Categoria: Críticas

  • Crítica | O Banquete

    Crítica | O Banquete

    Para se entender e apreciar O Banquete, de Daniela Thomas, talvez seja preciso distanciar de toda a polêmica envolvendo seu ultimo filme, Vazante, que vinha a ser sua primeira experiência em direção de longa metragem como diretora solo. Independente de criticas positivas ou negativas Thomas não pode ser acusada de não ter ambição, pois sua nova historia mira alto, tentando mostrar um retrato da sociedade mais abastada do Brasil em meio a um governo corrupto de Fernando Collor de Mello, onde um dos membros que está presente ali está prestes a ser preso por conta de um artigo veiculado na imprensa, fato esse quer serve de pretexto para um show de ofensas e troca de farpas.

    Nora (Drica Moraes) organiza um jantar para um casal que faz dez anos de junção. Plínio (Caco Ciocler) chega bêbado em casa e Ted (Chay Sued) serve a ele vinho. Aos poucos, os outros convidados chegam, o dono de revista e marido aniversariante Mauro (Rodrigo Bolzan), a crítica de arte Maria (Fabiana Guglielmetti), o também jornalista Lucky (Gustavo Machado), e a atriz Bia (Mariana Lima), além de um ou outro agregado que se atrasa.

    O filme foi retirado da mostra competitiva do Festival de Gramado este ano, por conta do coincidente falecimento de Otávio Frias Filho, que também teve problemas sérios com Fernando Collor durante o governo deste segundo. Thomas pessoalmente pediu para retirar seu filme para não se confundir realidade com a ficção de pessoas cruéis, mesquinhas e ególatras que aparecem ali na mesa daquele jantar, que tem todo aspecto de praça de guerra e não de banquete.

    O fato de ser feito em um cenário único dá ao longa um ar de teatralidade muito forte, e serve  para algumas brigas mais incisivas, como as de Bia e Nora, e outras mais eufemistas e falsas como as discussões sobre as peças de Beatriz e a condescendência de Maria diante da discussão sobre o modo como ela critica esses espetáculos. Em alguns momentos o filme se torna constrangedor, e mesmo o cenário político caótico presente no virar da década de oitenta para noventa parece subalterno diante das falas repletas de malícia dos ricos e endinheirados que se dizem progressistas, os mesmos que são egoístas o suficiente para não se permitirem deixar sequer os mais simples em paz, como é feito o personagem de Sued, o tempo inteiro abordado por um sujeito inconveniente e que não consegue aceitar sequer seu nome civil, Wanderson, que faz lembrar suas origens simples.

    No entanto, a maior parte das discussões levantadas em mesa não são terminadas, como normalmente ocorre nas festas reais entre amigos e inimigos, nenhuma das questões é aprofundada e Daniela não consegue trazer qualquer reflexão nem sobre o estilo de vida dessas pessoas e nem um julgamento mais categórico do quão mesquinha pode ser parte da população que se diz progressista.

    Se tais discussões tivessem ao menos um pouco de naturalidade nas falas e diálogos, toda a presunção dos personagens seria aceitável, pois de fato as elites podem ser formadas por pessoas assim, mas os entreveros verbais são essencialmente artificiais, parecem tirados de uma revista para publicitário, e por mais que boa parte das pessoas que sentam a mesa trabalharem sim em um órgão de imprensa, não justifica que em sua intimidade sobrem apenas falas e tiradas típicas de um publicitário que não consegue se expressar sem ter ao menos uma sentença em inglês e que poderia facilmente ser substituída por uma equivalente em português. Se as discussões são falsas, todo o conjunto de sentimentos é falso e nada é crível.

    De positivo há a demonstração de como o quadro de um país brasileiro dirigido pela esquerda pode ser caótico, mesmo entre os mais ricos, embora também não haja muita reflexão sobre isso, só menção, só mais um dos assuntos que tornam toda a problemática tão séria e complexa. Mesmo o elenco sendo formado por estrelas, não há nenhuma atuação que se destaque mais que as outras, o que funciona em alguns pontos é a junção desses atores, mas não em todos os momentos, em alguns deles O Banquete parece mais um episodio de novela estendido e mega histriônico, que faz valer a alcunha da peça shakesperiana Muito Barulho Por Nada mas sem a maestria do autor clássico, sendo só desimportante na maior parte da duração.

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  • Crítica | Boi de Lágrimas

    Crítica | Boi de Lágrimas

    Frederico Machado é um diretor brasileiro cuja filmografia é bom observar, o seu Lamparina de Aurora saiu em 2017, primeiro nos festivais pelo Brasil e depois em circuito nacional, ainda limitado, e não foi tão visto quanto merecia. Agora por janeiro, estréia seu novo filme, o experimental Boi de Lágrimas, um filme ainda mais curto, de apenas 53 minutos. Seu começo ocorre com uma tela preta, que de vez em quando é interrompida por imagens de pessoas simples batucando e festejando o carnaval, nas partes escuras, ouvem-se discursos libertários, de líderes mundiais, estrangeiros e brasileiros, onde se reivindica igualdade e se louva o proletariado.

    As cenas posteriores ao inicio mostram formigas andando livremente, depois estão amontoadas, em torno do formigueiro, fortificando a ideia simbólica desse inseto como expressão do operário, que ao mesmo tempo conversa com quem é o público alvo, alem de denunciar de forma poética o tamanho que esse mesmo povo tem diante dos poderosos, como bichinhos pequenos e insignificantes capazes de morrerem com um pisão.

    O elenco é formado basicamente por Hilter Frazão, Julia Frazão, Guilherme Verde e Rosa Ewerthon, e cada um deles tem alguma função extra, com um sendo preparados de elenco, outro cuidando da iluminação. Esse trabalho cooperativo parece ser uma das marcas da Lume Filmes.

    A forma como a história se desenrola é bastante intimista, quase não se travam diálogos e os lamentos pelas perdas que o povo tem são sentidas na carne de cada um dos personagens, em seus lamentos em forma de canção ou pela simples contemplação das tragédias inerentes a vida. O cinema de Frederico habita um imaginário que não precisa de muito esforço para ser  entendido. Apesar de usar uma linguagem mais hermética e que normalmente agrada mais a nichos, não é difícil entender suas perspectivas e as entrelinhas que são pregadas, e isso é bastante necessário, ainda mais em se tratando de um filme que toca em pontos essenciais do cotidiano de todo brasileiro.

    Boi de Lágrimas em alguns pontos utiliza demais de uma linguagem pouco compreensível para quem não está acostumado a um cinema mais viajandão, mas sua curta duração facilita a digestão de seu formato, além de ter obviamente um assunto muito caro as relações de trabalho atuais e a precariedade dos meios de produção tanto no presente como no futuro do país.

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  • Crítica | Creed II

    Crítica | Creed II

    O retorno do herói é um tema batido na cultura pop, em especial no cinema, normalmente quando um filme de linguagem popular vai bem nas bilheterias é praticamente obrigatório ter uma continuação. Foi assim com a franquia Rocky, que teve cinco filmes, além de um sexto capítulo feito décadas depois. A decisão de ter uma continuação para Creed: Nascido Para Lutar foi natural e obviamente que havia um bocado de receio que Creed II não fosse uma aventura escapista que honrasse o primeiro filme de Ryan Coogler, e por mais que obviamente não seja tão bem construído narrativamente quanto o primeiro, o filme de Stevan Caple Jr é bastante emocionante, e vale toda a espera pela sequencia dos dias do Adonis Creed de Michael B. Jordan.

    O roteiro de Juel Taylor e Sylvester Stallone (baseado no argumento de Cheo Hodari Coker) não é tão inspirado quanto o primeiro, e perdeu o fator surpresa obviamente por não ser mais uma novidade, mas ele compensa isso com muita emoção ao longo das suas mais de duas horas de duração. O filme começa já com uma luta de Adonis “Donnie” Creed, finalmente vencendo o torneio na categoria dos pesos pesados. Em meio a decisões sobre seu futuro, onde deseja cortejar Bianca (Tessa Thompson) para finalmente casarem, ele recebe um convite, um desafio vindo da Ucrânia, de um lutador pouco conhecido, chamado Viktor Drago (Florian Munteanu), filho de Ivan Drago, o mesmo que assassinou seu pai dentro de um ringue na década de oitenta e que treinou seu filho para seguir seu legado e conseguir o que ele não conseguiu, o cinturão.

    Obviamente que esse confronto foge do pragmatismo que seria a trajetória de um campeão de boxe. Aqui há claramente um apelo ao sentimento de vingança puro e simples, de justiça custe o que custar, onde a aceitação de  Donnie só apresentaria possibilidade de perdas e nenhum ganho, tanto desportivamente como emocionalmente pois  muitas feridas poderiam ser abertas. Nesse ponto, o roteiro é extremamente previsível, tanto nas curvas dramáticas quanto nas reações emocionais de seus personagens, mas é tudo tão crível que essas obviedades não chegam a incomodar tanto.

    Rocky e Donnie são muito cúmplices e um dos acertos do diretor foi apostar nessas relações familiares e de parcerias, pois se crê bastante na relação não só de Rocky com Adonis, mas também no casal que é Bianca e Adonis e até no sentido de Balboa ser um conselheiro do casal, com ambos ouvindo seus ensinamentos além até do ringue.

    A participação dos personagens resgatados da saga Rocky é muito bem vinda. Dolph Lundgren mesmo não sendo um ator conhecido por ser dramaticamente bem dotado acerta em seu tom de pai carrasco e treinador severo, embora ainda haja um ranço pueril a respeito de como os derrotados eram tratados na União Soviética. Sua participação é muito bem explorada, e faz brilhar ainda mais a figura de Sly, que mesmo sem ter momentos de redenção forte como foi no primeiro Creed onde se recuperava de um câncer, ainda consegue emocionar demais ao ser a figura paterna de Donnie, sendo muito mais que o tio que ele tanto chama.

    A ideia de Adonis em voar solo é passada de maneira bem orgânica, e o jovem Creed finalmente assume as rédeas de seu destino, assumindo as consequências de seus atos sem ignorar os erros e acertos que comete não só nesse filme, como também no outro. Apesar de haver momentos em que as lições de moral abundam a historia, até esse tratamento é feito com um carinho e delicadeza muito grande por parte de Caple enquanto diretor. A escolha de entregar o filme a ele foi um grande acerto, pois como fez em The Land, seu filme anterior, a jornada do herói criado por Ryan Coogler é desenrolada de modo bonito, simples e em alguns momentos, até poético.

    Há toda sorte de clichês dos filmes Rocky, no entanto a abordagem deles é adorável, as lutas são eletrizantes, o senso de justiça dos personagens idem. O final é apoteótico, apela para a nostalgia mas não perde a mão e não abusa da pieguice, há muitos ecos de Rocky IV mas até  a sensação saudosa com o filme/propaganda que Sly dirigiu e protagonizou em 1985  não faz perder a identidade desse Creed II, que consiste em uma obra reverencial e que possui luz própria.

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  • Crítica | Eu Sou Mais Eu

    Crítica | Eu Sou Mais Eu

    Eu Sou Mais Eu é uma comédia brasileira que é fundamentada em cima de duas figuras marcantes , a primeira delas é a web celebridade Kéfera Buchman, que de uns tempos para cá voltou a atuar, ganhando destaque em especial nas novelas globais que compõe elenco, e claro o diretor Pedro Amorim, que tem se notabilizado por fazer comédias bem divertidas e que possuem roteiros com uma certa qualidade, como Divórcio. Desta vez a brincadeira que o humorístico faz envolve viagem no tempo e lições de moral a protagonista, Camila Mendes, que é uma popstar esnobe que no passado sofria bullying dos seus colegas de escola, sendo sempre chamada de bizarra.

    No início do filme, se estabelece que Camila tem muita influência no cenário de música pop, mas é infeliz, desgostosa e entediada, além de claramente ter ciúmes e invejas de concorrentes suas, como Anitta. Ela é entrevistada por um jornalista, conhecido desde a adolescência como Cabeça (João Cortês), que estudou com ela no colégio e que era basicamente o único a conversar e conviver com a menina. Um encontro estranho com um fã a faz retornar a época do sarau de sua escola em 2004, e ela volta a ser uma menina estranha , de cabelo desgrenhado e de figurino bizarro, como é bem comum aos que passam pela puberdade.

    O filme possui um humor bem básico, e que baseia nos moldes do besteirol típico das fitas de humor antigas, apesar de não ser tão sacana, com tímidas piadas sexuais e nenhuma menção a nudez. O mote da eterna busca por identidade faz do roteiro de Angelica Lopes e L.G. Bayão uma boa história para o formato de Sessão da Tarde, ainda que tenha um moralismo meio bobo em sua abordagem geral.

    No entanto, o texto não  trata o espectador como bobo. Kefera consegue fazer um bom papel, assim como João Cortês , os dois transbordam química em tela, e funcionam bem humoristicamente, especialmente quando fazem piadas com a diferença de gerações , ainda que 2004 não tenha sido há tanto tempo.

    Depois de muitos tropeços pelo caminho, Camila consegue enfim entender como poderia voltar a sua zona de conforto, e o final.alternativo para o qual ela vai é um pouco decepcionante. Os últimos momentos ocorrem com uma trilha sonora especial, com a música de Pitty Máscara como sinônimo de transgressão, e isso é no mínimo engraçado pois na época em que foi lançada essa música, a roqueira baiana era considerada como expoente do pop rock que as crianças e adolescentes mais populares podiam consumir sem se sentirem underground. Independente desse contexto, a letra casa bem com a última lição que Eu Sou Mais Eu prega, resumindo neste ao a condição de filme  careta para uma obra que busca ser meio contra cultura.

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  • Crítica | Green Book: O Guia

    Crítica | Green Book: O Guia

    A historia de Green Book – O Guia começa em Nova York, no ano de 1962, em um evento social numa boate chamada Copacabana, onde o espectador é apresentado a Tony Lip (Viggo Mortensen),um segurança ítalo-americano, que aparece no local para mais um dia comum, onde tem de conter conflitos na casa noturna.  Tony fica sem trabalho, e com o tempo, aceita uma estranha proposta, do famoso músico Don Shirley (Mahershala Ali), para que fosse seu motorista particular. O protagonista faz uma proposta alta e é coberto.

    O filme de Peter Farrelly marca aparentemente uma nova fase na carreira do diretor, que costumava dirigir filmes com seu irmão, Bobby Farrelly. A ultima vez que ele havia feito um filme solo foi em Debi e Loide, em 1994, e obviamente que, apesar de ter algumas pitadas de humor, especial na família de Lip, formada por italianos barulhentos e gesticuladores como manda a caricatura dos mesmos. A abordagem desse é tão ou mais estereotipada quanto os italianos vistos em Todo Mundo Odeia o Chris, em alguns pontos, até mais apegado ao pastiche que os negros da série, o que é péssimo, pois o programa de Chris Rock tinha um caráter bem diferente, mas nonsense que este Green Book.

    As viagens rumo aos locais onde Doc (é assim que Tony o chama) tocará são cortados por diálogos mordazes entre patrão e empregado, em conversas que invertem expectativas e mostram dois homens de formações bem diferentes, o homem negro é erudito e polido, enquantoo o descendente de europeus é mais popular, com gostos usuais, o verdadeiro homem comum. A troca de experiências dos dois é desenvolvida gradualmente e contem momentos bem engraçados e curiosos.

    Há discussões sobre Little Richards, Aretha Franklin e outros musicistas que Doc não conhece e não costuma apreciar. Além de momentos onde o empregado tem que salvar seu patrão de enrascadas, causadas basicamente por  conta dele querer tomar um drink em um bar, o que nos anos sessenta era demais para um homem negro. Esse é só um episodio de discriminação que ele sofre ao longo das pouco mais de duas horas de exibição. Doc, em sua zona de conforto é tratado como aristocrata, sem muitas diferenças entre ele e os brancos, mas basta estar em outro cenário que mesmo funcionários rasos de casas de show o tratam como alguém menor, como alguém que mal se enquadra nos padrões de humanidade.

    Shirley passa o filme inteiro prestes a estourar, por uma junção de fatores bem tangíveis. Em discussões que tem com seu subordinado, o trabalhador declara que sua realidade é bem mais precária que a dele, ao passo que Doc quando não está no castelo em que mora é tratado como qualquer outro negro segregado, e o comentário social que o roteiro de Nick Vallelonga faz serve para outras minorias também.

    O final do filme é bastante conciliador, mostra que cada personagem aprendeu sua lição moral, o que o faz soar como uma propaganda de margarina. O roteiro que foi vencedor de algumas premiações carece de uma resolução mais contundente, e obviamente que tem que se levar em conta claro que é baseado em uma história de verdade, no entanto isso não explica a falta de um dinamismo maior. O filme talvez passe por um esquecimento/boicote na maioria das premiações por conta de escândalos políticos envolvendo Vallelonga, mas independente disso ele toca em questões sociais pontuais e tem um desempenho excelente da parte de Ali e Mortensen, que além de terem uma química invejável, conseguem também ter performances individuais magistrais.

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  • Crítica | Christabel

    Crítica | Christabel

    Christabel, filme de Alex Levy Heller começa com uma pessoa correndo pelo campo, a noite, mas sua identidade só é revelada depois. Logo depois, um casal se despede, de maneira bastante apaixonada. A moça fica, enquanto o homem sai. A moça é Christabel, e é interpretada por Mila Fernandez, não demora muito e seu silencio a noite é cortado pelos gritos daquela primeira mulher, desamparada, dizendo que foi atacada por três homens que a rasgaram e fugiram. Essa é Geraldine, personagem de Lorena Castanheira, e ela é acolhida por Bela.

    No dia seguinte, o pai da moça, o dono casa, Leonel (Julio Adrião) reclama de maneira turrona por sua filha ter recebido a outra mulher, o que não se sabe ao menos até esse momento é se o motivo dessa reclamação é preocupação com a sua herdeira ou só egoísmo seu, ou um misto das suas sensações. A família leva uma vida bem simples de trabalho no campo. Geraldine está tão mal que dorme mais de um dia, fato que incomoda o pai.

    Aos poucos, as duas mulheres vão desenvolvendo uma relação amistosa, que é estremecida pela ação de Leonel, que ao observar a visitante se banhar, passa a ter idéias. Após uma noite, quando ele bebe aguardente, os dois dançam e isso causa obviamente um desconforto entre pai e filha, e o conflito cresce ali. Nota-se um ressentimento duplo, dela por receber só desprezo e dele por acreditar que a menina foi a culpada pela morte da mãe.

    Nos arredores da casa surgem morcegos, animais esses que não pareciam estar ali antes, ligados ao motivo místico por trás da historia, mas mesmo esse motivo não é dado de graça e gratuitamente, tudo é montado e levado gradativamente, assim como a crescente da intimidade das duas mulheres, acontecendo bem aos poucos, se utilizando da paisagem interiorana e das fases do sol, que proporcionam cenários tão belos e naturais quanto os quadros surrealista, mérito esse de Vinicius Berger que assina a fotografia que foi premiada alguns festivais.

    Christabel tem muitos sonhos, e em ambos sentidos das palavras. Os sonhos quando dorme se manifestam no sentido dela poder enfim seguir o destino que sempre quis, e os sonhos no sentido de ansiar algo se manifestam semelhantemente, desejando algo além de uma vida bucólica e simples no campo, em um lugar onde parece que a tempo não passa e onde parece não haver qualquer lastro de civilização, e são as conversas com Geraldine que mexem com esses dois aspectos e sentidos da palavra para Christabel.

    Exceção pela parte nos bares ou nas casas/fazendas onde  tocam músicas (fato que evidentemente marca datas), o filme de Alex Levy poderia passar-se em qualquer tempo, este momento em próximo de Araguaia onde o amado de Christabel está – personagem de Alexandre Rodrigues – é o único que denuncia sua temporalidade, pois o restante do conto, poderia se passar em praticamente qualquer linha temporal brasileira.

    O modo como Geraldine se move, seduzindo tudo e todos lembra a figura mitológica, chamada Súcubo ou succubus. Ela desconcentra Bela, faz o pai dar vazão aos seus desejos íntimos, variando entre o homem machista e o sujeito que finalmente vê alguém capaz de lhe despertar os anseios comuns a um homem saudável. Mas claramente, seu alvo é a personagem titulo, é fazer a menina se enxergar para além daquele cenário do campo.

    A adaptação que o diretor/roteirista faz do conto de S.T. Coleridge (de 1816) é bem feita, em especial no tom de brasilidade escolhido, apesar de soar um pouco caricatural o cenário em alguns pontos, há momentos tocantes, engraçados e até em tom de denúncia ecológica, já que uma das idéias centrais do filme era que o cerrado estava morrendo. O modo se lida com os sonhos também é um ponto bem positivo.

    Christabel não é um filme perfeito, é demasiado longo, tem alguns problemas e sua trilha ao mesmo tem que induz emoções, também faz o espectador sorrir por resgatar alguns sucessos do passado, mas é impossível não simpatizar com o longa, seja por suas anedotas, por seus personagens prosaicos ou pela descoberta de  novas facetas sexuais. Até a  sua contemplação e letargia tem função narrativa. Os momentos finais acabam sendo um poucos expositivos em um sequencia e dúbio na segunda, mas até em seus defeitos a obra de Alex Levy tem charme, sem falar que o desempenho das duas atrizes Fernandez e Castanheira é impressionante por soar muito natural e muito bela a entrega das duas.

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  • Crítica | Ama-San

    Crítica | Ama-San

    O começo de Ama-San, novo longa-metragem da portuguesa Claudia Varejão é lúdico, com uma narração que explica um pouca da mitologia japonesa a respeito dos mergulhos sagrados que ocorriam nos  seus mares. O documentário toma como base a rotina de Mayumi Mitsuhashi, Masumi Shibahara e Matsumi Koiso, o trabalho das três e de tantas outras é o de mergulhar nas águas perigosas do país atrás de ostras, algas e pérolas, normalmente ao meio dia, que é um horário onde a luz consegue invadir as águas para iluminar o caminho dessas.

    Varejão faz um filme cuja abordagem foge do formato mais catedrático de cinema, quase não tem partes faladas, não se mune de entrevistas e é acompanhado das imagens dos mergulhos, com tomadas embaixo d’água muito bonitas, com as mulheres arriscando suas vidas em meio a um cenário inexplorado.

    O longa tenta dar uma grande importância as mulheres, e claramente elas fazem um esforço hercúleo para realizar o árduo trabalho que lhes é conferido, mas é demasiado longo e arrastado na maioria dos pontos. Varejão não consegue dar um ritmo bom a trama que expõe e não é incomum a sensação de enfado em meio ao público. Se há historia ali para quase duas horas de filme – ele tem longos 112 minutos de duração – a montagem não demonstra isso, e mesmo a curiosidade do espectador mais interessado pelo assunto se esvai em meio a tanta enrolação.

    Em alguns pontos a carga emocional soa forçada, não graças as personagens biografadas, mas sim a mão pesada da direção, que além de não ter muita coragem para eliminar as gorduras em meio ao material bruto que tinha em mãos. A alma de Ama-San demora a ser encontrada e só aparece de fato no final, quando se anuncia o desfecho do arco das personagens.

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  • Crítica | O Capitão

    Crítica | O Capitão

    Em abril de 1945, duas semanas antes de terminar a Segunda Guerra Mundial, ocorrem os fatos de O Capitão – ou Der Hauptmann, no original – filme de Robert Schwentke, que ficou conhecido na América por realizar Red: Aposentados e Perigosos e R.I.P.D. – Agentes do Além, filme esse que foi um total fracasso de bilheteria e crítica. De volta a sua terra natal ele apresenta o drama de Willi Herold, um alistado de baixa patente, que começa o filme correndo, fugindo de agressores desesperadamente, para não ter um fim em sua vida. Ele vai parar em lugar inabitado, e lá tem uma grande surpresa.

    A fotografia de Florian Ballhaus e a música de Martin Todsharow dão um tom quase apocalíptico ao filme, que é todo registrado em preto e branco, e quase não possui falas em seu começo, até o epílogo acabar. O Herold interpretado por Max Hubacher quase passa fome, mas em suas peregrinações, encontra o uniforme de um capitão da SS e o veste. Quando anda na estrada, um jipe passa por si e retorna, para apanhá-lo e ele não resiste a vontade de fingir ser um oficial, ao invés de um soldado raso.

    É quase automática a mudança de postura que o cabo sofre, ele passa a agir como um completo imbecil e insensível, dando ordens a todas as pessoas que olham baixo para ele, reconhecendo a autoridade que a nova roupa lhe confere, quase sempre humilhando e destratando essas pessoas, se julgando superior não só por conta do número de estrelas e linhas que carrega em seu peito e ombreiras, mas também por se julgar de uma raça pura e superior.

    O roteiro de Schwentke tem algumas peculiaridades. A mudança de comportamento do personagem central é feita de maneira tão perfeita e rápida que faz perguntar se é da natureza humana se corromper tão facilmente pelo poder, ou se aquela roupa possui propriedades mágicas, que deturpam o modo de operar do sujeito. Fato é que ele mesmo possui limites e que são ultrapassados durante o teatro que ele estabelece, e não é ele sozinho a pessoa que veste uma máscara vilanesca, o corpo de soldados do exercito também precisam de uma figura de autoridade para obedecerem, pois sozinhos, são incapazes de ir a frente com as atrocidades que cometem. A relação ali é de dependência mútua, onde a autoridade dá as ordens cruéis e os subordinados a bajulam e essa relação de poder corrompe ambas as pontas do cabo de guerra estabelecido ali.

    Em alguns pontos, O Capitão parece um filme “do meio”, como um episódio de um seriado que se posiciona entre o começo e o fim de uma temporada, onde o clímax está próximo e onde os fatos ocorrem de maneira muito natural e fluída. Mergulhar de maneira não avisada neste drama causa estranhamento e incomodo no espectador e isso é muito positivo, pois nenhum filme que trata de temáticas que flertam com holocausto ou com o autoritarismo da extrema direita deve agradar. Mesmo A Vida é Bela que é lúdico claramente tem a tragédia como historia macro, escondida pelo conto engraçado do pai ludibriando o filho.

    Até determinado ponto, o filme soa quase didático ao mostrar o declínio moral do antigo cabo, mas após a metade final o quadro se agrava, e um caráter cruel e visceral aparece, com os personagens praticando atos vis com cada vez menos pudor. O entorpecimento pelo poder ignora até os fatos corriqueiros da guerra, como a queda cada vez maior de militares germânicos, mesmo com a iminente derrota eles continuam massacrando os judeus e fuzilando-os a sangue frio.

    O modo com a realidade cruza o caminho de Willi e dos seus subordinados é igualmente violento, e começa por uma cena agressiva, onde um dos oficiais de verdade tem sua vida subtraída, em uma sequência tão ligada a realidade que soa até caricata. Novamente ele vê i exercito alemão reduzido as cinzas e os esforços de guerra repleta de corpos caídos e mortos. O que lhe resta são poucos homens que não sucumbiram ao bombardeio britânico, e que não parecem aceitar o quão patética é a atitude dos que ainda professam o discurso de autoridade do fuhrer.

    Quando a verdade vem à tona, e o personagem principal é julgado por um tribunal específico se discute se ele era um sujeito insano ou um herói que lutava para fazer permanecer vivo o sonho do Terceiro Reich mesmo diante do derrotismo presente no fim da guerra, ou se ele era um herói que ainda se mantinha firme diante até mesmo do fracasso racista e reacionário das autoridades civis e militares alemães. A conclusão que o filme toma é de que ele era fruto de seu meio, um jovem de 21 anos que se deixou entorpecer não só pelo poder, mas também pela oportunidade de pôr para fora seus preconceitos e egoísmos, derrubando de certa forma o mito de que soldados rasos são estavam lá para cumprir ordens, no caso de Herold, não,para ele a semente do nazi-fascismo já havia germinado e dado frutos dentro de sua alma e coração.

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  • Crítica | Vice

    Crítica | Vice

    Vice é um drama de Adam McKay, que assina roteiro e direção  neste longa que segue mais ou menos na esteira de A Grande Jogada, embora seja menos jocoso que o anterior. Desta vez, a câmera acompanha a trajetória do ex-vice presidente dos Estados Unidos Dick Cheney, interpretado desde sua juventude por Christian Bale que para variar sofre com intervenções severas em sua maquiagem, figurino e compleição. A ideia ao retratar essa historia é mostrar como o pior do ser humano pode emergir mesmo do sujeito mais simplório possível, bastando apenas ter perseverança e força de vontade para alcançar o apogeu.

    A historia de Dick é  uma autentica zombaria do conceito de meritocracia. Do sujeito beberrão e pavio curto até o puxa  saco de pessoas que estão no poder, Cheney é sempre uma pessoa desprezível. A bronca que recebe de sua esposa Linny (Amy Adams) após se meter uma confusão é bastante agressiva, e serve de ponto de virada para uma mudança radical de postura, agindo ainda de maneira mesquinha, mas voltando esse lado maquiavélico para uma atitude que poderia lhe dar algum lucro.

    A grande questão é que Cheney conseguiu evoluir suas ambições. Passou de um frequentador de reuniões políticas, assunto do qual não dominava nenhum detalhe, para auxiliar de um figurão do Partido Republicano, Donald “Don” Rumsfold (Steve Carell). Ele começa de baixo, como um bajulador, mas consegue um trabalho na Casa Branca, sem glamour, mas ainda assim um cargo alto. A forma como a historia é contada, narrada pelo personagem de Jesse Plemons, o carismático Kurt é bastante engraçada, por passar ao largo da historia política dos Estados Unidos durantes as ultimas décadas, passando pelo período W. Bush e suas guerras, seguindo até o fim do mandato de Dick como vice-presidente e a sucessão de sua carreira política, apresentando toda essa movimentação de maneira tão divertida e criativa, que quase suaviza a quantidade de atrocidades feitas por quem detêm o poder naqueles tempos e instâncias.

    McKay consegue explorar de maneira estilizada e irônica o pior que a humanidade tem a oferecer. Ele já tinha começado esse movimento timidamente em O Âncora e sua continuação Tudo Por Um Furo, mas em A Grande Aposta que ele atingiu o ápice disso. Da mesma form como no anterior  ele debocha das tecno baboseiras econômicas para falar de lobbystas e chacais financeiros, dessa vez seu alvo é o pano de fundo da política republicana recente e ele enfia o dedo na ferida sendo bem mais explícito e menos técnico do que em outras épocas.

    Toda a construção de metalinguagem que é usada e abusada no longa depende muito do desempenho de Christian Bale, que mais uma vez consegue desempenhar um papel completamente em que precisa fugir de seu biótipo físico, onde basicamente sobressai seu talento dramatúrgico transformador. Kurt só faz sentido enquanto contador de historias graças a figura central da trama, e só se crê que um homem pode ser tão mesquinho, egoísta e insensível graças a forma como Bale age. A evolução do homem medíocre e indisciplinado e que só se educa para continuar vivendo e para dar luxos a si aos seus só não é odiável por conta da entrega de seu interprete.

    Por sua vez, o restante do elenco, mesmo sendo casting de apoio, precisava funcionar bem e esse é um dos principais méritos da obra. Ha uma unidade na família Cheney, seja com Adams que faz sua fiel escudeira, como suas filhas que são feitas por Alison Pill e Lily Rabe, que são personagens que mesmo com pouco tempo em tela são muito bem executadas inclusive nas diferenças entre si. Outro desempenho de excelência é Sam Rockwell, que faz um George W. Bush diferente do feito por Josh Brolin em W. de Oliver Stone mas que é igualmente genial, por se mostrar como o sujeito impulsivo e manipulável que ascendeu ao posto de comandante em chefe com mais sucesso até que seu pai. A forma como ele desempenha isso é sensacional e merece quase tantos aplausos quanto Bale mereceu.

    O filme possui um  ritmo crescente, mas se percebe que passam-se 132 minutos de tão harmônico que é seu roteiro e sua montagem. O final de O Vice se vale de simbolismos e mostra um homem que abdica totalmente dos seus sentimentos para continuar no poder – nem que para que haja essa perpetuação no poder fique somente o sobrenome que carrega – pois o maior torpor do homem é se sentir com autoridade, mesmo que as relações familiares entrem em falência no processo.

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  • Crítica | Faca No Coração

    Crítica | Faca No Coração

    No começo do filme de Yann Gonzalez, se misturam cenas de vídeos íntimos e um caráter clubber, com homens dançando em uma boate onde o azul e o preto predominam. Uma figura andrógena aparece no centro das articulações. Logo essa perspectiva é pervertida, e o garoto em questão aparece transando com outra pessoa, mascarada, e esse sujeito incógnito o mata, fazendo de todo esse começo apenas um mcguffin, como Alfred Hitchcock adorava fazer. Faca no Coração é um filme multi temática, mas sua linha guia talvez seja melhor definida dessa forma, como um exercício de quebra de expectativas.

    A trama realmente acontece através de Anne, uma produtora de filmes pornográficos, vivida por Vanessa Paradis que procura novas possibilidades de filmagens, uma vez que o simples entra e sai das produções que registram sexo para si, não são suficiente. Apesar da própria não gostar de admitir essa nova busca que faz tem um intento, que é retomar a atenção de sua amada, Lois (Kate Moran).

    A genialidade do filme de Gonzalez é por não se saber exatamente em qual patamar cada cena está, se é parte da imaginação louca de Anne, se é uma fantasia, ou se os assassinatos inusitados protagonizados por falos como armas são de fatos reis, assim como os interrogatórios, os telefonemas filmados e os boquetes. Apesar de em boa parte desses pontos mostrarem de fato as câmeras, em outros tantos fica a dúvida sobre a real intenção daqueles momentos.

    Fato é que, entre o fracasso de Anne em tentar resgatar os bons momentos de sua relação, e entre a execução do tal filme sob novas mãos – agora a responsabilidade é de Achibald (Nicolas Maury) – um assassinato realmente está rondando todos os que tem ligação com a produção ou elenco dessa nova empreitada e o motivo do acerto de contas é desconhecido, ou parece simplesmente não existir.

    Há muitos filmes dentro de Faca no Coração, no sentido literal e no dramático, pois em determinado ponto a trama deixa de lado todo o drama de Anne, para se tornar uma historia de vingança, da comunidade LGBT contra o seu flagelador, o slasher queer, e o fato de no roteiro de Gonzalez e Cristiano Mangione ter esse caráter de estarem filmando cinema o tempo todo faz até esses momentos mais sérios soarem como mais uma das encenações em estúdio comandadas pela protagonista ou por Archibaldi. Os pequenos segmentos que são explorados dentro dos 98 minutos variam entre o pragmatismo e o surrealismo, e a maioria deles é extremamente inspirada e sarcástica.

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  • Crítica | Não Me Toque

    Crítica | Não Me Toque

    Vencedor do Urso de Ouro de Berlim em 2018, Não Me Toque é um filme de produção romeno, protagonizado por Laura Benson, que vive uma personagem homônima que tem problemas sérios de relação com qualquer pessoa, não suportando contato físicos mínimos. A historia não trata só dela, mas de um grupo de pessoas excluídas, que tem em comum não só a desolação compartilhada entre todos, mas também um grupo de terapia onde podem pôr para fora e sem qualquer pudor as sensações que pessoas mais conservadoras considerariam complicadas ou vergonhosas.

    Um outro personagem que é bastante focado pela câmera, não só da diretora Adina Pintille (como de sua personagem, que documenta todos os depoimentos dos que passam pela tal terapia), é  Tomas (Tómas Lemarquis) um ator massagista que também não tem relações comuns com as pessoas, muito por conta de sua aparência praticamente sem cabelos e pelos, contraída quando ele ainda era muito moço. Ele conhece Christian (Christian Bayerlein) um jovem com dificuldades severas de locomoção, que não consegue se manter de pé e depende de terceiros para qualquer movimentação.

    Entre Christian e Tomas há uma relação de interdependência, não só confessional e de divisão de segredos, mas também de compartilhamento de dramas. Ambos se sentem hiper descolados do mundo e não pertencentes ao mesmo planeta que todas as pessoas comuns, e mesmo que Christian não consiga fazer qualquer ação sem auxilio, ele parece bem mais maduro para ter relações que seu amigo, tendo uma namorada e relações sexuais freqüentes.

    A jornada de Laura passa por uma terapia que se olhada por leigos, soa chocante, em especial se o espectador for conservador. Para emular as condições de tesão que ela não consegue ter ela paga garotos de programa par se tocarem na sua frente, basicamente para ela assistir alguém tendo prazer e sua expressão de angústia é algo realmente tocante e desolador, claramente ela gostaria de ter acesso a essa que é uma sensação corriqueira para a maioria das pessoas, e o incomodo que a personagem  tem é muito facilmente traduzido em tela, é muito difícil não se solidarizar com sua problemática.

    Não Me Toque é um filme sobre problemas com proximidade, e apela para extremos para denunciar o quão doente e problemática é a sociedade nos tempos modernos, e o quão mesquinho pode ser o pensamento humano que exclui as pessoas por conta de aparência física ou por conta do caráter indócil de alguns. O filme contempla e exibe a diferença entre os homens e dá espaço e voz a quem geralmente não tem através de uma terapia de sexo posada e da exposição da intimidade de pessoas que não se enquadram em padrões estéticos egoístas e a forma como Pintille escolha contar a historia é bastante tocante e emocional, surpreendendo a recepção ranzinza que boa parte da crítica teve com o filme.

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  • Crítica | Belmonte

    Crítica | Belmonte

    O pintor Javier Belmonte contempla a arte urbana, enquanto aguarda na linha telefônica, e fala de maneira ríspida com a pessoa do outro lado da linha. O personagem Gonzalo Delgado é mostrado já nos primeiros momentos de seu filme biográfico como um sujeito passivo agressivo, divorciado, inseguro e ansioso, que tem como um dos poucos objetivos se reaproximar de sua filha, Celeste (Olivia Molinaro Eijo), que mora com seu ex-par.

    Belmonte é um filme de Federico Veiroj e é muito engraçado, por explorar um personagem bastante rico, que dá a Delgado a chance de brilhar como um sujeito que é genial no que faz e que tem sérios problemas de relacionamentos no geral. Apesar de ser anti social e repelir alguns contatos humanos mais extremos, ele claramente se sente solitário e carente, e apela para small talk quando se sente extremamente incomodado com o silêncio, fato que contraste e muito com as sucessivas recusas de relações que ele faz. O fato de ele se sentir sozinho não o faz ser um solteiro que procura um par.

    Em essência, o personagem é um  homem deslocado e com dificuldades sérias de expressar o que pensa e com dificuldades extremas até de lidar com o trabalho que faz. Com o tempo,suas pinturas são recusadas basicamente por conta do excesso de nus que ele costuma fazer, fato que o faz ser comparado a um adolescente.

    Seu jeito temperamental e indócil faz com que o público se afeiçoe ainda mais por ele, uma vez que suas falhas, apesar de grandes, são facilmente perdoáveis pela humanidade que elas imprimem nele. Ser simpático ao Belmonte é muito fácil e o modo leve como o diretor uruguaio leva a historia ajuda a embalar ainda mais esse personagem no imaginário cinéfilo, fazendo desse Belmonte uma pequena e carismático perola com uma historia a respeito de um sujeito que não encontrou direito seu lugar no mundo e que termina resignado em alguns pontos da vida e extremamente inquieto em tantos outros, movido mais por pulsão do que por razão.

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  • Crítica | Obscuro Barroco

    Crítica | Obscuro Barroco

    Obscuro Barroco começa misturando ficção de documentário, focando na figura de Luana Muniz, uma transgênera folclórica, que ficou conhecida no mainstream pela icônica e engraçada frase Travesti Não é Bagunça. O longa, de apenas 60 minutos é narrado por Luana, em um ritmo prosaico, quase poético elucubrando sobre a sua vida, intimidade, condição e sobra a cidade carioca.

    Evangelia Kranioti, a diretora é uma cineasta grega, uma artista visual que reside em Paris e trabalha também com fotografia. Seu trabalho em cinema anterior Exotica, Erotica, Etc. em 2015 e esse e outros trabalhos seus para dar voz a quem normalmente não tem. As imagens que ela registra durante a historia são muito belas, variando entre os becos da cidade e rodas de samba ou bailes onde mulheres trans e travestis dançam livremente.

    O filme tem um formato de ensaio e a poesia da biografada, simples, com erros crassos de português e muita verdade são valorizados pela entonação de Muniz, uma mulher que é muito alegre mas que está triste pelo fato de estar envelhecendo, por estar se acabando. Ela viria a falecer antes mesmo da exibição desse filme em alguns festivais, entre eles, alguns internacionais, como os de Berlim, na Alemanha.

    Por mais que o discurso seja válido libertário, o que se diz em Obscuro Barroco é muito pouco. Vale pelo registro biográfico e pela memória de Luana, mas não muito espaço para discussão, nem se levantam muitas questões. Ele existe só por existir, em memória de uma pessoa que sofreu muitos flagelos mas que ainda assim viveu de maneira alegre e até despreocupado de certa forma.

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  • Crítica | O Primeiro Homem

    Crítica | O Primeiro Homem

    Após o sucesso estrondoso de Whiplash e do oscarizado La La Land, Damien Chazelle não demorou a retornar a feitoria de longas. Em O Primeiro Homem ele faz uma cine biografia diferente, explorando as fragilidades de Neil Armstrong, mostrando ele se preparando nos anos sessenta para a viagem espacial histórica que teria a Lua. O filme começa no começo da década de sessenta e mostra Ryan Gosling se alistando para o concurso da Nasa e sofrendo testes para tal, além obviamente de conviver com a sua família.

    O roteiro de Josh Singer varia bem entre momentos entre os momentos de treinamento e de intimidade da família de Neil, isso confere ao personagem uma aura de naturalidade e humanidade, realmente se acredita que o homem que vai desbravar o espaço é um homem, apesar do feito extraordinário que ele fará.

    O filme é quase onírico ao mostrar a jornada mental e emocional dos astronautas que vão protagonizar  a viagem. Ao mesmo tempo em que Armstrong tem que frequentar festas da alta sociedade e fingir que se interessa por qualquer conversa dessas pessoas, ainda recebe uma ligação exatamente no momento em que está ali, interagindo com as altas rodas, com a noticia de que um dos testes de estabilidade da nave que o levaria até o corpo lunar sofreu um incidente terrível, cujo grafismo da cena tem peso emocional muito grande, com o fogo tomando a cabine, e as consequências sendo vistas na parte de fora do cubículo, onde apenas uma pequena fumaça sai do pequeno buraco que serviria para abrir a cápsula.

    Chazelle não se preocupa em fazer reverência a Armstrong, ao contrário, ele é um sujeito com defeitos, cuja família sofre com sua ausência mesmo quando está de corpo presente, e de certa forma, o diretor e o roteiro de Singer desdenham da corrida espacial e da relação de rivalidade da Guerra Fria. Mesmo quando o personagem principal se emociona no espaço, nada tem a ver com essa tola disputa de egos e vaidades, é a solidão que o faz padecer de emoção e chegar quase ao ponto de chorar no vazio espacial. O conjunto de emoções do filme leva em consideração o conflito, mas não de um modo orgulhoso e preciosista, e sim com um sentimento de lástima por ter sido esse o combustível para e chegada na lua.

    Gosling entende muito bem a intenção do diretor, e consegue representar de maneira muito forte e sentimental a figura  por trás da lenda, e torna palpável a humanidade do sujeito que fez parte da historia, e consegue demonstrar de maneira bem certeira e simples como a construção de lendas vivas pode ser falaciosa e enganadora, e demonstrando que  a culpa disso não necessariamente é da pessoa que se tornou o ícone.

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  • Crítica | A Sombra do Pai

    Crítica | A Sombra do Pai

    Depois do sucesso de Animal Cordial, a diretora Gabriela Amaral Almeida prossegue em sua jornada de valorizar o cinema de gênero, dando a luz ao seu segundo longa A Sombra do Pai, um filme que se vale de sutilezas para construir o próprio terror, reunindo elementos caros ao cinema de horror brasileiro, tendo como base também um terror mais psicológico como o feito na Itália por Dario Argento e pelos diretores que fugiam de fazer meras cópias do que funcionava no cinema hollywoodiano.

    A trama começa com a visita de uma mulher do censo IBGE, conversando com Cristina (Luciana Paes), que é a mulher mais velha da casa, que cuida da criança recém órfã de mãe Dalva (Nina Medeiros), e que mora com seu pai. Essa configuração familiar se mostra um pouco complicada, pois Dalva é louca para casar e sair dali, e por isso faz rezas constantes a Santo Antônio, enquanto Jorge (Julio Machado), o pai da menina trabalha demais na construção civil e não parece ter qualquer vontade de conversar com quaisquer pessoas, especialmente as que moram com ele.

    Enquanto isso, Dalva tenta viver sua infância normalmente, embora não consiga estabelecer isso nem minimamente. As outras crianças a evitam, de tanto sofrer rejeição por acharem que ela tem poderes misticos, ela passa a acreditar, ainda mais quando seu feijãozinho plantado não desabrocha. Ela passa a acreditar que é incapaz de gerar vida, talvez se fosse grande poderia acreditar talvez em infertilidade, e para tentar compensar isso ela passa a fazer exercícios espirituais ligados a necromancia, claro, com que ela tem acesso, fato que é encarado por alguns como afeição a macumba.

    No núcleo adulto, em especial o que toca o trabalho de Jorge, há uma reflexão sobre a situação trabalhista do Brasil, onde por de cortes de custos, um dos amigos de Jorge é demitido. Até este momento, o longa dialoga demais com Arábia de Affonso Uchoa e João Dumans, e ele passa a ter rumos diferentes a partir daí, e que facilmente poderiam ocorrer com a trajetória de trabalhador acidentado vivido por Aristides de Souza no filme mineiro, com o tal companheiro de Jorge morrendo após cair de um andar alto da obra. A discussão sobre se aquilo foi um suicídio ou acidente permeiam todo o filme, mas da parte do ai de Dalva, a declaração era de quem foi um acidente de trabalho, para que a família do mesmo pudesse ter alguma indenização dos patrões.

    A forma como o roteiro lida com os dons de Dalva é muito inteligente e gradual. O mistério demora e ser revelado e a aura de suspense funciona muito bem, por conta dos pequenos eventos estranhos que vão aos poucos ocorrendo. A iluminação e trabalho da direção de fotografia de Barbara Alvez ajuda a criar uma sensação de estranheza constante, mas não prenuncia nada, a natureza da influencia sobrenatural jamais fica clara e esse mistério ajuda o filme. O choro do pai sem razões explicadas, as aparições espirituais, rumores de fantasmas tudo colabora para o mistério.

    Dalva em alguns pontos do filme revela ser avatar de algumas das preferências da diretora, uma vez que ela está sempre assistindo filmes de terror em preto e branco. A predileção da menina por brincadeiras que lidam com o sobrenatural também soam muito verdadeiras. A opção pelo jogo do copo situa o filme em uma brasilidade que não  tem espaço para pudor. Quase todo grupo de crianças e adolescente já brincou com isso, seja para sentir medo ou só para ter alguma chance de interação sexual, visando quebrar a timidez típica das pessoas que ainda não são adultos. No entanto, a recepção de Jorge a esse tipo de atitude de sua filha é agressiva, e talvez daí venha o titulo do filme, uma vez que a menina não consegue fazer o que quer e nem manifestar seus poderes graças a limitação de seu parente.

    Quase todas as tentativas de Jorge em normalizar a família fracassam. Quando ele leva Dalva no parque, eles brincam no balanço ele quase a mata de medo ao utilizar muita força ao empurra-la. O homem desesperado não sabe o que fazer ao perceber que está adoecendo e ao perceber o apodrecimento de sua própria carne, e não sabe lidar com o crescimento da criança. A mediunidade principiante que ela apresenta pode ser apenas um paralelo para uma feminilidade que cresce e se torna um comportamento feminismo, e o macho alfa do alto de sua masculinidade tóxica não pode coexistir com isso, mas essa é somente uma possibilidade de leitura para esse embate, que parece ser mais trivial do que ideológico.

    Dalva parece saber o que está fazendo, ela erra em alguns pontos, mas também se instrui corretamente e dá inicio a rituais de limpeza usando tesouras para cortar os laços do mal. Aos poucos, a frustração pelo seu pé de feijão não ter crescido dá vazão  uma nova manifestação estranha e frondosa, que faz a menina acreditar piamente que é capaz de realizar outros desejos seus, anseios esses ligados a falta de ter uma família estruturada de completa. O desfecho de A Sombra do Pai consegue ser onírico e trágico e o equilíbrio que a diretora estabelecer aqui é sui generis, tanto no sentido de apresentar uma historia fantástica, quanto mostrar um exemplar preocupado com causas sociais e com o momento político do país.

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  • Crítica | No Portal da Eternidade

    Crítica | No Portal da Eternidade

    No Festival de Veneza de 2018 um filme chamou muita a atenção do público e crítica. No Portal da Eternidade é um filme biográfico pouco convencional, começa narrado pelo herói, interpretado por Willem Dafoe, que é extremamente indelicado e aborda uma mulher de maneira brusca e bruta, pedindo para que a mesma pose para uma pintura sua. O filme de Julian Schnabbel se passa em 1888 e mostra Vincent Van Gogh morando em Arles, época em que ele mais trabalhou em suas obras artísticas, época em que ele se sentia extremamente triste, solitário e desamparado por não ter qualquer compreensão do mundo e sequer dos que o amavam.

    O filme não segue uma linha narrativa muito organizada, os fatos vão se avolumando a medida que o tempo passa e os encontros de Vincent são aleatórios. O encontro entre o protagonista e Gauguin de Oscar Isaacs por exemplo ocorre após ele ser expulso de um bar assim que o sujeito que permitiu que ele expusesse quadros de artistas ali perceber que ele monopolizou o espaço, colocando somente suas peças de arte. Sem nem perceber, o grito incontido do artista comunicava o seu desejo de ser exibido e ser compreendido por publico e pelos apreciadores da arte.

    Schnabbel tem um registro bastante poético do processo e preparação do homem biografado, desde a lenta montagem do ateliê até a hora que o pincel toca a tela. Tudo é muito certeiro e bem pensado, com o roteiro emulando todo o processo metódico de Van Gogh. Impressiona como um sexagenário consegue encarnar tão bem uma figura icônica que morreu balzaquiana. Dafoe da um grande sopro de vida ao personagem e não é à toa que ele ganhou prêmios em Veneza, assim como Schnabbel.

    Até os detalhes da rotina ordinária de Van  Gogh são bem exploradas e tem seus motivos poetizados. Vincent não tem o costume de tomar banho e peregrina sempre mesmo sem essas condições de higiene. O odor forte representa a sua derrota existencial, exemplificando o quanto ele se sente deslocado socialmente e do restante da civilização.

    O filme só rompe a barreira do ordinário e passa a ser extraordinário graças a câmera estar em cima do ator , em especial quando detalha as mãos que pretensamente tanto pintaram. O ato de registrar em tela as raízes é acompanhado de uma agorafobia (e misantropia) típica do personagem. Quando cercado de crianças que fazem um passeio pela mata, ele tem sua arte mal julgada e sua reação é hostil, e selvagem, como a de um animal irracional quando está acuado.

    A angustia do artista é mostrada de múltiplas formas, seja na solidão que normalmente o incorre, ou nos questionamentos a respeito de seu modo expressar sua arte. Suas válvulas de escape são pessoas distantes, como seu irmão, que vende suas obras e suas paixões são pessoas proibidas, casadas. Nesse ponto se explora bastante o desejo suicida do homem, manifestada não só no auto mutilamento, mas também no olhar desolado de Dafoe. Há uma cena em especifico muito bem feita, onde ele tenta fugir pelo descampado, onde Schnabbel mostra o quão soberbo é o seu domínio de câmera, conseguindo acompanhar a corrida do homem sem cortar, maximizando a sensação de desespero do sujeito.

    Gauguin está certo em uma de suas falas, Vincent  está mesmo cercado de pessoas vis e ignorantes que se escondem atrás da falsa crença de serem simples para serem egoístas e para se sentirem superiores, então o retiro de Van Gogh até faz sentido por ele se afastar desse tipo de gente, mas sua aproximação das novas pessoas não é muito diferente. A trajetória que No Portal da Eternidade propõe é de um homem que não se encaixava na sociedade e que nem com um talento grandioso fazia sentir-se bem ou ao menos aplacado minimamente. Ser reconhecido após a morte torna-se uma grande ironia e o iguala a Jesus que só foi falado 30 40 anos após a cruz ( Edgar Allan Poe TB só foi conhecido postumamente), e de certa forma conversa  com a fé que Vincent professava. Schnabbel consegue montar um belo retrato do pintor, que conseguiu neste período analisado fazer 75 quadros em 80 dias mas que não conseguiu encontrar a si mesmo em meio a esse desespero.

    https://www.youtube.com/watch?v=iMsN_tNznUY

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  • Crítica | Vidro

    Crítica | Vidro

    Mal avaliado pela crítica internacional, Vidro, nova obra de M. Night Shyamalan possui dentro de si dois filmes bem distintos que em alguns momentos se tocam e se condensam, um dele é mais escapista e leva com base as historias em quadrinhos de super heróis, e outra mais audaciosa e pretensiosa mira um enredo com elementos de teoria da conspiração. O ponto de partida para esta historia é a captura de dois seres de capacidades sobre humanas, David Dunn, personagem de Bruce Willis que protagonizou Corpo Fechado, e Kelvin Wendell Crumb, que foi o personagem central de Fragmentado, de novo executado por James McAvoy.

    Esta parte mais megalomaníaca é  claramente inferior a questão que faz referencia aos quadrinhos, e boa parte dela é motivada pela personagem de Sarah Poulsen, a doutora Ellie Staple, que é designada para cuidar de David, Kelvin e também de Elijah Price (Samuel L. Jackson), o Mister Glass, que é um homem de uma mente muito poderosa, e que permanece sempre sedado para não executar seus planos malignos. Aqui se nota um cuidado do roteiro em expandir a mitologia, seguindo a ideia do filme de 2000 de tentar encaixar os super seres em um ambiente e cenário plausível, pois cada um desses homens tem uma cela e condições especiais para frear suas habilidades e fúrias.

    No entanto, Staple é uma personagem cética. Em um primeiro momento se mostra  completamente incrédula nas capacidades dos pacientes internos da instituição, e usa a teoria de Mister Glass como base para desbaratar a questão e mostrar que os feitos do trio ocorreram por conta de estados alterados da mente  ou por outras questões com alguma explicação mais terrena do que a crença de que os quadrinhos contam historia e feitos de pessoas reais. Até certo ponto essa questão é bem desenvolvida e faz sentido, mas é nela que moram grande parte dos problemas do roteiro.

    As cenas de ação, as sequências de luta e o resgate aos personagens antigos e periféricos são aspectos bem legais da trama. Spencer Treat Clark, Anya Taylor-Joy e Charlayne Woodard conseguem reprisar bem seus papeis, e todos eles são ressignificados e com quadros evoluídos. Há ressentimentos, culpa e um sentimento de impotência em comum com Joseph Dunn, Claire Foley e a mãe de Elijah e o desenrolar desse aspecto da historia é feito de um modo muito inteligente e maduro, uma vez que personagens secundários sempre foram parte importante do cânone dos heróis seja nas Eras de Ouro, Prata ou moderna dos quadrinhos.

    Shyamalan foi relegado por grande parte de público e crítica a condição de péssimo diretor, e isso obviamente é um exagero. Muito desse sentimento rancoroso ocorreu por conta do seu belo início como cineasta e com as comparações desnecessárias que a imprensa fez da sua filmografia com a de Steven Spielberg, mas isso é pouco culpa dele. Após Dama na Água seus filmes sofreram um terrível declínio, mas o fato de ter realizado obras execráveis não apaga seus méritos anteriores, o que aliás é um exercício de futilidade terrível. Outros cineastas famosos também sofreram um bocado com isso, desde Bryan Singer e Christopher Nolan mais recentemente, até Tim Burton e esse tipo de afetação é algo desnecessário demais.

    A personificação dos três personagens poderosos varia de qualidade. David é muito bem interpretado por Willis, que aliás, volta a ter um desempenho bom e isso faz falta em sua filmografia recente, e isso tudo se dá graças principalmente a antiga parceria com o diretor. Jackson faz um personagem enigmático, manipulador e carismático, é quase impossível de não simpatizar, já McAvoy segue afetado, com algumas de suas personalidades melhor exploradas e outras sub aproveitadas, como foi no filme anterior. Já Sarah Poulsen faz uma personagem que tenta soar  complexa, mas que só consegue reunir em si a má vontade típica dos antagonistas, e ela deveria ser uma mulher de caráter dúbio, mas falta construção de roteiro para sua personagem, e claramente não é culpa da interprete. Nem as revelações sobre suas ligações com o passado salvam ela de um destino mal construído pelo roteiro.

    Vidro está longe de ser perfeito, seu roteiro carece de uma melhor construção, mas mesmo com tantos defeitos ele sobrevive até ao fato de seu antecessor Fragmentado ser superestimado. Conseguir reunir três personagens tão icônicos e cheios de detalhes diferenciados é um mérito grande, além do que também se  harmoniza isso tudo de maneira coesa é certamente, constituindo então um belo acerto do autor de Sexto Sentido. O fato do final ter um final surpreendente não é necessariamente um problema, apesar incomodar bastante a gangorra emocional próxima do desfecho, enchendo os minutos finais de reviravoltas meio bobas e que estão lá basicamente para chocar. Incrivelmente, Shyamalan até nesse defeito em sua obra emula uma característica típica dos quadrinhos recentes, que é a predileção para uma narrativa épica meio forçada e frustrada pela fregilidade de sua construção.

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  • Crítica | Reino do Superman

    Crítica | Reino do Superman

    Passado seis meses após a ultima animação A Morte do Superman, lançado em 2018 e dirigida por Sam Liu, finalmente chega ao mercado de home vídeo a continuação da mesma, chamada Reign of The Supermen (depois traduzido para Reino do Superman) sem nome nacional ainda, e a humanidade tem de conviver sem a presença de seu maior defensor, e com quatro heróis que exigem para si o titulo de Super-Homem, são eles o Superboy, Aço, o Erradicador e Super-Ciborgue.

    Liu também dirige esta versão e a sensibilidade com a que ele trata o roteiro de Tim Sheridan e James Krieg é surpreendente, especialmente porque essa animação se passa na mesma faixa cronológica das adaptações dos novos 52. Em determinado ponto há uma conversa entre Lois Lane e Diana Prince, os dois amores do Super Homem, e o diálogo entre elas é bem maduro, emocional e até bonito, pois ambas amaram o Super a sua maneira e entendem o lado uma da outra.

    Há outras boas referencias externas, como o cartaz atrás de Lex Luthor, ao anunciar o novo substituto do kriptoniano, o clone Superboy. Primeiro, ele sequer deixa o garoto falar, depois se desenrola um cartaz onde se lê Making Metropolis Safe Again, com a figura de Connor e Lex estampados, fazendo  uma piada com o slogan de campanha de Donald Trump. O modo como os pretensos substitutos do herói se enfrentam é bem simples, resume bem a essência de cada um dos quatro personagens, e apressa algumas revelações, em especial no que toca o Superboy e ao  Superciborgue.

    As adaptações são muito bem feitas, como não teria lógica utilizar a Supergirl da época, substituíram-na pelo Ajax/Caçador de Marte. Isso serve não só para matar as saudades que boa parte dos leitores e espectadores tinham do personagem, que há muito foi relegado a um papel hiper secundário nos quadrinhos, como acerta na questão de não precisar referenciar personagens de curta duração e que só faziam sentido na cronologia noventista.

    A reaparição do verdadeiro Super Homem é épica, e  a discussão que ele tem com John Henry Irons/Aço é melhor enquadrada aqui que na versão de Dan Jurgens. O antigo salvador da Terra voltou, mas dessa vez é falho, fraco como um ser humano comum e precisa de adaptar a essa nova condição, embora ela seja temporária. A vilania de Hank Hanshaw é bem traduzida nesta versão, se entende seu drama e as parcerias externas que faz, e o modo como ele monta seu exercito de seguidores conversa bastante com o avanço da extrema direita pelo mundo, para muito além da necessidade que algumas obras da cultura pop de reproduzir um discurso contrário ao autoritarismo, mostrando os males desses comportamentos com ações e não com discursos e frases feitas.

    Apesar de ambas as  sagas, tanto A Morte de Superman quanto o Retorno de Superman terem sido feitas só para alavancar as vendas dos quadrinhos dos personagens, as duas animações acertaram demais e conseguiram traduzir muito bem o espirito da época, repaginando os conceitos de maneira astuta e inteligente, talvez por conta da distância entre as sagas em si e o lançamentos desses. Ponto de IgniçãoLiga da Justiça: Guerra e Liga da Justiça: Trono de Atlantis não tiveram essa sorte, mesmo não tendo historias originais necessariamente ruins e é curioso como a expectativa de qualidade foi oposta nessas e nas duas mais recentes.

    https://www.youtube.com/watch?v=JUM70fOy4Vk

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  • Crítica | Corpo Fechado

    Crítica | Corpo Fechado

    O primeiro filme de M. Night Shyamalan após Sexto Sentido começa aludindo aos aficionados por quadrinhos, julgando os males e o bem provindos do colecionismo desenfreado para logo depois saudá-lo através da história de David Dunn, personagem de Bruce Willis, sujeito esse que faz lembrar momentos clássicos dos roteiros de Stan Lee, Jerry Siegel e Jack Kirby. Antes de apresentar o seu protagonista, o roteiro mostra uma mulher negra dando a luz a uma criança tão fragil que tem as pernas quebradas.

    A desconstrução dos mitos dos quadrinhos começa ao mostrar que David não é perfeito. A câmera que se esconde entre os bancos do trem o espiã flertando com Kelly, e também flagra ele escondendo sua aliança de casamento. Dunn fracassa duplamente, primeiro em seu quase flerte, interrompido pela própria moça , e erra também para e não conseguir ter um fim no sofrimento emocional que tem sido sua vida, pois quando descarrila o trem em que está, ele é o único sobrevivente, sem nenhum osso quebrado.

    O milagre que ocorreu não foi celebrado. Sua relação com a esposa já está falida e ele mal fala com seu filho, a escolha de Shyamalan foi de focar a clássica jornada do herói de Joe Campbell em uma figura nada invejável, comum, que tem um trabalho chato e uma intimidade estranha. A Touchstone era um estúdio menor que a Disney utilizava para fazer filmes independentes ou que não se encaixavam muito no estilo super fantástico e feliz que normalmente abarcava seus filmes animados e em live action.

    A cadência da história lembra demais as histórias de origem nos quadrinhos. Peter Parker vai descobrindo aos poucos seus poderes após sofrer um acidente radioativo, mesmo os X-Men descobrem lentamente, quando chegam a puberdade. Para Dunn o paradigma é diferente, ele só percebe sua estranha condição na meia idade, e ele não consegue lidar bem com isso, precisando de consultoria.

    O jovem Elijah Price, interpretado por Johnny Hiram Jamison quando novo recebe um presente de sua mãe, um número de Active Comics, uma revista que faz óbvia referência a Action Comics onde apareceu o Super Homem , e o garoto abre um embrulho, dado pela sua mãe como prêmio por ter saído. Já aqui há mostrar do que Price se tornaria, pois mesmo quando ele vira o gibi para o lado correto, a câmera acompanha o movimento de rotação, mantendo o conto de fadas moderno de luta do bem contra o mal sempre com um ângulo invertido, embaralhando na cabeça do rapaz as noções de moralidade. Adulto, ele é executado por Samuel L. Jackson, um colecionador de histórias em quadrinhos que acredita que a nona arte é um modo de contar a história da humanidade, como quando os egípcios faziam hieróglifos. Ele chama Dunn, e explica toda sorte de loucura crédula de que David é poderoso e aquilo o deixa com um misto de apreensão e susto.

    Os aspectos técnicos fazem todo o roteiro e M. Night funcionar a perfeição, como a fotografia Eduardo Serra, que ajuda a tornar todo o escopo ainda mais grandioso, e a música de James Newton Howard, que reúnem elementos mais modernos, além de referências claras ao trabalho de John Williams e Superman e Danny Elfman em Batman.

    A revisão do filme permite chegar a algumas conclusões que talvez não fossem alcançadas vendo somente uma vez, não só em pistas mas também em semelhanças de trajetórias. Elijah e David parecem ter uma ligação espiritual, pois ambos tem uma fase depressiva que ocorre quase simultaneamente, entre os dois. A união e rivalidade entre eles parece mesmo fadada a a acontecer de qualquer forma, muito semelhante ao que ocorreu com Lex Luthor e Clark Kent, e que é selada quando finalmente eles tocam as próprias mãos, com o herói percebendo enfim o óbvio.

    A epifania que Dunn tem pode ser explicada como ele chegando a obvia conclusão provinda das pistas reunidas, por raciocínio lógico romantizado ali, mas a possibilidade daquilo ser uma fantasia causada pelo toque de mãos, separada apenas pela luva de Elijah, explicando que foi a união dos opostos que o fez ter a tal visão é algo muito mais poderoso, escapista e condizente com a história que Shyamalan propaga. Este final foi erroneamente criticado por não possuir um plot twist tão forte quanto o de O Sexto Sentido, mas aqui cabe demais e faz dele um filme inteligente e condizente com a cena de adaptações de quadrinhos da época, como muito mais coragem para abraçar a fantasia do que boa parte até da cena de heróis recente.

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  • Crítica | Peterloo

    Crítica | Peterloo

    O veterano Mike Leigh tem dedicado sua filmografia a resgatar antigos retratos de pessoas notórias e registrar momentos grandiosos e importantes da humanidade. Em Peterloo, o cineasta fala a respeito do massacre ocorrido em 1819, onde protestos pacíficos pró-democracia em St. Peters Field acabaram resultando em uma situação sangrenta em plena Inglaterra do século XIX.

    Antes mesmo de mostrar o massacre que o governo impingiu a sua população – foram em torno de 60 mil protestantes, tendo muitos mortos e feridos nesse montante – Leigh faz questão de mostrar sessão na câmara legislativa, onde se julga o destino do povo e se ignora por completo as questões que o povo pleiteia, em especial no que toca a pobreza extrema que muitos deles vivem.

    Uma das principais mostras que Leigh dá ao mostrar o quanto o povo é flagelado, mora no personagem de Tom Meredith, o garoto Robert que é um veterano de guerra que vaga pelas ruas uniformizado procurando trabalho ou pedindo esmola, sem nenhum tipo de indenização mesmo tendo ficado demente graças aos conflitos pelos quais passou. Aliás, o filme não economiza nas questões que retratam os miseráveis e apela para a crueldade que ocorria via justiça a revelia de qualquer tratado de direitos humanos, mostrando inclusive um homem sendo condenado a forca por roubar um casaco.

    Rory Kinnear (o mesmo que havia feito um ministro nos primeiros episódios de Black Mirror) faz a autoridade que discursará no tal evento de greve. Seu personagem Henry Hunt é um homem esnobe e que se julga muito justo, seu discurso é o de busca ao povo a voz e a representatividade, mas a realidade passa longe disso.

    Em alguns pontos, Leigh emula o cinema de David Lean misturando ao caráter de discussão de Constantin Costa-Gravas, em especial no que tange o medo dos poderosos de que a Revolução Francesa seja reprisada na Grã Bretanha. As falas de Hunt, que deveria ser apaziguadora  soam como gasolina que inflama a plebe a reagir de maneira não pacifica e o conflito, quando acontece é fiel demais a história, e soa meio bobo e lento no quesito ação, sendo patético em alguns pontos exatamente por ser ultrarrealista.

    Peterloo ainda tem um epílogo que mostra o rei tranquilo e asqueroso, alheio a tudo que acontece ao povo e serve como um manifesto de Leigh contra a monarquia que ainda vigora nas terras inglesas, em um filme que peca um pouco em seu ritmo, mas é muito acertado por não subestimar a inteligência do seu espectador e por não se permitir ser complacente de forma alguma com os poderosos.

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  • Crítica | Aprendizado Para a Morte

    Crítica | Aprendizado Para a Morte

    Era algo bastante comum durante a época da Segunda Guerra Mundial um esforço de quem quer fosse parte da cultura popular da época, tratar de assumir um lado contra ou a favor do Eixo. Enquanto Hergé foi obrigado a transformar Tintim em um personagem da juventude hitlerista, o Capitão América dava um soco no rosto de Hitler, Batman e Robin, e até o Superman posavam montados em canos de canhões e obviamente Walt Disney se posicionava contra Hitler e seus companheiros de guerra. Alguns filmes curtos foram feitos, alguns panfletando a favor do American Way of Life, mas nenhum foi tão bem posicionado quanto a Education for Death, chamado também em alguma edições brasileiras de Aprendizado Para A Morte.

    O filme começa com uma narração bem expositiva e explicativa de Art Smith, sobre como é “feito” um nazista, falando da doutrinação ainda pequeno, usando como exemplo os pais do pequeno Hans, que entregam a documentação da certidão de nascimento. A figura de autoridade alemã é preenchida de cores escuras, e é vista por cima, em um palanque que lhe confere um aspecto quase divino, não à toa, pois este homem em questão tem poder até para vetar certos nomes as crianças. Hans não está entre as alcunhas proibidas.

    O filme tem pouco mais de 10 minutos, é baseado no texto de Gregon Ziemer e direção de Clyde Geromini, e o seu conteúdo não tem qualquer pudor em parecer propagandista, até porque há de se lembrar que o estado alemão produziu boa parte da cinematografia do pais nos anos 30 e 40. Antes dos pais enfocados irem embora, eles recebem uma caderneta, com doze espaços para nomes de crianças, uma nada sutil sugestão da quantidade de filhos que deveriam ter, afinal era preciso lotar as filas de alistados.

    O que se fala hoje de anti doutrinação nas escolas brasileiras conversa demais com o que é visto aqui, obviamente não pelo viés que programas mal intencionados como o Escola Sem Partido pregam, até porque para  qualquer bom observador é bem claro que o objetivo desses é sim incutir sua própria ideologia nas crianças. Além do livro mais lido pelos alemães, Mein Kampf, também eram distribuídos outros materiais mais infanto juvenis, que comparavam a Democracia as bruxas de contos de fadas como A Bela Adormecida de Branca de Neve.

    Disney sempre foi conhecido como um produtor e realizador de historias maniqueístas, e obviamente que o filme assinado por si debocharia das figuras em questão. A princesa dita num conto é uma mulher gorda, para representar a Alemanha, e o príncipe/cavaleiro que a salva da Democracia malvada, é Hitler, uma figura extremamente caricata. O fato disso conversar muito bem com a cinematografia dos anos quarenta do século passado faz o filme ser palatável, evidentemente, mas é absurdo como as mesmas técnicas que utilizavam com Hans, de alta repetição de preceitos e saudações nazistas é ainda utilizada para a montagem da mentalidade de boa parte da direita autoritária, com discursos montados em cima de falácias e apelando para preconceitos acéfalos paara encurtar a distancia entre o discurso teórico e o pragmatismo das pessoas.

    Hans, ao errar é encarado por retratados com feições más de Hitler, Goering e Goebbels, as figuras políticas eram muito presentes. Essa simples descrição pode fazer o filme parecer bobo, mas esse didatismo serve bem a sociedade, e mostra que a construção de um povo que abraça a intolerância não ocorre por acaso, e é preparado de modo gradativo, mesmo que o filme apresse um pouco esse processo. Ainda assim, Aprendizado Para a Morte é um curta de uma intenção correta, dentre os filmes comprados pelo governo americano, não à toa o forte final, igualando todos os soldados a cópias uns dos outros, que tem em comum as cruzes visíveis com o símbolo da suástica.

    https://www.youtube.com/watch?v=6vLrTNKk89Q

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