Categoria: Críticas

  • Crítica | Minha Vida em Marte

    Crítica | Minha Vida em Marte

    Mônica Martelli produziu e protagonizou em 2014 o filme Os Homens São de Marte e é Para Lá Que Eu Vou, que adaptava sua peça homônima. Em 2018, com a ajuda Susana Garcia, que dirige este e também a nova peça, Minha Vida em Marte mostra Fernanda (Martelli) com uma filha e um casamento em crise, já sem conseguir sentir tesão por seu parceiro, Tom (Marcos Palmeira). A maior parte do tempo, Fernanda passa com Aníbal (Paulo Gustavo), seu amigo e companheiro de organização de casamentos.

    A crise conjugal da protagonista piora quando se verbaliza o desejo da mulher de se retirar desse relacionamento, e apesar  de obviamente ter muitas tiradas cômicas, o caráter é bastante diferente do primeiro filme, mais sério e reflexivo sobre a questão do olhar feminino. Incrivelmente, o protagonismo é dividido, para muito além da arte do pôster. Os dois personagens se complementam. Outro ponto interesse é a forma como os personagens carregam o roteiro, as piadas não são tão histriônicas.

    O filme foge de caretice, e se propõe a desconstruir a ideia de que  o pensamento feminino em busca de um par é fútil, ainda que obviamente tanto Fernanda quanto Aníbal passem boa parte do filme tentando encontrar alguém especial. Próximo do final, o roteiro passa a ser mais quadrado, apela para clichês de separação e reconciliação, mas mostra uma Fernanda mais madura, menos dependente emocionalmente e mais dona de seu próprio destino.

    Apesar da apelação a um discurso de auto-ajuda, Minha Vida em Marte é bem mais maduro e inteligente que o seu antecessor, e principalmente, menos machista. A mudança na direção funcionou e o tom do humor faz com que o longa soe melhor, além do fato de que o filme valoriza demais a parceria e a química entre Martelli e Gustavo, que funcionam muitíssimo bem como dupla cômica, e superam a cafonice do monólogo final.

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  • Crítica | Ruína Azul

    Crítica | Ruína Azul

    Segundo longa de Jeremy Saulnier, Ruína Azul não chegou a ser exibido nos cinemas brasileiros e isso obviamente influenciou no fato do filme ser pouco conhecido do grande público. Lançado em 2013, a história começa mostrando um homem (Macon Blair, que já havia feito Festa Assassina com o diretor) que acaba de acordar, sai pela janela ao perceber que aquela não é sua casa e foge. Meio sem rumo, ele recebe uma má notícia e é obrigado a sair da letargia de sua rotina insossa.

    O nome do sujeito é Dwight, e ele resolve fazer justiça com as próprias mãos, mas o fracasso que é sua vida pessoal se reflete na tentativa violenta que ele tem de fazer justiça. Ele erra mais do que acerta, e não demora para ter que mudar completamente seu visual, tornando-se irreconhecível. Suas tentativas de tornar-se um canal de violência passa por percalços. Ele se atrapalha, se fere a todo momento e lida muito mal com os próprios ferimentos provenientes dessas ações. O personagem geme alto quando mexe em seu ferimento – mais parecendo uma colegial ao tentar fazer curativos em seus machucados –, desmaia no hospital antes de entregar seus documentos, etc. O retrato do fracasso.

    Ao contrário de seu filme anterior, Saulnier não demora a dar vazão a agressividade. Nos primeiros momentos já existem cenas de perseguição e violência, com uma diferença básica, que troca a ironia munida de armas brancas de Festa Assassina, pelos tiros de armas de fogo, repletos de um sentimento de auto-comiseração que possui o personagem central.

    Apesar de violento, o longa passa um tempo considerável sem ter outra morte, o hiato dura mais de 40 minutos, e envolve o esquisito reencontro de Dwight com seu antigo amigo Ben Gaffney (Devin Ratray), que basicamente resolve ajuda-lo a conseguir viver mais alguns dias, para novamente fracassar como anjo vingador.

    Ruína Azul é uma clara evolução da carreira de Saulnier, que sofistica sua visão de cinema, lidando muito bem com um orçamento um pouco mais pomposo, apresentando cenas mais violentas graficamente, mas não possui o mesmo efeito surpresa do filme de estreia do diretor, ainda que continue poetizando sobre entes violentos e fracassados de maneira inteligente e sensível, munido de um humor ácido típico.

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  • Crítica | Dumbo (2019)

    Crítica | Dumbo (2019)

    Tim Burton há muito tempo não reprisa o bom cinema pelo qual ficou conhecido, e coube a Disney entregar-lhe um projeto que poderia faze-lo retomar a aura fantástica que começou a fazer em Edward Mãos de Tesoura, e o resultado final de Dumbo condiz demais com essa expectativa, conseguindo sabiamente fugir dos exageros que ele mesmo fez em Alice no País das Maravilhas, que foi uma das parcerias  mais recentes do diretor com o estúdio. O filme do elefantinho voador é emotivo, belo e transpira poesia.

    Evidentemente que liberdades  criativas precisaram ser tomadas, para tornar o clássico Dumbo de 1941 em um filme palatável não só para plateias mais novas, mas também para o novo formato, mas seja no roteiro de Ehren Kruger ou na direção de Burton há inúmeras referencias ao clássico, elementos como o trem que leva o circo dos Irmãos Medici ter um sorriso na frente, o uso das penas como combustível para o paquiderme (ainda que em uma espécie de Placebo), o uso de ratinhos amestrados para alegrar o filhote e os animais de espuma psicodélicos  estão lá, embora bem diferentes, e a repaginação deles é bem reverencial ao tom da versão antiga.

    No entanto a narrativa é mais feita pelos humanos e não pelos animais, e faz sentido, em especial por fortalecer um discurso de liberdade contra escravidão. Os dois plots principais funcionam muito bem juntos, tanto o dos animais que tem seus destinos decididos por humanos que são escrupulosos ou inescrupulosos de acordo com seu humor e necessidades básicas, há também os animais que apesar de lidar com o circo, tem personalidade própria, e é dada a atenção a ambos os núcleos, desenvolvendo mais obviamente a faceta que tem mais atores consagrados, ainda que eles tenham menos importância dramática que o animal “mágico” e as crianças que o cercam.

    Para muitos críticos da carreira de Burton é composta só de maneirismos, esse poderia soar como um filme seu sem parte de suas marcas, mas  isso não é verdade. O cineasta abre mão de um visual mais barroco, mas mantém parcerias com boa parte do seu elenco, como Danny DeVito (que repagina um personagem seu de Peixe Grande), Eva Green, Michael Keaton e Cia, além de ter consigo Danny Elfman fazendo uma das trilhas mais inspiradas de sua carreira, que dão o tom hiper fantástico necessária para todas as plateias embarcarem. É fato que o diretor está em uma coleira, e é bom que esteja, para não cometer os exageros que fez em Olhos Grandes ou O Lar das Crianças Peculiares, que não são seus piores filmes, mas ainda assim causam uma estranheza em quem gosta de sua obra anterior.

    Outra assunto que o realizador normalmente aborda e que é revisitado aqui são os problemas familiares, aqui representados pelo lado materno do parentesco, seja com a dupla de protagonistas infantis, Nico Parker e Finley Hobbins, que fazem respectivamente Milly e Joe Farrier, os órfãos filhos de Colin Farrell, que faz Holt, um veterano de guerra que adestrava equinos, além obviamente de Dumbo, que vê a Senhora Jumbo ser afastada de si por ser considerada louca. Em comum entre os dois plots, há a sensação de não pertencimento aquele lugar, ao circo dos Médici, não por falta de carinho dos que ali habitam, mas simplesmente porque eles não se encaixam ali apesar de serem formidáveis, mas tanto a jovem Milly não é circense, e sim uma cientista que quer dar vazão aos seus desejos, como os elefantes não se sentem bem no cativeiro.

    Ao menos em um ponto o filme não se diferencia muito da média, pois depende demais das coincidências para ter as reuniões de personagens que precisa. Elas soam irritantes de tão convenientes que são, mas nada que torne vã toda a jornada Dumbo, dos Holt e até do Circo Medici, que finalmente muda seu nome no final para algo mais justo. Cada um dos núcleos de desajustados, a sua maneira, alcançam o seu apogeu e seu modo mais justo de brilhar junto as luzes da ribalta, mesmo a menina que quer ser cientista atende seus próprios desejos de uma maneira que por hora, lhe serve. Ao final de Dumbo, não é só o pequeno elefante que consegue  alçar voo como uma borboleta, mas todos os  que foram agraciados pela sua convivência, e mesmo que não faça muito sentido o final adocicado da obra de Burton, ela condiz demais com a fantasia presente nos clássicos animados de Walt Disney nos anos quarenta e cinqüenta, e é uma versão ainda mais poetizada da obra de 1941.

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  • Crítica | O Menino Que Descobriu o Vento

    Crítica | O Menino Que Descobriu o Vento

    Os seres vivos precisamos “criar” as condições para nos mantermos vivos. Os vegetais, ao longo do tempo, vão inclinando seus troncos para buscar melhor condição de luz e se enraízam na direção mais úmida. Animais necessitam a cada instante se proteger de predadores e buscar sua fonte de alimentação. Essas são obviedades, sem dúvida, mas um introdução necessária para o que segue. Qual o diferencial de maior destaque do ser humano em relação aos demais seres vivos? A capacidade de raciocinar, juntar informações e conhecimentos registrados por outros homens, refletir, pensar soluções para seus desafios e implementá-las.

    O emprego da engenharia salvou o ser humano ao longo da evolução. Assim como salvou William Kamkwamba e sua família da fome e da morte. Nascido em 1987 no Malawi, William teve uma infância repleta de restrições, alimentos, água, educação aí incluídos. Depois de passar por muitas dificuldades e mesmo sem acesso à educação formal, ele foi ousado o suficiente para construir algo que solucionaria grande parte dos problemas de sua família. Com base em livros, sem tutoria ou apoio de qualquer outra pessoa, construiu uma turbina eólica para geração de energia para sua casa. Contando apenas 14 anos, em meio a uma sociedade praticamente destruída pela pobreza e pela severa seca daqueles anos e com seu pai totalmente contrário à sua ideia louca, William construiu a turbina se utilizando de troncos de árvores, partes de uma bicicleta e componentes encontrados em um ferro velho.

    “O menino que descobriu o vento”, de Chiwetel Ejiofor, conta essa história, intrigante, tocante e completamente extraordinária. Kamkwamba (Maxwell Simba) é um menino curioso, fortemente interessado por estudar (muito embora não tenha sido forçado a interromper seus estudos ainda na fase primária) e muito perseverante. A excelente atuação de Maxwell Simba apenas engrandece essa história, reconhecida no seu próprio país em 2006 quando o principal jornal malawi escreveu sobre a história.

    Já bastante conhecido como ator, Ejiofor (12 Anos de Escravidão) debuta de maneira bela como escritor (adaptação do livro para as telonas) e diretor de longa. Caso continue investindo nessas funções, é muito provável que alcance o mesmo destaque que já alcançou como ator. Além de conseguir fazer os espectadores chorarem, em função da sua delicada condução da trama e dos atores, ainda nos entrega uma convincente atuação como Trywell Kamkwamba, pai do menino William.

    Mais um destaque do filme é a interpretação que a veterana atriz senegalesa Aïssa Maïga faz da mãe de William, Agnes Kamkwamba. Não menos que intensa e real, a Agnes de Maïga nos faz viver de perto a mãe africana vivendo em condições de forte restrição e toda a dor por que passa ao se ver impotente para cuidar dos seus filhos como toda mãe amorosa e responsável deseja. Quem quer que veja o filme com o mínimo de atenção à sua interpretação, certamente despertará o interesse em conhecer um pouco mais de sua filmografia.

    Totalmente filmado no Malawi, o filme conta também com mais este ponto a seu favor: nos transmite ainda mais sinceridade e verossimilhança ao nos mostrar lugares muito próximos da realidade da infância de William. Verdadeiro entusiasta de bons filmes derivados de histórias reais, concluo com o seguinte lugar-comum: cada minuto sentado à frente da tela dedicado ao longa é extremamente válido.

    Texto de autoria de Marcos Pena Júnior (marcospenajr.com).

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  • Crítica | Cinzas Sem Glória

    Crítica | Cinzas Sem Glória

    O filme de Stuart Heisler começa com uma bateria ao fundo, e pessoas marchando, enquanto isso ocorre, uma animação da suástica branca no fundo preto vai se montando ao compasso da marcha. Cinzas Sem Glória tem nome original Hitler, e ainda nessa introdução, há um destaque numa frase sua, de que moldaria o mundo segundo  sua imagem e semelhança, deturpando uma passagem bíblica, ou destruiria o mesmo através de seu  instinto predatório.

    Lançado em 1962 e sem cores, a ideia é emular o cinema da época em que o Terceiro Reich se levantou. Heisler, através do roteiro de Sam Neuman faz um filme anti propagandista, com o Adolf Hitler de Richard Basehart bastante caricato, um sujeito autoritário e malvado por natureza. Ele humilha até seus parentes próximos, fato esse que suscita suspeitas a respeito de seu envolvimento com sua sobrinha.

    A ideia do filme é mostrar que as autoridades não estão livres de fofoca, ao contrário, pois as luzes da ribalta fazem com que essas pessoas estejam no centro das atenções, além do que há um maniqueísmo exacerbado e um grande moralismo textual, que tenta associar signos incestuosos em uma figura que é historicamente tratada como vilã. O caráter sensacionalista é tão gritante que até descaracteriza um pouco o personagem-título, deixando-o tão distante da humanidade que mal se percebe o seu poder de convencimento.

    As partes em que Adolf é  mais emocional, é ao perceber que perdeu sua amada sobrinha, ali se sepulta qualquer  possibilidade de dualidade, com ele praticamente assumindo seu lado lascivo e anti cristão. A cena em que acontece o assassinato da mesma também é mal construída, com um suspense forçado e anti climático, quase um anti Hitchcock.

    O filme referencia a historia famosa que inspirou o filme de Bryan Singer, Operação Valquiria, embora coloque esse atentado como somente um dos percalços pelos quais Hitler passou. A realidade é que o filme por se prestar a ser somente um panfleto anti hitlerista não consegue traçar a complexidade proveniente da época, nem o quanto o discurso nazi-fascista se tornou atraente a boa parte do povo, sobretudo a elite.

    A partir do momento que se demoniza o opositor, se perde boa parte da ideia de chocar as pessoas, pois se Hitler e seus asseclas eram servos do inferno ou o puro mal, se impessoaliza a crítica, tornando desumana a ideologia, quando a realidade é que a sociedade abraçou o discurso do austríaco. Ao final, os corpos de Adolf e Eva são queimados, o  nome nacional Cinzas Sem Gloria se justifica, pontuado por uma narração péssima, que termina de lidar com o personagem como apenas um sujeito escroque, tal qual um vilão de desenho animado, ao menos dá para notar como o cinema britânico-estadunidense vi o fuhrer à época dos anos sessenta e como a opinião pública digeriu essa figura difícil de engolir.

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  • Crítica | Operação Fronteira

    Crítica | Operação Fronteira

    O cinema de ação, ao contrário de vários gêneros e subgêneros compreendidos pelo cinema, não é um sobrevivente, e sim uma constante; se há variações de estilo e graus de comprometimento com certas estéticas e abordagens narrativas, há também a segurança de que sempre haverá espaço, tanto nas telonas quanto nos serviços de streaming e demanda, para tiroteios, explosões e dinâmicas agressivas para personagens igualmente agressivos (se não em essência, ao menos em método). Desta forma, os filmes de ação carregam um estandarte de entretenimento que só é rivalizado pela fantasia, e nos últimos anos, a cruza entre ambos promovida pelo boom de filmes de super-heróis e super-heroínas tem sido o padrão deste tipo popular (em todos os sentidos) de produção; de filmes da Marvel a Velozes & Furiosos e John Wick, personagens icônicas e sagas crescentes tomam os holofotes, mesmo que não existam super-poderes em cena. Às vezes, no entanto, há tentativas de valorizar maneiras diferentes e mais tranquilas de se realizar ação – e Operação Fronteira, novo filme de J. C. Chandor, responsável por Margin Call, Até o Fim e O Ano Mais Violento, é um bom exemplo da contramão a estes exemplares recentes em voga.

    Protagonizado por um elenco carismático e mais estrelado do que o normal para produções (em tese) mais modestas, puxado por Oscar Isaac e Ben Affleck, Operação Fronteira traz um grupo de ex-combatentes de elite das forças armadas estadunidenses, liderados por Redfly (Affleck) e reunidos por Santiago (Isaac), tentando empreender um roubo à mansão de um narcotraficante, situada em uma tripla fronteira sul-americana, com base nas informações obtidas por uma informante de Santiago (Adria Arjona) enquanto este atuava como consultor para as polícias colombianas (a frequente adesão de soldados dos Estados Unidos a PMCs, private military contractors, ou seja, mercenários de exércitos de aluguel, é brevemente citada pelo personagem de Charlie Hunnam, William Ironhead Miller). Redfly, um estrategista nato que tenta (e fracassa em) levar uma vida pacata, é convencido por Santiago, e logo se junta a Ironhead, Ben (vivido por Garrett Hedlund, irmão de Ironhead) e Francisco Catfish Morales (Pedro Pascal, continuando sua onipresença hollywoodiana) para o golpe no criminoso local, Lorea (Rey Gallegos).

    Obviamente nem tudo sai conforme o planejado e mesmo que a competência dos envolvidos seja à prova de balas, suas fibra moral e resiliência não são, e é neste aspecto que Operação Fronteira consegue se libertar um pouco das amarras de um roteiro medíocre e de uma trama francamente desinteressante. A casualidade do planejamento do roubo e a violência (muitíssimo bem orquestrada e demonstrada) contida porém impactante desencadeada pelas ações dos ex-militares tornados em ladrões lembra alguns dos melhores momentos de Michael Mann em filmes como Colateral e Miami Vice, mas as semelhanças são mais espirituais do que visuais ou técnicas; Chandor não parece interessado em compor cenas emblemáticas e grandes sequências de ação, e sim nas consequências imediatas das deturpações à ordem natural dos lugares por onde Santiago e sua equipe passam, e o fato de Operação Fronteira ser em grande parte um filme suspeitosamente mais silencioso e marásmico do que a imensa gama do cinema de ação dá suporte a esta impressão. O filme não entra em excessivos detalhes acerca de suas personagens e dos procedimentos que estas conduzem, nem mesmo no ato que motiva a reunião dos soldados desiludidos e dá nome (extraoficial) à produção.

    Se por um lado a superficialidade da construção das personagens, de suas motivações, e as próprias preparação e execução dos planos soa mais sossegada (ou até preguiçosa) do que se espera, a própria falta de estofo dos protagonistas e o empenho trivial em suas ações denota a estatura social e emocional lastimável na qual se encontram, especialistas em serviço de ideias efêmeras e improdutivas, de acordo com suas (expositivas) falas. Ainda assim, a história de Mark Boal (colaborador de Kathryn Bigelow em filmes igualmente dúbios mas bem mais aflitos), roteirizada em conjunto com o diretor, não investe muito na desilusão do grupo de militares ao léu — apenas o suficiente pra impulsionar a curta trama e contextualizar certas atitudes (e até alguns atalhos dramatúrgicos meio esquisitos). Além desta franqueza roteirística, existe uma curiosa e irônica honestidade para um filme a respeito de um roubo perpetrado por soldados norte americanos em solo latino. O espectador é poupado de visões redentoras e de discursos sociopolíticos sobre a intervenção de gringos em solo brasileiro, paraguaio, colombiano ou peruano, sobretudo de tentativas de explicar ou mesmo compreender os panoramas do crime organizado e do narcotráfico regional. Nem haveria tempo para palestras fora de propósito: o ritmo de Operação Fronteira também consente sua proposta; embora pautado por vários eventos de extrema urgência, todas as sequências tomam um tempo suficiente e compreensível, sem muitos apelos artificiais aos comuns momentos de frenesi e corrida contra o tempo que caracterizam o nicho que ocupa.

    É positivamente surpreendente, aliás, que esta obra seja tão despida de ambições e tentativas de fazê-la emplacar de qualquer maneira; Operação Fronteira vagou num limbo hollywoodiano por pelo menos oito anos, tendo diversos nomes e estúdios associados à sua produção, e só ganhando tração a partir da aquisição de seus direitos pelo Netflix. Nem sempre estes construtos cinematográficos ganham vida, e quando ganham, costumam exibir as marcas de tantas ideias diferentes acopladas ao longo do tempo (além de pressa nas suas realizações, o que raramente permite resultados acima da média).

    Evitando construir e concluir o filme ao redor de momentos de catarse, e emprestando uma dignidade quieta mesmo aos instantes mais impactantes e enérgicos, J. C. Chandor acabou concebendo Operação Fronteira como um filme de ação desprovido de solenidade e eficiente em encapsular heist movies e militaria sem glorificar, suavizar ou exagerar os cacoetes das obras de mesmo gênero e/ou subtipo. Seus filmes anteriores compartilham componentes similares de andamento e parcimônia, e seu mais que bem-vindo acerto foi comandá-lo da mesma forma, sem dar espaço a certas distrações e tendências. Sem dúvida um tempero mais forte nas personagens e na tensão poderia dar a quem assiste uma forma mais impressionante, mas é possível celebrá-lo tanto pelo que Operação Fronteira é quanto pelo que não é, e se a norma é fazer filmes pretensamente ribombantes e espetaculares, entupidos de *camadas* e elementos a descobrir (sequer sabendo se vale a pena fazê-lo), é bom o suficiente que este título a desafie.

    Texto de autoria de Henrique Rodrigues.

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  • Crítica | Festa Assassina

    Crítica | Festa Assassina

    Longa de estreia de Jeremy Saulnier, Festa Assassina inicia com uma estranha música instrumental de fundo, nas imagens aparecem preparativos para as festas de Halloween, com enfeites pela cidade, gente preparando guloseimas e pessoas alugando VHS de terror.

    Chistopher S. Hawley (Chris Sharp) é um homem solitário, que depois de passar na locadora para pegar algumas fitas, acaba encontrando um convite para uma festa, de mesmo nome que o filme, e apesar da curiosidade ele segue até em casa, onde percebe que a abóbora que ficava na sua porta foi pisoteada. Isso poderia ser um sinal de mal agouro, mas em se tratando de um sujeito com baixa auto estima, tímido, e que não tem moral sequer com seu gato, ter um pouco de azar talvez não seja nada.

    Depois de se despedir de Lancelot (o gato que mora em sua casa) e preparar uma armadura com papelão e fita, além de um doce com uvas, ele decide ir a Rua Shore. Ele é sempre preocupado e arredio, chega em um local cheio de gente estranha fantasiada, em um armazém cujo único cômodo a mostra está cheio de machados e martelos, além é claro das péssimas intenções de quem está lá dentro.

    Cenários, fotografias e atuações gritam o caráter do filme e denunciam que ele é um produto barato, feito com poucos recursos, e até o roteiro mostra que não há muito construção narrativa das situações. Os maniacos que recebem Chris. Os personagens não planejam nada, e mesmo antes de começar a maltratar e torturar o sujeito, um deles consegue matar a si mesmo, e da forma mais imbecil possível.

    Nenhum dos atores é famoso, mas ao que se propõe a maioria serve muito bem, que é causar asco no espectador e impedir que haja torcida para qualquer um deles, até porque são fracassados, homens e mulheres que se reúnem para filmar um assassinato e que são incapazes de falar de forma sincera um para outro sem fazer uso de drogas como o famigerado soro da verdade. A empreitada não tem sucesso, basicamente porque ninguém sabe o que faz.

    Próximo dos vinte minutos finais o filme dá uma guinada rumo ao gore extremo, e os personagens passam a se canibalizar (não literalmente), há tiros, gente queimada, uso de machados, assassinos despertando entre quem menos se espera, e as lacerações e amputações são mostrados de maneira engraçada e chocante, sendo algumas dessas uma mistura de ambos aspectos.

    Os efeitos práticos são de encher os olhos, Saulnier capricha demais nas ultimas mortes e apresenta um banho de sangue digno dos filmes de terror italianos exploitation, com bonecos mecatrônicos hiper realistas que funcionam a perfeição e uma maquiagem de ferimento também excelente. Apesar do roteiro repleto de clichês, o desfecho de Festa Assassina encerra o ciclo de modo semelhante ao seu início, com alguma evolução para seu personagem principal, mas ainda assim um destino trágico ao sujeito que só queria conhecer pessoas novas, encerrando seus momentos com um clima de desolação e ode a misantropia.

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  • Crítica | Dumbo (1941)

    Crítica | Dumbo (1941)

    No antigo VHS de Dumbo há um dizer que hoje soa engraçado, afirmando que aquela é uma pequena obra prima, e de fato, o filme de Ben Sharpstein é exatamente isso. Lançado de maneira despretensiosa, para ocupar o espaço entre o clássico Fantasia e o muito rentável Bambi – cujo custo beneficio foi absurdo, orçado em 858 mil dólares rendendo mais de 260 mil – a historia do elefantinho de circo com orelhas grandes é encantadora desde seu começo, em uma noite chuvosa, em que cegonhas sobrevoam a Florida, e jogam cestos com filhotes e paraquedas que caem sobre o circo.

    O início mágico não é à toa, cada um dos filhotinhos parecem se encaixar perfeitamente em seus grupos familiares, e somente uma mãe fica insatisfeita, a elefanta. No caminho que o circo faz até sua próxima locação, de trem, finalmente chega a encomenda, um belo filhote de elefante, super afável com uma leve deficiência, que são suas orelhas grandes. É curioso como isso só aparece quando o roteiro julga conveniente, já que num primeiro momento, as elefantas o acham fofo, não demorando a praticar a segregação com o filhote.

    O circo é quase uma entidade, assim como os outros objetos inanimados. A locomotiva a vapor que transporta homens e animais tem vida própria, e na música que os funcionários cantam, há uma reclamação, de que eles trabalham sem saber se irão receber ou não pelo seu esforço. Quase todos os homens que praticam tal esforço são negros, e possivelmente a ideia do roteiro de Joe Grant e Dick Huemer remete a escravidão, abolida nos Estados Unidos em 1863, 78 anos antes do filme. Fato é que alguns animais ajudam a armar as tendas, em dos muitos paralelos que o filme de Sharpsteen faz com a escravidão e trabalho forçado.

    Apesar de ser um filme infantil e de comédia, há tons bastante dramáticos ao longo dos 63 minutos de duração, como quando a Senhora Jumbo tenta proteger o seu filhote de um menino humano que se excede, e tenta ferir Dumbo. O paquiderme é isolado, basicamente porque reagiu ao seu instinto materno, fato que não deveria ser condenável, obviamente. Não é estabelecida qualquer relação minima de camaradagem entre o dono do circo, adestradores ou qualquer humano e os animais, por mais que o mote do filme não seja exatamente esse problema, mas a megalomania do chefe do picadeiro faz ferir quase todos os elefantes, além de causar a separação do protagonista de sua mãe.

    Dumbo é maltratado pelos seus iguais, e o quadro piora muito depois do numero que teria ele como centro das atenções. O herói é tratado como um pária pelos seus, e só encontra bondade no ratinho Timóteo (Thimoty Q. no original), um personagem que conversa com ele e faz um papel semelhante ao do Grilo Falante no filme do Pinóquio, ainda que não seja exatamente a consciência do elefantinho. Ele é basicamente o único simpático ao personagem-título, o mesmo que tenta reunir filho e mãe, aproximando Dumbo da jaula da senhora Jumbo, onde as trombas dos dois se tocam, em um dos momentos mais singelos do filme.

    Após muita rejeição impensada, piorada pela questão de tentativas de integração em números circenses se mostrarem nulas, Dumbo é tornado um palhaço, uma classe considerada mais baixa na hierarquia do circo. Além disso, o juramento feito pelas senhoras demarca outra situação, de segregação de uma criança ainda, que é separada de sua mãe e é obrigada a trabalhar sem apoio algum daqueles que deveriam ser o seu povo e seus protetores.

    Apesar da formula bem simples, o filme ousa em alguns pontos, como quando o filhote tem as visões psicodélicas, fruto do gole que ele e Timóteo deram na água contaminada por champanhe, cujos efeitos são bem diferente do tipico torpor do álcool, mais parecidos com os efeitos de drogas sintéticas. Fazer alusões como essas, em um filme infantil de 1941 é realmente algo corajoso, e a sequência é muito bonita visualmente, com um equilíbrio belo das imagens bem desenhadas com tonalidades bem gritantes , em uma sequência bem doida.

    Dumbo consegue quebrar os paradigmas que seu enorme tamanho impõem a si, e consegue transformar um defeito em uma virtude, e por mais que não se livre das amarras que lhe são impostas pelo circo, ele ainda age feito um avião, mesmo sem o placebo da tal pena mágica que Timóteo e os corvos lhe arranjam. Sua performance é apoteótica, e o animal triunfa, tendo direito a privilégios que antes não tinha, como um vagão só para si e para sua mãe, alem de cantos de quem antes o tratava mal. Dumbo soa mágico, em especial em seu final, mas esconde um teor de tristeza e dramaticidade normalmente subestimados por parte do público, semelhante ao filme posterior de Walt Disney, Bambi, embora seja menos explícito no quesito de explorar a tristeza, escondendo ela atrás de uma figura mitológica e gigantesca que consegue planar pelo ar facilmente, com aerodinâmica tipica de um boeing. Os sessenta e quatro minutos de filme parecem até mais extensos, diante da mágica história apresentada e apesar de ser uma obra simples e sucinta levanta questionamentos a respeito de preconceito e intolerância de maneira bem palatável e não didática, em um função muito nobre por conseguir transmitir tais mensagens para uma plateia mais novas.

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  • Crítica | Um Ato de Esperança

    Crítica | Um Ato de Esperança

    Fiona Maye e seu parceiro Jack estão claramente em crise conjugal, vivem um relacionamento onde um ignora o outro em nome de suas profissões – ela juíza, muito bem classificada e ele um professor – e já no início do filme de Richard Eyre isso é utilizado como base na historia contada pelo roteiro de Ian McEwan, e que é baseado no livro do mesmo. A personagem de Emma Thompson está envolta em um caso familiar, tema que é a especialidade de sua vara, e sua decisão  em um caso de separação de gêmeos siameses mexe com a opinião pública. Não bastasse seu trabalho estafante, seu par, interpretado por Stanley Tucci declara com todas as palavras que não está satisfeito com o pé que a relação dos dois está.

    O chamado a aventura de Um Ato Esperança demora a acontecer, e enquanto a trama real presente na sinopse não ocorre, se assiste a deterioração do casamento da eminente juíza, em uma brincadeira narrativa que desdenha da mesma por ter como trabalho resolver imbróglios familiares mas sem conseguir resolver os seus próprios.

    O filme não é explicito, mas discorre sobre um drama bem comum a vida da mulher moderna, que não aceita ser dependente do marido ou de qualquer outro tipo de homem, e que tem como desafio conduzir sua vida pessoal em paralelo com seu trabalho, e mostra uma personagem bastante humana e passível de erros. O caso posterior a que se debruça envolve uma criança com leucemia, que tem chance de ter uma transfusão de medula, mas que é impedida por seus familiares Testemunhas de Jeová de o fazer, e isso gera nela um conflito mental severo.

    Tecnicamente a obra de Eyre é bastante correta. Fotografia, montagem, trilha são corretas, não atrapalham o andamento da trama, e o roteiro se desenrola sabiamente de modo gradual, permitindo assim que o principal aspecto positivo do filme se destaque, no caso, Thompson, que entrega uma atuação muito emocional, embora  seja contida e sem nenhum overacting. Aos poucos, se desenrola o caso, e a juíza passa a visitar Adam (Fionn Whitehead), o rapaz  que precisa da transfusão, e os dois se envolvem emocionalmente, ao ponto dela começar a opinar sobre o que seria melhor para o rapaz.

    O desenrolar deste relacionamento suscita discussões sérias, como qual é o limite das autoridades judiciais e como elas devem interferir nos casos julgados, além de estabelecer uma discussão moral (mas não moralista) de como se deve ou não respeitar os preceitos religiosos e a liberdade de crença, e o caso ético posto diante da mulher faz até seu grande problema pessoal deixar de ser tão urgente, embora obviamente ainda a atinja a questão de seu casamento estar falindo. O final é um pouco atrapalhado, e contradiz boa parte da construção mais madura e menos emocional, a melancolia faz o filme perder um pouco de sua força, mas a atuação de Thompson prossegue ótima mesmo com isso, assim como a escada que Tucci faz para a heroína da trama, e mesmo que não seja o melhor dos finais, ele soa lógico, e levanta elementos de discussão importante, a respeito dos limites religiosa e sobre a falência da instituição casamento.

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  • Crítica | Chorar de Rir

    Crítica | Chorar de Rir

    Há pouco tempo atrás, quando um filme estreava protagonizado por Leandro Hassum, isso era sinônimo de sucesso . O tempo passou e as globochanchadas não se mostraram tão rentosas, ainda que O Candidato Honesto 2 tenha ido bem de bilheteria. O novo filme de Toniko Melo tenta fugir dessa pecha, produzido pela Warner, Chorar de Rir é focado em Nilo Perequê, personagem humorista que passou pelo stand up comedy, por programas de gincana e que atualmente, apresenta um show de tv que tem o nome do longa.

    O sujeito vive confortavelmente e está prestes a ganhar um prêmio bem importante, e sua rotina é repleta de piadas batidas e trocadilhos fracos. Nilo se vê como um homem injustiçado e mal quisto pela crítica e pela classe artística, que o vê como um mero contador de piadas, e esse desapreço é compartilhado também por sua ex, a atriz Barbara  ( Monique Alfradique), que protagoniza a novela das 6, e que tem receio de ser encarada como namoradinha do Brasil para isso. O roteiro de José Roberto Torero busca desconstruir estereótipos, mas é muitíssimo caucado neles, baseando suas piadas em onomatopeias, efeitos sonoros típicos de vinhetas de rádio e anedotas preconceituosas.

    Nilo quer se reinventar, e busca Tulio Ferro (Felipe Rocha), um diretor que o despreza por completo para juntos fazer uma peça shakespeariana, fato que reabre feridas antigas até de seu relacionamento com Barbara. O texto até se esforça neste ponto, para ser um exercício de reflexão sobre a comedia, drama e sobre a frivolidade de categorizar um gênero como superior ao outro, mas isso é mostrado com piadas tão pueris e infantis que mata qualquer reflexão, com arquétipos exageradíssimos, repleto de clichês, parecendo mal feito até nas cenas musicais.

    A tentativa de soar lírico e de referenciar obras dantescas beira o patético, o excesso de humor pueril faz perder toda a tentativa de fazer drama, e mesmo dentro das piadas poucas realmente tem graça. Mesmo nas obras de Roberto Santucci haviam piadas físicas bem encaixadas, mas aqui elas rareiam.

    Os aspectos técnicos também pouco acrescentam. Fotografia, montagem e trilha sonora são genéricas e não auxiliam o combalido texto, nem em fazer comedia e nem em fazer refletir, praticamente o único momento engraçado são as cenas que ocorrem nos créditos, onde Fabio Porchat, Caito Mainier e Rafael Portugal podem fazer seu numero sem as amarras de um script tão tacanho.

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  • Crítica | Reviver

    Crítica | Reviver

    Produção carioca maranhense, Reviver é o segundo capítulo da saga Filmes de Viagem, que Cavi Borges e Patricia Niedermaier comandam, lançado após Salto no Vazio como esforço metalinguístico e poético, que elucubra sobre a vida e os sentimentos inerentes a ela.

    O filme começa com uma narração nonsense acompanhado de  uma imagem de Patricia em uma tela amarela, que remete ao fogo que está presente na fala do homem que profere as palavras dramáticas. O modo como a história se desenrola une elementos líricos e simples, e isso se verifica não só nas cenas com câmera na mão, acompanhadas basicamente por uma música instrumental carregada de mistério, mas também pela figura de Jorge Caetano, que vive um roteirista, que passa boa parte do seu tempo entre cadernos, livros e fitas com áudios gravados, distante demais da modernidade. Em seus momentos de relaxamento, ele se vê fazendo isso, em outros em que trabalha, ele usa um computador moderno, mas ele só parece a vontade quando está longe de toda sorte de parafernalha eletrônica.

    Apesar de ter mais personagens que o anterior, Reviver parece ter sido menos pensado e elaborado que Salto no Vazio, sua contemplação se exacerba, para o bem, investindo bastante em poesia dramática, mas também para o mal, parecendo despropositado em muitos momentos. Sente-se falta também de uma exploração maior das paisagens, o máximo que aparece em tela são algumas praias maranhenses, mas não há um aprofundamento desse cenário.

    Aspectos técnicos como montagem e fotografia são bem econômicos, não se sobressaem nem para o bem e nem para o mal, deixando o protagonismo da obra nas mãos  do elenco e do texto. Os atores estão bem, na maior parte dos momentos, mas o script parece um pouco apressado, dando a franca sensação de que foi feito de maneira apressada.

    Talvez por conta das transições bruscas entre os momentos com Niedermaier e Caetano, o longa soa um pouco frio, e anti natural, sobretudo na parte que engloba o segundo personagem citado. O contador de histórias é um homem aflito, mas seu drama não é tão palpável, nem mesmo quando fala-se da questão terrível para o artista que é o bloqueio criativo. Ainda assim, Reviver tem seus bons momentos, principalmente quando sua diretora está em cena, transparecendo a poesia que o restante da historia não consegue.

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  • Crítica | Nós

    Crítica | Nós

    Após o sucesso avassalador de Corra!, Jordan Peele volta ao cinema de horror, situando sua historia em 1986, em Santa Cruz, numa tradicional feira de praia com parque temático, barracas com competições etc. Nesse cenário, a família de Adelaine brinca e se diverte e a menina interpretada nesta fase por Maddison Curry se perde rapidamente da vista de seu pai, e vai parar em uma sala de espelhos, onde vê uma outra versão de si. Nós começa onírico, um thriller estranho e que brinca com fantasias e auto imagem.

    O tempo passa, Adelaine  cresce e se torna Lupita Nyong’o, casada com Gabe (Winston Duke), tendo dois filhos. Em um dia de  férias, a família resolve ir a Santa Cruz e velhas lembranças voltam. Entre piadas internas e pequenos conflitos comuns a um grupo de parentes, a mãe tem sentimentos premonitórios e sensações horríveis, sem ter certeza se isso é fruto de algo que já viveu ou não, e esse sentimento de duvido é algo muito bem explorado pelo roteiro que Peele escreveu.

    Um dos fatores que faz Nós funcionar como peça de terror é a música de Michael Abs. Os acordes acompanhados das muitas cenas noturnas funcionam como uma ópera de terror muito bem pensada, que reúne elementos de Nosferatu de F. W. Murnau até  as fitas dos horror  movies dos anos 80, filmes b conduzidos por gente como John Carpenter, Tobe Hooper e outros mestres do horror da época, incluindo Dario Argento. Além disso, há uma tecla quase sempre batida, referente a um versículo bíblico de Jeremias 11:11, que diz em versões mais recentes da Bíblia Portanto assim diz o Senhor: Eis que trarei mal sobre eles, de que não poderão escapar; e clamarão a mim, mas eu não os ouvirei. Esse desalento é bem pontuado nos momentos finais do longa, onde toda a trama que se assemelha a Além da Imaginação (Twilight Zone no original) deságua.

    O resultado final é um filme de terror que se vale pouca de fórmula, cuja linguagem é sofisticada e remete a memórias reprimidas e a visões sobre a auto imagem que cada individuo tem, mesmo que essa percepção varie conforme o tempo. Nesse ponto, a trama guarda semelhanças a recente terceira temporada de True Detective, onde Wayne, o detetive de Mahershala Ali tem, ainda que nesse caso, haja  uma explicação mais didática para as crises existenciais do agente da lei, enquanto no filme, haja todo um mistério que é em parte explorado durante as quase duas horas de duração.

    Tal qual a crença cristã prega, aparentemente os ciclos de maldição ocorrem de novo com Adelaide, com repetições de erros dos pais em não vigiar suas crianças. Ally se perde de seu pai, que era alguém relapso, e por mais que ela e Gabe não sejam assim, o infortúnio não deixa de ocorrer, e em meio a todo stress que a estranha perseguição que sofrem, acontece também a desatenção sobre as crias, e isso tem conseqüências graves, com reabertura de velhas feridas.

    Adelaide entra em pânico, com a confluência de coincidências e perseguições e Peele usa de novo o componente do racismo como forma de horror e até de humor involuntário. Além disso, há claramente uma nuvem carregada pairando sobre os personagens mesmo antes do estranho levante dos “inimigos” ocorrer, onde os sentimentos ruins são poetizados. Visualmente o filme é lindo, com o cineasta utilizando as sombras como predomínio na linguagem, causando a invisibilidade dos seres que antagonizam a família.

    Mesmo que não seja panfletário e que sua crítica foque mais na humanidade em geral, a historia reflete sobre a visão que o estadunidense tem sobre si mesmo, mostrando que ela é incomoda e que o senso de justiça do americano não é insensível quanto a postura escravocrata e imperialista que seguiram pós independência da Inglaterra. O processo de Desacorrentamento é mostrado como algo natural, apesar de grotesco e nojento, e a condução de Peele faz até o gore soar como algo não deslocado, fazendo parte da equação que mistura elementos bem dissonantes, desde os clássicos de zumbi de George A. Romero, conceitos de quadrinhos como o Super Homem Bizarro, só que de maneira adulta, quebrando a tensão eventualmente com piadas internas e falas repletas de sacadas espertas, perturbador e preocupado com a ganância proveniente dos poderosos, que são tão envaidecidos que não conseguem lidar sequer com a finitude de sua soberania. Nós abre espaço para múltiplas interpretações, mas é bem mais que um simples filme de mistério, sendo reflexivo, divertido e profundo.

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  • Crítica | Assunto de Família

    Crítica | Assunto de Família

    A imoralidade das pessoas é um problema, mas a vida trata de solucionar as coisas de um jeito, ou de outro – pela dor ou pelo amor. Só que para a família Shibata, esse jeito não poderia ser nada bonito, afinal, viver de subempregos e pequenos furtos em lojas e estacionamentos já adverte: algo não vai acabar bem pra eles. Parente é serpente, e nesse covil, nosso interesse não se baseia na expectativa do que vai acontecer, mas na forma ultra naturalista na qual o dia a dia dessa “gente como a gente” é mostrado, cujos valores, por mais repreensíveis que sejam, tem o seu encanto inegável e potencializado ao cubo pelas características fascinantes do Cinema de Hirokazu Koreeda.

    Um dos mestres japoneses em atividades, Koreeda sempre opta por filmar o simples, o corriqueiro, e extrai a magia e a beleza do que é mundano, numa sociedade japonesa humilde e sem grandes embates sociais. Contudo, neste belíssimo Assunto de Família, a vontade de sabotar o sistema e se dar bem ao custo dos outros dá o tom, fornecendo ao filme um gosto de sátira social conveniente e que se encaixa perfeita e naturalmente bem as fortes cenas dramáticas que o filme nos reserva. Koreeda, laureado com a Palma de Ouro em 2018, faz o difícil parecer simples, numa verdadeira e sábia carta de amor a linguagem cinematográfica. É como se conhecêssemos essa família há muito tempo, tamanha a naturalidade e a intimidade projetadas a cada cena, a cada papo.

    A cada novo olhar que o filme usa para se aprofundar mais ainda naquilo que faz os Shibata serem os Shibata. E quando eles encontram uma garota perdida e a adotam, por pena, parece ser essa a chance deles se redimirem aos nossos olhos, informando-nos que, apesar de tudo, há algo de bom naquele barraco cheio de coisas roubadas. Me lembro de poucos dramas atuais que conseguem ser tão iconicamente verdadeiros, quanto esse, como na fabulosa cena da praia, por exemplo, quando Hatse, a matriarca da família, já muita idosa, observa seus filhos e netos pulando ondas. É o adeus dela que se dá pelo olhar, numa vibe totalmente retirada dos clássicos de Yasujiro Ozu. Difícil não lembrar de Era Uma Vez em Tóquio, Pai e Filha ou até Bom Dia, em vários momentos aqui.

    A construção poética das imagens de Assunto de Família e a palpitação entre os frames, a vibração que existe em prol de uma narrativa tão sensível, quanto confiante, é soberba. Influente, e rara, no mínimo! Tudo para que, no final, após uma grande reviravolta, a moralidade do filme implode, a cortina cai, e as máscaras também, e o filme se vasculha (a história, melhor dizendo), a procura de alguma moral realmente válida para uma vida de crimes. Tragédias pelo caminho dão o tom, nada é fácil ao que leva a pirâmide nas costas, e ainda tenta burlar o sistema. Seja por conta das suas engrenagens, seja pelo próprio destino que, implacável, traz as tempestades. Algumas causamos, outras não. Não estamos no controle de nada – e o filme nos lembra disso.

    Assunto de Família se permite extrapolar a sua premissa e convicções iniciais, desmoroná-las, e Hirokazu Koreeda merece palmas de cinco minutos por essa obra, pois menos seriam insuficientes para o tamanho da sua grandeza. Um dos melhores filmes dessa década que aos poucos se encerra. Antes do fim, passamos a fazer parte dessa gente, dos seus costumes, dá até pra sentir o cheiro deles, pois conhecemos seus segredos, suas bondades, ruindades, alegrias e tristezas, e assim, nunca mais a esqueceremos, graças a esse pequeno recorte de duas horas acerca do comportamento totalmente questionável de meia-dúzia de pobres japoneses. Certos ou errados? Pouco importa. Cannes estava certa. No fraco ano que foi 2018, temos uma joia extraordinária para chamar de nossa.

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  • Crítica | Cafarnaúm

    Crítica | Cafarnaúm

    Geralmente um filme, qualquer obra pode ser resumida por uma única cena que, de tão expressiva naquele contexto, encapsula a natureza e a alegoria de uma história com total poder de síntese. Em Cafarnaúm, filme que tomou de assalto Cannes em 2018 e segue espantando plateia ao redor do mundo devido o poder do seu relato, e das suas imagens de um Líbano onde ninguém vive, mas sobrevive, e apenas sob um esforço sobre-humano destituído de qualquer ego ou esperança de dias melhores, contando apenas com a tal da sorte, a afirmação acima não se torna uma exceção, quando Zain, um menino de 12 anos, cansado de carregar seu irmão recém-nascido Yonas pelas ruas de Beirut, sem comida nem destino, amarra a perninha do bebê com uma corda para ele não segui-lo novamente, deixando, finalmente, seu choro para trás.

    Nisso, Zain tenta deixar o sangue do seu sangue para trás, entregá-lo ao destino como ele mesmo foi, tirar o peso da responsabilidade que uma criança tem tanta dificuldade de levar, mas o garoto volta pela calçada, desamarra o inocente, e continua com a sua cruz, sendo ele mesmo uma. Dois iguais, dois semelhantes. Estamos falando aqui de um dos níveis mais baixos dos sets círculos do terceiro mundo, onde ninguém tem garantia de nada e todos se sentem irreversíveis em sua danação coletiva, nacional, humana. Tentando manter a dignidade após ser abandonado pelos seus pais, e entregue a chuva e ao sol, Zain ilustra os errantes, os favelados, os não-representados, os excluídos não apenas na cena descrita acima, mas em cada minuto desse filme. A cineasta Nadine Labaki alcança uma merecida aclamação aqui que, para ela, é tão simbólica quanto a sua própria criação artística.

    Lavando a realidade com as lentes de uma câmera, e um naturalismo digno de aplausos, e inspiração para futuros trabalhos similares a esse, Labaki sabe muito bem das dificuldades que mulheres enfrentam na indústria do Cinema, dentro ou fora de Hollywood. Vinda do mundo dos videoclipes musicais árabes, sua transição para o drama cinematográfico não poderia ser mais objetiva e honesta não com o seu currículo, mas com a sua realidade. Temos aqui um filme audaz, de heroizinho e seu irmão com o mundo inteiro de vilão, e é essa resistência a alma, a pele e a roupa do filme, ao longo de duas horas que mais parecem dois minutos. A expressão hebraica Cafarnaúm se refere então a tumulto, confusão, ao caos cujo um dos principais expoentes do mundo, junto de outras grandes metrópoles africanas, asiáticas e sul-americanas, é habitado por inúmeros Zains, Yonas, e garotas que são vendidas pelos pais a pedófilos em troca de grana, e, em segundo plano para a “família”, a expectativa de um futuro melhor para elas.

    Mundo cão ao qual a história, indicada com merecimento a todos os prêmios de Cinema que poderia abocanhar, retrata com uma fidelidade canina – tão grande que chega a ser cruel, mergulhando-nos na danação de um garoto que recorre aos tribunais libaneses para culpar seus pais de terem-no colocado no mundo, a mercê de tudo que é ruim e de um abandono tão pérfido, e indiferente. A bem da verdade, essa aproximação que Cafarnaúm nos propõe com o drama dessas pessoas (um bando de parasitas, como o pai de Zain afirma), perdidas numa fábula de sapos e brejos, por vezes se apoia, e se permite ficar na sua zona de conforto da miséria, do desespero e da dor. Labaki resiste em muitos momentos, não glorifica a pobreza, e equilibra seu filme com uma habilidade que torna seus trabalhos futuros dignos da nossa atenção, promovendo grandes atuações e uma tensão hipnotizante durante toda a sessão. Existe vida entre as sobras humanas do capitalismo predador de sempre, e uma vida mais resistente que o sistema inteiro.

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  • Crítica | Deixando Neverland

    Crítica | Deixando Neverland

    O documentário de 4 horas de Dan Reed começa bem pessoal, mostra um dos objetos de estudo do filme em gravações antigas, ainda novo, com Michael Jackson para logo depois mostrar sua fala. O jovem é Wade Robson, um australiano que alega ter sido abusado pelo rei do pop, e ele é um dos maiores depoentes em Deixando Neverland, filme da HBO envolto em polêmicas por reacender a discussão em torno das acusações a Jackson, que foram julgadas a época como inocente de qualquer aliciamento de crianças.

    O viés do filme é simples: dar voz a quem na época não tinha traquejo ou vivência o suficiente para se defender sozinho, reabrindo feridas no processo, embora os reclamantes não se sintam justificados de modo algum. O início da historia trata de situar o espectador sobre quem são os acusadores e como eles eram antes do contato com Michael, assim como resgata boa parte da memoria popular relativa ao ícone que era o cantor e performancer.

    Jimmy Safechuck, foi um protagonista de uma peça publicitária da Pepsi, em 1986, e ele fala que quando era novo não era tão fã de Michael, era mais de Voltron ou Transformers, mas ao fazer o comercial ficou absolutamente encantado com tudo aquilo, com o glamour, os óculos, as jaquetas brilhantes e com a figura do astro em si, afirmando que isso era sedutor, mas não no sentido sexual, obviamente. É um pouco perturbador que Wade e Jimmy falem dessa época com alguma emoção além do amargor, pois eles eram encantados com a figura do ídolo, que era obviamente muito amado pelas crianças. Todos os entrevistados, vitimas ou não, focam o fato de Jackson ser um homem solitário, sem amigos, inalcançável, então se as pessoas eram chamadas a intimidade dele, elas eram automaticamente privilegiados.

    As respostas dos envolvidos as indagações da intimidade de Jackson revelam que ele só andava bem a noite, pois conseguia driblar os fotógrafos e repórteres de revistas de fofoca. Ele chegou a morar com Jimmy, e a mãe do mesmo cuidava dele, lavava suas roupas, lhe dava abrigo e o alimentava. Isso ajuda a formar o quebra cabeça de como parentes deixavam seus herdeiros com o astro. O relato passa ser mais assustado por conta de Jimmy ter sido o líder das crianças que subiam ao palco durante as turnês de Bad, sempre munido de roupas iguais a da estrela, observado por ele como um garoto brilhante e como parte do show, exatamente a parte mais lúdica.

    A parte em que começam a falar sobre as relações sexuais tem detalhes muito ricos e igualmente perturbadores por motivos óbvios. Nota-se nos possíveis vitimados um rubor ao falar disso e ao descrever a quantidade exorbitante de vezes em que transavam com Michael, e pela descrição de um deles, isso acontecia muito por conta de ser ali um começo de “namoro” (uso a palavra em atenção ao termo que o próprio usa), e também por que Michael ganharia a confiança deles bem aos poucos, dizendo que o que faziam entre quatro paredes era algo comum e que não deveria gerar vergonha em ninguém, e isso entrava em contradição com a necessidade de fazer segredo até aos pais dessas crianças. Seja nos hotéis, em viagens ou na nova casa (Neverland) as historias de repetem, e o fato de ter mais um episódio sobre essas invasões de intimidade ajudam o documentário a desbaratar a ideia de que era coincidência, ou que era culpa das crianças terem caído nessa rede. De fato parece algo planejado pela estrela da música pop, um sujeito amável a primeira vista mas que não era bem resolvido consigo mesmo sexualmente.

    Há todo momento parece que há algo entalado na garganta dos homens que no passado se relacionaram com Michael, não só pelas lembranças do que viveram e de como suas sexualidades foram despertas, mas também porque era algo emocionalmente muito forte, e que era descartável, uma vez que o documentário dedica uma boa parte de seu tempo detalhando o processo de rejeição/ substituição do “melhor amigo” de Michael, inclusive colocando Macaulay Caulkin nesta equação.

    Há cenas de Chantal, irmã de Wade, defendendo Michael, basicamente porque ela o amava e não tinja noção de que seu irmão caçula só defendia Jackson para tentar chamar a atenção do homem que um dia ele amou e que o fez sentir amado. Até por ser um filme que não produz muitas conclusões, é difícil chegar a uma conclusão, e é ainda mais difícil não enxergar os entrevistados como vítimas, como pessoas arrependidas de participar de um esquema de defesa para atos que eles mesmo sofreram.

    Os detalhes passam também pela relação de inter-dependência das famílias de Jimmy e Wade com Michael, mesmo quando os mesmos se tornaram adolescentes, além é claro da relação publica que tinha com mulheres, e ao menos Wade tentou ter uma relação não amorosa com ele, muito por conta dele ter se tornado um famoso coreografo, mas a quantidade de bizarrices prosseguiu aumentando.

    É incrível o processo de recuperação dos dois entrevistados, que só toparam falar sobre e detalhar tudo tanto tempo depois da morte de Michael, que morreu em 2009, 10 anos da primeira exibição do filme, e é perfeitamente compreensível o tempo de digestão que eles tiveram, afinal, até por conta das muitas sequelas. De fato o filme não apresenta nada muito novo, mas é chocante e estarrecedor por conta da marca que Michael deixou nada vida dos dois meninos. É possível forjar qualquer coisa, e claramente a obra não reabrirá casos jurídicos, mas não há como não enxergar a cadeia de fatos apresentados pelos dois como plausível e o quadro piora demais ao expor o que a imprensa da época fez com ambos, quando decidiram falar sobre os abusos. A intenção do filme, mesmo que os defensores do cantor e sua família falem o contrario, é servir de voz a quem não conseguiu falar tudo o que queria, seja pelo sensacionalismo dos programas que os receberam, ou pela perseguição de quem é fanático pela figura e obra do astro. O acerto de Deixando Neverland mora nessa oportunidade de desabafo, e suscita muito mais interrogações que respostas, e faz lembrar o quão urgente se faz discutir de maneira sóbria e não desesperada e afetada sobre pedofilia.

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  • Crítica | Minding the Gap

    Crítica | Minding the Gap

    Nos cenários mais injustos, Minding the Gap, o filme documentário de estreia do jovem Bing Liu teria passado batido a primeira vista. Em uma experiência própria, estranhei quando comecei a ouvir falar das boas reações que ele vinha recebendo mundo afora, parecia um simples filme sobre skatistas, o que havia em suas entrelinhas foi o que me instigou a aguardá-lo com grandes expectativas. O documentário atravessou tantas barreiras que foi um dos indicados na equilibrada categoria de Melhor Documentário do Oscar 2019 e deve ter sido um grande dia para o jovem cineasta responsável pelo longa ver onde seu projeto chegou, seu filme nasce de um desejo genuíno de gravar seu esporte favorito e no fim abraça temas mundiais.

    Liu é um jovem que cresceu humildemente em Rockfort nos Estados Unidos e desde criança tem um forte vínculo com outros dois rapazes que compartilham o mesmo amor pelo skate que ele. Ele e sua câmera acompanham a intimidade desses três jovens durante alguns anos e aos poucos a realidade vai batendo na porta de cada um. Zack precisa aprender a ser responsável por outra vida, Keire reluta em encarar o futuro e Bing começa a investigar o passado para encaixar algumas peças de sua vida. Em algum momento, o documentário passa a ser sobre as pessoas que fazem esses garotos serem quem são e como a violência doméstica deixa rastros enraizados.

    O longa tem uma vida crescente muito bem-vinda, o diretor ainda que deixe sua trajetória um pouco fora de plano, ganha quando seu desenvolvimento como ser-humano e como cineasta move o filme para caminhos certeiros. Por conta do acesso íntimo que ele tem com os seus amigos, suas abordagens são sempre muito naturais e as respostas soam honestas por serem reflexos de uma amizade real e antiga. E o diretor compartilha com teu espectador uma perspectiva muito interessante, seu olhar sobre seus amigos é muito acolhedor mas ele conhece as falhas de todos, assim como eles o conhecem. Então é um bom exercício assistir como o cineasta lida com os dois lados de estar fazendo um filme sobre si e as pessoas que ele ama, pois alguns podres se mostram impossíveis de ignorar no meio do caminho.

    Bing começa a enxergar suas histórias atravessando os limites das individualidades e agrega novas camadas, como a sensibilidade de acompanhar a mãe do filho de Zack e ouvir a versão dela de alguns fatos, ou o enfrentamento que o jovem cineasta faz a si próprio em ouvir relatos dolorosos de sua mãe e do seu irmão. É muito claro como o filme e seu criador crescem juntos e amadurecem, o retrato que Bing faz de sua paixão, de seus amigos e das dores do fim da adolescência é quase puro, eterniza uma geração que busca por significados e carrega consigo histórias das quais não precisa reviver, mas Minding the Gap deixa claro que nem tudo na vida acontece como deve acontecer, assim como nada parece resistir ao finito.

    Texto de autoria de Felipe Freitas.

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  • Crítica | Amor Em Tempos de Ódio

    Crítica | Amor Em Tempos de Ódio

    Dirigido por Amma Asante, a mesma de Um Reino Unido e Belle, Amor em Tempos de Ódio começa com uma citação de James Baldwin, cujo viés tem a ver com identidade e com a descoberta pessoal de qual é a função da pessoa no mundo e no futuro. O filme se passa na primavera de 1944, e foca na vida da menina Leyna (Amanda Stlenberg), uma.garota negra, cujo pai sumiu 3 a mãe é ariana. Quando moravam em Rudesheim ela se sentia acolhida, mas ainda assim segregada, não só por ser uma das poucas pessoas de pele escura, mas também pelo tratamento diferente da policia.

    O filme é bem didatico neste ponto de mostrar as diferenças. Alem da Gestapo visitar demais a família comandada pela mãe (Abbie Cornish), há na boca dessa mesma personagem o apelo as crianças para que prezem por serem invisíveis. Há um certo incômodo nos diálogos, pois os personagens falam majoritariamente em inglês, mas o fazem com um sotaque gringo um pouco desnecessário.

    O filme demora a engrenar, e só o faz após apresentar o personagem Lutz (George MacKay), um rapaz da juventude hitlerista, que esbarra e machuca Elyna, mas que passa a ser fascinado pela mesmo, que a cada dia, larga o aspecto de menina para se tornar uma linda mulher. Incrivelmente a dupla de personagens recém saídos da infância tem uma visão de mundo muito mais madura, humanitária e agregadora que a geração anterior, mesmo um sendo orientado por uma fonte de saber extremista a direita e a outra tendo impresso em sua pele uma diferença primordial em relação a ridícula ideia de raça pura. Leyna só quer ser aceita, bem como Lutz só quer se aproximar dela, e viver os seus desejos, que são igualmente diferentes dos que os que seu pai rígido (feito por Christopher Eccleston) quer que siga.

    Apesar de um pouco melodramático e doce em alguns pontos, o filme não esquece o fundamento que é proposto no inicio. Mesmo ao desenrolar una cena mais romântica entre os jovens, a garota tem de se esconder na água, para não prejudicar Lutz, que poderia ser encarado como persona non grata pelos seus iguais. O mergulho que ela faz é causado pela segregação e também pela vergonha de não ser igual aos poderosos e de não ter o mesmo tom de pele e origem eurocêntrica, e pouco importa que Leyna não seja judia, pois mesmo não sendo do grupo de principal perseguição do Terceiro Reich, ela ainda é humilhada, perseguida, tratada como escória e como lixo, exemplificando de maneira bem obvia como funciona a intolerância dos extremos quando chegam ao poder. Qualquer um que não seja caucasiano, ou que seja próximo desse primeiro grupo de pessoas, é automaticamente inimigo da pátria, inimigo do Estado e deve ser subjugado.

    A metade final muda todo o panorama da vida de Leyna, com ela indo até um campo de concentração, e encontrando o mesmo rapaz que se aproximou dela antes, fato que faz perguntar se uma das razões para sua família ter sido desgraçada não é o envolvimento com este jovem. Os momentos finais sepultam qualquer ideia de conciliação entre quem detém o poder na Alemanha dos anos 40 e goza dos privilégios de ser da raça “superior” e quem não é, não importando se a origem é judia ou não. Mesmo com o começo extremamente sentimental, Amor em Tempos de Ódio tem muitos acertos, e revela bem a hipocrisia alemã e sectária do pensamento fascista e extremista a destra, capaz de acabar até com um sentimento tão puro e bonito quanto o amor entre dois jovens, que só querem ficar juntos. Mesmo que se trate de uma historia mais individualista do que preocupada com o todo e com o bem estar social mas que reflete um pouco da intimidade de quem sofre na pele a segregação e a intolerância.

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  • Crítica | Coração Iluminado

    Crítica | Coração Iluminado

    É interessante como, de Pixote (1981) a Carandiru (2003), Hector Babenco deixou de empregar sua intensidade em filmes sobre a violência urbana para aplicá-la de modo intrínseco a histórias de grandes amores (Ironweed), desamores (O Beijo da Mulher-Aranha) e na busca pela fé em algo maior (Brincando nos Campos do Senhor), uma decisão que parece ter sido correta tendo em vista a oportunidade que esses filmes mais “amenos” deram-no de trabalhar com grandes celebridades hollywoodianas, tais as lendas John Hurt, Meryl Streep, Kathy Bates e Jack Nicholson. Foi ai que Babenco deixou de ser apenas um bom diretor de cinema latino, para se provar ao mundo, com apenas uma trinca de obras de grande qualidade, um talento de enorme versatilidade a conquistar plateias por onde passasse.

    Coração Iluminado, seu sétimo longa-metragem, é mais um exemplo da universalidade que o cineasta argentino mais brasileiro de todos conseguia inserir e desenrolar os seus projetos, dramáticos e novelescos com orgulho. Sempre resgatando no presente um pretérito perfeito, ainda que assim idealizado, e glorioso que os seus personagens de alguma forma tentam ou são convidados a reviver. E aqui não é diferente, em especial na sua sublime direção de atores, extraindo mais uma vez grande força e naturalidade deles. Juan ama Ana, um oposto ao outro como o filme em detalhes nos faz perceber,ao longo de uma história de paixão e aflição por um amor semi proibido que ambos os amantes, e as circunstâncias de suas famílias, sua religião, seu sexo e a maresia, se encarregam de torná-lo inesquecível.

    Se duas almas gêmeas realmente não estão destinadas a ficar juntas, apenas a chocarem-se e aprenderem o necessário com suas diferenças sedutoras, Babenco parece não ter dúvida disso, e investiga a duração do amor, da juventude ao aparecimento das primeiras rugas, muito além do deslumbramento inicial, ao longo da implacável atuação de dois rolos compressores chamado Tempo, e Família. No fundo, Ana e Juan gostariam de se desprender dos dois fatores, alheios afinal num universo próprio, só deles, como na cena dos remédios no quarto, quando o sonho vira um delírio real entre um casal e a morte de Ana por overdose medicinal é uma certeza para Juan. Quando sua Julieta desvairada morre, as motivações de um Romeu carente vão junto com ela, e o filme dá um salto de vinte anos para constatar o que Juan conseguiu, então, fazer de sua vida.

    A fim de cuidar do pai doente, ele retorna a sua cidade natal e qual é seu espanto ao ver certos fantasmas retornando, como se o que habita os ventos de outrora tampouco esqueceram aquele que retorna, atormentado. A paixão de Ana foi aquilo que iluminava, invariavelmente, o coração do menino que cresceu sem esquecer das suas raízes – o romantismo louco que alterou para sempre o seu DNA. Babenco foi um dos mestres da nostalgia, contudo Coração Iluminado preserva o encanto da marca registrada do cineasta sem conseguir ser marcante além da sua sessão, além da sua história um tanto previsível e que, mesmo bem narrada, jamais alcança um lugar especial dentro de suas outras obras, essas sim, grandes. É lindo, porém esquecível. Emocionante e saudosista, ainda que longo demais, e certamente adorável para todos os públicos, mesmo que seja entregue a convenções bastante confortáveis a Babenco, e nada ousadas em sua filmografia revisionista a si mesmo.

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  • Crítica | Sai de Baixo: O Filme

    Crítica | Sai de Baixo: O Filme

    Sabe aquela piada velha contada por um tio bêbado num churrasco de domingo que teria sido engraçada vinte anos atrás, mas hoje em dia se torna apenas algo inapropriado e desconfortante? Pois é isso que Sai de Baixo: O Filme se parece. Um produto fora de sua época, tentando um suspiro de relevância após um tempo que já há muito se passou. O longa traz de volta os personagens centrais da sitcom noventista, adiciona alguns novos e omite outros importantes (ah, Cláudia Jimenez, como fez falta sua Edileuza!), tendo como personagem principal o trambiqueiro Caco Antibes (Miguel Falabella, confortável como sempre no papel).

    Após uma temporada na cadeia, Caco retorna ao Arouche para descobrir que sua família está ainda mais falida do que nunca, morando escondidos no velho apartamento de Vavá (Luís Gustavo, que por ordens médicas não pôde participar mais do que em uma ponta no filme) – que foi aberto à visitação pública para venda – e são obrigados a dividir o teto com o porteiro Ribamar (Tom Cavalcanti, ainda mais caricato que na série). Para conseguir melhorar sua situação financeira, tanto Caco como Magda (Marisa Orth) acabam aceitando uma missão secreta de contrabando de pedras preciosas para fora da fronteira do Brasil.

    O filme então descamba para uma road trip sem sentido,na qual uns poucos momentos podem arrancar um sorrisinho do espectador – em especial as quebras da quarta parede, quando Caco revela alguns problemas dos bastidores das filmagens. As interpretações estereotipadas e caricatas ao extremo de Tom Cavalcanti, principalmente ao retratar a tia nordestina de Ribamar, soam anacrônicas e sem graça. Por incrível que pareça, a única coisa antiga que continua atual é o horror de Caco Antibes a pobres e seu discurso altamente elitista, um reflexo de uma classe média falida que come ovo frito e arrota caviar, parecendo estar alheia de sua própria realidade sócio-econômica. Caco é trapaceiro, egoísta e hipócrita ao extremo, apresentando-se sempre como baluarte da honestidade, um “cidadão de bem” preconceituoso e rasteiro.

    Dos novos personagens, destaca-se a prima Angelita, interpretada brilhantemente por Lúcio Mauro Filho – que faz também o papel de seu irmão gêmeo, e Caquinho, que já foi um boneco animatrônico no palco e no longa é interpretado por Rafael Canedo. Já Cibalena, personagem de Cacau Protásio, não é nada lá muito original e apenas cobre o papel que seria de Edileuza.

    Muitas piadas se perdem para quem não era assíduo telespectador da série original, como alguns bordões e piadas internas – principalmente sobre o laquê de cabelo de Aracy Balabanian. No resto, a trama se perde em cenas sem sentido e tem um desfecho clichê , mas que ao menos nos dá o gosto de ver a película chegar ao fim. No final das contas, o longa é uma piada velha, que talvez fosse melhor não ter sido recontada.

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  • Crítica | Imagem e Palavra

    Crítica | Imagem e Palavra

    Jean Luc Godard sempre foi um diretor experimental, mesmo já bastante velho e veterano, e nos anos 2010 cansou seu cinema tem sido bastante não verbal. Filme Socialismo e Adeus a Linguagem comprovam muito bem isso e seu novo filme, Imagem e Palavra também tem um caráter semelhante, com pouquíssima linguagem em palavras e muita lisergia em meio as imagens que reúne e monta. As exibições do filme são feitas inclusive com poucas legendas, para que o público só note o que ele quer que note.

    Dividido em capítulos, o primeiro tome se chama Remakes, e mistura sequências de filmes clássicos como Saló ou os 120 Dias de Gomorra com cenas reais do cotidiano, inclusive momentos documentais e fictícios de guerras, em especial os conflitos do Vietnã, onde brinca com as cores, as vezes retirando-as e em outras mudando a nitidez das mesmas. A ideia de discutir como o cinema de Hollywood enxerga o mundo não é nova, assim como a opinião do realizador de que boa parte desses eventos é mal retratada pelos cineastas da America, uma vez que são maniqueístas e demasiado ideológicos.

    O cinema do francês sempre foi carregado de um viés politico, mas aqui se vê uma maturidade que normalmente não se vê não só em linguagem técnica, mas também politica. A ideia de enxergar as manifestações sociais como cíclicas mostra um pensador politico mais pragmático, ainda que que não se deixe de lado o viés revolucionário de Jean Luc, tão desdenhado pela cine biografia O Formidável, de Michel Hazanavicius, que mostra o cineasta na época de A Chinesa como um homem vaidoso, pretensioso e infantil. Mesmo que se leve essa questão somente como uma versão dos fatos, nota-se que a maturidade fez Godard enxergar o mundo como um lugar desolado, a espera de seu iminente fim, como fruto de um processo bem comum, uma vez que toda sorte de conflito tende a se repetir, como as temáticas do cinema.

    As criticas sociais seguem firme, algumas com menos forças que outras. O diretor aponta sua caneta e roteiro para diversos segmentos, desde terroristas assumidos, até o autoritarismo dos Estados Unidos, discutindo em alguns de seus pontos a islamofobia em seus momentos de filme ensaio, mas nada muito profundo. É muito benéfico que um cineasta com tanta experiência ainda resolva fazer filmes, mesmo que o intervalo entre eles seja de 4 ou 5 anos, e obviamente que o cinema sentirá falta das ideias de Godard quando elas cessarem, mas aparentemente, Imagem e Palavra é um filme que certamente terá outro significado após um tempo, em uma revisão, na primeira apreciação, se notam muitos comentários inteligentes e mais divagações que esses, ainda que a ideia de montar filmes com imagens de terceiros seja muito bem executada pelo ícone da Novelle Vague.

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  • Crítica | Pastor Cláudio

    Crítica | Pastor Cláudio

    Filme de Beth Formaggini, Pastor Claudio começa com um letreiro que traz a memoria um tempo de desesperança, ligado ao Golpe Civil Militar de 1964. Seu filme/entrevista se foca no ministro que dá nome ao longa, sobre a época em que ele funcionário do governo e da pátria, e o sujeito, já idoso, de compleição bonachona e ouve o entrevistador Eduardo Passos (psicólogo e ativista dos direitos humanos) como se os fatos ditos durante o monólogo que descrevia o trabalho dele.

    Cláudio apesar da idade avançada fala abertamente sobre algumas pessoas que ele executou, entre as vítimas algumas que foram incineradas. Em alguns pontos, o enquadro esconde o rosto através das sombras provenientes do projetor que colocava fotos dos presos políticos “recebidos” pelo religioso.

    Claudio é bem lúcido, fala bem e abertamente sobre seus serviços prestados e sobre sua vida particular em Minas Gerais, onde passou a dever favores a policia local, graças a terem permitido que ele executasse um desafeto, e esses favores foram cobrados. Sua convocação aconteceu sobre o pretexto de que a esquerda e os comunistas se levantavam e precisavam ser freados. A partir daí ele transitaria entre Minas, Viória-ES e Campos dos Goytacazes -RJ.

    Entre o detalhamento das operações e da chegada das pessoas ao lugar em Vitoria onde ocorriam sessões de tortura e onde Claudio Guerra era administrador, se notam dois fatores primordiais, o primeiro é que ele não tem pudor em falar dos mortos que carregava ou que tinha contato direto, no entanto ele dizia durante os depoimentos ele fala que não assistia as sessões de tortura, mas sabia que ocorria ali. O segundo fator são os nomes das vitimas que saltam a tela, repetidamente e esse artifício pode parecer redundante, mas a ideia de mostrar ao espectador quem sofreu naquelas ações é importante, visto que uma lista com dezenas de nomes não teria síntese para dar nome a um filme, livro ou qualquer obra de registro, e o documentário apesar de ter o nome do entrevistado, serve de biografia dos mortos e do processo triste que sofriam, inclusive no processo -igualmente massificado no filme- incinerar os corpos.

    Em todo momento ele dizia ser frio nas execuções, não havia emoção, ao mesmo tempo que recebia benesses pelos atos que praticava. Ele parecia saber detalhes também de presos famosos, como o caso de Zuzu Angel, que segundo ele era bem incomoda e inconveniente aos poderosos, assim como Vladimir Vlado Herzog, inclusive verbalizando que a morte do jornalista foi um tiro no pé. Segundo os comentários que ouviu houve um exagero por parte dos torturadores, que supostamente não tinham intenção de matar Herzog.

    Guerra diz se arrepender do que fez, sobretudo pela questão de ter se associado ao poder nesta época, uma vez que lideranças mundanas seriam naturalmente pecaminosas segundo os preceitos de sua atual religião. Ele considera seus atos como errados mas a frieza com que fala segue impressionante, e ele culpa a falta de punição por ainda existir tortura no país, falando abertamente que elas ainda existem, nas favelas e cadeias, com os pobres, pretos e qualquer pessoa confundido com infratores da lei, e sua leitura da atualidade é bem sóbria, pois tudo o que diz condiz com o real, é um sujeito que viveu muito, que fez parte de uma pagina nefasta da historia brasileira e que tem consciência disso tudo.

    O apoiador confesso de processos de tortura tem um medo, receio de ser pego pelo grupo que ele chama de Irmandade, e ainda que não detalhe muito as operações do grupo, se nota o quanto ele respeita a tal organização. Passos é um belíssimo entrevistador, consegue permanecer impassível a qualquer sentimento e sensações, pois é dele a função de fazer ele falar, e mesmo que não consiga desenvolver muito este assunto em especifico todo o depoimentos de Claudio é esclarecedor e aterrador, fazendo de Pastor Claudio um belo exemplar de um cinema jornalistico preocupado com a historia e também com o futuro, uma vez que em 2019 quando ele chega ao circuito o governo federal seja formado por simpatizantes do Coronel Ustra e outros tantos torturadores e apologistas da Ditadura Militar.

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