Categoria: Críticas

  • Crítica | Homem de Ferro

    Crítica | Homem de Ferro

    O marco um da iniciativa da Marvel em realizar seu próprios filmes contou com um diretor de filmes independentes conhecido por atuar em comédias de gosto duvidoso. Vendo a obra de Jon Favreau nos dias atuais é difícil enxergar como estava sua carreira em 2008, e o começo de seu Homem de Ferro é  igualmente diferenciado, nele Robert Downey Jr. tentava se reinventar como ator, no papel do milionário Tony Stark.

    O chamado à aventura ocorre após um grupo terrorista interceptar o carro onde Stark era escoltado, para surpresa de poucos, pois o roteiro deixou claro em todo o seu percurso se tratar de uma viagem perigosa, mas o personagem subestimou por completo a situação, como é de praxe em seu comportamento. Já nesse momento se percebe o quão inconsequente e bon vivant é o personagem de Downey Jr., inclusive, deixando seu amigo Jim Rhodes (Terrence Howard) em uma enrascada.

    Apesar da faceta engraçada e despreocupada, Tony é mostrado como um sujeito que não permite que as pessoas se aproximem demais, em um misto do que seria a personalidade do personagem criado nos anos 1960, embora tenha um pouco da personalidade de Bruce Wayne/Batman e da ironia de Dr. Stephen Strange, tanto que no filme Doutor Estranho, isso teve que ser de certa forma suprimido. A participação de Downey Jr. foi tão boa e icônica que influenciou até nas versões do herói nos quadrinhos.

    Na parte oriental da trama, há alguns problemas, como estigmatização dos árabes como vilões do mundo, apesar de aqui isso ser bem tímido em comparação com outros tantos filmes de ação mais recentes ou do mesmo período, é como se esse fosse um dos últimos grandes filmes há ainda apelar para esse espectro, com o roteiro ainda tendo vergonha de ser assim, tanto que neste momento, ele tem um belo assistente, Yinsen, interpretado muito bem por Shaun Tob. Nos quadrinhos, ele é um dos mentores do futuro Homem de Ferro, mas é chinês (seu nome é Ho Yinsen), no entanto, até essa mudança é plenamente cabível dentro do filme.

    Apesar de não ser perfeito, ele funciona como filme de origem bem diferente de outros como Superman, Batman e Homem-Aranha se tornando referência para contar histórias de outros filmes do Marvel Studios, apoiado ainda no equilíbrio entre drama, ação e humor, além do elenco afiado com seus personagens, não só Downey Jr. e Howard, mas também Gwynett Paltrow e Paul Bettany como Peppert Potts e o mordomo eletrônico Jarvis.

    O que pesa contra o filme são os vilões. O Obadiah Stane de Jeff Bridges além de desperdiçar seu intérprete já parecia se tratar de um sujeito malvado desde sua primeira cena. O personagem de Faran Tahir também é maniqueísta, sendo somente um capanga ganancioso e inconsequente.

    No entanto, as razões que fazem os vilões perseguirem Stark fazem muito sentido, principalmente por toda a trama envolvendo o mercado de armas. A ideia de não antecipar a trama envolvendo o Máquina de Guerra nesse filme foi inteligente, pois dá espaço para o herói ser desenvolvido sozinho, ainda que ele não tenha um antagonista à altura. A presença de Clark Gregg como Agente Coulson só ganha importância nos quarenta minutos finais, e o mistério que o envolve faz muito sentido, ainda mais quando é  revelado.

    Os aspectos visuais são bem trabalhados por Favreau, e sua duração é o suficiente para entreter e introduzir o vingador dourado como pontapé inicial desse universo. Ainda assim, o momento mais espirituoso ficou para o final, com Tony Stark assumindo publicamente a alcunha de Homem de Ferro, seguido logo depois pelo clássico Iron Man do Black Sabath, acompanhado de uma disposição de créditos bem estilizada, e claro, pela participação especial de Samuel L. Jackson, na cena pós-crédito, embrião do Universo Compartilhado da Marvel.

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  • Crítica | Cassino

    Crítica | Cassino

    Foi como transferir as sensações de ‘Money’, a sexta faixa do The Dark Side of the Moon, do Pink Floyd, em forma de filme, uma vez que, assim como as melhores músicas dos Beatles, Bob Dylan e outros ícones, há muito a se extrair de poucos minutos carregados de vastas mensagens. Se na música a ganância, as contradições, a lógica do mundo capitalista em eterna translação em torno do seu principal valor, o dinheiro, é toda embalada pelo ritmo de guitarra, e sintetizadores, em Cassino as imagens expandem o escopo e tudo explode, do começo ao fim, na intensidade e no sangue que suja o dinheiro podre dos encardidos piratas, cujos ternos italianos e charutos cubanos parecem impecáveis sob a luz quente das suas basílicas de consumo.

    A expectativa em torno de Martin Scorsese na década de 1990 era gigante. Após Os Bons Companheiros e sua absurda recepção de público, e crítica, o cineasta foi eleito o novo às na manga dos filmes policiais de Hollywood, com uma produção menos glamourizada que a de Francis Ford Coppola, nos anos 70, e muito mais atualizada a um contexto social mais desmoralizado, já no pré-anos 2000. Seus dois filmes aqui citados são coqueluches de um Cinema ‘violento’ e frontal, e que ao se banhar na sua própria truculência, mostra a face mais asquerosa e verdadeira de um mundo cão e absurdamente antiético. Cassino é ultra real, retrato de uma época, e necessita de um mise em-scène um tanto surreal para não parecer um documentário com grandes atores em conflitos barbaramente encenados. Verdadeiros gladiadores, na tela.

    Já não existia mais a confiança cega na família, aquela que dava o tom nos três O Poderoso Chefão. Se o terceiro capítulo da saga dos Corleone falhou, miseravelmente, em 1990, os filmes de Scorsese brilharam porque os tempos já eram outros, mais cínicos, hipócritas, individualistas. Quando os indivíduos da sociedade do espetáculo não confiam mais uns nos outros, o próprio espetáculo precisa refletir isso da maneira mais divertida e apropriada possível, e Coppola, o saudosista, não entendeu isso. Resultado: naufragou. Scorsese já via as coisas dessa forma desde o catártico Táxi Driver, ou melhor, desde Caminhos Perigosos, seu primeiro e antigo grande filme, tendo nesse verdadeiro épico de 1995 sobre a ambição humana a consagração dessa visão um tanto pessimista, com todo o brilho, literalmente, que ela poderia vir a irradiar.

    Na trama, os magnatas Sam Rothstein e Nicky Santoro são amigos de longa data, sobrevivendo no topo da cadeia alimentar de Las Vegas enquanto administram seus cassinos, verdadeiros quartéis de jogatina sob seus punhos de ferro, entre crimes e esquemas terríveis para ambos se manterem no topo – ‘se chegar aqui foi difícil, continuar é mais ainda’, seria o lema de Cassino. Robert de Niro e Joe Pesci dão mais um show de atuação, reprisando com mais pompa a alma violenta e diabólica dos gângsteres de Os Bons Companheiros, sujando novamente suas mãos – se for preciso. A desfaçatez de Sam (De Niro) impressiona, mas é a vilania de Nicky (Pesci), quase que vulgar mesmo, que mais nos assusta. Os donos da selva onde ninguém vale o que deve, e que fazem o que for preciso para se manterem no trono conquistado.

    Nisso, ambos acabam se envolvendo com a perigosa femme fatale descontrolada Ginger (Sharon Stone), e veem tanto sua “amizade” como seus negócios virarem de pernas para o ar. Ginger é a desconstrução em forma de gente, sendo aqui o elemento que desestabiliza tudo por onde passa. É a peste, o furacão que tira os leões da toca, e os abate feito gatinhos. Pela primeira vez, Sam e Nicky não podem corromper seu problema, ou matá-lo e enterrá-lo no deserto de Vegas – Ginger e seu salto-alto chegaram para ficar, têm poder e são intocáveis até para os reis Midas que tocam, e comandam tudo. Não há dinheiro no mundo que controle um tornado, diz a sua presença. Stone rouba suas cenas de forma impressionante, e tanto seus embates com De Niro e Joe Pesci, quanto suas consequências, devastadoras, geram algumas das melhores e mais chocantes cenas da filmografia de Scorsese. Apenas.

    Cassino apresenta o diretor no auge de sua melhor fase como realizador, ainda com muita fome e sede de Cinema, e uma intensidade gigantesca mas que não deixa o filme pesado, ou excessivo. Uma obra bárbara, com elementos muito bem reciclados de outrora no contexto geral da trama, e com um inesquecível terceiro ato, simplesmente arrebatador. Sua força está nas mensagens e na sua encenação, na ótica vivida sobre um cosmos regido por agentes de um sistema desumano, e essencialmente competitivo, e nos embates entre jogadores que almejam a mesma coisa: sucesso, para si mesmo. Num ambiente de pura jogatina, há coisas que o dinheiro não compra, e na iminência disso ser verdade, eis então o maior pesadelo dos donos do mundo.

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  • Crítica | O Incrível Hulk

    Crítica | O Incrível Hulk

    A Universal já tentou contar a história do Gigante Esmeralda com Ang Lee, no Hulk de 2003, um filme que divide muitas opiniões por ter sido cabeça demais para as plateias nerds, e pouco voltado a ação. Para a nova versão do monstro de Bruce Banner, chamaram o diretor francês Louis Leterrier, e Edward Norton para interpretar o personagem título e seu alter-ego, e toda sua origem é contada de maneira muito rápida, durante a apresentação que dura em torno de três minutos, quase sem falas, apenas com imagens e infográficos.

    Antes mesmo de mostrar Banner na Favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, já se estabelece que ele se culpa por quase ter matado Betty Ross (Liv Tyler). Norton parece muito dedicado a fazer crer que é um personagem trágico e que se culpar por ferir pessoas próximas ou inocentes.

    Boa parte do drama de Bruce, vive de sua paranoia em relação a contaminação que pode vir do seu sangue, e há momentos bastante engraçados de sua passagem no Brasil. Também é engraçado como os Estados Unidos vêem o Brasil, mandando alguns agentes procurarem um homem branco trabalhando em uma fábrica específica, como se isso não fosse algo comum.

    A criatura só aparece em torno dos vinte minutos de filme, reforçando os estereótipos brasileiros de uma maneira tão fantasiosa que não há como não achar engraçado, tal qual Velozes e Furiosos 5: Operação Rio, no entanto, é nesse momento que a cooperação entre General Ross (William Hurt) e Emil Blonsky (Tim Roth) deveria ser levada a sério, mas não há como, dada a galhofa da operação como um todo.

    As principais críticas ao que Ang Lee fez se deu em relação a ação, e Leterrier parece buscar o extremo oposto disso. Há muita ação, e a transformação pela qual passa Blonsky faz lembrar a forma de dirigir que Paul Greengrass fez em Supremacia Bourne e Ultimato Bourne, quase emulando uma filmagem documental e realista, de como seria um monstro venenoso como o Abominável agindo pelas ruas de Nova York.

    A tática utilizada por Banner para deter seu nêmeses encontra eco nos quadrinhos, inclusive num arco dos Supremos. As lutas mesmo quanto tem muito computação gráfica não soam datadas, mas também carecem de textura, principalmente com o vilão, que soa tão artificial quanto um boneco mal feito, batendo nos prédios e destruindo o asfalto da cidade. Mesmo que em alguns momentos o combate de titãs seja épico, a razão pelas quais esses enfrentamentos ocorrem é vazio, algo entre a dedicação de Norton ao papel e o produto final que chegou aos cinemas em 2008 se perdeu.

    A recepção do filme foi mista, os elogios do público passavam pelas cenas de ação, e as críticas também reclamavam da pouca dramaticidade e da narrativa genérica do roteiro, mas muito do impacto negativo foi absorvido pela cena pré-créditos finais, com Robert Downey Jr. aparecendo, para falar de uma iniciativa que reuniria homens com grandes feitos, incluindo aí Bruce. Esse, até mais que em Homem de Ferro, foi o início da mania dos filmes produzidos por Kevin Feige em driblar a própria mediocridade com uma cena no final sensacionalista e covarde, disfarçada de easter egg unicamente para deixar o espectador satisfeito com o que ocorreu em tela. É uma pena, pois o gigante esmeralda merecia muito mais do que isso.

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  • Crítica | ReMastered: O Diabo na Encruzilhada

    Crítica | ReMastered: O Diabo na Encruzilhada

    Para os ouvintes assíduos de blues, um homem gera questionamentos e mistérios há décadas: Robert Johnson. Um verdadeiro mestre na arte da música, Johnson possuía um jeito ímpar de tocar seu violão. Uma técnica incompreendida na época (e por muitos até hoje). Tão misteriosa quanto sua técnica foi a vida do bluesman. Nascido no Mississipi nos primórdios do século XX, pouco se tem registrado além das 29 músicas gravadas, certidão de óbito e pouquíssimas fotografias.

    Fazendo uma verdadeira exumação da história, a Netflix produziu o documentário O Diabo na Encruzilhada (Devil At The Crossroads), título diretamente ligado à maior lenda envolvendo o músico: teria ele vendido sua alma ao Diabo em troca da famigerada técnica musical? Esta lenda torna-se mais verossímil à medida que o documentário, dirigido por Brian Oakes, avança em seus quase 50 minutos. Havia todo um contexto cultural e social da época envolvendo o forte cristianismo da região, que constantemente taxava o blues como “música do Diabo”. Afirmação esta corroborada constantemente pelos participantes do documentário, que vão de músicos a especialistas em cultura afro-americana. Talvez este seja um dos poucos elementos negativos do filme, visto que existe uma vontade quase fanática-religiosa de bater nessa tecla de “os cristãos demonizavam o blues”. Mesmo sendo verdade, houve uma certa forçação de barra para salientar esse ponto e, com isso, fortalecer a lenda da encruzilhada. Nada que desqualifique as demais qualidades da obra.

    Para quem não conhece a lenda, Robert Johnson sumiu por cerca de um ano, e quando reapareceu, estava com uma técnica musical extraordinária (até aqui é fato). Juntando este ponto às diversas referências em suas letras, Robert teria ido até uma encruzilhada, encontrado o Diabo, e lá o capiroto pegou o violão de Johnson e o afinou. “O violão por sua alma. Negócio fechado?”, e o resto é história (ou mito).

    Além dos especialistas em cultura afro-americana e diversos músicos, dentre eles o imortal Keith Richards, temos os depoimentos do neto e do filho de Robert Johnson. Mesmo que não haja esclarecimentos contundentes da história, foi feito um belo apanhado do que temos disponível sobre o bluesman. E claro, muita música por conta dos participantes e da trilha sonora do documentário. A dinâmica do filme é muito boa, não ficou tão engessada naquele formato padrão de documentários. Há os depoimentos, claro, mas estes são intercalados e até sobrepostos a cenas externas e animações muito bacanas, fazendo com que o depoente se torne um narrador momentâneo. Com isso, os 50 minutos passam rápido.

    ReMastered é uma série de documentários com diversos já disponíveis na Netflix.

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  • Crítica | Fahrenheit 451 (2018)

    Crítica | Fahrenheit 451 (2018)

    Rahmen Bahrani foi escolhido pelo canal a cabo HBO para conduzir a nova versão em longa-metragem do clássico distópico de Ray Bradbury, e a roupagem que ele dá buscar modernizar, não só em cenários, figurinos e efeitos especiais, mas também na abordagem de seus personagens. Guy Montag (Michael B. Jordan), que no romance Fahrenheit 451 é mostrado como um sujeito pacato, torna-se aqui um bombeiro popular, que busca fama e se torna uma micro-celebridade pelo trabalho que faz, além de estar sempre de olho em uma promoção.

    Montag é sempre acompanhado pelo Capitão Beatty (Michael Shannon) e há uma relação amistosa e de admiração entre eles, quase como mentor e pupilo. Os dois passam seu tempo entre exibições em escolas, na frente de crianças impressionáveis, além de perseguirem as pessoas que possuem livros. Uma das razões utilizadas para justificar a queima dos mesmos pelo Ministério é a automatização, que além de tornar objetos antigos como esses obsoletos, também tem substituído a mão de obra humana com as máquinas.

    A escolha do roteiro de Bahrani e Amir Naderi escolhe culpar o culto a tecnologia pelo estado de coisas distópicos do filme, e essa repaginação tinha tudo para ser válida e uma boa forma de atualizar o conceito. Nem há como dizer que no livro de Bradbury isso não estivesse um pouco presente, mas o modo como é conduzido ao longo dos pouco mais de 100 minutos do filme é bastante estranho. Aparentemente, os mais pobres não tem acesso a esse mundo futurista ao estilo Blade Runner (aliás as referências ao clássico de Ridley Scott são muitas, especialmente na casa do capitão, que parece demais os escritórios onde Deckard investigava) e sim bem antiquado, sem luxos ou uso de aparelhos  que possam facilitar  qualquer interação com o cotidiano.

    Behrani sabia que estava trabalhando com um produto bem conhecido da cultura popular, além do que a  primeira versão de Fahrenheit 451 lançada nos cinemas é considerado um clássico de François Truffaut, um dos mais populares e palatáveis de sua filmografia, e claramente faltou um pouco de maturidade ao traduzir o material literário. Há um pouco de sensacionalismo e simplismo no modo como Montag descobre a leitura, e em como Beatty o influencia a evoluir. Talvez esse seja o maior mérito do filme, pois consegue transmitir as sementes entre mentor e discípulo.

    Esse quadro muda um bocado quando Montag se envolve com a bela Clarisse (Sofia Boutella), uma moça que ele encontra como informante de Beatty. Ao perceber essa aproximação, o mentor passa a enxergar seu herdeiro como alguém perigoso, com disposição a ir onde ele não foi, e essa possibilidade é sugerida no livro, mas aqui é tratada como verdade absoluta.

    Shannon faz o vilão que habitualmente costuma entregar, semelhante ao que já havia feito em O Homem de Aço e A Forma da Água, mas não vai muito além disso, e de certa forma, é decepcionante ver o potencial desperdiçado, não tanto pelo seu desempenho, mas sim pelo que poderia entregar ao personagem. Os momentos finais desse do longe remetem, novamente, a Blade Runner de Scott, com belas paisagens sendo mostradas e uma sensação de libertação do mal, embora obviamente seja a consciência de Montag que vaga por ali, e não uma alternativa ao fim do mundo como na adaptação do livro de Phillip K. Dick, mas aqui, este tom não desautoriza todo o restante da  história, ao contrário do filme de Scott, ainda assim, a versão deixa a desejar.

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  • Crítica | Starry Eyes

    Crítica | Starry Eyes

    Jamais lançado no circuito brasileiro, Starry Eyes é um filme de terror da dupla Dennis Widmyer e Kevin Kolsch. O filme acompanha a trajetória da jovem Sarah que sonha com uma carreira de atriz, e tenta ganhar a vida fazendo testes para pequenos papéis no cinema e na TV, além de conviver com amigos esnobes e metidos a intelectuais, enquanto ainda tem de trabalhar em um restaurante para pagar suas contas e manter vivo seu sonho.

    O traje que usa, colado em seu corpo é revelador demais, e pior que que se submeter a um uniforme de trabalho tão “invasivo” é ter de lidar com os olhares lascivos das pessoas. Seu supervisor, um sujeito de discurso otimista e motivador a olha de cima a baixo, despindo-a em sua mente. Sarah claramente tem problemas para se relacionar com o sexo oposto, e essa postura só piora todo o quadro.

    Ao tentar fazer audições, ela tem lapsos, fantasias sangrentas, ecos de uma vivência que não teve mas que são incrivelmente reais e assustadoras. Em sua mente fica a dúvida se aquilo é apenas um devaneio ou premonição para algo que ainda lhe fará mal. Da parte real da trama, há um convite para um teste de um filme b de terror chamado Silver Scream, e as brincadeiras metalinguísticas não param aí.

    Sarah decide participar do filme, mas se vê frustrada ao ser assediada por um dos produtores. Seus pesadelos pioram e ela sem saber o que fazer, resolve voltar atrás na decisão que tomou, e a partir daí é como se uma maldição sanguinolenta caísse sobre seus ombros, piorando seu estado mental, refletindo essas imperfeições em seu corpo, que aos poucos passa a expelir toda sorte de nojeira. A deterioração pela qual passa a personagem de Alex Essoe dá a ela chance de variar entre os arquétipos de filmes de terror, não sendo apenas a famosa garota em apuros ou a mocinha virginal, mas também a catalisadora do mal e punidora daqueles que se julgam superiores. Há elementos de filmes sobre satanismo, canibalismo, zumbis e slasher, e mesmo quando o filme apela para clichês é tudo  muito bem construído e enquadrado. Sarah é a vingança encarnada.

    A fotografia onde predominam cores escuras ajuda a mascarar o orçamento diminuto que Widmyer e Kolsch, em contrapartida, não falta inventividade. Starry Eyes tem uma forte carga de discussão social, sobre assédio, bullying e dificuldade de crescer longe dos cuidados paternos. Uma pequena pérola do terror que precisa ser descoberta.

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  • Crítica | John Wick 3: Parabellum

    Crítica | John Wick 3: Parabellum

    Quando fez o dublê de Keanu Reeves em Matrix, Chad Stahelski não parecia que se transformaria no criativo e competente diretor capaz de reproduzir em tela toda a magia dos quadrinhos de ação e dos animes shonen. Após os eventos de John Wick 2, o protagonista surge mancando, tropeçando em cima dos próprios erros e tendo de conviver com as escolhas que fez.

    Evidente que John Wick 3: Parabellum trataria logo de dar um destino para o cachorro do protagonista, que retorna ao Hotel Continental, para ficar com o porteiro, afim de deixar a ação correr, ainda que durante o filme cães sejam utilizados como armas de guerra. A expressão que serve de subtítulo, está presente na frase do latim, bem famosa, si vis pacem, para bellum, que em português ficaria se queres a paz, prepara-te para a guerra, e  quase todas as sequências de ação transbordam esse estado belicoso.

    Em De Volta ao Jogo, Stahelski e David Leitch homenagearam os quadrinhos de ação, e neste, aparentemente há uma ideia de reverenciar os famosos games Beat’em Up, como Street of Rage, Double Dragon e Capitão Comando. A tentativa de John Wick em manter-se vivo passa por cenários distintos, seguidos por outros cenários ainda mais estranhos onde alguma luta muito bem coreografada e bizarra ocorre, sempre com um pé na realidade, mas com um tanto de fantasia voltada para a violência. A atmosfera diferenciada da franquia continua lançando mão em dois aspectos que a tornam diferente de todo o cinema de ação. O primeiro, são os golpes secos, que fazem com que os duelos de faca ou de revólveres à queima-roupa façam sentido dentro da lógica de escapismo hiper-realista, enquanto a outra é o som, que abdica de uma trilha sonora manipuladora para deixar os socos mais vivos em tela, aumentando a sensação de claustrofobia. O público é convidado a sentir os mesmos apertos que o herói, e essa imersão só aumenta ao longo da trilogia.

    O filme dá poucos respiros, e a ação é frenética, ainda que em alguns pontos soe cansativa. As partes que falam sobre o passado e nacionalidade do protagonista até acrescentam alguns aspectos que despertavam curiosidade, mas a realidade é que o mistério sobre seu passado era um aspecto interessante na composição do personagem. No entanto, o mais polêmico no filme é a disputa que reside na motivação do perseguido, variando entre uma jornada de redenção e pretexto para que ele implore por sua vida.

    Esta terceira parte parece mais preocupada em expandir o rico universo dos caçadores de recompensas modernos e assassinos de aluguel do que propriamente fechar o ciclo de Baba Yaga, e isso faz as tramas ligadas ao destino de Wick ficarem em segundo plano. Ao menos, há uma participação maravilhosa de Mark Dacascos, que há muito tempo não fazia um filme relevante (ou minimamente sério), seu resgate é quase tão emocionante quanto o que James Gunn fez com Michael Rooker em Guardiões das Galáxias 2, ainda que seu significado seja outro.

    É impossível não perder o fôlego com a sequência final, que ainda arruma tempo para fazer homenagens aos filmes de Bruce Lee, em especial Jogo da Morte, e mesmo esse sendo um jogo de peões se matando pelos interesses de magnatas poderosos e incapazes de qualquer esforço, é um belo capítulo dentro da trajetória do assassino que Reeves vive, abrindo ainda novas possibilidades para a continuidade da franquia.

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  • Crítica | O Fotógrafo de Mauthasen

    Crítica | O Fotógrafo de Mauthasen

    Filme espanhol de Mar Targarona, O Fotógrafo de Mauthasen mostra uma face curiosa e proveniente da segunda guerra mundial. O letreiro que aparece antes do drama localiza o infortúnio de fugitivos espanhóis que estiveram com os franceses lutando contra as tropas de Adolf Hitler. 7000 pessoas passaram pelos muros de Mauthausen, mas foram capturados por soldados nazistas, e ao ter seus direitos discutidos, receberam como “prêmio” do ministro Serrano Suner a negação de sua pátria, sendo considerados por ele e pelo governo franquista como não-espanhóis, desumanizados e despatriados.

    O filme se mostra inteligente, e brinca com a expectativa de que o narrador seja uma das crianças acompanhadas pela câmera, quebrando a quarta parede afirmando ser o fotografo que dá nome ao filme. No entanto, o maior acerto do filme do ponto de vista intelectual é focar no quanto os soldados e adeptos do III Reich eram intolerantes, e não só os governantes da política de extrema direita. O povo apoiava as barbaridades feitas contra os judeus e toda a sorte de preconceitos provenientes delas.

    Há outro aspecto bem curioso, que é o papel dos chamados kapos, prisioneiros judeus que agem como carcereiros, mas que também são explorados. O fato de terem porretes os tornam mais poderosos que os demais, frequentemente humilhados, espancados e mortos todos os dias nos campos de concentração. É neste momento que o fato do filme ser expositivo funciona positivamente, pois os kapos fazem um forte paralelo com os pobres que defendem ideias extremistas que lhe farão mal, ou sem perceber que atacam os seus.

    Apesar da exposição se tornar bastante pesada em muitos pontos, o maniqueísmo é um cabível, pois o ideal do filme é mostrar o sofrimento dos perseguidos. O filme gasta um tempo enorme mostrando o dia-a-dia dos campos e a completa desumanidade dos soldados e oficiais nazistas, e ainda demonstra de maneira categórica que não há qualquer intenção igualitária entre os chefes nazistas e os kapos, mostrando que eles só servem para ser um golpe ainda mais forte e sentimental nos prisioneiros, pois a violência do nazista para o judeu é esperada, mas a agressividade entre irmãos, não.

    Há um momento bastante tenso que mostra um número teatral imitando uma procissão e depois encenando um enforcamento, que acaba de fato matando o tal “condenado”. Bizarramente, fica a dúvida sobre a situação, se foi proposital ou não a morte do sujeito, pois para os nazistas, vidas hebraicas valiam menos que outras vidas. O final de O Fotógrafo de Mauthausen é catártico, e dá vazão a um sentimento de vingança e justiçamento, justificado dentro da lógica moral do filme. Apesar de não ser um filme perfeito, ele acerta mais do que erra, especialmente nas denúncias sobre a hipocrisia geral da sociedade à época.

    https://www.youtube.com/watch?v=OkPRGujc7IQ

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  • Crítica | Jesus de Nazaré: O Filho de Deus

    Crítica | Jesus de Nazaré: O Filho de Deus

    Lançado na época dos feriados pascais a fim de angariar algum público durante as folgas religiosas, Jesus de Nazaré: O Filho de Deus é um filme espanhol, dirigido por Rafa Lara, que diz começar pelo ano um depois de Cristo, embora a gênese de sua história seja no ano da morte do Cristo. O primeiro cenário é um castelo, que tem uma legenda bem grande afirmando ser o Palácio de Caifás, um dos líderes religiosos judaicos, descrito no filme como servo do governo romano, ajudando o domínio europeu que é erguido com mão de ferro.

    O primeiro dos aspectos discutíveis do filme é uma narração bastante intrusiva, que dita todas as emoções que o espectador vai sentir, sem permitir que o público tire suas próprias conclusões, pouco importando se atuações, roteiro e atmosfera do filme. A questão é que ao se assistir um pouco do desempenho dos atores, entende-se a escolha por esse artifício, já que o desempenho do elenco não funciona bem, talvez por conta do roteiro confuso, com passagens de tempo muito mal encaixadas, fortalecendo um formato de narrativa por contos.

    Outra questão complicada é a atmosfera, que é pouco ou nada criada aqui. As locações, em meio ao deserto servem bem aos subúrbios das cidades de Israel ou aos lugares em que Jesus pratica seus bons atos, mas em alguns dos seus milagres ou no momento próximo de sua crucificação se nota as dificuldades orçamentárias. Na multiplicação de pães e peixes, o Jesus de Júlian Gil põe um pano sobre a cesta de alimentos, depois a levanta, e se percebe um corte mal feito, gritante quando se trata de um filme para o cinema, e na via crúcis, momento emocionante, se nota que os capacetes dos soldados foram totalmente improvisados. Há peças de igrejas católico-evangélicas que fazem isso melhor.

    Gil não parece ser um mal ator, mas seu Jesus é sem carisma e sem beleza, não acompanha o visual histórico correto e nem consegue ser uma versão mais eurocentrista, como em Jesus de Nazaré, de Franco Zefirelli, ou Paixão de Cristo, de Mel Gibson. Pior, na cena em que se exige dele, em um momento de ira ao se deparar com o consumismo que tomou o templo de Deus, o ator sequer consegue parecer irritado ou ameaçador, e para piorar, a câmera ainda passeia pelo cenário, e tenta pegar ângulos mais alternativos, numa tentativa de direção moderna, mas que simplesmente não funciona.

    Nenhum dos apóstolos se destaca, nem Pedro ou Judas. Há uma tentativa de dar importância aos papéis de Caifás e João Batista, mas eles também não sobressaem, nem mesmo Sergio Marone, ator brasileiro que interpreta Pôncio Pilatos consegue ter algum destaque – curiosamente, a cena mais simbólica e emblemática ao se lavar as mãos é feita no escuro, em secreto, longe dos olhos do povo e do espectador.

    A maioria dos diálogos é artificial, com frases de efeitos que sequer combinam com uma adaptação bíblica, assim como os momentos que deveriam ocorrer ações sobrenaturais. O encontro de Moisés, Elias e Jesus parece tirado de um episódio barato de The Walking Dead (vazio de qualidade visual) e o diabo é claramente uma cópia do que Gibson já havia feito em Paixão de Cristo. Da parte narrativa, Jesus induz o traidor a escolher o caminho do mal.

    Jesus de Nazaré: O Filho de Deus é um filme complicado, caça-níquel que não consegue ter pompa sequer para ser um bom filme religioso. Em seu começo a narração irrita, mas fato é que sem ela, talvez boa parte de sua trama não fosse entendida, e a escolha pela não linearidade se mostrou uma saída tola, tão fraca quanto o restante do filme.

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  • Crítica | Cemitério Maldito (2019)

    Crítica | Cemitério Maldito (2019)

    Após 30 anos da primeira versão de Cemitério Maldito, os diretores do (excelente) Starry Eyes, Kevin Kölsch e Dennis Widmyer, trazem à luz uma volta a Ludlow, cidade cenário do romance de Stephen King, O Cemitério e já em seu início ele mostra uma versão bastante diferente de Mary Lambert. Em alguns momentos, o filme apresenta ótimas idéias e conceitos interessantes, mas que não são minimamente desenvolvidos.

    Essa versão de Cemitério Maldito tem uma fidelidade maior com o material original. O Louis Creed de Jason Clarke é incrédulo, e faz questão de mostrar a todos que é ateu, até a sua filha, Ellie, feita por Jeté Lawrence. Na relação de pai e filha mora a face mais emocional do filme, mas mesmo essa faceta é mal desenvolvida ao longo da trama. Desde o começo do filme se percebe uma aura sombria, não há sutileza, toda sorte de pessoas e situações parecem excessivamente dark e carregadas de malignidade, destoando completamente da obra original.

    Ao menos do ponto de vista do gore, Widmyer e Kolsch acertam. O filme não tem receio em ser asqueroso ao expor sangue, mesmo contando com um elenco infantil. No entanto, até essa qualidade visual é discutível por conta do excesso de cenas escuras. O elenco também não funciona muito bem, John Litgow faz um vizinho de origem estranha, cuja motivação não se explica e não se dá nenhuma importância, nem por seus sentimentos ou passado. As sensações e o carinho que ele diz ter pelas crianças dos Creed não faz sentido, pois ele sequer parece gostar de crianças. As obviedades do roteiro de Matte Greenberg e Jeff  Buhler irritam e tiram a atenção do espectador. Os efeitos ligados a Church, o gato-zumbi, são terríveis, assim como seu comportamento passivo-agressivo.

    O  desenrolar do final assusta com a falta de sentido, independente da troca da criança que será perdida (apesar de também haver um peso diferente entre perder uma criança e um bebê, mas tudo bem), e sim por conta do que se desenha, já que não faz sentido nem por conta do trauma que Louis sofre e nem com o desenrolar dos acontecimentos. Cemitério Maldito é surpreendente por ser tão mal pensado e executado.

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  • Crítica | Dogman

    Crítica | Dogman

    Dogman, filme mais recente de Matteo Garrone, é exaustivo. Dividindo o mesmo cinismo relativo à derrocada moral da população suburbana da Itália com Gomorra, a obra que catapultou seu nome ao co-protagonismo do cinema europeu, trata-se de uma epopeia massacrante sobre o crime e a cultura de intimidação que o cerca – bem como sobre as chances nulas, quase além da compreensão, de dignidade e serenidade por parte de quem abraça esta vida dura a despeito das circunstâncias.

    Acompanhando a vida de Marcello (vivido por Marcello Fonte, premiado como Melhor Ator em Cannes por esta interpretação), um fragilizado e simplório tratador de cães em uma decadente cidade costeira não-especificada, Dogman nos insere no contexto quase idílico dos seus dias (cuidar atenciosamente de cães, jogar futebol com amigos, fazer nada na companhia de amigos, entreter a filha pequena, Sofia, que teve com uma mulher com a qual não há mais reparação) mas logo revela a faceta sombria inescapável de alguém detido em um lugar tão impróprio para um cotidiano saudável: por baixo dos panos, Marcello é um traficante. E esta atividade paralela, embora pague por uma convivência mais agradável do que seria esperado para alguém de possibilidades tão ínfimas, acarreta também problemas que excedem a ginga do protagonista para resolvê-los, exemplificados na figura de Simone (Edoardo Pesce, também em grande atuação), um violento e insuportável ex-boxeador absolutamente entregue à cocaína, mais parasita do que cliente, e que Marcello a muito custo consegue manter a uma distância nada segura, tentando evitar ocasionais explosões de implicância e ignorância. Obviamente Simone não tem meios de manter seu vício cada vez mais glutão, mas assim como faz com todos ao redor, ele prensa Marcello com brutidão a esticar a paciência com seus calotes e não tarda a fazer com que o mesmo participe de alguns de seus crimes.

    Ao contrário do que consegue fazer com paciência e gentileza com os cães dos quais cuida, Marcello não consegue estabelecer algo além de uma relação de submissão com Simone; a dinâmica entre ambos é a mais sufocante possível, e tanto a integridade física quanto a resolução civil de Marcello parecem sempre a um passo (dado por Simone, logicamente) da implosão completa. Marcello, afinal, é incapaz de se desvencilhar do magnetismo maldito de Simone, conservado através do mais puro bullying – e não somos surpreendidos, conforme a trama avança, quando atitudes mais e mais tóxicas e violentas produzem ocorrências mais e mais arriscadas e danosas, enquanto Marcello é tragado pelo vórtice de destruição que o indiferente Simone deixa como rastro.

    Garrone exerce uma precisão absurda pra construir atmosferas e estabelecer personas em seus mergulhos no submundo do crime de baixo clero; dispensando sutilezas mas compensando esta exposição com imensa naturalidade de diálogos (o roteiro é assinado pelo próprio Garrone, junto a Ugi Chiti e Massimo Gaudioso) e situações (méritos de Garrone como diretor, em especial de atores, e dos próprios atores, incrivelmente à vontade em seus papéis), o realizador incrementa vários desdobramentos do longa, que poderiam soar melodramáticos demais, como incidentes adequados dentro da escalada súbita (mas nada imprevisível) das inconsequentes incursões de Marcello nos golpes e roubos de Simone — desfechos coerentes com os crescentes riscos e sanguinolência. À medida em que Marcello começa a ser encurralado pela estupidez que segue Simone onde quer que ele vá, e seus atos desencadeiam reações onde até mesmo a morte de Simone por seus amigos é discutida, Garrone conduz a claustrofóbica narrativa dando pequenos sinais de que Marcello zarpou em direção a um destino nada alentador, e que a passividade covarde diante de Simone provavelmente só será rompida quando as consequências forem graves demais para serem ignoradas.

    Através de um desfecho duro e violento (e não seria de outra forma), porém sensato pro realismo desumano da saga de Marcello e Simone, Dogman reserva uma clareza total para as pretensões de Garrone: assim como acontecia nos núcleos de Gomorra, há uma colisão inevitável entre o que as personagens pretendem e o que de fato são capazes de empreender diante das próprias maquinações do mundo do crime e dos excessos que invariavelmente alcançam quem dança rente ao precipício. Que Marcello esperasse domar e acalentar Simone como a um cão descontrolado, em nome da própria estima, já seria insolência suficiente naquela realidade avilanada; que como resultado disso ele se torne apto (e adepto) a detonar o que lhe sobra de humanidade e civilidade, é o cerne do mundo que o longa apresenta, onde o crepúsculo da sociedade eventualmente devora a todos.

    Texto de Henrique Rodrigues.

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  • Crítica | Escape Room

    Crítica | Escape Room

    Depois de Jogos Mortais esgotar a premissa de mutilar e matar pessoas através de armadilhas e engenhocas idealizadas por um lunático, parecia que o cinema ia dar uma descansada dessa fórmula. Parecia. Em 2017, Jigsaw voltou a nos assombrar com suas tramoias absurdas no reboot da franquia e um tempo depois começou o hype em torno desse Escape Room. Os trailers lançados eram bem interessantes e a trama era promissora. Uma pena que não fez jus ao que prometia.

    Na trama, seis pessoas são convocadas através de um complexo quebra-cabeça a participarem de uma sala de fuga (escape room). De acordo com o convite, caso eles saiam da mais “imersiva e inovadora” experiência do setor, receberão um prêmio de 10 mil dólares. Parece simples, mas não é.

    Lendo dessa forma, a premissa é bem interessante. Fica mais legal quando você vê aquelas pessoas totalmente diferentes entre si tendo que cooperar para um objetivo comum. Com esse clima, o espectador é tragado pra dentro do filme e passa a procurar por pistas e sinais em qualquer parte do cenário. A cada sala nova eu me vi fazendo o mesmo que os protagonistas, observando tudo o tempo todo e ainda prestando atenção no filme. Dessa forma, o filme não fica só no suspense, mas vai se enveredando por um caminho mais aventureiro e intelectual ao invés de partir pra nojeira sádica de Jigsaw e sua saga. É o grande acerto do roteiro de Bragi F. Schut dirigido por Adam Robitel. O problema é que os erros também são grandes e comprometem demais a experiência.

    A contextualização dos personagens se dá através de algumas lembranças rápidas durante a trama. O que dificulta a experiência são nos momentos que ocorrem situações extremamente convenientes. Pra piorar, cada armadilha tem uma relação pessoal com o passado de cada um dos protagonistas, provocando uma sensação absurda de inverossimilhança. É algo exagerado e desnecessário. Pra piorar ainda mais, o filme conta com um antagonista que parece ter saído de um filme antigo do 007, faltando apenas que ele se vire, em uma poltrona e segurando um gato, já que o restante ele segue à risca nessa cartilha. Parece que os roteiristas e o diretor não confiam na inteligência do espectador e se sentiram no direito de contar tudo novamente de forma reduzida.

    Em resumo, quando acerta, Escape Room é um suspense bem angustiante e divertido. Quando erra, a película faz de uma maneira que chega a eclipsar o seus acertos, fazendo com que a experiência tenha um sabor agridoce por todo potencial que havia ali.

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  • Crítica | Cabaret

    Crítica | Cabaret

    Cabaret começa de maneira curiosa, seus primeiros momentos são mudos, até o letreiro indicando que a história se passa em Berlim no ano de 1931. Passam aproximadamente dois minutos, até a primeira fala do filme, evocando o Kit Kat Club, cenário tão presente que pode ser facilmente encarado como um personagem do elenco.

    A história que Bob Fosse conta é focada em Sally Bowles (Liza  Minelli), uma cantora e performancer do Kit Kat, cuja presença esplendorosa arrebata a atenção de todos não só pela beleza de seu corpo e por sua dança sensual, mas principalmente por sua voz. Já em seu início, o filme estabelece uma espécie de triângulo amoroso entre a protagonista, o americano Brian Roberts (Michael York) e o jovem alemão Fritz Wendel (Fritz Wepper).

    Há duas facetas bastante distintas presentes no Kit Kat Club, a primeira com luzes são os artistas, homens e mulheres, sem medo de se mostrar como são, como se a licença poética e artística criasse um mini-universo cósmico de aceitação mesmo que frágil, enquanto há repressão e perseguição bem próximo dali. O que se intui é que mesmo que os excluídos tenham seu espaço, há um mundo lá fora, hostil e castrador, e curiosamente, esse cenário combina demais com os shows de transformistas (tal qual eram chamadas à época) que ocorriam no Teatro Rival na Cinelândia, lugar central do Rio de Janeiro em plena Ditadura Militar, como é muito bem pontuado no filme Divinas Divas.

    O filme é baseado no livro Joe Masteroff, e no musical adaptado por John Kander e Fred Ebb da peça musical de John Van Druten. Tanto a peça quanto o longa-metragem mostram um choque de universos bastante diversos da aristocracia alemã. É evidente que o foco dramático do filme mora nos desdobramentos sentimentais de Sally, dos homens que a cercam a na tentativa de ascensão social que cada um deles tem, mas é mostrado uma contextualização onde os poucos direitos que eles possuem, seriam cassados, para dizer o mínimo.

    A ascensão nazista na sociedade é desenvolvida brilhantemente em cenas graduais, como a de um jovem garoto cantando, para logo depois mostrar um sinal da suástica, com o povo em uma praça pública apoiando veementemente aquele momento. Há outros sinais, como uma discussão que Brian tem com um senhor que acusa judeus e comunistas de se unirem como uma sociedade secreta para derrubar os alemães. O caráter do filme passa a dar mais destaque a esses aspectos, sem deixar de lado o momento lúdico dos números musicais, e não é coincidência que o mestre de cerimônias (Joel Grey) faça uma dança com uma gorila disfarçada, dizendo que ela é seu par e que a sociedade não os aceita. O paralelo absurdo para retratar o preconceito com que uma parcela da sociedade era vista pelo nazifascismo funciona muitíssimo bem ao retratá-los como animais selvagens desumanizados.

    A vida dos personagens segue, apesar das curvas que a vida dá. As músicas, coreografias, cenários e atuações do elenco pontuam bem a atmosfera deste espetáculo. A mensagem de que o show deve continuar é bem exibida, e as alusões que se faz ao III Reich são pontuais e acertadas, inclusive em seu final, quando sobem os créditos e se percebe na plateia homens uniformizados. Essa inevitabilidade do futuro e falta de conclusão normativa faz Cabaret se engrandecer ainda mais, terminando poético e grave.

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  • Crítica | A Pé Ele Não Vai Longe

    Crítica | A Pé Ele Não Vai Longe

    É curioso como o cineasta francês Gus Van Sant, indicado ao Oscar em 2009 por Milk: A Voz da Igualdade, é curioso como ele tem um projeto de cinema que consegue se sustentar em torno da pura abstração de significados. Enquanto que Wim Wenders, o grande cineasta alemão de Paris/Texas, extrai o sentido do abstrato, do nada, e dá novas possibilidades para que o vazio e o silêncio revelem o que eles escondem, Sant faz exatamente o contrário. O cara reforça o vazio com mais vazio, emudece ainda mais o silêncio, em histórias que, mesmo tão humanas, parecem distantes e com uma comunicação mínima com o espectador que não se sente animado, o bastante, para investir sua atenção a elas.

    Talvez o exemplo mais gritante e bem-sucedido disso, em sua filmografia, seja Gerry, de 2002. Drama bastante desconhecido, e que merece muito mais atenção, justamente pelo interessante exercício narrativo a essa abstração generalizada em torno da história de dois amigos, ambos chamados Gerry, perdidos num deserto do Novo México, em meio a um cenário sufocante, árido e infinito. Mas é claro que, implícito a isso, está a sutil crise existencial presente em todos, repito, todos os filmes do diretor de Elefante, o polêmico vencedor de Cannes em 2003, um conceito pertinente a Gus Van Sant e que é bem trabalhado, em tom jocoso e metafórico, neste bom A Pé Ele Não Vai Longe, o simpático filme de 2018.

    Simpático pode ser sua principal qualidade, já que aqui, pela primeira vez na carreira, Sant escolheu o projeto perfeito para entreter seu espectador, acima de tudo, com a história mais agradável, sorridente e esperançosa possível. A principal importância do filme está na adoração, em todos os sentidos, do capital humano e dos sentimentos de pessoas comuns em situações de conflito pessoal, e coletivo. Após um fatídico acidente de carro, o músico John Callaham, agora de carreira de rodas, precisa se superar. Sozinho não dá, e então, decide entrar para um clube onde a superação é o objetivo a ser alcançado, em várias áreas fraturadas da vida de um ser humano. Tal em A Teoria de Tudo, a questão aqui é simples como uma teoria quântica para muitos: como seguir em frente, após encarar a sua própria morte?

    Nesse clube, Callaham ganha o ar fresco e as inspirações que precisava para descobrir um novo Eldorado que todos nós devemos ter para acordar, sair da cama e andar por ai – no caso dele, desenhos, e um mais divertido que o outro. Lá, ao se deparar com outros dramas e problemas reais, percebemos também como é fácil superestimar nosso sofrimento acima do de outras pessoas, e o peso desse equívoco na nossa consciência. Com o espírito de Callaham sendo cicatrizado muito além do seu corpo semi paralítico, sua produção gráfica passa a ser o principal motivo para que sua alma artística possa respirar, novamente, com novos amigos e novas esperanças fazendo-o sorrir, nessa que parece ser uma nova vida para ele – talvez até com um novo amor a caminho, ou isso seria pedir demais do destino traiçoeiro?

    Baseado na própria história de Callaham (e muitas vezes ilustrada na tela pelos próprios desenhos do artista, que aparecem entre uma cena e outra dando o tom das cenas mais irreverentes do filme), A Pé Ele Não Vai Longe é inesperadamente espirituoso, e cômico, em muitos momentos que poderiam ser dramaticamente pesados, em especial para Gus Van Sant, acostumado a se aprofundar quase que sem limites na problemática dos seus personagens. A crise de Callaham é como uma noite, densa por natureza, mas iluminada pela lua e as estrelas que funcionam como uma luz, no fim do túnel. Alcoólatra, calado, carente e dependente da ajuda dos outros para um simples banho, o corpo se reconstitui a partir e só a partir do próximo, uma vez que somos animais sociais sem um pingo de autonomia desde o nosso nascimento.

    Joaquin Phoenix é um monstro vivo, um dos melhores camaleões de Hollywood, e é ele o responsável pelo naturalismo de seu personagem transitando entre duas vidas diferentes: a desregrada e inconsequente do começo, e a pós-acidente que produz um Callaham 100% ciente dos seus limites, e do valor de uma amizade verdadeira. Phoenix na verdade se sobrepõe, então, a narrativa não-linear que vai e volta nos detalhes mais sutis da vida do artista, e constrói um retrato sensível e emocionante da trajetória tortuosa de um homem amadurecido e reconfigurado pelo destino – a atuação física do ator é apenas uma consequência disso, num trabalho impecável e que poderia ter sido mais celebrado pela temporada de prêmio em 2018, se houvesse justiça nesse mundo.

    Como se não bastasse, o longa ainda tem coragem de zoar Bob Dylan, nos emocionar pra valer com Jonah Hill (sim, o gordinho de Superbad), apresentar um sexo oral hospitalar melhor que muita coisa por ai, e promover o ato nobre de reconstruir um homem a partir do que poderia ter sido seu funeral, no meio de uma estrada noturna suja de sangue, cacos de vidro e um corpo paralítico atirado no chão. Como levantá-lo e fazê-lo ir mais longe, a ponto de brincar com skatistas adolescentes em uma rua ensolarada, é a questão aqui. Um belo filme.

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  • Crítica | Cemitério Maldito (1989)

    Crítica | Cemitério Maldito (1989)

    A versão de Pet Sematary que Mary Lambert conduz, chamada no Brasil de Cemitério Maldito, se inicia mostrando o pequeno cemitério de animais, para logo depois cortar para uma cena com um caminhão em alta velocidade em uma pequena estrada. Uma premonição do que viria, e um resumo de onde se originaria o horror desse filme. O longa foca na família Creed, comandada pelo pai, Louis feito pelo péssimo Dale Midkiff.

    Da família, a única mais centrada é Rachel (Denise Crosby) – incrivelmente é a mais perturbada no livro de King. O Louis de Midkiff é insensível e anestesiado, enquanto Ellie (Blaze Berdell) é a criança chata e insuportável, e o pequeno Gage (Miko Hughes) é o garotinho bonitinho e travesso. Mesmo o pequeno gato preto, Church, é estranho e arisco. A  pessoa mais real do longa é Judd, o vizinho feito por Fred Gwynne, conhecido por seu papel como Herman Munster em Família Monstro. O senhor Judd é o resumo do chamado à aventura, já ele que convida Ellie a ir no cemitério, e também enfrenta Rachel sobre a necessidade de conversar com as crianças sobre a morte.

    A natureza do trabalho de Louis deveria ser mais voltado à pesquisa, afinal ele é médico em uma universidade, mas quando chega Viktor Pascow (Brad Greenquist), atropelado na estrada próxima à casa dos Creeds, ele não pode negar socorro. Essa primeira aparição de Pascow é muito boa, aterradora e fantástica, mas as outras são terríveis, além disso, o convencimento de Jud a Louis é estranho, pois ele nada explica, só sugere ao pai para que ludibrie sua filha. A dúvida que fica nesta versão é se Louis também é ateu, assim como no livro no livro, e como não há citações, acredita-se que isso não importa.

    Lambert faz um trabalho técnico muito bom, os cenários são muito bem feitos, sobretudo o cemitério indígena, assim como o trabalho de maquiagem e figurino. O aspecto visual do gato Church após voltar do mundo dos mortos também é legal, e mal se nota que foram usados sete animais para desempenhar esse papel, aliás, a única cena em que Midkiff está bem é exatamente quando o animal reaparece, nervoso mais que o normal, com olhos amarelados.

    Para um filme de baixo orçamento, Cemitério Maldito é muito bem feito, e fora um ou outro erro crasso, Stephen King tem um bom desempenho como roteirista de sua própria obra. O modo como um suicídio desencadeia a fala de Rachel sobre os traumas de seu passado é inteligente, e o encurtamento que o escritor faz ao reunir dois personagens em um é uma boa escolha narrativa, além do que as cenas com Zelda compõe um dos momentos mais assustadores do filme, em especial pelo desempenho de Andrew Hubatsek com a maquiagem fortíssima que usa. A descrição que Crosby faz desse tempo é ainda mais poderosa do que no original, e isso é muito, pois Cemitério é um dos melhores livros de King.

    Na cena do acidente, Lambert acerta no que não mostra, deixando apenas o caminhão tombado, o sapatinho com sangue, fugindo do explícito. A mudança narrativa é positiva (não era assim no original) e o desempenho de Gwynne é bom demais para ser ignorado. O filme é violento quando se trata do passado, e as maquiagens e efeitos práticos funcionam muitíssimo bem, salvo as aparições de Pascow, que não funcionam sob nenhum aspecto.

    Próximo de seu desfecho, a qualidade visual cai um pouco, nota-se que tudo que envolve Gage é artificial, tosca e mal montado, e até o stop motion soa datado, mas ainda assim há um certo charme. Cemitério Maldito peca menos que acerta, e em sua época, fez uma certa história por se tratar de um filme com pouco orçamento e que conseguia adaptar a aura de horror que King transcrevia em seus livros.

    https://www.youtube.com/watch?v=TbC1bDLd7HI

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  • Crítica | Face a Face

    Crítica | Face a Face

    Muitas vezes estigmatizado pelo sofrimento apresentado em cada uma de suas peças – as ideias do cineasta e dramaturgo sueco Ingmar Bergman chegam a seus limites de intensidade e crítica.

    O cinema de Ingmar Bergman, especialmente os lançamentos posteriores a Persona (1966), é muitas vezes reconhecido pelo pessimismo e por cravar raízes no estudo da psique humana. Em Face a Face, o autor não aborda apenas sua obsessão pela devastação psicológica e o despropósito existencial, como também apresenta outros temas recorrentes em sua obra: a importância da família e a iminência da morte. Mesmo com suas distinções, é um filme onde todas as ideias apresentadas pelo cineasta ao longo de sua extensa filmografia estão potencializadas.

    Logo após Cenas de um Casamento, Bergman mais uma vez reúne Liv Ullmann e Erland Josephson para contracenarem juntos. Ullmann é Jenni, uma psiquiatra que tem sua carreira em ordem e a vida pessoal prestes a um total colapso. Usa seu ofício para ajudar outras pessoas, se importa genuinamente com seus pacientes – sobre todas, Maria – que necessita de cuidados especiais. Em tratamento com outro médico, Jenni também sofre de arrebatadora depressão e se sente isolada pelo marido e insegura em sua relação com a filha. Com a casa em reformas e o marido em viagem, ela parte para morar temporariamente com os avós quando em completo desgosto consigo mesma, tenta suicídio.

    O longa é uma obra que não confronta sua protagonista com outros personagens ou situações, mesmo que se trate de Tomas, outro psiquiatra interpretado por Josephson. Como o título da obra sugere, esse confronto acontece na intimidade da protagonista e entre seus próprios sentimentos. Assim, Jenni enxerga sua vida deterioração a medida em que não encontra mais satisfação em nenhuma oportunidade.

    O autor se vale de alguns recursos para representar isso em cena. O primeiro deles é a cenografia: sempre opressora com o expectador e pronta para também sufocar quem está exposto ao filme. No momento em que Jenni volta à sua casa abandonada e encontra dois homens que tentam abusar da psiquiatra (eles estão em companhia de Maria – em crise), fica claro o estado de espírito devastado em que a doutora se encontra, por suas ações tomadas (mesmo após a tentativa de agressão ela prontamente vai socorrer sua paciente) e o ameaçador vazio representado em tela. Sonhos e fantasias que também são constantes em outros filmes do autor (Morangos Silvestres, Persona, Fanny & Alexander) – representam o inconsciente da psiquiatra a partir de quando tenta a própria morte, eles escancaram seu passado, suas frustrações e seus desejos em uma manifestação ensaística.

    Existe uma preocupação por parte de Sven Nykvist, diretor de fotografia e colaborador habitual de Bergman em preencher a tela com sombras – a ponto de muitas vezes lembrar a técnica chiaroscuro. Acontece com o cenário e com a face dos personagens, em alguns momentos, especialmente os de maior angústia, os olhos de Ullmann estão totalmente cobertos pela escuridão.

    Bergman, alternando sonho e lucidez, conduz todo sufoco e teatro subjetivo como uma ópera – tendo como finalidade a vertigem e reconhecimento com a decadência apresentada. Enquanto Jenni mergulha em sua essência subconsciente, mais o diretor coloca o dedo na ferida para questionar as escolhas pessoais e profissionais que fazemos em vida. Acontece uma espécie de compensação quando ela atravessa todo esse sofrimento e decide encarar um recomeço: a doutora encontra a sua filha, Anna, que se sente insegura quanto ao estado mental da mãe. É mais uma vez a incerteza assombrando qualquer otimismo possível para o futuro, e assim Face a Face abandona o expectador: a mercê do lado sombrio presente em cada alma viva.

    Texto de Gabriel Caetano.

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  • Crítica | Hellboy (2019)

    Crítica | Hellboy (2019)

    Após as desavenças entre Guillermo Del Toro e Mike Mignola, muito se cogitou sobre a possibilidade de um novo cineasta assumir o personagem nas telonas, e a aposta de Neil Marshall parecia promissora, pois tal qual o condutor de O Labirinto do Fauno, Marshall também vinha da escola de filmes de terror com orçamento mais barato e repleto de monstros feitos com muitos efeitos práticos, assim como Del Toro, ainda que as comparações entre os diretores pare por aí. Pois bem, o resultado do novo Hellboy é controverso. Muito se falou que esse seria um produto feito para os fãs, mas o que se vê não é exatamente isso, além do que, um filme feito para o cinema de milhões de dólares de orçamento não é voltado apenas para um nicho de mercado.

    A história começa em 517 d.C., mostrando a bruxa Nimue, de Milla Jovovich, combatendo o Rei Arthur. Suas vestes vermelhas sobressaem em meio ao preto e branco, e já nesse epílogo se mostra o quão violento, trash e gore seria o filme de Marshall. David Harbour vive um Hellboy que possui algum carisma, e remete ao personagem dos quadrinhos. O ator inclusive gastou um belo tempo conversando com o autor sobre seu protagonista, e ele acerta muito mais do que erra nesta versão. A trama é bastante calcada na ação, misturando três tramas dos quadrinhos, sem muito desenvolvimento para nenhuma delas. Nem mesmo para ambientar o espectador nesse universo ou mesmo na atmosfera do longa.

    O visual de adaptação pulp que Del Toro fez dá lugar a efeitos mais baratos, lembrando inclusive alguns filmes da produtora Asylum (a mesma de Sharknado), e os CGIs são bastante artificiais, mas não há uma função narrativa que justifique isso, como acontece no recente Shazam!. É difícil acreditar que este produto funcionará comercialmente, fato é que a saga antiga não teve um fim e este corre um grande risco de também não ocorrer, e pior, abre-se  uma nova origem para o personagem que já nos quadrinhos é bastante polêmica. Quase todas as conexões com Avalon, Merlin e as leis arthurianas são mal aproveitadas, restando apenas apelação a clichês típicos de filmes de ação. Ainda que os filmes de Del Toro não fossem exatamente fiéis aos quadrinhos, o Hellboy de Ron Perlman era menos sisudo, mais bobo e quase infantil, mas ainda com margem para um crescimento e maturidade em filmes futuros, caso o tom do filme fosse outro. Em contrapartida, o personagem de Harbour tem menos personalidade e soa mais genérico.

    O filme carece de bons coadjuvantes para conversar com o herói, até mesmo de um pouco de gravidade no roteiro, que deveria ser mais importante por se tratar do fim do mundo. Até mesmo nesse sentido o filme parece um erro, já que em seu primeiro longa opta por colocar o personagem para enfrentar o apocalipse, restando a dúvida do que poderia ser maior que os infortúnios do livro de São João unidos a fatos mitológicos anglo-saxões.

    O desfecho é confuso, desapega das próprias regras estabelecidas e reduz tudo ao arquétipo do escolhido. Há muitas incongruências no plano da vilã, inclusive de falta de lógica, e é triste que um filme escapista consiga ser tão mal pensado. O visual do filme varia de qualidade, enquanto acerta com o protagonista, erra demais com os inimigos, remetendo até mesmo aos péssimos Tartarugas Ninja produzidos por Michael Bay. Hellboy, infelizmente é um filme com um roteiro vazio, e até mesmo os ganchos próximos dos créditos finais, que abrem possibilidade para novidades já conhecidas até do público de cinema, são mostrados de  maneira anti-climática, tal qual todo o restante do longa.

    https://www.youtube.com/watch?v=doqJP-W0oVw

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  • Crítica | O Eterno Judeu

    Crítica | O Eterno Judeu

    O Eterno Judeu é um documentário em longa-metragem, de pouco mais de uma hora de duração, dirigido por Fritz Hippler. Sua ideia é alimentar na população uma cultura de ódio e asco pelos judeus, como esforço para desmoralizar a raça e religião destes, igualando-os a seres sub-humanos.

    O começo do filme mostra os guetos poloneses habitados em sua maioria por judeus. Nas placas explicativas, há uma distinção muito clara entre os  europeus legítimos e esses. A xenofobia e exclusão que seriam empregadas nesse povo ao ponto de isola-los em campos de concentração seria revelada também no claro desdém que o narrador escolhido por Hippler faz, tratando-os como inferiores, e ainda acusando-os de avareza e maldade, ainda que tenham sido roubados e explorados pelos alemães que apoiavam o governo tirânico de Adolf Hitler.

    As imagens de arquivo, em preto e branco mostram o martírio de homens e mulheres, que trabalharam para o regime do terceiro reich praticamente como escravos. Quase nunca há silêncio, e quando isso ocorre é um verdadeiro alívio para o espectador, uma vez que em silêncio, o narrador não põe para fora sua ideologia torta e torpe. A escolha das imagens é sui generis, tenta focar em cidadãos comuns, que tem cabelos e barbas desgrenhadas, apelando para um ideal estético, como se os descendentes hebraicos não se arrumassem, escolhendo normalmente imagens do final da jornada de trabalho.

    Outro fator preponderante para que o filme tenha poder, é a apelação de que os judeus são invasores, expansionistas, e tentam tomar a terra e as riquezas alheias, do “nobre” povo europeu “puro”. Os ratos que são mostrados em cenas repletas de detalhes cinematográficos, utilizados para referenciar os judeus, servindo bem para vender a narrativa nazista. No entanto, esta comparação conversa bem com a obra de Art Spiegelman, Maus, que tratava da sobrevivência dos filhos de hebreus durante os anos da Segunda Guerra Mundial e eram retratados como ratos na história.

    Os preceitos da mentalidade fascistas são repetidos continuamente e de maneira tão prolongada que funciona como sugestão da verdade, se passando por material histórico real, por conta do formato que fala mais a linguagem popular do que estudos acadêmicos. O modo de narrar os sofismas faz com que estes não pareçam simples mentiras. As partes de dramatização dos fatos reais são cuidadosamente montadas para fazer os que proferem a fé judaica como enganadores que  se fazem de vítima, encontrando eco em boa parte do discurso extremista atual, que acusa sempre as minorias de se colocarem como falsas vítimas do tempo atual, invertendo a balança de culpa. Incrivelmente, as táticas de hoje são as mesmas de ontem, e existem àqueles que mantenha sua miopia viva, mesmo diante das injustiças repaginadas e atualizadas.

    Mesmo com a curta duração de uma hora e pouco, Kippler dedica alguns minutos para criticar a ideologia marxista, e cita nominalmente Karl Marx como inimigo de sua própria ideologia, já que ela seria contra tudo que é bom, ordeiro e correto de acordo com a religião e o conservadorismo. Talvez se os crentes em teorias da conspiração de que o nazismo é uma ideologia à esquerda vissem somente este filme da propaganda nazista, já teriam argumentos suficientes para perceber a besteira que defendem.

    Durante à época em que Hitler esteve no poder, foram produzidos mais de 1300 filmes, valor este superado apenas pelos Estados Unidos, que além de ser uma potência na arte era também um país de território continental. Eles não eram tão pioneiros, e Kippler não tinha um cinema tão sofisticado quanto de Leni Riefenstahl, sobretudo em O Triunfo da Vontade, mas nota-se também uma ideia de cinema mais refinada, mas nada que salve o conteúdo de ser menos nefasto do que é, principalmente, quando mostra cenas dos ritos israelenses como se fossem um mantra contra tudo que é não-judeu.

    O cinema de propaganda nazista tinha algum pioneirismo sim, no sentido de usar os artifícios mais baixos para destacar o seu ideal e O Eterno Judeu é um dos maiores expoentes dessa mentalidade falaciosa, que se dedica inclusive a desdenhar de seus adversários e daqueles que o governo persegue, elevando o tom de covardia a um nível megalomaníaco.

    https://www.youtube.com/watch?v=jIuBaON4qoE

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  • Crítica | Vingadores: Ultimato

    Crítica | Vingadores: Ultimato

    Não é de hoje que vinha sendo dito que Vingadores: Ultimato marcaria o encerramento da Saga do Infinito, que começou lá em 2008 com Homem de Ferro e que se estendeu por 11 vitoriosos anos e 22 filmes, ao todo. As Joias do Infinito foram aos poucos sendo introduzidas e cada filme mostrava um pouco daquilo que estava por vir. Tudo muito bem programado e arquitetado pela Marvel, que se mostrou uma estrategista sem igual no que diz respeito ao planejamento. Obviamente, ao longo de 22 filmes, vimos uma montanha russa no quesito qualidade. Alguns filmes são realmente bons, como o ótimo Capitão América: O Soldado Invernal, ou como o primeiro Guardiões da Galáxia, sendo que outros são bem fraquinhos e que não vale a pena nem comentar. Aliado a isso, tivemos o início desse encerramento em Vingadores: Guerra Infinita, que foi um dos grandes momentos da história do cinema, reunindo num só filme os principais heróis dessas histórias contadas por mais de 10 anos. E é com Vingadores: Ultimato que esse ciclo se encerra.

    Após reunir todas as Joias do Infinito, Thanos (Josh Brolin) dizimou metade da população de todo o universo e o filme se inicia bem nesse momento para, logo em seguida, situar seus principais personagens, como os Seis Originais, vividos por Capitão América (Chris Evans), Homem de Ferro (Robert Downey Jr.), Thor (Chris Hemsworth), Hulk (Mark Ruffalo), Viúva Negra (Scarlett Johansson) e Gavião Arqueiro (Jeremy Renner), juntamente com Máquina de Combate (Don Cheadle), Homem-Formiga (Paul Rudd) e os Guardiões da Galáxia, Rocket Racoon (voz de Bradley Cooper) e Nebulosa (Karen Gillan), sobreviventes no filme anterior. Se Guerra Infinita tinha uma pegada mais urgente e ainda assim sobrou tempo para trabalhar os personagens, em Ultimato, esse tempo não existe e se o espectador não for ligeiro, ficará sem entender nada em alguns momentos. Inclusive, vale destacar que algumas das teorias são verdadeiras e muitas coisas que fãs acreditavam que aconteceria, realmente acontecem! Só que ninguém falou que aconteceria logo na primeira meia hora de fita e o desenrolar, aos poucos, vai perdendo aquele tom de obviedade, tornando tudo uma grata surpresa.

    Importante dizer que Ultimato é bem diferente de seu antecessor, Guerra Infinita, tanto no que diz respeito ao tom, quanto no que diz respeito ao rumo que cada personagem tomou após o drástico evento. Embora parte dos Vingadores estivesse operando em vários locais do mundo e tentando seguir a vida da maneira como podem, outros foram terrivelmente afetados pela aniquilação. Alguns foram para caminhos muito sombrios e outros foram para caminhos extremamente bizarros e desnecessários. Estes em específico causaram uma notória divisão dentro da sala do cinema. Parte ria, parte se revoltava, principalmente com os rumos tomados por Thor, que foi a maior surpresa de Guerra Infinita.

    É interessante como os diretores Joe & Anthony Russo e os roteiristas Christopher Markus e Stephen McFeely se propuseram a criar uma história mais intrincada e épica que a anterior. Embora conte com um número mais reduzido de personagens, a missão dos Vingadores é maior e cheia de detalhes, sem contar que é a mais audaciosa de suas vidas. Audacioso também é o desafio proposto pela equipe criativa, porque paralelamente à história principal, após sua primeira hora, dá-se início a uma série de homenagens e surpresas que celebram os mais de 50 anos de histórias da Marvel Comics, além de celebrar os 11 anos do seu Universo Cinemático – UCM. São tantos detalhes, que talvez seja necessário um texto inteiro para apontar esses acontecimentos, que são desde cenas inteiras, passando por frases marcantes. E é aí que nas duas horas seguintes você para de analisar o filme com frieza e volta a ser criança, principalmente no último ato, quando a sala do cinema se entrega de vez à diversão, algo que acontece até o último segundo.

    Se Guerra Infinita era um filme sobre Thanos, Ultimato é um filme sobre os Vingadores. E é impressionante como Gavião Arqueiro, Viúva Negra, Homem de Ferro e Capitão América se destacam no meio de tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo. Robert Downey Jr e Chris Evans tem uma atuação de gala e entregam neste filme suas melhores atuações no UCM. A carga emocional que os personagens enfrentam do primeiro ao último minuto de tela é transportado para os olhos do espectador com maestria pelos atores. Não é a toa que os (vários) melhores momentos do filme são protagonizados pelo Homem de Ferro e pelo Capitão América. E não é a toa que os momentos mais emotivos também são protagonizados pelos dois.

    Emoção é um sentimento que define bem Vingadores: Ultimato. Um filme que não só fecha a Saga do Infinito, mas que também coloca ponto final nos arcos de vários personagens, fecha algumas portas, abre outras e principalmente encerra um ciclo de pouco mais de uma década que foram relevantes para a história do cinema. Inclusive, após o seu final, o título original em inglês, Endgame passa a fazer mais sentido do que nunca. A Marvel Studios sai de cabeça erguida e com a promessa de se manter no topo, mas com um novo e mais complicado desafio. Avante, Vingadores!

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

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  • Crítica | Durante a Tormenta

    Crítica | Durante a Tormenta

    Tendo estreado apenas esse ano aqui no Brasil, o filme espanhol original Netflix Durante a Tormenta é o terceiro longa-metragem de Oriol Paulo, mais conhecido aqui no país pelo seu último trabalho Um Contratempo. O diretor e roteirista segue alimentando uma fama que às vezes é melhor não se ter – M. Night Shyamalan que o diga -, a de construir suas histórias em torno de grandes plot twists, de grandes reviravoltas imprevisíveis. Não seria muito cedo dizer que ele já é refém dessa fórmula, mas o que interessa é que mesmo se sim, ele acertou mais uma vez em suas devidas proporções.

    O filme se passa no período de uma tempestade que dura 72 horas em duas épocas diferentes, uma se inicia no dia da queda do Muro de Berlim em 1989, e a outra exatamente 25 anos depois quando Vera (Adriana Ugarte) encontra pertences da família que morou em sua casa em 1989 e descobre que o garoto dono das fitas morreu atropelado naquele mesmo dia. Quando liga a antiga TV, passado e presente se encontram e Vera consegue se comunicar com o jovem Nico (Julio Bohigas-Couto) e o avisa do atropelamento, salvando-o da morte. Mas no dia seguinte, ao acordar, Vera descobre que seu marido não a reconhece e sua filha nunca existiu, levando-a a uma corrida contra o tempo para descobrir como reverter as linhas temporais antes que a tempestade termine.

    Mesmo que o longa não entre de cabeça na viagem no tempo propriamente dita ou explore as divergências na existência de diferentes linhas temporais, é interessante como a complexidade do longa recaia sobre suas personagens e suas questões morais e emocionais. A jornada de Vera é movida por um desespero genuíno de mãe, enquanto inúmeras subtramas vão sendo injetadas por personagens coadjuvantes que não deixam de também ter suas motivações. Assim o longa pesca a atenção do espectador literalmente ao final de cada cena, é como uma engrenagem trabalhando para a próxima girar, é funcional mas aos poucos isso denuncia a longa duração do filme, não é muito difícil se cansar perto do clímax.

    E dessas subtramas pequenas revelações vão construindo o típico final do cineasta, surpreendente sim, mas dessa vez desnecessariamente repetitivo. Primeiro nós, público, ficamos um passo a frente da protagonista e depois somos obrigados a ver, em uma cena no mínimo didática, ela nos alcançando. Em trabalhos menos controlados o momento seria considerado piegas, mas o diretor parece conhecer seu elenco e o faz vender bem a atmosfera quase novelesca, o saldo não é completamente negativo no fim das contas. Durante a Tormenta ganha pelo coração e por privilegiar as emoções em vez de ressaltar o místico ou o policial, mais uma vez fiquemos de olho no futuro de Oriol Paulo.

    Texto de autoria de Felipe Freitas.

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  • Crítica | Sobibor

    Crítica | Sobibor

    Sobibor era durante a Segunda Guerra Mundial um campo de concentração nazista em que o grosso dos aprisionados era formado por ciganos e russos, isso de certa forma justificaria o motivo para que Konstantin Khabenskiy dirigisse o seu filme. De início é mostrado de uma forma sensacionalista alguns soldados nazistas vendo pessoas se batizando em um rio, e na mentalidade deles, esse batismo só poderia ser feito por judeus. Para os alistados da Alemanha, a vida dos judeus serviria somente para fazer trabalho escravo, e claro, para enriquecer o Reich.

    Essa mentalidade gananciosa, apesar de extremamente maniqueísta, revela bem qual era o modus operandi do governo de Adolf Hitler, além do que o filme não tem qualquer receio em parecer nojento, há momentos onde o gore sobressai até as atuações de seu elenco, com uma exibição bem generosa de vísceras, amputamentos e dilacerações, em especial sobre os concentrados menos subordinados.

    O primeiro grande problema do longa é que seu elenco é de nacionalidades diversas, e a solução para driblar a questão linguística foi a de dublar alguns personagens, em especial quando se precisa falar alguma língua que não o russo, e isso faz um humor involuntário ocorrer, e dado que Khabenskiy é ator (e inclusive está no elenco do filme), seria de bom tom tomar atenção para esses aspectos.

    O filme soa ultra dramático, se vale de clichês comuns e mal executados, que faz parece-lo uma cópia de outros filmes dentro desse subgênero, o que é uma pena, pois a história real poderia gerar uma nova perspectiva não só de como funcionou a guerra e a intolerância de Hitler, bem como agiu a resistência. O levante que ali ocorreu era revanchista, em uma versão moderada do que Tarantino fez em Bastardos Inglórios, claro, sem toda a hiper violência e irrealidade que o diretor emprega em suas obras.

    As imagens de dor e sofrimento não tem sua importância valorizada, pois parecem jogadas em meio um roteiro confuso e problemas de atuação conforme já havíamos mencionado. Além do diretor, outra figura famosa é Christopher Lambert, que até tenta fazer um oficial nazista de mentalidade dúbia, mas não consegue, um pouco por conta da barreira da língua (é um ator norte-americano, de origem francesa, que fala alemão em um filme russo), ou pela unidimensionalidade de seu papel.

    Não há muito o que se elogiar no longa. Ao menos, ele consegue mostrar o quão cruel e desalmados eram os atos dos soldados nazistas, e culpa corretamente os alistados e oficiais pelas atitudes nefastas que tomam, não suavizando nada, mesmo que boa parte deles usassem a desculpa de estar apenas seguindo ordens. Ainda assim, é muito pouco para um filme cuja pretensão é tão grande.

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