Categoria: Críticas

  • Crítica | Matrix

    Crítica | Matrix

    Duas décadas após seu lançamento, Matrix continua atual em linguagem e temática, embora se baseie demais no conceito de Complexo de Frankenstein – tão criticado por Isaac Asimov. As primeiras sequências de ação envolvem Trinity (Carrie-Anne Moss), que após se ver cercada diante da polícia, consegue se desvencilhar facilmente através de golpes graciosos, que desafiam a gravidade e maximizados pelo bullet time de das irmãs Lilly e Lana Watchowski.

    A ação ainda melhoraria consideravelmente com o acréscimo dos agentes liderados por Smith (Hugo Weaving). Após a fuga da moça, o vilão já sabe da existência de Neo antes mesmo dele aparecer. Quando o protagonista messiânico surge já estão estabelecidas as referências visuais da série. Aliás, importante que se diga, as referências com o cristianismo em Matrix só não são mais manjadas e amplamente conhecidas quanto o didatismo da “Jornada do Herói”, de Joseph Campbell, no entanto, outra temática fica de lado a quem normalmente analisa este roteiro. O Complexo de Frankenstein está posto como pilar da história, e nada mais natural, afinal se trata de um conflito entre humanos e máquinas, mas o conceito da matrix envolve um simulacro mantido por inteligências artificiais que propiciam algum conforto a quem é escravizado, mesmo que esse conforto seja moderado, e como o domínio dessas máquinas é total e a infiltração dos agentes é facilitada por conta das regras do jogo, todos são potencialmente inimigos. A invisibilidade desses inimigos não só faz eco com a Guerra Fria, encerrada quase uma década, mas evolui a paranoia.

    A jornada rumo a verdade continua cheia de simbolismos, a mansão antiga e deteriorada é repleta de escadas empoeiradas, como os castelos antigos típicos das historias medievais. O encontro com o mentor – Lawrence Fishburne – prossegue repleto de falas e enigmas, desafios de inteligência e fé ao escolhido, que precisa provar não só aos outros o seu valor, mas a si mesmo. Cada simbolismo dentro do simulacro tem uma resposta prática no mundo real, como o paralelo das pílulas com o sinal que é emitido do recém liberto da ilusão para a nave de fuga, no caso a Nabucodonosor, comandada por Morfeus e seus tripulantes.

    A cena em que Neo finalmente se liberta das amarras da Matrix se dá em outro simulacro, onde luta contra Morfeus após “aprender” kung fu – chega a ser cômico que os homens e mulheres a bordo da Nabucodonosor se reúnam para assistir a luta em um painel de algoritmos. A questão da paranoia se agrava em outro treinamento, onde o mentor explicita o óbvio: se uma pessoa não é um liberto, é obviamente um deles. Ainda que tenham aparência e física humanas, eles ainda são codificados, é preciso demarcar essas diferenças na cabeça do público e de Neo.

    Matrix conta com momento memoráveis, como a visita ao Oráculo que faz com que Neo se desiluda dos delírios de grandeza e sofra uma provação, mas a lição prática que sofre, ao conversar com um menino sobre como entortar colheres e o quanto elas são reais funciona melhor na prática. Mesmo que no momento seguinte ele não use isso a seu favor no momento seguinte. O momento da luta no banheiro é um dos ápices de cenas do tipo, seja pelos detalhes bem pensados pela direção de fazer a tentativa de fuga de Neo pelas paredes, reverberando na queda dos azulejos na parte de fora como também na troca de golpes entre Morpheus e Smith, onde os socos secos são fortes o suficiente para quebrar paredes, mas não o suficiente para matar o líder dos rebeldes. A poeira caindo sobre a pele deles mostra o quão humanos e falíveis podem ser os personagens, embora Weaving só esteja assim por sua contraparte no filme estar imitando a condição de ser humano. A conversa entre os dois sobre as versões antigas da Matrix onde todos eram felizes é bastante profunda para um filme dessa natureza.

    A sequência dos tiros ao entrar no prédio, com o futuro casal destruindo absolutamente tudo que anda e respira impacta mais pelo prejuízo ao cenário do que pelas mortes e pelos efeitos especiais em si, pois para Trinity e Neo foi tudo muito fácil. O uso indiscriminado da câmera lenta faz lembrar os clássicos de Sam Peckinpah, um especialista em faroestes modernos. A luta no metrô é muito bem coreografada e estava lá o embrião do que Chad Stahelski (dublê de Neo à época) e David Leitch fariam em De Volta ao Jogo e seus filmes posteriores. As frentes de batalha remetem a Star Wars, onde as lutas entre Jedi e Sith passam ao mesmo tempo que as batalhas espaciais, aqui mostradas entre o Kung Fu dentro do simulacro e as Sentinelas tentando destruir a Nabucodonosor.

    Neo precisou perecer para assumir finalmente sua condição, em mais uma referência óbvia ao cristianismo, mas o simbolismo é ainda mais universal, representando qualquer possibilidade de que a salvação da humanidade viria dela própria. Ainda assim, o que as Watchowski fizeram foi um trabalho hercúleo, e que jamais se imaginou funcionar tão bem, desde a trilha sonora repleta até as doses de filosofia oriental.

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  • Crítica | Fora de Série

    Crítica | Fora de Série

    Um dos subgêneros mais relacionáveis do cinema, o coming of age, já eternizou clássicos com fãs apaixonados. John Hughes, por exemplo, deu à década de 1980 um dos sentimentos mais gostosos de se revisitar da época, aquela eterna juventude, a sensação de liberdade que aprender com os próprios erros pode dar, e que foi inspirador para as dezenas de anos seguintes. Mas de Curtindo a Vida Adoidado até Superbad e A Mentira, era difícil encontrar bons coming of age de comédia escritos, dirigidos e protagonizados por mulheres, e o recém lançado no Brasil, Fora de Série, defende bem a temática e se mostra uma grande surpresa para alimentar uma safra que pode ter sido iniciada por Lady Bird.

    O filme é o primeiro longa metragem com Olivia Wilde na direção e escrito por Emily Halpern, Sarah Haskins, Susanna Goel e Katie Silberman, que já carregam um bom histórico na comédia e no drama. Acompanhamos as duas protagonistas do longa no último dia de aula do ensino médio, Molly (Beanie Feldstein) é uma estudante extremamente focada e mandona e Amy (Kaitlyn Dever) tenta superar sua timidez para conquistar uma menina da escola, amigas de infância elas decidem aproveitar ao máximo a última noite dessa etapa de suas vidas.

    O texto, sem dúvidas, é o grande destaque desde o início, é forte a sensação de que o que passa em tela já foi visto antes, mas vem refrescante, o saldo é como de um material quase novo. As personagens alcançam tridimensionalidades através da subversão de clichês reciclados excessivamente pelo subgênero e até pelo próprio cinema estadunidense, são saídas sagazes que impedem Fora de Série de cair em lugares comuns e possibilita espaço para todas as personagens coadjuvantes além da dupla principal.

    As piadas funcionam boa parte do tempo e rende momentos preciosos, mas algumas sobram e soam convenientes e previsíveis, com momentos até de exposição desnecessária. Problema que talvez seria mais perceptível com um elenco fraco, o que não é o caso, as intérpretes de Molly e Amy fluem bem entre o humor e o drama e nos faz acreditar que aquela amizade é verdadeira, visível na intimidade que compartilham em cena.

    Já a estreia de Wilde na direção não poderia ser mais bem-sucedida, sua câmera traduz com precisão ansiedades de momentos chave, como quando opta por prolongar planos, usar câmera na mão ou quebrar expectativas com a própria linguagem. É um olhar muito sensível e, como já dito, refrescante sobre essa história, expondo caminhos excitantes para esse tipo de abordagem. Prova que a presença feminina atrás das câmeras seja o maior passo a ser tomado, pois o resultado não é nada tímido.

    Texto de autoria de Felipe Freitas.

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  • Crítica | O Gênio e o Louco

    Crítica | O Gênio e o Louco

    O Gênio e o Louco é um longa adaptado para o cinema a partir do livro O Professor e o Louco, de Simon Winchester (além de autor do livro, ele co-assina o roteiro). Estória real que relata o cruzamento das vidas de dois homens no final do século XIX, o prof. James Murray (Mel Gibson) e o Dr. William Chester Minor (Sean Penn).

    Os dois entram em contato no processo de elaboração do New English Dictionary on Historical Principles, conhecido atualmente como The Oxford English Dictionary (dicionário Oxford da língua inglesa). O escocês autodidata sem formação superior, James Murray, é um self-made man dedicado ao estudo das línguas. Ele propõe ao corpo diretor da Sociedade Filológica da Língua Inglesa ligada à universidade de Oxford que lhe conceda a liderança do projeto audacioso de elaboração do dicionário. A esse objetivo ele dedicaria sua vida a partir dali. No seu tortuoso, desafiador e sofrido caminho, conheceria o doutor Minor.

    O filme, embora nos entregue uma estória real muito interessante e cativante, tem pontos negativos que comprometem sua qualidade. O enredo que o longa retrata cobre o período que vai de 1871 até 1910, praticamente 40 anos, e o roteiro deveria, assim, apresentar de maneira adequada essa passagem de tempo. A impressão que se tem ao assisti-lo é que toda sequência de acontecimentos ocorre em não muito mais que dois anos. Ponto negativo para os roteiristas John Boorman (O General), Todd Komarnicki (Sully: O Herói do Rio Hudson), Farhad Safinia (Apocalypto) e Simon Winchester (relevante jornalista e escritor – dentre muitos outros, O Homem que Amava a China é seu livro de destaque publicado no Brasil).

    Safinia, além de co-assinar o roteiro, dirigiu filme. Isso poderia tê-lo levado a uma percepção diferente sobre a apresentação da estória e ter propiciado correções, que elevariam a qualidade do filme. Sobre a atuação dele como diretor há uma questão engraçada, Gibson (detentor original dos direitos para cinema do livro de Winchester) dividiria a direção com ele. Desistiu de fazê-lo e teve dificuldades financeiras que o levaram a vender os direitos a outra produtora. Os novos donos se desentenderam sobre detalhes da obra com Safinia, o que redundou na impossibilidade de que esse assinasse diretamente a direção do longa. Oficialmente o diretor é P.B. Sherman, pseudônimo que Farhad teve de criar para os créditos.

    Apesar dessa questão negativa do tratamento do tempo na obra (central para a qualidade dela), assistir ao filme não é nenhum esforço. A atuação de Penn (Sobre Meninos e Lobos) é sensacional. Ele nos apresenta um Dr. Minor mais que convincente como combatente, nos poucos flashs de memória que tem da Guerra Civil Americana; um homem de meia idade verdadeiramente insano e profundamente intelectualmente compenetrado e produtivo ao ponto de contribuir com mais de 10.000 citações para o dicionário.

    O prof. Murray que Gibson (Coração Valente) nos faz conhecer é a perfeita imagem de um homem auto-forjado a partir das dificuldades. Sua interpretação de convicção, entusiasmo e autoconfiança na cena inicial com a diretoria da sociedade filológica não poderia ter retoques. Ao mesmo tempo, os diversos momentos de vacilação de Murray apenas talvez tenham alcançado expressão mais fidedigna no rosto do James real.

    Natalie Dormer (Game of Thrones) está simplesmente de fazer chorar no papel de Eliza Merrett, viúva de George Merrett, assassinado pelo Dr. Minor. Em toda sua desgraça e limitações, em toda sua dor, desespero e confusão, em sua insana paixão por William, a Eliza de Dormer nos faz experimentar um pouco do que essa infeliz deve ter passado em sua vida.

    Se o filme não é uma obra prima, faz valer as pouco mais de duas horas investidas em frente à tela. Adicionalmente ao já apresentado, é uma delícia visualizar a vida na Oxford de finais do século XIX e início do XX. Permita-se ser levado pela confluência de sentimentos. Ouça a música-tema original do filme The professor and the madman de Bear McCreary (Godzilla II: Rei dos Monstros) de olhos fechados e inicie o filme assim que o som encerrar. Esteja pronto para se perguntar o que é loucura e o que é genialidade.

    Texto de autoria de Marcos Pena Júnior (marcospenajr.com).

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  • Crítica | Brightburn: Filho das Trevas

    Crítica | Brightburn: Filho das Trevas

    Se há dois gêneros cinematográficos que ninguém pode negar que estão tendo bons momentos é o horror e os tão populares filmes de super-heróis. Então, não parece tão utópica a tentativa de unir os dois em um só, já tivemos Blade nos cinemas e o tão adiado Os Novos Mutantes que deve sair ano que vem, porém o representante este ano é Brightburn: Filho das Trevas, filme dirigido por David Yarovesky e com produção de James Gunn, o responsável por Guardiões da Galáxia. Mas mesmo tão promissora, essa reimaginação da história de Superman é tão rasa e sem graça que no fim é difícil se lembrar se queríamos mesmo essa mistura.

    Um jovem casal, interpretado por Elizabeth Banks e David Denman, escuta um pequeno meteorito cair próximo a sua fazenda no meio da noite e descobrem que na verdade o pedaço de pedra especial carrega uma nave alienígena com um bebê. Anos depois, após suspeitar de sua origem, o rapaz desperta fortes poderes alienígenas e, vestido com uma capa vermelha e uma máscara, passa a espalhar um rastro de morte.

    Os primeiros minutos do longa logo denunciam que de fato a produção não é muito inspirada, as cenas não funcionam entre si dando a impressão que a versão final está faltando partes pontuais, problema que reverbera na montagem de todo o longa. Personagens somem da narrativa, cenas com efeitos visuais sofrem de cortes bruscos e nem os momentos de suspense têm sucesso em criar tensão.

    E mesmo que o elenco não esteja exatamente afiado, Jackson A. Dunn no papel desse “super-herói do mal” funciona na maioria das vezes, principalmente por conta da violência gráfica de seus ataques que dão o único senso de gravidade do filme, pois se afasta da ideia de filmes de super-heróis que o público está acostumado. Porém, no fim, o longa acaba sendo só o resquício de uma boa ideia que não conseguiu ir além disso, nem as pistas descaradas no final para novas sequências ou universo compartilhado conseguem animar por conta do gosto amargo da boca. Não diverte e não instiga, Brightburn: Filho das Trevas acaba saindo como imemorável.

    Texto de autoria de Felipe Freitas.

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  • Crítica | Homem-Aranha: Longe de Casa

    Crítica | Homem-Aranha: Longe de Casa

    O 23º filme do universo compartilhado da Marvel começa no Novo México, mostrando alguns personagens lidando com uma nova figura, Quentin Beck (Jake Gylenhaal), que encarna um vigilante chamado Mysterio. Isso ocorre antes mesmo do logo da Marvel aparecer em tela, e demonstra que a prioridade de Homem-Aranha: Longe de Casa não é exatamente mostrar uma aventura do Cabeça de Teia, e sim prosseguir com a cinessérie iniciada no primeiro Homem de Ferro. Ao menos, Jon Watts conseguiu encaixar uma montagem engraçadíssima, repercutindo e resumindo os acontecimentos pós Vingadores: Ultimato, falando sobre as perdas e sobre os que retornaram após cinco anos.

    O filme busca ser um desafogo, a bonança pós-tempestade, com a escola levando seus alunos para uma viagem pela Europa, onde convenientemente Beck está, e onde ocorrerão ataques massivos. Para o leitor mais atento, nesses momentos há boas referências a sagas e a personagens  secundários, como aos vilões Homem-Hídrico, Magma e até a micro saga Crise de Identidade, quando Parker larga o manto do Aranha e passa a agir com outras alcunhas e uniformes.

    A realidade é que o Cabeça de Teia sempre foi um herói mundano, a classificação de Amigão da Vizinhança transparece isso, mas a realidade que lhe cabe é outra neste universo do cinema, e isso também não é novidade diante do cânone nos quadrinhos. Uma das fases mais aclamadas do herói foi em Guerras Secretas quando ele fez uso da roupa preta que daria origem ao Venom, mas aqui ele quer ser só um adolescente, que busca dar vazão ao seu amor pela MJ de Zendaya, que aliás está muito bem, embora esse interesse mútuo entre ambos tenha sido bem pouco desenvolvido no primeiro filme e se assuma como algo fundamental e que sempre existiu. Talvez o fato dos dois terem sido desintegrados tenha feito a urgência aumentar, mas MJ sequer apareceu no ultimo Vingadores.

    O tom de humor aumentou bastante e o elenco de “adolescentes” parece estar mais solto, embora o Ned de Jacob Batalon aparente ter envelhecido cinco anos. No entanto, esse grau de comédia influencia até o ritmo do longa, que faz questão de repetir muitas vezes as piadas, tornando ele mais jocoso e infantil até que o recente Shazam, que é assumidamente um filme para crianças.  Certamente o filme não precisava interromper tanto sua história só para fazer troça, soando forçado na maioria das vezes.

    O outro defeito terrível é que Peter não parece ter aprendido nada com as outras aventuras que sofreu. Mesmo sendo experimentado ele é muito mais engraçado como adolescente estudante do que como herói, ao utilizar o uniforme, ele trava e não é nada desenvolto e a todo momento parece não estar a vontade. Ora, ele enfrentou criaturas espaciais milenares, inclusive carregou a Manopla do Destino, mas ele não digeriu nada disto, ao contrário. Levando isso em conta, o fato dele tirar a máscara a todo momento nem irrita tanto, mesmo que fira bastante a ideia por trás do personagem. Se ele deixou de ser o garoto sem dinheiro, que passava necessidade e precisava ralar para ser um dos herdeiros de Tony Stark.

    Em Homem-Aranha: De Volta Ao Lar se entende ele precisar de um mentor – ainda que o Homem de Ferro ocupar esse papel não faça quase nenhum sentido, já que ele nunca foi uma bússola moral – mas Longe de Casa não precisa se fundamentar tanto na instabilidade do herói, que recusa o fardo o tempo inteiro. Também não há muito sentido em manter a incógnita em relação a Mysterio não engana qualquer pessoa que tenha lido mais que 5 gibis do Aranha, a abordagem é obvia e extremamente expositiva, embora Gylenhaal faça salvar um bocado.

    O elenco de apoio funciona bem, em especial Jon Favreau e Zendaya, que tem bastante bons momentos.  Tom Holland claramente merecia ter um roteiro melhor, pois ele faz um Peter Parker interessante e inteligente, mas o filme exagera no caráter episódico,  é divertido mas não parece ter muita alma, mesmo as piadas boas são deslocadas, diante disso o romance dos protagonista parece sem força e o drama soa fraco e totalmente deslocado. O Homem Aranha de Jon Watts não é nem o Amigão da Vizinhança de Stan Lee e Steve Ditko, nem o Homem-Aranha do Sam Raimi, nem o dos desenhos e nem o introduzido em Capitão America: Guerra Civil, Vingadores: Guerra Infinita e Ultimato, e sim uma paródia de todos esses,  uma amálgama de bons e péssimos elementos, com piores momentos dentro desse  cerne, sendo mais uma vez refém da figura do mentor mesmo que ele não seja mais vivo, além do que tudo que toca a responsabilidade de Stark para com ele mostre uma nada sábia escolha de entregar nas mãos de um rapaz um sistema de monitoramento mundial, em mais uma demonstração de fragilidade no que foi pensado pelos roteiristas deste Longe de Casa e do futuro da Marvel nos cinemas.

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  • Crítica | Arquitetura da Destruição (2)

    Crítica | Arquitetura da Destruição (2)

    Documentário do sueco Peter Cohen, narrado por Rolf Arsenius na versão original, depois em alemão por Bruno Ganz (o mesmo que encarnou Hitler anos mais tarde em A Queda) e Sam Gray em inglês, Arquitetura da Destruição começa falando sobre uma aldeia alemã dos anos 30, onde nasceu o Nacional Socialismo, uma ideologia de espectro direitista extremo, pautada na característica da rejeição sexual. Sobrevoando vilas de casas suburbanas, que povoam um ambiente florestal 3m sua maioria, que evoca o isolamento deles. O narrador fala do mundo prestes a ruir.

    O governo do Terceiro Reich, segundo o estudo que Cohen propõe, os alemães faziam  oposição ao racionalismo, apostava em uma arte rebuscada, que os mesmos seriam incapazes de idealizar, exatamente para confundir o povo, deixando eles estupefatos, sem perceber o engodo em que caiam e as injustiças que ocorriam simultaneamente as exibições artísticas e aberturas de museus. Hoje, candidatos e governos extremos escancaram seus preconceitos, e apelam para o lugar comum e para a crueldades que a classe média compartilhava em segredo, fazendo com que esse eleitorado escolha pôr para fora essa necessidade de exclusão dos mais fracos. Há muitos traços comuns entre as estrategias, a diferença é a sofisticação das abordagens,  enquanto uma tem como base a ópera Rienzi de Wagner, a outra tem a hiper socialização conservadora de ex atores de filmes pornográficos e uma trilha genérica de música local, que tenciona parecer fruto da terra onde nasceu mas que pega emprestado uma sem número de elementos internacionais para suas formulas musicais baratas.

    Outro ponto comum é a insistência em manter um ultra nacionalismo, embora Adolf Hitler e os seus parecessem ser mais apegados a esse pensamento, enquanto boa parte das lideranças direitistas atuais o façam da boca para fora, sendo formadas também por entreguistas que falam fino com potências maiores. O Fuhrer  era megalomaníaco,  vaidoso e tinha o intuito de se cercar do que ele achava belo para esconder suas próprias inseguranças e frustrações por ser um artista que não deu certo, mas o conceito freudiano de compensação também está no modo de governar dos que se sentem (e são) frágeis, e onda ultra conservadora que tomou o mundo tem muitos desses líderes nesse sentido, especialmente os recém eleitos e os sem experiência .

    Os artistas esperavam da parte do governo uma repressão,  queimando algumas artes, chamadas de degeneradas, exibidas em Stuttgart, Nuremberg e outras cidades, frutos do que eles chamam de Bolchevismo Cultural, que eram vistos como instigados pelos judeus, e eram queimados depois. A história tem insistente tendência de se repetir, não à toa boa parte do levante pseudo liberal que tomou o Brasil e parte da América do Sul por volta de 2014, 2015 até hoje teve por passo inicial a perseguição de manifestações de arte, mas tirado de contexto.

    Há também um livre uso de informações falsas ou manipuladas a respeito da genética hebraica, acusando os mesmos de serem retardados (o termo usado na tradução é exatamente este) de que avançariam sobre os ditos normais. Assistir o documentário hoje é um exercício de quase  sadismo, pois a exposição dos infortúnios dos judeus e dos desmandos maquiavélicos dos nazistas impressiona pela crueldade, e pouco é aplacada pelo tom professoral, mas manter essa memoria é importante obviamente, para que haja parâmetro de comparações com movimentações semelhantes hoje e para que não haja esquecimento dessas práticas.

    Arquitetura da Destruição cita a máquina de propaganda e documentários de Joseph Goebbels, como já analisado O Eterno Judeu, e todo seu esforço é para expor não só os horrores praticados pelo governo nazista, mas também o modo como eles dominaram corações e mentes e esse é sem dúvida alguma o maior legado do trabalho de Cohen, denunciando e prevenindo o nascimento de novas  forças intolerantes. Talvez, se seus documentários fossem assistidos com atenção por parte de influenciadores de opinião, boa parte do levante reacionário recente poderia ou ser evitado ou ser aplacado, uma vez que há indícios dessas discussões todas dentro das pouco menos de duas horas de filme.

    https://www.youtube.com/watch?v=gDqGT4xepjQ

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  • Crítica | Cyrano Mon Amour

    Crítica | Cyrano Mon Amour

    De Alexis Michalik, ator que esteve recentemente na biografia de Van Gogh No Portal da Eternidade, Cyrano Mon Amour é um drama, que acompanha o jovem Edmond Rostand, que novo, com 29 anos, escreveu  seu grande sucesso teatral, Cyrano de Bergerac. O filme mostra o processo pelo qual o jovem passou até conceber o texto, sendo interpretado por Thomas Solivérès.

    Edmonde também é o nome original, e faz até mais sentido que a referencia a peça que ele viria a escrever, pois toda a jornada do herói profetizada por Joseph Campbell é vista na tentativa  dele de romper a crise criativa que tem. O escritor durante dois anos tentou furar o bloqueio de idéias, mas não conseguiu e tem um prazo curto de duas semanas pra escrever algo.

    As dificuldades que tem em encontrar inspiração são aos poucos dribladas, quando ele tenta ter contato com homens e mulheres comuns e do mundo do teatro, e aos poucos seus esforços são recompensados, pois ele passa a se inspirar em um sem número de pessoas para compor os personagens que precisa. Isso gera um pouco de humor no filme.

    O fato de ser uma obra de época não interfere muito no espírito humorístico do longa, que mistura comédia de costumes com tiradas engraçadinhas joviais e modernas, Edmonde é o pé na realidade em um cenário onde todas as pessoas são caricatas e surtadas, e em se tratando de uma cine biografia, o sentido da realidade é alterado demais, fazendo com que todo o drama pareça mais uma paródia do que algo reverencial.

    Cyrano Mon Amour é comédia que encontra dificuldades enormes para fazer seu espectador rir, e se baseia demais no desempenho de Solivérès, que na maioria das vezes não vai bem. Até seu bigode é caricato, por mais que pareça demais com o de Rostand real, e a vontade de soar engraçado acaba diluindo um bocado da historia do personagem principal. Ao menos, no final da exibição há alguns bons momentos, mostrando imagens do real Edmonde, interagindo com gente do teatro, dando mais significado nesse trecho do que nas  quase duas horas que Michalik conduz.

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  • Crítica | Annabelle 3: De Volta Para Casa

    Crítica | Annabelle 3: De Volta Para Casa

    Annabelle 3: De Volta Para Casa é mais um dos spin offs de Invocação do Mal, dirigido por Gary Dauberman, o roteirista de It A Coisa, A Freira, Annabelle, Annabelle 2: A Criação do Mal e outras fitas de terror recente (a maioria, de gosto bem duvidoso), alem de ser produtor e escritor desta nova versão já cancelada de Swamp Thing, o Monstro do Pântano. A promessa é que esta versão será a ultima da franquia da boneca maldita, e isso é muito esperado, dado que o resultado do filme não é sensacional, tal qual o restante da saga de Annabelle.

    O ponto de partida do roteiro de Dauberman (que teve a ideia do argumento junto a James Wan) é que houve um erro de julgamento com Annabelle, uma vez que ela é um condutor de espíritos, não um receptáculo dos mesmos – os espíritos são na verdade ávidos por corpos de carne, e não por um objeto inanimado – além de funcionar também como um imã desses mesmos seres espirituais. Portanto, ela é como uma estrada para esses seres sobrenaturais, e não um fim em si, e isso não é uma má ideia, a problemática mora em como é desenvolvido tal conceito.

    Esse aspecto é o mais positivo de todo o filmes, especialmente quando se discute a influência dos espíritos, distinguindo bem os que já foram humanos (fantasmas) e os provindos do inferno (demônios). Apesar de um bocado didática, esse é o momento mais inspirado de toda a história, que aliás, é muito apegada a Invocação do Mal, chegando ao ponto de mais parecer uma  parte 3 da saga Conjuring do que continuação dos Annabelles, em atenção ao que foi feito em Sobrenatural – A Origem, que era, como esse, uma prequel dos eventos em Sobrenatural, tal este é nas  aventuras em longa-metragens de Ed (Patrick Wilson) e Lorraine Warren (Vera Farmiga). O começo engana, tem bons momentos, e até os jumpscares são tímidos. Detalha bem o aprisionamento do mal  e expande de certa forma a mitologia dos Warren, uma vez que ele é focado em Judy, a filha do casal vivida por Mckenna Grace, e nas adolescentes que cuidam dela, a babá Mary Ellen e sua amiga Daniela, interpretadas pelas belas Madison Iseman e Katie Sarife. Apesar de nenhuma delas ser um primor dramático, elas não comprometem, e sabem gritar, fazendo um bom papel como Scream Queens, e em certo momento, se arranha a possibilidade de discutir assuntos mais sérios.

    Embora a premissa pareça levar o filme a um rumo mais maduro, rapidamente a ideia é abandonada, para apostar em velhas formulas de terror. A mistura da ideia juvenil de babás utilizando a estadia em uma casa sem pais para transar é pervertida, mas de um modo bem diferente do visto em A Babá de MCG, em compensação, se explora demais o clichê da casa assombrada, incluindo referencias a clássicos como Poltergeist, A Casa do Espanto e Amityville, da maneira mais óbvia possível.

    O fato de Judy também ser médium (ou psíquica, como dito no próprio filme) é ótimo, e abre chances de explorar bons dramas, mas os Warren certamente não seriam tão pouco prevenidos, guardando tantos artefatos malignos sem maiores prevenções e escondendo chaves em locais de fácil alcance, e a forma como Annabelle 3 desenrola sua historia é muito fraca. Parece um capítulo resumo tipico das series de terror, funcionando como uma coletânea de bons momentos, ainda que aqui, nada seja desenvolvido, só há sugestão de muitos elementos, uma junção de conceitos que não dariam um filme solo.

    O fim do arco se resolve rápido, quase como uma formula instantânea, não há praticamente nenhuma consequência, alem do que todo o ato final é montado em cima de cenas e sequências bastante piegas, chegando a ser ofensivos a memoria de Lorraine Warren, que morreu recentemente, mesmo levando em conta a coincidência espiritual entre a filha e a mãe. Nem a questão da solidão e bullying são levadas a frente, uma pena, pois faz esse Anabelle 3: De Volta Para Casa parecer raso, bobo e extremamente desnecessário, além de fechar mal uma trilogia de filmes focados na boneca que conduz demônios de maneira melancólica, sem que tenha qualquer filme razoável.

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  • Crítica | Adeus, Meninos

    Crítica | Adeus, Meninos

     

    Filme francês de Louis Malle (de Atlantic City e Ascensor Para o Cadafalso), Adeus, Meninos começa mostrando a ida de Julien Quentin (Gaspard Manesse) para um colégio, e pelo menos em seu começo não há qualquer mostra do extremo drama que virá a seguir. Como pano de fundo, há o estouro da Segunda Guerra Mundial, e a tentativa do colégio Saint-Croxe internato para onde o rapaz vai de não deixar um dos alunos perecerem, só pelo fato de ser judeu, e os esforços miram a tentativa de esconder a ascendência de Jean Bonnet (Raphal Fejto), um rapaz por quem ele rapidamente se apega emotivamente.

    Malle já tinha experiência em falar de Nazismo, havia abordado o tema em Lacombe Lucien, onde um garoto que colabora com o regime nazista se apaixona por uma moça judia. Aqui, o foco é numa faixa etária mais nova, com meninos do colegial percebendo a perseguição dos extremistas de direita alemãs sobre os “diferentes” descendentes dos hebreus.

    A história se passa no inverno francês de 1943-44, e mostra a inteiração somente entre os garotos e os professores até perto de uma hora de filme, e a amizade entre Jean e Julien vai aumentando, sendo alimentada. Aos poucos eles passam por percalços que fazem com que a intimidade travada entre eles só aumente, em grau de importância e de emoção.

    A maior riqueza nas atuações de Manesse e Fejto é que elas não parecem forçadas, eles realmente lembram adolescentes, tem interesses volúveis e um senso de lealdade que evidentemente varia por conta da efemeridade típica da adolescência, mas os dois não conseguem esconder que algo os une, e que um é muito caro para o outro, mesmo com a clara divisão racial estabelecida ali.

    Os primeiros soldados nazistas aparecem bem tarde, com mais  da metade do filme ocorrido, e já causam em Jean é absurda, ele corre rumo a qualquer lugar. Ele não escolhe lado, corre para frente porque saber que se for pego e descoberto, terá um destino terrível. Por um acaso, cuja probabilidade de se repetir é praticamente zero, a adição desses militares é genérica, não tem qualquer missão de pegar judeus, e os dois meninos são devolvidos ao colégio interno, mas esse causo serve bem para mostrar a diferença do conceito de desgraça para os dois, enquanto um, se preocupa apenas em não sofrer rejeição dos colegas, o outro acha que poderá morrer.

    Os último momentos são bastante tensos, mostram o quanto a intolerância ultrapassa até a camada da vida adulta. A necessidade que os crédulo na mentalidade de que a raça ariana deveria ser a única a existir atingiam mesmo as crianças, e causava nelas a necessidade de entregar até seus amigos e colegas de escola, mesmo que intimamente elas não tivessem sequer noção do destino que os entregues teriam. Do ponto de vista de revelar uma ideologia torpe, Adeus, Meninos acerta absurdamente, por mostrar o quão covarde e cruel é a mentalidade fascista e o quanto não se deve subestimar seus efeitos e possibilidades.

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  • Crítica | Democracia em Vertigem

    Crítica | Democracia em Vertigem

    Democracia em Vertigem, documentário de Petra Costa, começa mostrando imagens de bastidores do Sindicatos dos Metalúrgicos do ABC, durante o dia que Luiz Inácio Lula da Silva foi preso. Há uma licença poética que o filme seja liberado pela Netflix na época em que vazamentos de conversas entre os responsáveis por todo o processo que pois o ex-presidente na cadeia.

    Tal qual foi Elena, esse é um filme pessoal, narrado pela própria, com uma direção e edição pesada, aproveitando a época do impeachment de Dilma Rousseff como ponto de partida, tal qual outros filmes também fizeram, a saber, O Processo, Já Vimos Esse Filme, Excelentíssimos etc. O filme de Petra se assemelha a este último, que em cima de seu lançamento, mudou um pouco seu viés, deixando de ser um filme sobre o golpe, passando a ser sobre a conjuntura mais atual, o que é natural, pois o impeachment parece ter ocorrido há décadas atrás.

    Ao falar do passado do Brasil, Petra tenta fugir de seu estilo de narrativa, apelando para um estilo de documentário diferente do que geralmente faz, lembrando um pouco do cinema de Silvio Tendler e outros exemplares  como Peões de Eduardo Coutinho e O ABC da Greve de Leon Hirzman, resgatando uma boa memória de construção do ideal político de Lula.

    O filme faz bastante uso de imagens de arquivo, mas também algumas pessoais, filmados pela própria diretora, com 19 anos comemorando a eleição do metalúrgico ao maior posto político do Brasil. Em sua narração, se nota que os abraços que ele dá no congresso refletem seu carisma, e seu espírito de conciliação. A voz de Costa conduz o longa, e interfere demasiado na mensagem, ao passo que condena a aproximação do PMDB, afirmando que o PT e seu presidente pecaram exatamente no que sempre atacou em seus adversários, se misturando com o partido mais repleto de patifaria.

    Lula dizia que Jesus se viesse ao Brasil, teria que fazer aliança até com Judas, e o destaque a essa frase no meio do filme faz ele soar muito maniqueísta. O documentário tenta ser poético, falando do distanciamento geográfico de Brasília do povo, mas no final das contas, fica parecendo bobo apenas, e em alguns pontos é irresponsável e  bastante generalista, quando fala do movimento de 2013, afirmando que o Vem Pra Rua tinha em sua gênese uma mentalidade direitista e anti comunista, e isso é bobo, tosco, e mentiroso, em especial quando utiliza uma forma de contar história generalista, falando que a mídia tradicional apoiou as manifestações daquele Junho, o que é mentira. Há inúmeros episódios (alguns até engraçados, como a vez que José Luiz Datena fez uma enquete sobre manifestações com baderna serem positivas ou não), e as grandes emissores de televisão  e os jornalões condenaram os Black Blocks, e havia claro campos progressistas nas passeatas, negar isso é ser mentiroso.

    Há zero novidade por em contra posição as falas de Eduardo Cunha, afirmando que Impeachment não pode ser arma eleitoral, depois acolhendo o processo. É redundante, Petra joga pra torcida, quem conhece a historia não muda em nada seu pensamento, e quem é oposição também não é nem um pouco atingido por isso, parece que esse trecho é mais protocolar do que qualquer coisa. O filme em última análise serve bem como resumo dos fatos, para alguém completamente alheio a historia, é um filme bom, mas somente isso, para quem sabe como foi todo o processo, há zero novidades, mesmo com as entrevistas a políticos notórios, como Roberto Requião, Paulo Maluf, Jean Willy,e uma tentativa (fracassada) de conversar com Aécio Neves.

    Tal qual o filme de Douglas Duarte, esse dedica um bom tempo em desenrolar Bolsonaro como candidato em 2018, embora sua campanha estivesse bem tímida neste momento. Ao menos, Democracia em Vertigem não tem vergonha em assumir um lado, afirmando que o grande problema do país era a relação do grande empresariado brasileiro com a política nacional, seja ela do viés que for, tanto em Collor, nos governos tucanos ou petistas, ou mesmo com Jair Bolsonaro. O problema é que por conta das fragilidades dos discursos que Petra escolhe, esse argumento se dilui. É um filme de extrema vaidade, e há preocupação até em esclarecer a familiaridade da diretora com os  Andrade e Gutierrez, fato que faz ele passar  do ponto. A forma como o filme digere a conjuntura política é bem apaixonada e carente de razão, e isso não seria um defeito se o filme não tivesse a pretensão de soar mais sério e sóbrio que o resto da filmografia de Petra Costa, e por mais que tenha boas intenções,  Democracia em Vertigem  soa frívolo e parcial demais, quase míope na maioria de suas análises, e só acrescenta realmente para quem não sabe absolutamente nada da dantesca história do Golpe de 2016 e todo o desenrolar político posterior.

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  • Crítica | Toy Story 3

    Crítica | Toy Story 3

    Quase dez anos depois da última continuação da franquia, o filme de Lee Unkrich (o mesmo que co-dirigiu Monstros S.A. e Procurando Nemo, alçado agora a um novo patamar)começa refilmando de certa forma a historia original pensada por Andy em Toy Story clássico, em um claro retcon, incluindo os personagens novos, que não eram de propriedade do pequeno Davis até então. Esse epílogo, super bem filmado e que não acrescenta praticamente nada a historia é uma belíssima forma de celebrar e relembrar toda a franquia de histórias dos brinquedos.

    A ideia nostálgica ocorre aqui não só por conta do grande hiato entre Toy Story 2 e esta parte três, mas também pelas filmagens em fitas antigas da família Davis, e é preciso essa memória voltar, pois o garoto cresceu, e se tornou um universitário, e vai para longe de casa, e obviamente, não faz mais uso dos brinquedos há muito tempo. Alguns foram embora, e sobraram apenas Woody, Buzz, Jesse, os Ets, Rex, Slinky, os Cabeça de Batata, Bala no Alvo e o Porquinho.

    Toda a trama de rejeição é resgatada, refeita e repensada. Os brinquedos vêem a possibilidade de serem bem recebidos, de voltar a brincar, de voltar a saciar as crianças caso aceitem ir para uma creche repleta de crianças. A dura escolha que eles tem que fazer vislumbra a paradigma da maturidade.

    Andy, tal qual os espectadores que assistiram suas brincadeiras em 1995, cresceu, seus desejos, anseios e sonhos também, e as perspectivas de vida dos brinquedos também. Woody mantem-se fiel por não enxergar vida sem seu dono, talvez porque jamais tenha brincado com ninguém, mesmo levando em conta que é um brinquedo vintage como visto em Toy Story, fato que faz ser plausível que seja um brinquedo antigo da família Davis.

    É evidente que nem tudo dá tão certo quanto o otimismo desenfreado prega, como é mostrado sem demora, pelo engodo que o urso Lotso faz eles passarem. Esse aliás é um belo vilão, seu passado faz compreender perfeitamente a amargura que sente, ao passo que seu atual posto de líder dos brinquedo em Sunnyside faz muito sentido, afinal, mesmo magoado ele tem carências. É como se ele reunisse boa parte dos defeitos de Jesse e Pete Fedido de Toy Story 2, digerindo a tristeza de ter sido deixado de lado ao seu próprio modo.

    No entanto, o melhor de Toy Story 3 certamente é a carga dramática, seja a insistência de Woody em manter seus amigos sempre unidos, mesmo que ele tenha uma posição privilegiada de permanecer com seu amo/dono, ou a cena de resgate em que Buzz é dado como morto, e suas peças verdes iluminam o local, uma vez que brilham no escuro e não há qualquer luz ali,

    No entanto, isso era apenas um presságio do que viria, da cena rumo a fornalha, onde os heróis tem um inevitável fim, correndo contra os degraus que os levariam até a morte. Após passarem por tantos percalços, em resgates praticamente impossíveis, o xerife, o astronauta, o cão, o porco, as batatas, o cavalo, o dinossauro e a vaqueira se resignam, e ao perceber que suas vidas serão extintas, dão as mãos, para no fim, estar juntos de novo.

    A salvação dos personagens dribla a possibilidade de um Deus Ex Machina bem fajuto, o fato de ter dado pistas antes dribla essa questão facilmente, e todos os eventos posteriores, incluindo a manipulação do cowboy para que Andy escolhesse doar os bonecos é emocionante demais. A forma como Andy enxerga o seu antigo amigo, e desapega dele para deixar uma garotinha brincar e cuidar deles faz até perguntar se ele não sabia que seus brinquedos tinham vida, pois além de permitir que eles tenham uma sobrevida, ainda dá oportunidade deles olharem no horizonte ele se distanciando, rumo a faculdade, rumo a vida adulta.

    Toy Story 3 até abre possibilidades para o futuro – tanto que gerou ótimos curta – mas o ciclo se encerra belamente, tanto do ponto de vista emotivo quanto narrativo. Os brinquedos tem um destino justo, Andy e a pequena Bonnie também, além do que nos créditos finais há mais cenas extras, dessa vez sem erros de gravação e sim mostrando a nova vida dos heróis que acompanha as crianças e adultos fãs da Pixar desde 1995.

    https://www.youtube.com/watch?v=JcpWXaA2qeg

     

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  • Crítica | Toy Story 2

    Crítica | Toy Story 2

    Poucas continuações fazem jus ao material original, de clássicos logo se lembra de Império Contra Ataca, Poderoso Chefão Parte II e De Volta Para o Futuro 2, mas o filme de John Lasseter, Toy Story 2, lançado em 1999 facilmente dobra a ideia de que sequencias são piores que os filmes clássicos, pois esse faz jus ao primeiro, e já começa tenso, com o Woody de Tom Hanks/Marco Ribeiro desesperado por não achar o seu chapéu, as vésperas de uma viagem a um acampamento cowboy com Andy.

    O começo remete ao espaço, com Buzz lutando contra o mal, possivelmente em atenção a série animada que seria lançada, Buzz Lightyear e o Comando Estelar. No Quadrante Gama, Setor 4, o patrulheiro espacial tem um início de aventura sensacional, numa sequência de ação irretocável do ponto de vista estético e de roteiro, e incrivelmente, é só um epílogo, um despiste que faz enganar o espectador, sobre o destino de Buzz, e a clarividência  respeito de ser ou não um brinquedo, além de obviamente referenciar Aladdin e 2001: Um Odisséia no Espaço. A batalha no vídeo game também faz referencia a popularidade crescente dos jogos eletrônicos sobre os outros brinquedos.

    Enquanto o cowboy fica preocupado como será a rotina dos outros na sua ausência, novos elementos são apresentados logo de cara, com o Buzz de Tim Allen/Guilherme Briggs de vice líder dos brinquedos do Andy, e o cachorro Buster sendo adestrado pelo vaqueiro, isso referencia o amor do boneco western a cães, não à toa ela era tão apegado a Slinky, além de gerar uma saudação que o próprio Andy usa em Toy Story 3, fazendo  carinho no bicho, perguntando quem é que vai sentir saudades.

    O proprietário dos brinquedos segue criativo, misturando elementos de faroeste com os aventureiros do espaço. Nesse momento também é mostrado o antigo protagonista mais uma vez um bocado deprimido, ao perceber o óbvio: não durará para sempre, além de obviamente ser um brinquedo antigo, de colecionador, portanto um item especial, mesmo que não soubesse disso.

    O quadro muda, do final de Toy Story para esse, Woody volta a ser querido pelos seus, uma verdadeira e conquistada liderança sobre eles, que partem imediatamente para um resgate a ele, invertendo o paradigma do outro longa, que tinha Buzz como desaparecido, e eles o fazem não só por conta da criança dona deles, mas também por que sentem falta dele. Toda a vaidade que o personagem abriu mão no primeiro capítulo da saga quase retorna, mesmo que ele tenha crescido, ser alvo de admiração o faz ficar confuso, ainda mais quando conhece a fundo o  novo núcleo de personagens, entre eles a vaqueira Jesse, o cavalo Bala no Alvo e o Mineiro, ou Pete Fedido, um brinquedo que jamais saiu da caixa e não sabe como é brincar com um garotinho ou uma garotinha. Ambos estão contentes com a possibilidade de virarem peças de museu.

    A mitologia de Woody é expandido, é mostrado o programa de fantoches dos personagens do faroeste. A exibição do episódio é engraçadíssimo, com os personagens conversando com animais, tal qual ocorria com as pessoas e os animais Lassie e Rintintin, mas nem isso é capaz de fazer o herói mudar de ideia, ele não quer largar Andy, ao mesmo tempo que tem que pensar e pesar se a sua atitude deve ser a de voltar ou permanecer com os novos amigos, que tem por trauma a longa  espera, enfurnados sem perspectivas de sair dos papelões e isopores que os cercam. Jesse fica desesperada  ao perceber que voltará para lá, e isso causa no protagonista uma crise de consciência grande.

    Há ótimas sacadas, como quando Woody tenta fugir e tem como obstáculo os salgadinhos em forma de biscoito, espalhados por Al no chão. É bem engraçado o modo como o diretor John Lasseter brinca com inversão de escalas, algo pequeno para o homem é enorme para os brinquedos, assim como se inverte na cena em que Buzz e o grupo de resgate causa danos no transito, deixando os carros em estado terrível, sem sequer perceberem.

    O vilão humano, também conhecido como homem Galinha é um sujeito asqueroso física e espiritualmente, ele é bidimensional, mal e egoísta, tal qual todos os outros humanos, e por mais que isso seja raso, faz sentido, afinal, essa é uma historia de brinquedos. O Celeiro de Brinquedos do Al foi palco de muitos momentos homéricos, desde as referências obvias a Império Contra Ataca, Jurassic Park e claro, um retorno de Buzz a condição anterior a entender ser um brinquedo de criança, com uma contra parte sua, que interage com os que habitam o comercio a varejo local. É engraçado como nem os amigos dele fizeram perceber que pegaram o Buzz errado, mas é natural, afinal, são os mesmos que ao se pendurar na  corda do astronauta, põem Rex, o personagem com braços mais finos para ficar na ponta, assim se ele caísse todos também sucumbiriam.

    Há muito mais piadas físicas do que no anterior, e isso faz a historia pesar um bocado, as sub tramas são menos elaboradas que as dos primeiro filme, mas ainda guardam boas camadas de discussão, expande novos horizontes de aventuras e de sentimentos dos brinquedos. As mensagens de rejeição mudam, antes, eram de obsolescência programada, por parte de Woody, e aqui esse predicado negativo é mostrado com Jesse, que tem trauma de já ter sido abandonada por sua antiga dona, e claro, Pete Fedido, que jamais teve esse prazer, mas ele passou por muita coisa, e amadureceu, percebendo sua real vocação, que é ser um brinquedo de criança, satisfazendo ela e sendo amado pela mesma.

    Uma boa sequência não tem obrigação de ser melhor que a original, mas sim de fazer jus ao produto original, e essa faz, usando como base vários dos conceitos antigos e expandindo o universo como um todo, com novos personagens divertidos, carismáticos e engraçados. A Pixar segue com a sua primeira continuação, de seu primeiro clássico, mais uma vez divertindo as crianças, fazendo os adultos refletirem um bocado sobre o valor da amizade e companheirismo. Mesmo sabendo que os brinquedos tem uma vida útil curta, e que seu dono por mais carinhoso que seja um dia vai ter de abrir mão deles, por conta de idade –  isso seria explorado ainda em Toy Story 3 – mas esse Toy Story 2 consegue tratar com reverência o clássico, trazendo uma aventura com um frescor novo e com a possibilidade aberta para novas teorias, entre elas, a de que Jesse um dia foi da mãe do Andy, já que ele quando pequeno, tinha um chapéu igual o dela, e o primeiro nome da senhora Davis jamais é dito.

    A Hora da Verdade do rodeio do Woody, jamais filmado é muito bem representado neste ato final, mesmo que não faça muito sentido alguns segmentos, como os bonecos dirigindo até a casa de seu dono, e as passagens de tempo no final. Os coadjuvantes ganham ainda mais importância, mesmo que a pastora de ovelhas Beth seja sub aproveitada, mesmo que só Jesse (e as Barbies) dentre as personagens femininas sejam desenvolvidas, mas há muitos extras, como cenas de bastidores/erros de gravação, tal qual houve com Vida de Inseto. Toy Story é ainda mais divertido que o primeiro, dá um salto visual absurdo (principalmente no que tange os humanos, que se afastaram do Vale da Estranheza) e tem uma história que repagina muitos conceitos bons do primeiro, ainda que seu caráter seja bem diferente, fazendo com que o filme tenha sua própria identidade, ainda se apegando ao trabalho anterior.

    https://www.youtube.com/watch?v=Lu0sotERXhI

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  • Crítica | Toy Story

    Crítica | Toy Story

    Situado em uma época que animações infantis eram quase todas feitas de modo cartoonizado, na metade dos anos 90, Toy Story entrou para a história como a primeira animação longa-metragem em 3d, fazendo um sucesso estrondoso, trazendo uma historia terna, bonita e bem ao estilo Disney. Co-produção com os estúdios Pixar, a historia gira em torno da insegurança do xerife Woody, interpretado por Tom Hanks na versão original, com voz de Alexandre Lippiani (e posteriormente de Marco Ribeiro em outras dublagens e em continuações), toda a trajetória do herói é contada sobre a vivência deste personagem, que personifica a premissa do filme: e se brinquedos tivessem sentimentos.

    Esse era o primeiro filme longa-metragem da Pixar, o logo da empresa já é mostrado aqui como o pequeno abajur chamado Luxo Jr. (que era estrela dos curtas apresentados antes de Toy Story), e já no início é apresentada uma aventura infantil, onde o imponente cowboy detém Bart Caolho, na brincadeira orquestrada por Andy Davis que tem como vilão o Cabeça de Batata (um dos mais impacientes amigos de Woody durante todo o filme, curiosamente). O garoto que é dono dos brinquedos e ser supremo daquele universo faz o que quer com os bonecos, bonecas e acessórios.

    Mal dá para perceber nesse início que a casa em que a família que Andy mora é grande demais para a família Davis, com apenas três pessoas, e que Molly, a irmã mais nova do menino  dorme em seu quarto por conta da mudança e por seu quarto já não está mais habitável, no entanto isso é subalterno, o que realmente importa é a criatividade monstruosa do garoto, que faz toda uma narrativa coesa com brinquedos pré escolares, uma boneca de porcelana, dinossauro, um cachorro mola, um cofre etc. Para muitos fãs, é a inventividade da criança que ajuda a dar vida aos brinquedos.

    A música de Randy Newman pontua bem todas as emoções e receios dos brinquedos, que sempre ficam apreensivos em datas festivas, por conta do medo de serem substituídos, e o xerife apesar de parecer melhor resolvido que os outros, também demonstra fragilidades em seu pensamento, acreditando que pode ser substituído. No Brasil as músicas são executadas por Zé da Viola, um músico, que dá versões lindas para os temas de cada um dos personagens.

    Incrivelmente a fluidez dos movimentos dos brinquedos soa natural, quase tudo que os envolve prima pela naturalidade, levando em conta obviamente que é plástico e não carne que é aritculada, desde os brinquedos maiores até os pequenos tem algum destaque e uma particularidade, como os soldados verdes que servem de vigia e cuidam do perímetro do quarto de Andy. A parte em que um deles se fere ao tenta espionar a abertura dos presentes é sensacional, pois o coloca aos cuidados médicos de soldados específicos, fazendo lembrar os clássicos filmes de guerra como Platoon ou Tora Tora Tora, e toda a inteiração deles emulando ao comportamento dos fuzileiros americanos.

    A chegada do astronauta que co-protagonizaria o longa  traz um paradigma já visto nos cinemas. O gênero western, nos Estados Unidos deixou de ser popular graças ao boom de filmes sobre máfia, tornando a criminalidade do faroeste em algo desorganizado o suficiente para não ser mais tão atraente. A exploração do Western Spaghetti nos filmes de ação italianos mostrou como os europeus se valiam de tramas mais genéricas para ganhar alguns trocados, e tiveram suma importância para o cinema de ação, mas foi justamente com Star Wars que os faroestes italianos foram rareando, ao ponto de deixar de ser moda. Em seu lugar vieram cópias das space operas, que logo rarearam também por ter custos bem mais altos e resultados mais precários.  O script faz questão de referenciar todo esse cenário, ainda que de forma bem leve.

    A parte dramática casa bem com o humor ácido do roteiro de Joss Whedon, Andrew Stanton, Joel Cohen e Alec Sokolow, as questões envolvendo rejeição e substituição são questões que conversam com as pessoas mais adultas, ainda que isso tenha bastante eco com toda a questão de aceitação típica das épocas iniciais da vida de crianças, nas fases escolares., podendo ocasionar casos sérios até de bullying.

    É curioso como mais da metade das tiradas cômicas funcionarem com os adultos. O ideal da Pixar sempre passou por ter uma camada de diversão e escapismo que abraça as crianças, enquanto há todo um arcabouço dramático que contempla adultos. Aqui se vê referências leves a Star Wars e Jornada nas Estrelas, por exemplo, além de referencias a marcas conhecidas e outras próprias, como o Pizza Planet, tal qual ocorria com os filmes de Quentin Tarantino, que também tinha marcas próprias. Mesmo as fragilidades da produção, como os humanos feios e cabeçudos, fazem sentido nesse primeiro capítulo, e ajuda a salientar que essa é uma historia sobre brinquedos, caso não tenha ficado claro no título.

    Dentro ainda das sensações típicas da vida adulta, há o momento em que Woody perde a cabeça, ao ver um caminhão vindo, ele assume para si o protocolo de brinquedos e “desmaia”. Seu desespero era tanto por perder seu “dono” que ele tenta se suicidar, pois para ele não há mais motivos para existir sem o humano para o qual tem devoção. A montanha russa emocional pelo qual o filme passa traz a tona os medos mais primitivos e primários, além de desconstruir paradigmas preconceituosos, principalmente ao mudar para o cenário do quarto de Sid, que aliás, é um belo advento por referenciar os Terror Giallo italianos e até Canibal Holocausto, clássico do found footage, além do Gabinete do Doutor Caligari e A Pequena Loja de Horrores.. Aqui, os brinquedos mutantes do garoto mau não são como seu proprietário, mas são julgados por sua aparência, que além de enganosa, evidencia que Woody precisa evoluir muito para ser um sujeito bom.

    Passa mais da metade do filme para enfim dar continuidade a jornada de Buzz, e para ter para ele uma música dedicada na voz  de Zé da Viola – Voar eu não vou nunca mais – e ter a revelação de sua real origem, que aliás é tão chocante que o faz desmaiar após cair para sua quase morte. Além de ser um paralelo simples e inteligente com o mito da Caverna de Platão. Esse momento também abre referências a Al Toy’s Barn, a loja de brinquedos do vilão humano do 2ª filme, no comercial que o astronauta assiste, além de ser a chance de Tim Allen e Guilherme Briggs brilharem como o deprimido e inseguro brinquedo ter noção do que é, além de mostrar o quão frágil é a psique deles, com o segundo personagem caindo facilmente em depressão.

    Toda a mentalização, sobre dedicar sua vida em torno de um ideal, mesmo que no caso dos brinquedos seja servir a um amo/criança é bem madura, principalmente no que toca o desenvolvimento da imaginação das crianças, e essa é a maior missão de Woody, Buzz e os demais brinquedos, mesmo os rejeitados e alterados por Sid fazem isso.

    Mesmo que o sentimento de fraternidade de Woody e Buzz seja trabalhado de maneira um pouco rápido no que toca o convencimento que o xerife faz ao patrulheiro espacial, toda a trajetória para este rumo faz um enorme sentido e evolui ainda mais nos outros filmes. Nesse  ainda, a evolução de Woody é enorme, pois ele passa por cima de seus preconceitos, arquiteta um plano que foge as regras não ditas e impostas aos brinquedos e é claramente a frente do seu tempo e a frente do estigma que o toca de fazer referência a uma época tão distante como a do velho oeste. Ele até mais que Buzz merece o espaço, a fronteira final como ápice.

    Proximo dos  atos finais, há um trabalho em equipe, dos brinquedos de Andy, relembrando que essa não é uma fita individualista, e mesmo no natal, onde o vaqueiro assume que o patrulheiro espacial é mais importante que ele, há uma clara demonstração do quanto eles são íntimos e amigos, superando a vaidade individualista de ambos, trazendo uma historia que fora os moralismos, é rica e cheia de nuances. A Pixar não poderia ter uma pedra fundamental melhor que Toy Story, sem sombra de dúvida.

    https://www.youtube.com/watch?v=KYz2wyBy3kc

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  • Crítica | A Lenda de Golem

    Crítica | A Lenda de Golem

    Filme de fantasia israelita, que reúne elementos de ação, aventura e terror, A Lenda de Golem é dirigido pela dupla Doron Paz e Yoav Paz, os responsáveis por Jerusalém, de 2016. Em seu início, acompanhamos um velho adentrando numa sinagoga. Sua aparência remete a aspectos visuais de um mago dos livros de fantasia, e tudo fica mais estranho com ele se deparando com uma criatura. Assim, os elementos fantásticos são apresentados ao espectador e paulatinamente os diretores o desenvolvem.

    Não demora a situar onde e quando a história acontece. No ano de 1673, na Lituânia, as mulheres verificam constantemente se existem traços ou indícios de bruxaria em seus corpos, com cenas onde a sexualidade é bastante aflorada. A associação da feitiçaria ao feminino é mantido aqui, mesmo tendo a mentalidade religiosa voltada para o judaísmo.

    Há um bocado de elementos que fazem esse lembrar o recente A Bruxa, de Robert Eggers, especialmente na aura mística envolvida. O filme tem uma parte dramática bastante fraca, mas a ação e os elementos de terror são bem desenvolvidos, destoando completamente do restante. As atuações funcionam bem quando a tensão aumento, ainda que o garotinho malvado interpretado por Konstantin Anikienko seja bastante caricato em vários momentos.

    Apesar de ser curto, falta um pouco de urgência no longa, e em vários pontos ele soa moroso, como se fosse um veículo numa estrada fazia, com o freio de mão puxado, e isso prejudica a imersão. Ainda assim, A Lenda de Golem diverte, mesmo soando alarmista e sensacionalista na maioria dos pontos centrais de sua história, remetendo um pouco os filmes do cinema de ação francês recente. O longa ao menos desperta a curiosidade sobre o que os irmãos Paz farão no futuro, e embora não seja nenhuma obra-prima, não deixa nada a desejar visualmente para o cinema de ação hollywoodiano atual, com um orçamento bastante menor.

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  • Crítica | Toy Story 4

    Crítica | Toy Story 4

    Havia uma promessa após Toy Story 3 que a saga de Woody e dos outros brinquedos finalmente chegaria ao fim. Ocorre que, nove anos depois a Disney/Pixar trouxe enfim um novo capítulo para a franquia, dessa vez dirigido por Josh Cooley, em uma história que prometia poucas surpresas.

    Na trama, já se sabia que Woody reencontraria Betty, a pastorinha de porcelana que não aparecia desde o segundo filme. A trama começa nove anos antes do presente, em um dia chuvoso que marca o retorno de vários brinquedos antigos do Andy. A sequência em si além de animada é bastante emocionante, e marca a ideia central do filme, de que brinquedos vem e vão. Os momentos de ação melhoram ao ser pontuados pela música brasileira de Zé da Viola, que retorna para traduzir os temas de Randy Newman, incluindo uma música inédita.

    Woody tem que se adaptar a uma nova condição, sendo muitas vezes ignorado por Bonnie, mas sem jamais culpar a menina por isso. Neste ponto, há homenagens a momentos clássicos, como quando o vaqueiro e Buzz passeiam pelo Pizza Planet. Sua interferência em tudo é um aspecto que ele percebe que precisa mudar, mas essa evolução terá de esperar pela aproximação de um novo personagem, um garfinho criado pela menina durante sua ida ao jardim de infância.

    O novo paradigma traz uma nova sensação ao brinquedo, a vontade de não querer existir. O personagem funciona como um pupilo de Woody, mas também ensina algumas coisas, dentro daqueles aspectos estereotipados de filmes otimistas, mas que aqui funciona muitíssimo bem, em especial no que toca a sensação de não mais pertencimento a uma classe ou a um grupo específico. De certa forma, o Garfinho e Woody compartilham parte do mesmo destino, e aos poucos o caubói copia elementos de personagens diferentes entre si.

    Se nos outros três capítulos da saga tratam de rejeição, esse tem como um tema central o pertencimento, no caso, o lugar de destino dos brinquedos, não importando se eles são de material descartável, duradouro ou de qualquer outra natureza. Com a adesão de Betty à trama se discute de maneira não-panfletária o lugar que cada brinquedo tem, além de belíssimas reflexões a respeito de consciência, no arco de Buzz.

    Há duas personagens femininas fortes: Betty e Gabby Gabby – personagem que segundo os trailers era vilã e tirana mas que no decorrer dos 100 minutos, desconstrói essa imagem. A postura de ambas é bem diferente, e as duas causam diferentes emoções no protagonista, uma fazendo com que ele deseje ser independente e aventureiro, e outra reforçando o apego dele ao seu dono, e o desenvolvimento desse aspecto por parte de Woody talvez seja um dos pontos mais maduro e profundo de todo o roteiro de Andrew Stanton e Stephany Folsom.

    Os novos brinquedos também são muito bem apresentados, em especial o curioso Duke Caboom, dublado por Keanu Reeves, personagem esse que garante boas risadas e reflexões sobre superação de obstáculos. Há outros que apelam para eventos mais óbvios, mas ainda assim são bem carismáticos, como os brinquedos prêmios de jogos no parque. Os antagonistas são desenvolvidos, em sua maioria, como personagens multidimensionais, e o rumo destes redime um pouco Lotso, Pete Fedido e outros vilões já apresentados na série.

    Os brinquedos quebram muito dos protocolos, e isso ajuda o dar peso nas escolhas que o filme toma, fazendo com que as tiradas cômicas sejam muito mais significativas. A mensagem de que não dá para carregar todos os brinquedos sempre é muito bem explorada, ainda que a história de Toy Story 4 tenha algumas fragilidades. A vida é feita de transições, e mesmo pequenos ritos introduzidos no filme fazem um enorme sentido aqui. Para quem acompanhou todas as aventuras dos brinquedos de Andy e Bonnie é impossível não se importar com toda a carga dramática apresentada nesta sequência, e para ajudar o longa é visualmente belo, divertido e com uma bela carga dramática, pontuando bem o caráter e o espírito que a Pixar traz desde o primeiro Toy Story.

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  • Crítica | Turma da Mônica: Laços

    Crítica | Turma da Mônica: Laços

    Dirigido por Daniel Rezende, o mesmo que recentemente realizou Bingo: O Rei das Manhãs, Turma da Mônica: Laços tem a função de adaptar as histórias da turma mais querida e conhecida dos quadrinhos brasileiros, tomando como base a Graphic MSP Laços, de Lu e Vitor Caffagi, embora adapte apenas pequenos elementos da revista.

    A história não poderia começar se não por um dos planos infalíveis pelos quais Cebolinha (Kevin Vechiatto) é conhecido, que envolve a participação de seu amigo Cascão (Gabriel Moreira) tentando enganar Mônica (Giulia Benite) e Magali (Laura Rauseo). Já na introdução são mostrados vários personagens secundários, e também não demora a surgirem diversas referências aos quadrinhos espalhados pelo filme, além de uma bela participação envolvendo o próprio Maurício de Sousa, bem ao estilo das aparições de Stan Lee nos filmes da Marvel.

    O apego familiar  e emocional do filme é mais ligado aos Cebolas do que a família Sousa (de Mônica), incrivelmente a adulta mais explorada é a Dona Cebola de Fafá Rennó, que faz muito bem uma mãe preocupada e culpada por não ter dado ouvido as crianças. Ela incrivelmente tem mais tempo em tela que Paulinho Vilhena (Seu Cebola) e Monica Iozzi (mãe da Mônica), fato que reforça um pouco a ideia de um duplo protagonismo entre o menino de língua presa e a garota mais forte da rua. A participação de Rodrigo Santoro parece um pouco deslocada, mas funciona muito bem e faz perguntar se foi apenas um devaneio de Cebolinha, como acontece em seus quadrinhos.

    O uso de gírias data muito a produção, já que o mesmo cuidado visual que se tem de não aparecer aparelhos eletrônicos e tecnológicos não existe com o vocabulário. As crianças falam tantas expressões atuais que faz perguntar se elas são instruídas por uma preparadora de diálogos ou por um publicitário, e o uso aqui é tão prolongado que faz lembrar as piores comédias estreladas por Leandro Hassum, como se na dúvida, fosse importante deixar uma expressão que demonstrasse que o filme é atual, mesmo que o Bairro do Limoeiro fique em um limbo temporal.

    Outro problema do filme é a dificuldade em traduzir para as telas a força de sua protagonista. Das quatro crianças ela talvez seja aquela que soe menos natural, não por culpa da atriz, mas sim do roteiro de Thiago Dottori, que mesmo ao ser supervisionado por Luiz Bolognesi, não consegue fugir de momentos da pura artificialidade. Há outros tantos bons momentos, como a reflexão das crianças a respeito de pessoas em situação de rua trazendo uma importante reflexão nesses tempos para os pequenos que assistirem ao longa. Rezende consegue brincar bem com os personagens e suas individualidades e o resultado final do filme da Turma da Mônica é uma aventura bem humorada para todas as idades.

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  • Crítica | Noite e Neblina

    Crítica | Noite e Neblina

    Filmado na cidade de Auschwitz, após a Segunda Guerra Mundial, Noite e Neblina é um filme de Alan Resnais, lançado em 1955. Seu começo passa por campos coloridos, imagens de um lugar bonito, mas que abrigou muita dor e sofrimento. É curioso como o curta, de aproximadamente 30 minutos de duração seja conduzido pelo proeminente diretor francês, contemporâneo claro da ocupação nazista na França. O uso das imagens de terceiros ressaltam o horror que predominou na Europa e a perseguição irrestrita aos diferentes, entre eles aos judeus, tratados como escória pelos arianos.

    O uso da trilha sonora antecipa emoções, e as tomadas inéditas feitas ao redor dos campos são realizadas a noite, sobressaindo a beleza existente no local pela fotografia cuidadosamente pensada, mesmo que seu passado não condiga com esta abordagem. Resnais trabalhou neste filme principalmente para associar a culpa alemã ao holocausto. Mesmo com o julgamento de Nuremberg, com as punições severas ao país, havia a preocupação em denunciar a ideologia nazista para não permitir que ela se alastrasse mesmo depois do fim da guerra, e esses esforços além de justos, fazem sentido, afinal a ideologia nazifascista encontra ecos até hoje.

    As cenas finais de Noite e Neblina abrem mão de qualquer pudor, mostrando cenas de tratores movendo corpos de mortos dos campos de concentração, homens e mulheres nus, quase sem carne em seus músculos, pessoas dessexualizadas e desprovidas até de aspectos de aparência humana graças a falta de alimento a que eram submetidas. Em alguns pontos, os corpos estendidos fazem lembrar o gado abatido que é vendido em açougues, mas sem qualquer saúde dada a condição paupérrima em que estavam. Resnais tenta poetizar seu filme, mas sem tirar o peso do terror que os judeus e outros grupos sofreram naqueles anos da perseguição alemã, fazendo relembrar sempre o que aconteceu ali para que nunca mais se repita.

    https://www.youtube.com/watch?v=gJyRQFtpFjg

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  • Crítica | Divino Amor

    Crítica | Divino Amor

    Divino Amor é o novo filme do diretor Gabriel Mascaro, expoente do novo cinema pernambucano, e sua trama começa em 2027, na famigerada festa do amor supremo, uma celebração nacional que superou até o carnaval como festividade popular. A ideia de Mascaro é mostrar uma versão futura e distópica, com a religião como cerne.

    Na trama, Joana (Dira Paes) é uma devota fervorosa, que ao lado de seu marido Danilo (João Machado), tenta a todo custo engravidar, lançando mão de equipamentos de fertilização bem rudimentares para um futuro próximo onde a tecnologia atingiu um novo ápice, mas vá lá, nada disso atrapalha, ao contrário, essa versão alternativa do futuro brasileiro tem muitas coisas interessantes, como o detector de gravidez nas máquinas dos supermercados, que também acusa o estado civil da pessoa, e até drive thru de oração, com pastores a postos para aconselhar e acalentar as pessoas. A tecnologia aqui serve à crença.

    A protagonista trabalha em um cartório, e utiliza de sua influência para reatar casamentos, convidando os que vão até lá com intuito de se divorciar para conhecer sua igreja, Divino Amor, um lugar que só pode ser frequentado por casais, onde sempre se exige documentação. Seu trabalho mistura um pouco do mundo jurídico com um sentimentalismo religioso exacerbado, e isso tem repercussão com seus superiores e alguns dos atendidos.

    Desde o início há uma narração feita por Calum Rio – bastante irritante – que serve não só como função narrativa. Joana é mostrada na maioria de seus atos como uma chantagista emocional, mas se ela tem culpa disso ou não é discutível, pois aparentemente o único modo que conhece de lidar com pessoas é utilizando deste artificio. Como o Estado interfere na vida das pessoas ao extremo, o modo como ela age é também um reflexo de seu próprio país.

    A igreja que dá nome ao filme é como um grupo de apoio, com um rito estranho que mistura sexualidade extrema para um grupo de conservadores, incluindo aí regras de grupos que aos olhos dos evangélicos atuais são libertinos. Aparentemente não há adoção, e isso tudo piora o drama da protagonista, que ao não ver respostas que esperava de Deus, fica ainda mais tensa.

    Incrível como mesmo a premissa sendo nonsense, ainda encontra plausibilidade dentro dos pensamentos religiosos extremos, não fossem algumas cenas mal dubladas – especialmente quando Danilo e Joana conversam sozinhos – o filme não pareceria tão artificial. Mascaro é um sujeito que faz filmes com um assunto central, não elucubra sobre diversos assuntos dentro de seus longas, e isso é ainda mais acertado em Divino Amor, com uma crítica forte e contundente ao avanço da religião na política do Brasil, não soando tão poético quanto Ventos de Agosto e Boi Neon, mas retornando a um cinema mais sarcástico e pragmático, como foi com Lugar ao Sol.

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  • Crítica | Crimes e Pecados

    Crítica | Crimes e Pecados

    A maneira como pequenos fatos podem tomar grandes proporções, afetarem terceiras pessoas ou simplesmente se perderem entre as casualidades da vida são o ponto de partida de uma ideia que viria a acompanhar toda a obra de Woody Allen.

    Talvez Crimes e Pecados não seja o filme mais cultuado da extensa filmografia de Woody Allen, mas sem dúvidas é um dos mais importantes. Sua trama central viria a servir como pilar para algumas outras tramas do diretor: Os Trapaceiros, Match Point e Homem Irracional, por exemplo.

    Nele, Martin Landau apresenta Judah Rosenthal, um oftalmologista bem sucedido, casado com uma filha já educada. Judah se enxerga como um homem de moral irreparável,mas há um porém…  Ele tem uma amante, Dolores. Para ela, essa relação já não se sustenta e não se conforma mais com a situação. Ou Judah deixa sua família para ficar com ela, ou Dolores conta tudo sobre sua relação para a esposa do doutor. É quando então seu Jack, irmão de Judah que mantém vínculos criminosos, oferece uma solução alternativa (e final) para seu imbróglio familiar.

    Como grande maioria dos roteiros escritos por Woody Allen, Crimes e Pecados dispõe de uma extensa árvore genealógica da arte, sendo Crime e Castigo, o livro quase homônimo de Fiodor Dostoiévski, sua principal referência. A partir do momento em que o crime é consumado, a culpa pesa sobre o protagonista que passa a refletir sobre sua vida, criação e a situação confortável e ao mesmo tempo hipócrita que vivia.

    Embora o filme aconteça em duas vias distintas, a história principal do filme é a de Martin Landau: o crime, a culpa e a moralidade entorno do protagonista; enquanto a história de Cliff, o documentarista vivido pelo próprio Woody existe para empregar mais valor aos temas propostos. Isso é feito de maneira bastante assertiva,pois assim também trata dos desdobramentos do amor e da vida de aparências da alta sociedade, que entram em discussão em sua narrativa primária. A culpa de Judah é evocada em abstrações que vão desde conversas imaginárias com um de seus pacientes, que é um rabino, até flashbacks lúcidos que trazem o passado para sua frente. Judah e Cliff traçam histórias diferentes que constroem a ideia que será discorrida no último diálogo do filme, numa espécie de touché que parte do autor.

    Antes de ser um filme sobre um crime, este ainda é um filme de Woody Allen. Então mesmo com um assassinato na trama, o foco do diretor está em pontos subjetivos, em explorar da melhor maneira possível os personagens dentro daquele universo e como eles lidam com as questões morais propostas. Sendo assim, o crime não é mostrado. É revelado pela história com apenas um telefonema.

    Crimes e Pecados é uma das obras mais sombrias dentre todas as de Woody Allen – junto de Interiores, Setembro e A Outra, onde o diretor também se encontra em grande forma filosófica.O monólogo do final do filme, proferido por Cliff é curto e grosso:a ordem natural universo é o caos.Mesmo aqueles que praticam o mal podem acabar recompensados perante a desordem total da vida – onde alguns privilegiados detém maior controle de sua rotina que outros. Sendo assim então, a culpa é uma escolha e é possível sim conviver com ela de alma leve e sono saudável.

    Texto de Gabriel Caetano.

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  • Crítica | MIB – Homens de Preto: Internacional

    Crítica | MIB – Homens de Preto: Internacional

    Os quadrinhos da Malibu Comics não são nem de longe tão conhecidos quanto os da Marvel ou DC Comics, mas serviram de base para alguns sucessos comerciais, entre eles a trilogia MIB – Homens de Preto, começada em 1997. As continuações tem um gosto duvidoso e retornar com a franquia sempre foi uma dúvida, que coube a F. Gary Gray (Straight Outta Compton, Velozes Furiosos 8) responder.

    Diferente das outras versões, essa não conta mais com Will Smith e Tommy Lee Jones, e sim dois novos personagens: M (Tessa Thompson), uma moça que desde cedo possui uma relação de proximidade com os alienígenas, e a celebridade da agência, H (Chris Hemsworth). Os dois agem em pontos distintos do globo terrestre e em estágios de carreira diferentes, com a primeira ainda em estágio de probação. É estranha a abordagem que o roteiro de Matt Holloway e Art Marcum dá, pois ao mesmo tempo que tenta-se expandir o universo que trilogia de Barry Sonnenfeld e os quadrinhos de Lowell Cunningham já estabeleceram, há algumas aberturas em relação a mitologia que soam bobas, como o advento de agentes mais discretos e que abdicam de roupas formais como o terno preto da MIB (mesmo que sempre se falasse que este seria o último traje dos agentes), além de um maniqueísmo exacerbado, que faz com que todos personagens, exceção a H e M, sejam terrivelmente mal tratados.

    Há alguns elementos típicos da franquia, como o uso da trilha sonora clássica, os veículos se transformando ao acionar um botões (com um belíssimo upgrade por sinal), entre outros detalhes, no entanto, falta à produção um pouco daquilo que consagrou o filme de 1997, originalidade e carisma, e por se tratar da adaptação de um quadrinho underground não havia tanta reclamação de fãs (J por exemplo era branco nos gibis e não houve qualquer reclamação de fãs conservadores ou algo que o valha), e com o tempo as continuações foram ficando mais caras e menos inspiradas e esse quarto capítulo não é diferente. Os vilões são genéricos, e fazem lembrar os péssimos antagonistas de X-Men: Fênix Negra, e o excesso de piadas sexuais envolvendo Hemsworth são completamente óbvios.

    Há uma tentativa clara do filme em soar dúbio, mas isso não funciona, pois o roteiro é vazio em discussões. As piadas e tiradas cômicas poucas vezes funcionam e até a química de Thompson/Hemsworth estabelecida em Thor: Ragnarok e fortificada em Vingadores: Ultimato é desperdiçada. Outra questão delicada é que em princípio os homens de preto não deveriam usar disfarces, e há duas possibilidades para o que é mostrado aqui, uma tentativa de quebrar paradigmas ou simplesmente pouco apego a mitologia, que era muito bem solidificada em live action e na animação produzida para televisão. Se os agentes não agissem como pessoas imaturas, a primeira possibilidade seria mais validada, mas isso não ocorre, existem personagens que são puro pastiche, entre eles C (Rafe Spall), um garoto bobo quando contracena com H, e o mentor T (Liam Neeson), que tem toda a sua curva de destino prevista muito antes do final. A ideia de desconstrução do ideal da organização é boa, mas mal executada.

    A motivação de M é fraca, e seu passado faz questão de retornar no final, desenterrado de maneira bastante oportunista, o que é uma pena, pois ela parecia uma personagem tão rica quanto o visto em Rosario Dawson em MIB 2, também mal aproveitada. É uma pena que a expansão do universo de Homens de Preto não seja acompanhada de boas tramas e subtramas, pois os efeitos especiais são bons e as cenas de ação bastante competentes, faltando um pouco mais de apego a mitologia da série e esmero em seu roteiro.

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  • Crítica | O Menino do Pijama Listrado

    Crítica | O Menino do Pijama Listrado

    O Menino do Pijama Listrado, de Mark Herman, adapta o livro de John Boyne de uma forma terna e simples, explicando de maneira lúdica a dura realidade de quem viveu o auge do nazifascismo na Europa durante a ascensão de Hitler. O pequeno Bruno, de oito anos, vivido por Asa Buterfield é visto brincando com seus amigos, enquanto seus pais, Ralf (David Thewlis) e Elsa (Vera Farmiga) vivem seus dias normalmente. O fato deles serem pouco chamados pelos seus nomes reforça a ideia do drama ser contado pelos olhos do menino, que não faz distinção nominal e possui uma visão binária do mundo.

    O ator mirim que três anos mais tarde protagonizaria A Invenção de Hugo Cabret está muito bem aqui, e parece ser o único em achar estranho a viagem da família para um cidade distante alemã distante da capital. Para as crianças filhas de oficiais alemães não houve grande mudanças quanto o seu dia a dia. O filme adota uma ótica interessante ao optar em narrar sua história do ponto de vista de Bruno, assim, se uma criança da idade do protagonista assistir ao filme, os nazistas serão os mocinhos dessa história, pelo menos até determinado trecho do longa.

    Os extremismos são apresentados paulatinamente. Os ânimos se acirram com a chegada na nova residência, e a esposa percebe um distanciamento do marido. Toda a parte que toca os adultos é simplista e maniqueísta. Isso se reforça quando o pai de Bruno mente para o garoto e para o público sobre a necessidade de seu trabalho para a soberania do país e bem estar da família. A coisa se torna mais grave ao passo que Bruno percebe existem judeus trabalhando forçosamente em sua casa, com uniformes que ele confunde com pijamas.

    De fato o foco narrativo infantil é bem mais rico, e a curiosidade do menino vira uma grande preocupação da mãe, ao ponto dela não perceber que ele faz amizade com outro menino, Shmuel (Jack Scanlon). Em contrapartida, sua irmã Grete (Amber Beattle) abraça cada vez mais a ideologia nazista, basicamente por carência e necessidade de aceitação, tal qual boa parte dos apoiadores da face mais moderna do fascismo atual, como já vimos em A Onda.

    O longa de Herman é conhecido principalmente por seu final trágico e para sorte de sua trama, a riqueza dele mora na relação diferenciada de Schmuel e Bruno, mas se analisada pelo ponto de vista da mãe alemã, a cegueira que ela tem ultrapassa até a ideologia dos germânicos, pois seu precioso caçula é mais precioso inclusive que as crianças judias, e só pereceu ao ser convencido por essa criança “sorrateira”. É desonesto em um nível absurdo, e a máquina de matar e humilhar judeus não poderia parar sequer num dia de despedida da família que morava ali e que estava fazendo as malas, afinal, para o esforço de guerra, era de suma importância que os judeus soubessem de seu lugar, ainda mais com o avanço dos aliados. É preciso que se apele para uma das argumentações mais baixas, igualando um filho branco e ariano da potente nação alemã para entender o terrível drama do holocausto, e toda construção do suspense prova isso, toda a corrida em vão para salvar o menino é o castigo irônico que o destino dá a Ralf e Elsa, por terem sido mesquinhos, egoístas e abraçarem uma ideologia torta e assassina. O fato da história ser encarada por esse ponto de vista, abre uma linha de pensamento acessória, tal qual era o forte discurso da propaganda massiva de Joseph Goebbels.

    O Menino do Pijama Listrado é um filme que emociona e evoca sentimentos de ternura, ódio e empatia, mas acerta principalmente por denunciar o quão egocêntrica era a classe média alemã, com apenas uma figura que discute as falas e ações de Ralf, e que rapidamente é calada, basicamente por pensar minimamente diferente do fuhrer e dos seus discípulos, além de conter grandes atuações sensacionais de Buterfield e Scanlon, e bandeira de que o homem é puro em seu estágio infantil, livre de preconceitos e pensamentos maléficos quando no início da vida.

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