais e ideológicas europeias entre os séculos XIX e XX, utilizando a eugenia e limpeza racial como ponto de partida, basicamente para  desconstruir a ideia de que isto foi um bom preceito, e de que havia nas ideologias nazi-fascista algum ponto de nobreza e de busca da vida humana como soberana e evoluída socialmente, fato que nem deveria estar em discussão uma vez que o pensamento extremista analisado aponta para a exclusão e não inclusão do diferente, mas que é preciso ressaltar evidentemente, uma vez que se avança atualmente para a piora desses quadros de exclusão.

    Aos poucos, o filme elucubra sobre a nudez, em contraponto ao pensamento que reinou no III Reich, que alem de retrogrado e conservador, considerava alguns corpos como impuros, basicamente por suas origens hebraicas. Toda essa filosofia exposta é fundamentada em palavras de filósofos e pensadores alemães, que enxergavam o mundo de maneira bem diversa ao pensamento recriminador do Partido Nacional Socialista de Adolf Hitler. O diretor sueco faz uma ode as diferenças no início do seu filme, para só depois começar a explorar o lado mais mesquinho do ser humano, a exemplo do que fez em Arquitetura da Destruição.

    O estudo continua, e uma das obras famosas analisadas pela cineasta é o filme soviético A Salamandra, uma ficção de 1928, que fala a respeito de engenharia genética, e elucubra levemente sobre Mendelismo e Lamarquismo, falando um pouco sobre essas vertentes teóricas e de princípios genéticos e/ou biológicos, mas sem ser um tratado sobre as mesmas, até por conta da curta duração que o filme tem.

    Tem em seu legado combater a ideia de que a manipulação genética pavimentaria a estrada para o futuro da humanidade, e seja em uma mentalidade mais generalizada ou especifica, serve bem ao propósito de desconstruir a ideia do purismo, sem apelar para truísmos baratos e argumentos de fácil refutação. Há uma preocupação genuína de Cohen em soar legítimo, em fundamentar as idéias biologicamente, além de fazer paralelos com objetos culturais palatáveis, que podem até não ser tão populares, mas não são inacessíveis, e esse tipo de estudo é de suma importância, pois gera pensamento crítico, desmistifica inteligentemente os sofismas totalitárias da época do III Reich, que infelizmente tem se tornado presente.

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  • Crítica | O Aviador

    Crítica | O Aviador

    “Quando eu crescer, vou voar nos aviões mais rápidos, fazer os maiores filmes de todos, e ser o homem mais rico do mundo.”

    Howard Hughes pagou caro por ousar transformar esses seus sonhos infantis em realidade. Pagou caro duas vezes, ou mais, porque a história nos mostra que, em Hollywood, o preço nunca é convencional. O gênio criativo que só queria voar, literal e cinematograficamente, é o perfeito mito de Ícaro, mas num contexto americano de celebridades, e muito showbusiness. Hughes foi um dos primeiros grandes gênios da história do Cinema, um dos seus cidadãos Kane num período ainda jurássico do ‘fazer filmes’, mas ele não teve a sorte de um Orson Welles de, logo de cara, dar certo. Fez história, também, mas lutou muito para isso, pois quem não tem sorte, caça com o que tem. E, no caso de Hughes, toda a coragem e ousadia que um homem pode reunir em si.

    O Aviador é um projeto que combina com Martin Scorsese, pois fala de ambição, violência do destino contra um homem que tenta agir pelos métodos certos para atingir seus meios, desilusões ao longo do caminho, e a ironia natural das coisas. Vemos aqui a parceria entre mestre e o ator Leonardo DiCaprio funcionando em grande sintonia, como se DiCaprio fosse o porta-voz perfeito dos maneirismos e intenções fundamentais de Scorsese, logo após o bem-sucedido Gangues de Nova York. Em sua melhor colaboração até hoje com o galã de Titanic, ainda em 2004 procurando papéis que exigissem mais de um rostinho bonito, Scorsese faz o que mais gosta: barriga. O cineasta não conta uma história, e sim a esparrama, seja por vaidade, seja por amor ao Cinema, e desenvolve o show quase antes de bater nas três horas de duração.

    Exagero, claro, mas não tanto como em outras vezes na carreira – Kundun é o pior exemplo. Quem viu Hugo e acha que aquela foi a melhor representação de época de um Scorsese, pense de novo: é um deleite extremo ao cinéfilo, ou ao mero espectador casual de filmes, passear pela Los Angeles dos anos 20, e 30, com suas cores, seu glamour quase faraônico, assombrosamente recriado para o filme. Era o nascimento da sociedade do espetáculo, quase um século antes do Instagram, e muito antes dos Beatles e de Elvis Presley. Tudo ainda era novidade, e para Hughes também, inocente ainda. Pássaro livre num céu novinho em folha e que só queria esquecer de andar; voar ainda era gostoso nos anos 20, e não tanto nos anos 30.

    A realidade chega ao sonhador, e O Aviador evidencia os efeitos desse impacto ao pássaro desacostumado a gravidade. Entre acusações em tribunais envolvendo-o a escândalos de corrupção na Força Aérea dos EUA, e uma crescente instabilidade psicológica devido a uma severa desordem obsessivo-compulsiva, Hughes viu seu sonho de menino sofrer grandes colapsos que poderiam ter tornado sua trajetória uma longa novela-mexicana, se não fosse o tamanho dos seus sonhos impedindo-o de afundar no chão, sob seus pés. Tão incapaz de tecer relacionamentos sólidos com as mulheres de sua vida, quanto de abandonar suas motivações mais básicas, Hughes tem sua vida e obra contada por um Scorsese mais preocupado com o espetáculo visual, que com o drama em si, o que torna o ritmo e o saldo geral de O Aviador mais leve, e divertido, mas também menos reflexivo e amplamente marcante do que poderia ser.

    Katharine Hepburn, diva da Era de Ouro e aqui interpretada divinamente por uma Cate Blanchett a todo vapor (seu primeiro Oscar de dois, e um dos vários que deveria ter ganho), já declara após conhecer mais a fundo o homem incontrolável por quem se apaixonou: “Tem muito Howard Hughes no Howard Hughes; esse é o problema.” Ela não estava errada. Ao cair por encostar demais no sol, o garoto que cresceu não se livrou de suas asas ao desabar no chão. Continuou a reforçá-las, em forma de avião, em forma de imaginação. Eis a bela e tortuosa cinebiografia de um magnata da aviação e de Hollywood, que conheceu os dois lados da mesma moeda, e não se deixou abalar pela visão epifânica (e assustadora) de como a vida pode ser injusta, principalmente aos que a encaram como um céu sem limites durante a vida adulta.

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  • Crítica | Jovens Titãs: Contrato de Judas

    Crítica | Jovens Titãs: Contrato de Judas

    Jovens Titãs: Contrato de Judas tem um início de filme, entre os melhores nas animações recentes do universo animado da DC, com os personagens ainda bem novos salvando uma mulher que está sendo atacada por seres monstruosos. A vítima era Estelar, que ao ser salva, beija Robin para entender seu idioma, tal qual ocorre nas HQs e até nas animações, como Jovens Titãs.

    Já na linha do tempo do presente, Dick Grayson deixa de ser o Robin e passa a atuar como Asa Noturna, mas continua liderando os Titãs, ainda com uma formação parecida ao filme anterior Liga da Justiça e Jovens Titãs, que conta com Robin (Damian Wayne), Ravena, Estelar, Besouro Azul, Mutano e a nova integrante, Terra.

    É um pouco estranho que o Rapaz Fera não tenha crescido tanto entre as linhas temporais, pois Logan Garfield era contemporâneo ao Robin de Dick Grayson, e  o segundo já é adulto, enquanto Mutano ainda parece criança . Talvez o DNA alienígena pudesse explicar o retardo em seu crescimento, mas segue um pouco estranho seu flerte com Terra, aparentemente ele só não cresceu para não parecer pedofilia o flerte. A situação piora, pois Mutano ainda parece um adolescente, mas Terra não, é claramente uma criança, e tudo que tange sua relação com o Exterminador é no mínimo questionável eticamente falando.

    O ardil dos vilões é um pouco mal construído. O que se trata do Exterminador com Terra, faz sentido e é detalhado de modo tão adulto e  doentio quanto nos quadrinhos, mas o que envolve o Irmão Sangue soa estranho. As lutas também não empolgam muito, e ha momentos onde a animação é bem feia. O desfecho é um bocado emocionante, embora Liu não acerte tanto quanto a tradução que Os Jovens Titãs fazem da mesma saga. Ainda assim, as adaptações referentes a formação do grupo e as participações de outros heróis que não são Titãs são acertadas, embora se sinta falta de Cyborg por exemplo, mas diante da mediocridade das animações da DC feitos para o mercado de vídeo, essa se destaca positivamente, muito por conta do roteiro original, que Ernie Altbacker acerta em não mexer muito.

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  • Crítica | O Rei Leão (1994)

    Crítica | O Rei Leão (1994)

    Nos anos noventa a Disney investiu bastante em suas animações, muitas delas fizeram  enorme no Brasil, mas nenhuma delas é tão lembrada e celebrada no Brasil como foi O Rei Leão. Dirigido por  Roger Allers (que havia roteirizado Aladdin) e  Rob Minkoff (diretor dos futuros O Pequeno Stuart Little e O Reino Proibido), o filme começa emocionante, com musica Circle of Life (Ciclo sem Fim em português), que mostra o nascimento do pequeno Simba, o herdeiro do trono de Mufasa, um leãozinho curioso e divertido, que logo cresce e passa a sonhar com os dias de seu reinado.

    A primeira cena de Simba e Scar foi a primeira animada também, e nas tomadas iniciais Simba está sempre na luz, enquanto seu tio está na luz, e por mais pueril que isso pareça, os diretores destacam que o objetivo era estabelecer visualmente os lados que seriam postos ao longo do filme. O protagonista é carente, como toda criança, e ingênuo, não percebendo os ardis e o desprezo de seu tio, Scar, tanto que ele embarca facilmente no convite para ir ao Cemitério de Elefantes, fora dos domínios do seu pai.

    Antes mesmo da conversa entre tio e sobrinho, se percebe a rivalidade dos irmãos da geração anterior, em referencias obvias aos mitos antigos, como de Caim e Abel na Bíblia e no mito dos  fundadores de Roma, Romulo e Remo. Aqui no caso a atenção é pelo trono do reino, que em inglês é chamado de Prides Land (terra do orgulho) e no Brasil era Pedra do Rei.

    Além da situação dos irmãos reais, há também uma outra questão polêmica que é a segregação das hienas, que moram perto do cemitério dos elefantes, longe dos domínios de Mufasa. O motivo desse exílio é completamente discutível, e parece ser por uma questão de aparência ou algo que o valha. Isso demonstra que talvez todo o discurso de Mufasa seja hipócrita, de um falso assistencialismo, já que eles comem boa parte dos súditos que celebraram o nascimento de seu filho, além do que ele faz separação de alguns animais. Scar tem uma semelhança forte com o III Reich, inclusive na sua primeira música solo, Be Prepared (Se Preparem), com uma marcha que lembra a da SS nazista, mas é fato que o seu benevolente irmão não fugia muito do pensamento monárquico totalitário, apesar de obviamente levar em conta que esse é um filme para crianças, ainda assim, o reinado dele tinha a cadeia alimentar como determinante de poder.

     Muitos fãs acreditam que as hienas Shenzi, Banzai e Ed não vivem nos domínios do reino pois brincam com a sua comida, coisa que feriria um código de honra implícito na cadeira alimentar. Fato é que esses personagens são interrompidos pelo rei, não podendo consumir suas presas (no caso, Simba e Nala), ou seja, tendo o ciclo sagrado da vida interrompido ao bel prazer do mesmo. Há de se argumentar talvez que ele interrompeu o plano do seu irmão invejoso, mas o mesmo não tinha ciência desse planejamento, já que ele caiu no ardil do vilão muito facilmente.

    No exílio, o personagem principal encontra a dupla de personagens carismáticos e controversos, o suricato Timão e o javali Pumba, que muitos acreditam ser um casal gay, que tem um estilo de vida hippie, cuja alimentação não envolve mamíferos (a metáfora que os diretores buscavam para os insetos, era de que aquilo fosse um paralelo com sushi), mas o que se sabe realmente é que eles representam a fase infantil do homem, a recusa em assumir as responsabilidades e seu destino, que em suma, é o resumo da mentalidade de Hakuna Matata. A dupla de amigos é  tão destacada do resto dos personagens, que há até uma série com seus nomes, que mostra viagens dos dois pelo mundo, onde conhecem diversas  civilizações, bem ao estilo Chapolim Colorado, de Roberto Bolaños.

    Outro fator engraçado é que Timão é mostrado como um animal pequeno, espirituoso e esperto, enquanto Pumba é grande, forte e um bocado lesado, não entende metáforas, e tem um complexo de inferioridade enorme. Os dois são renegados, que tem sua alimentação em animais nada nobres, e até passam essa mania a Simba (fica a pergunta se depois disso ele continuou comendo besouros, baratas e joaninhas), e considerando que o herói tem pensamentos bem volúveis e cabeça fraca, talvez a manipulação tenha realmente funcionado.

    Scar é um vilão que beira perfeição por ter planos malignos e terríveis, executados de um jeito que é impossível não simpatizar. Seu maior feito maligno mora na manipulação que faz na mente do herói, usando seu discurso para culpar Simba, mas o sucesso (ou o fracasso) lhe sobe a cabeça, e ele comete um ato falho de vaidade, jogando a responsabilidade desse novo reinado nas hienas. O estranho é que mesmo nesse ato covarde, não há muita lógica no ataque que elas fazem a ele, pois certamente elas precisariam ter alguma autoridade entre os leões que ao menos garantisse a saída pacífica delas das Terras do Reino.

    O final de O Rei Leão se divide em alguns atos, sendo um a chuva redentora que apaga o fogo do castelo real – a Pedra do Rei – que lava as jubas, pelos e a alma dos personagens bons, o rugido do novo soberano, e claro, a celebração de um novo ciclo da vida, com o filhote de Simba sendo apresentado ao reino, que aliás, voltou a ser próspero coincidentemente  depois que o verdadeiro rei voltou. Toda a trama pseudo infantil traz elementos bem trágicos e traumatizantes, que são aplacados é claro pela quantidade exorbitante de cores, pelas músicas que grudam na memória de adultos e crianças, e obviamente pelo formato de contos de fadas. Apesar das muitas acusações de plágio à obra Kimba, de Osamu Tesuka, a animação da Disney entraria para a história por subverter as expectativas do estúdio, provando para todos que seria possível sim trazer a luz uma animação clássica não baseada em historias famosas, desde que ela tivesse alma e cuidado por parte dos  animadores, e foi esse o caso deste filme, mesmo com as fragilidades do roteiro e as dubiedades do mesmo.

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  • Crítica | O Rei Leão (2019)

    Crítica | O Rei Leão (2019)

    Em meio a crise criativa dos estúdios Disney, que só permite fazer continuações ou refilmagens de clássicos e franquias famosas, e a vontade desenfreada e crescente de superar a bilheteria dos filmes em mais de um bilhão, O Rei Leão de Jon Favreau chega finalmente aos cinemas, cercado de expectativas por se tratar de um dos símbolos da renascença da Disney, e um dos mais lembrados filmes de animação recentes. O início do filme não surpreende, até pelo marketing que desnecessariamente elucida todos os pontos positivos (e alguns negativos) dos blockbusters, para não deixar o público em duvida sobre ver ou não o filme.

    Há um esforço hercúleo da produção em refilmar as cenas da antiga encarnação mas em um novo estilo, que por vezes soa só como engodo de tão boba que a imitação fica, com diferenças que tocam meramente a tentativa de parecer mais realistas. Os live action (ou remakes, no caso) recentes da Disney tem por regra uma exigência um bocado mesquinha e futil do público, que é a necessidade de ser igual ao original, e Favreau teve de lidar com isso, dada a reclamação por parte do fandom quando um rumor de que a música Be Prepared não estaria no filme – ela está, mas foi pasteurizada para não ofender plateias sensíveis a referencias ao nazismo – foi assim com A Bela e a Fera de Bill Condon, um filme bem inferior a sua contra parte animada mas que fez muito dinheiro, e foi assim com Aladdin de Guy Ritchie em seus erros e acertos, sendo bem fracassado na hora de emular o Aladdin clássico e mais original ao abordar as ideias de seu diretor.

    O estranho é que Favreau ja havia adaptado outro conto Disney, seu Mogli – O Menino Lobo tem diferenças enormes para animação, mas agora, se trata da refilmagem de sucesso com pouco mais de 20 anos de idade, e a escolha que funcionou um pouco no Livro da Selva, causa estranheza nesse. Quando os animais falam, há um estranhamento natural, não à toa foi esperta a escolha por manter a entrada como um número musical onde não há falas além do vocal de Circle of Life.

    Os animais menores não são tão bizarros, ate porque a maioria deles é engraçado, sobretudo Zazu (John Oliver), Timão (Billy Eichner) e Pumba (Seth Rogen), mas os leões dentro dessa estética ultra realista não convencem muito dramaticamente, nem nas partes faladas e nem nas cantadas. James Earl Jones e Chiwetel Ejiofor não comprometem, mas também não encantam, ainda mais na comparação com Jones no passado e Jeremy Irons. O dublador do Simba jovem, JD McCrary , convence menos ainda, e a quantidade de informação em tela faz os primeiros números musicais parecerem estranhos e não fantásticos, como no original.

    O quadro muda drasticamente quando o protagonista fica adulto, a emoção que falta nas partes iniciais e nas artimanhas de Scar sobram em graça e leveza quando entram em ação o Suricato e o Javali que adotam Simba, e quando o mesmo evolui e passa a ser dublado por Donald Glover há também um belo acréscimo. É no exilio que moram as maiores diferenças entre os filmes, há riqueza no oásis em que vivem, a fauna e flora são diversificadas e tudo faz mais sentido aqui, aliás, o panorama político do filme, por mais pueril que seja em essência faz mais sentido nesta versão do que na animação dos anos 90. Há mais preocupação em explicar a união de Scar e das hienas, há uma melhor ambientação do lugar que Timão e Pumba habitam, assim como é melhor explanado a forma de governo dos leões apesar da cadeia alimentar gritar que existe tirania ali, mas é na derrocada moral do reinado de Scar que mora a maior  riqueza de roteiro de Jeff Nathanson . O fato de evitar o argumento deus ex machina de “a natureza não gosta do rei” como transparece no desenho antigo é uma escolha sábia.

    A extensão de algumas músicas fazem resgatar um bocado da mágica típica dos filmes 2d da Disney, em especial as de Timão e Pumba e ao menos nesses trechos, o universo também se estende e  faz sentido, pois no restante se percebe que Favreau é um cineasta preso a uma coleira, como um felino domado, em uma péssima analogia com o herói de seu filme. O Rei Leão é comum demais para ser um épico, esbarra em suas próprias fragilidades e na vontade de ser um hit repetitivo, acaba se preocupando tanto em não desagradar ninguém que soa mediano, um filme que não incomoda e tampouco inspira, seus números musicais são meras imitações dos originais de Elton John e Tim Rice, e outras transposições do clássico já foram feitas, como o musical da Broadway, que aliás, é muito mais repleto de vida que esta versão. Ao menos, há uma piscadela para o espectador e fã da saga de Simba, com He Lives In You, tocando ao subir dos créditos, música essa que abriu O Rei Leão 2: O Reino de Simba. Ao menos os membros da produção mostraram que se importam com as obras originais, tentando não soar ofensivos, mas também se mostrando como um belo modo da Disney engordar os bolsos de seus executivos, pura e simplesmente.

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  • Crítica | Mengele: O Anjo da Morte

    Crítica | Mengele: O Anjo da Morte

    Um governo de extrema direita dá margem para a proliferação de todo tipo de figura controversa, e esse é o caso de Josef Mengele, um homem cujo trabalho envolvia experimentos com seres humanos cujos desígnios e resultados eram absolutamente cruéis. Mengele: O Anjo da Morte  começa em 1944, a partir das memórias de muitos prisioneiros judeus de Aushcwitz, que após a chegada dos russos, diziam que esse nome causava muito medo neles, e fala-se também da fuga  do sujeito, que veio até a América do Sul.

    O documentário é narrado em espanhol, tem uma estética e forma bem simples e direta, é um documentário tradicional e isso pode incomodar espectadores mais exigentes e acostumados as novas formas de documentar filmes, no entanto se conteúdo é bem informativo, no sentido de criar a identidade do personagem, mesmo que seu começo seja no exílio/fuga que ele fez na Argentina, e na habilidade que ele tinha para se esconder.

    Há um outro filme que adapta de certa forma a historia de Mengele, chamado O Médico Alemão, embora não seja a melhor abordagem para esse personagem, assim como este de certa forma, uma vez que o filme é bem sensacionalista nos seus pouco menos de 90 minutos. Ainda assim, por mais que soe piegas e exagerado na maior parte de sua explanação, é importante destacar o passado do sujeito, para entender como ele se tornou o que se tornou, onde se destacam as dificuldades que teve na juventude, inclusive de alimentos, por conta da derrota alemã na Primeira Guerra Mundial. A mesma lacuna que propiciou a Hitler ascender ao poder de chanceler alemão, causou uma comoção na população ao ponto de dar vazão até a falhas de caráter, chegando ao ponto de inflar essas e torná-las em algo válido por mais irreal que pareça hoje.

    Mengele só poderia fazer o que fez com suas vítimas em um regime que é implantado sem limites para desvios morais quaisquer, e aparentemente a aproximação política que teve do partido nazista e claro, a fidelidade que prometeu ao fuhrer. O médico obviamente enxergava os arianos acima do bem e do mal, assim como olhava os judeus como inferiores, semelhantes a ratos, animais que pode  manusear e experimentar a vontade.

    Para um filme de entorno, que gira ao redor de um objeto de análise, Mengele o Anjo da Morte tem uma direção um bocado pesado. O diretor Matias Gueilburt é por vezes personalista, e isso atrapalha a imersão no filme, além é claro de ter ali  um grave problema de ritmo, a cadência do mesmo é tão ruim que faz até as partes chocantes, como quando os membros da produção vão  até os museus onde são mostradas as vítimas das intervenções do doutor. O que se vê são corpos esquálidos, de crianças especialmente, cuja descrição por mais cruel que soe, não faz jus ao horror que é visto nos registros. A demora por finalmente mostrar os pecados do personagem central (demora mais que a metade do filme para finalmente alcançar isso), reforça a ideia de perda de força.

    Todo o quadro pintado no entorno de Mengele piora ao se perceber que ele é diplomado em filosofia e medicina, ou seja, ele parecia um homem pronto para ajudar a humanidade, talvez até reconstruir o sucesso de sua pátria mãe – e de certa forma ele fez, pois o governo direitista do III Reich fez o país se inflar economicamente e belicamente – mas dedicou seus dias a humilhar seus inimigos e a brincar de deus, evocando a ideia religiosa nazista, e afrontando as entidades religiosas hebraicas, basicamente porque ele podia fazer isso, e refletir sobre a vida e trajetória de Josef Mengele é importante para não perder de vista como esses personagens vem a tona no mundo, e como um cenário fascista pode dar espaço para esse tipo de sujeito.

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  • Crítica | O Grande Circo Místico

    Crítica | O Grande Circo Místico

    A nevoa envolve o início de O Grande Circo Místico, o último filme de Carlos Cacá Diegues, após um hiato de 12 anos sem fazer ficção. Logo, é mostrada uma família tradicional, que tem contato com uma imperatriz misteriosa, apresentando Fred (Rafael Lozano), um rapaz que não gosta daquela companhias e quer ir até um circo underground, que mais parece um cabaré, ver as atrações belas e volúveis do lugar.

    A inconformidade dele engana.  O filme parece ter uma boa premissa e uma boa historia para contar, logo é mostrado ele extremamente apaixonado por Beatriz (Bruna Linzmeyer), além de dar vazão a uma historia de origem bem pitoresca, fato que lhe dá condições de ter um presente qualquer para si. Sua escolha é a de cumprir o sonho de sua amada, e ele monta um circo, com todo o elenco da casa de shows burlescos.

    Há uma clara tentativa do roteiro de Diegues, George Moura e Jorge de Lima de soar poético, a historia tem grandes saltos temporais, levando sempre em consideração a estética e vocação circense, mas a artificialidade de diálogos, das ações e principalmente do mestre de cerimônias Celavi vivido por Jesuíta Barbosa faz com que toda a fantasia pareça patética e ridícula, uma tentativa de poesia que não dá certo, com números musicais de qualidade  questionável, não pelas músicas, e sim pelo que é mostrado em tela junto a trilha.

    O roteiro passa pelas gerações da família que detém os direitos do circo que dá nome ao filme, mas o lugar não é um personagem, não tem peso na historia, e as historias vão ficando cada vez mais desinteressantes, sem falar no personagem de Jesuíta, que parece ter um envelhecimento retardado, cuja razão desse fato não se fala em nenhum momento, além de não dar importância se ele é um ser místico/mágico ou não.

    Diegues não consegue traduzir em tela a mágica que tencionou para o filme, esbarra numa historia repleta de músicas bonitas na trilha, mas também em uma hiper sexualização das personagens femininas, além de fazer uso de um Chroma Key tão mal encaixado que torna grotescas todas as cenas que usa. Seu final é tão patético na tentativa de parecer poético e esbarra tanto num fracassado esforço no intuito de parecer uma versão brazuca dos filmes de Federico Fellini que faz irritar quem o assiste, tornando a escolha dele para representar o Brasil na disputa do Oscar de melhor filme estrangeiro algo tétrico, para dizer o mínimo.

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  • Crítica | Pokemón: Detetive Pikachu

    Crítica | Pokemón: Detetive Pikachu

    Pokémon é uma série de jogos que fez muito sucesso no Japão, no Brasil e no mundo. Aqui, teve uma ascensão meteórica graças ao famigerado anime que passava nas manhãs da Record no programa da Eliana, ainda que claramente já tivesse um número grande de fãs graças aos jogos do portátil Game Boy da Nintendo. O lançamento de Pokemon: Detetive Pikachu era cercado de expectativas, que basicamente só passaram a existir quando saiu o primeiro trailer, onde os monstrinhos de bolso eram mostrados em uma pegada mais realista.

    Pois bem, o filme de Rob Letterman não passa muita mensagem além da sua premissa. Tim Goodman, personagem de Justice Smith é apresentado bem cedo, como um garoto solitário, que vai atrás de seu pai policial supostamente morto, e se vê “obrigado” a investigar o paradeiro dele, junto a um Pikachu que utiliza um boné parecido com o de Sherlock Holmes. O bizarro é que nesse mundo real com criaturinhas, no começo do filme, parece não haver os continentes dos games como Kanto, Johto, Hoen etc, e sim cidades comuns a Terra, e cada pessoa parece ter apenas um monstrinho, semelhante ao que acontecia em Digimon, mas no decorrer da trama Kanto é citada, fato que não ocorre na dublagem brasileira.

    Apesar do começo avassalador, envolvendo Mewtwo (fato já esperado para quem viu os trailers), o que se vê logo após é uma historia desinteressante e irritante, envolvendo o protagonista, que é um garoto responsável e que destoa do restante por não sonhar em ter um Pokémon, alias, suas interações com eles são esquisitas, pois os piores erros de escala ocorrem com ele em tela, variando o tamnho dos bichinhos de acordo com o que o roteiro confuso de Letterman, Dan Hernandez, Benji Samit e Derek Connolly prega.

    Há uma questão parecida com a de Jogador Numero 1 instituída aqui, das Indústrias Clifford situadas em Ryme City como algo inspirador, embora de maneira isso seja desenvolvido de modo bem raso, causando estranheza aos olhos mais atentos de cara. Visualmente não há do que reclamar, o CGI tanto dos objetos inanimados quanto das criaturas é sensacional, e há um sem número de easter eggs, como Snorlax dormindo em dias de acesso, e o uso de Squirtle por bombeiros, embora pudesse ter mais, como Chansey de enfermeira ou Growlithe como auxiliar da polícia. No entanto, da parte dos humanos a inteiração do elenco de famoso é pífia. Ken Watanabe faz nesse praticamente o mesmo papel que fez em Godzilla II: Rei dos Monstros, embora seja menos pedante aqui, assim como Bill Nighym e Chris Geere.

    Mesmo com Ryan Reynolds sendo bem engraçado como o ratinho elétrico, falta substância, consistência e conteúdo a praticamente todos os personagens, Pokémon ou não. Nenhum deles sobressai como algo realmente engraçado e munido de tridimensionalidade. A versão no áudio original é bem melhor que a dublada em português, e a Warner escolheu trazer poucas cópias em inglês, mesmo se vendendo que esse era um filme com o interprete de Deadpool, que empresta a voz ao protagonista monstrinho.

    O maior defeito certamente é o papel do vilão, com um plano tão esdrúxulo que faria inveja aos opositores de James Bond e Scooby-Doo, não há nenhuma obra de Pokemon que meramente lembre algo tão mal construído quanto aqui, alias, perderam uma bela oportunidade de amarrar o destino de Ditto e Mewtwo de uma maneira coesa, aproveitando a teoria de que os Dittos eram os protótipos de clonagem de Mew, mas não, não se utiliza isso e pior, ainda abre a possibilidade na relação entre os personagens Roger Clifford (Geere) e Lucy (Kathryn Newton) um estranho conceito, mostrando que a maior empresa desse universo, também detém o monopolio dos meios de comunicação, e não se tem qualquer reflexão sobre isso. Este desfecho faz piorar demais até a diversão que antes era bem presente no filme, tornando esse Detetive Pikachu um exemplar de aventura bem genérico, melhor que a média das adaptações de games, ainda que isso não seja grandes coisas essa classificação.

     

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  • Crítica | O Contador de Auschwitz

    Crítica | O Contador de Auschwitz

    Em 2019 estreou no Brasil Pastor Claudio, um documentário de Beth Formaggini que trata de um antigo colaborador do regime militar que se tornou religioso e dizia se arrepender do que fez, embora no filme, ele fale de maneira bastante fria dos assassinatos e ocultações de cadáver que participou. O tom do filme brasileiro é diferente de O Contador de Auschwitz, seja pela diferença de formatos, como também pelo seu início, onde uma música alegre mostra imagens da juventude européia durante parte dos anos 1930 e 1940, contudo, não demora a vir à tona o espírito do filme de Matthew Shoycet.

    O documentário foca em Oskar Gröning, um contador do campo de extermínio de Auschwitz, na Polônia, e nos esforços de boa parte das vítimas em desmascara-lo, um senhor de mais de 90 anos. Há toda uma discussão ética sobre denunciar ou não um dos responsáveis por um dos maiores genocídios de nossa história, e os argumentos por parte dos responsáveis seria de que nos campos de concentração idade avançada não era impeditivo para que fossem poupados, pelo contrário, eram os primeiros a serem descartados.

    O ponto levantado é bastante válido, e seu esforço é mal visto pela maioria da comunidade alemã onde ocorrerá o tal julgamento, mas se tratando da época de lançamento do filme, onde organizações neonazistas tem ganhado força dia a dia, é natural que esse tipo de pensamento ganhe força entre a população, além do fator de condenar um idoso com mais de 90 anos de idade.

    Gröning é acusado de ser cúmplice do assassinato de mais de 300 mil pessoas. O formato do filme é bastante tradicional, mostrando os entrevistados em primeiro plano, falando suas idéias sobre o julgamento e repercutindo o circo midiático em volta dele, também revelando o quanto a sociedade se apega a desculpas tradicionais para esconder ou expiar culpa de seus membros.

    O contador, assim como pastor Claudio, se aproveitam das falhas jurídicas do Brasil e Alemanha para viver suas vidas de maneira plena, sem restrições e a necessidade de driblar memórias de uma existência miserável do passado, como foi com as vítimas que passaram por eles. A diferença é que ao menos o objeto deste filme não é tão cínico quanto o objeto do filme brasileiro.

    O filme se perde ao longo de sua exibição, mas utiliza bons minutos utilizando com exemplos de outros julgamentos onde criminosos de guerra fingiam demência ou doença para não serem culpados, mas mesmo esses momentos de enfado são importantes, pois revelam o quão maquiavélicos continuam os criminosos mesmo com idade avançada.

    Uma das senhoras entrevistadas ficou famosa por abraçar e perdoar o genocida, mesmo ao ter certeza que ele esteve como um dos responsáveis no campo onde ela esteve presa com sua família. Este gesto repercutiu como um ato de altruísmo para alguns, e foi até celebrado, mas também encarado por muitos como uma traição e banalização dos crimes praticados contra os judeus e outras minorias.

    Ainda que o filme sofra  com graves problemas de concepção, e principalmente  de ritmo, O Contador de Auschwitz é válido por conta da memória dos que sofreram e para evidenciar a informação sobre os crimes de um sujeito que se escondeu atrás do sistema legal de seu país, como também para um lugar como o Brasil, onde a anistia aos crimes praticados pelo Estado durante a Ditadura Militar segue impune até os dias de hoje.

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  • Crítica | A Invenção de Hugo Cabret

    Crítica | A Invenção de Hugo Cabret

    É chegada a fatídica hora na qual todo diretor de Cinema alcança seu ápice, por inúmeras razões pessoais, artísticas ou mútuas, e ele se vê obrigado a seguir dois caminhos, por natureza: ou retorna e refaz tudo o que experimentou ao longo da carreira, agora mais hábil, ou apela para novas e ainda inseguras formas de se contar uma história. Essas são as consequências inevitáveis da escalada até o topo que todo profissional almeja, desde o início. Martin Scorsese já deve se sentir um vitorioso por fazer parte da história do Cinema, e ter a nos oferecer obras do calibre de um Touro Indomável. Mesmo assim, ainda em 2011, o velho mestre resolveu, no ápice de sua maturidade artística, nos brindar com uma homenagem a própria linguagem do cinema em si, junto da mais bela das metalinguagens – uma ironia que, quando as belas artes descobriram ser acessível, não pararam e não pararão de usar.

    Logo na primeira cena de A Invenção de Hugo Cabret, é possível denotar uma nítida resolução: esse é um filme de Martin Scorsese, por mais que não pareça ser durante toda a projeção (onde estava o submundo violento do crime?). Apenas não é o filme que Scorsese gostaria que nós fossemos ver, até ali. Ele já havia demonstrado essa vontade por certa imprevisibilidade em Ilha do Medo, e culminou nessa história dinâmica e graciosa que ninguém, realmente, esperava vir de um diretor conhecido por outras características bastante adversas. Se valeu à pena? Logo na primeira cena, é possível denotar que sim. Quando a câmera dá um rasante em direção do interior de uma estação de trem parisiense, nós sabemos estar diante do projeto mais ambicioso de um cineasta, num plano-sequência inesquecível nos apresentando o ambiente extremamente charmoso onde o órfão Hugo, curioso e solitário, irá viver a grande aventura de sua vida.

    Lembro-me de me deslumbrar completamente na sessão, em 2011, tamanho apuro técnico e encantamento que a Paris de Scorsese, no começo do século XX, parecia exalar. James Cameron e o seu 3D revolucionário de Avatar, há dois anos, de fato influenciaram Scorsese para expandir (literalmente) todo o espanto e impacto visuais que o longa poderia causar – e causa. Na trama, o garotinho que mora escondido na estação francesa vive cercado de relógios, e um pequeno androide que o pai, já morto, deixou de herança. Sem saber o que fazer com a máquina, e entre um pequeno roubo e outro para comer, e beber, Hugo encontra a jovem e doce Isabelle. Fica-se sabendo que a garota tem a chave dourada para o autômato funcionar, e inspirados pelos desenhos que o pequeno androide começa a fazer, em sua mão metálica, começa-se uma viagem fantástica pela história do Cinema.

    Ao longo de toda uma narrativa que explora o mundo mágico e ilusório dos filmes, tudo amparado por uma qualidade técnica impecável (A Invenção de Hugo Cabret ganhou cinco merecidos Oscars técnicos), é possível então fazer um paralelo com essa curiosidade infantil dos personagens principais com o próprio deslumbramento de Scorsese com as possibilidades da tecnologia 3D quando usada não para substituir uma boa história, mas para melhorar ainda mais a experiência cinematográfica. Assim, o filme faz questão de evidenciar a magia imortal do cinema do passado, o que fez com que a arte chegasse ao ponto de fazer com que a plateia pudesse quase tocar o que acontece dentro da tela. Nomes e até frames de clássicos imbatíveis de outrora são apresentados para uma geração acostumada a comprar algo sem se interessar como aquilo foi feito.

    O longa é, portanto, uma verdadeira e linda carta de imagens e sons dedicada a algo que até pouco tempo atrás fez os espectadores do filme A Chegada do Trem na Estação, de 1895, se abaixarem com medo do trem sair da tela. E, hoje, faz os espectadores também se abaixarem com medo do trem sair da tela, de tão realista e sofisticado que andam os efeitos 3D. Ademais, ainda em 2011, foi absolutamente prazeroso assistir, na tela do cinema, a versão colorida e remasterizada de Viagem à Lua, clássico jurássico do homenageado e assim finalmente imortalizado cineasta George Méliès, e também alguns frames de O Gabinete do Dr. Caligari, verdadeira joia do expressionismo alemão, e vários outros diamantes de uma arte que tanto amamos. A Invenção de Hugo Cabret é algo feito para engolir quem o assiste, em todos os sentidos, seja por sua beleza, seja por sua nostalgia; ambas arrebatadoras.

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