Categoria: Críticas

  • Crítica | O Outro Lado do Vento

    Crítica | O Outro Lado do Vento

    O Outro Lado do Vento é um atestado de imortalidade; sobre raras marolas que nunca cessam. Filme inacabado por excelência, eis um manifesto por aquilo que nunca será esquecido, ou depreciado. Para Orson Welles, certamente que não. Era o menino prodígio que revolucionou o cinema em tempos de outras tantas revoluções menores. Junto de Charles Chaplin, Buster Keaton, Howard Hawks, Alfred Hitchcock e alguns outros deuses do Cinema, neste seleto clubinho de divindades, Welles não reinventou a roda, mas aperfeiçoou-a em verdadeiros atestados de genialidade em estado bruto como O Processo, A Marca da Maldade e Verdades e Mentiras. Gemas obrigatórias, para se dizer o mínimo.

    Não chegou a ver o Cinema mudar a ponto de sair da tela, ganhar novos arranjos, entrar na casa das pessoas, anda por ai nos nossos celulares. Não chegou a criar opiniões a respeito disso. Welles, o homem, morreu em 1985, quando o Cinema americano já começava a significar tecnologia, cada vez mais, e durante setenta anos, projetou em suas histórias as suas próprias paixões por essa arte, a sétima delas, pela qual jamais será um talento substituível; um mero bastardo fiel a experimentações de todo tipo. Como o mesmo diria: “O Cinema não tem fronteiras nem limites. É um fluxo constante de sonho.”, e é justamente esse sentimento que se tem ao se assistir um dos melhores filmes de 2018.

    A Netflix fez questão de remontar um filme assumidamente estranho a habitar seu catálogo de jóias e bijuterias, e sem apelar para saudosismo a tanto.Colando e deixando que trechos pré-editados das filmagens que o próprio Welles chegou a rodar ditem o tom do filme, por si só, o foco aqui vai longe da lógica, perseguindo com uma lente frenética e cores exageradas atores nus, sorridentes, chorosos e agressivos e que se cruzam, colidem-se, num absoluto caos cinematográfico cuja construção essencial, e o seu valor, baseiam-se unicamente na própria experiência poética de senti-lo, ao invés de atender a imediatista pretensão de compreendê-lo – algo que pode afugentar inúmeros espectadores acostumados apenas a entender imagens, em vez de capturar e absorver a vibração que nelas e entre elas existem, germinando muito mais que um sentido fácil.

    O Outro Lado do Vento torna-se acachapante, neste finado exercício do mestre centenário, não apenas por ser uma ode à criação, a arte ou a história dessa arte (a sétima delas, como mencionado). Vira peça chave da produção contemporânea por, em 2018,conseguir reviver, mesmo que com certas vaidades estéticas ligadas a efervescência apologética de algumas imagens, a soberba pujança que os grandes clássicos imbatíveis de Welles, os aclamados e os que ainda serão (re)descobertos por novas gerações,jorram e exalam com uma vitalidade muita própria, antes ou agora; em tempos mais simples e complexos que, afinal, clamam por revitalizações de ideias e ideais de um passado glorioso, e que não merece abandonar o glamour e a visibilidade das telas de projeção – sejam elas quais forem, hoje em dia.

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  • Crítica | Metrópolis

    Crítica | Metrópolis

    Metrópolis talvez seja a obra máxima de sua época, e sua exibição hoje beira o desafio, visto que é difícil achar uma cópia que faça jus ao original. Os rolos de filmes originalmente exibidos em 1927 foram restaurados, a partir de uma cópia encontrada na Argentina e finalmente se pode apreciar ao menos em parte qual era a ideia que o austríaco Fritz Lang tinha para a adaptação do livro de  Thea von Harbou, escritora que inclusive escreveu o roteiro da adaptação.

    A história se passa um século após a produção do filme, em 2026, e a grande e bonita cidade de Metrópolis esconde nos seus subterrâneos um segredo terrível, ela é movida pela trabalho braçal da classe operária, homens pobres que não tem ninguém a não ser eles mesmos. A ideia de futuro de Harbou era pessimista, ou realista se o intérprete da obra for mais pragmático, e não encara a humanidade como espécie benevolente ao ponto de conseguir se livrar da condição escravocrata que cercou sua história.

    Não demora a se explorar como é a rotina de quem vive na parte de cima de Metropolis. O dono do lugar, Joh Fredersen (Alfred Abel) tem um filho, chamado Freder (Gustav Fröhlich), um garoto mimado que passa seus dias praticando esportes e flertando com belas moças. Logo, uma misteriosa mulher aparece, Maria (Brigitte Helm), e ela carrega os filhos dos trabalhadores consigo, para que pudessem conhecer a superfície. Entre o choque da realidade completamente diversa da sua e contemplar uma mulher igualmente diferente das que vê, Freder se apaixona e decide ir até a cidade dos trabalhadores. Logo se depara com as condições degradantes de trabalho.

    Lang faz uso de maquetes muito bem pensadas para registrar as imagens panorâmicas das cidades. A sofisticação dos cenários unidos a narrativa de extrema dramaticidade típica do expressionismo alemão fortificam a denúncia sobre os perigos do avanço desenfreado do homem rumo a urbanização e coisificação dos outros homens, sobretudo, os mais pobres. Mesmo que os personagens abastados afirmem que as configurações de mundo são assim desde antes de nascerem, o conhecimento sobre a história evidencia que eles só estão ali como classe dominante por que no passado se utilizou de mão de obra escrava estrangeira, portanto, a utilização do sistema de castas é só uma propagação dessa atitude exploratória.

    É curioso como o roteiro de Harbou referencia figuras míticas religiosas, fazendo paralelos com a mitologia judaico-cristã mas também com a Babilônica e Celta ao mesmo tempo, evocando um pensamento utópico de luta de classes. A trama envolvendo a construção do Maschinenmensch (ou máquina-homem) é muito curiosa, porque novamente trata de uma questão que em sua gênese é pessoal, afinal seu criador, o doutor Rotwang (Rudolf Klein-Rogge) só queria trazer sua amada de volta – a mulher que foi casada com Fredersen, e que morreu ao dar a luz a Freder – mas evolui para um quadro que viola o sagrado. Apesar de não ser um filme exatamente cristão e de misturar mitos, o filme demonstra que criatura se virará contra seu criador, e assim passará a dar ordens.

    Isaac Asimov acusava a literatura de Mary Shelley de ter criado na população geral uma ojeriza por robôs, fato que ele chama de Complexo de Frankesntein. Essa sensação seria agravada pela versão protagonizada por Boris Karloff nos anos trinta, via Universal, mas em partes, a sensação de que os robôs dominariam seus criadores também encontra origem aqui em Metrópolis, embora tanto nela quanto na obra de Shelley houvesse margem para o entendimento de que a malevolência das criaturas mecânicas é herdada de seus criadores, e não o contrário. Tanto Maschinenmensch quanto o Moderno Prometheus tem esse caráter, possivelmente a Skynet de O Exterminador do Futuro e as máquinas de Matrix também o tenham.

    Próximo ao final, o filme lembra o clássico de Gillo PontecorvoQueimada, lançado anos depois e que claramente tem como uma de suas referencias o cinema de Fritz Lang. Metrópolis é uma obra prima, mas ainda assim é um filme fruto de seu tempo, uma época em que os produtos cinematográficos buscavam um final feliz. Uma conciliação. Desse modo, o acordo entre a liderança dos trabalhadores e o capitalista é de certa forma aceitável, ainda que claramente não faça sentido. Ainda assim, pela inventividade genial e pioneira de Fritz Lang, a obra entra certamente para a história do cinema não só como exemplar a ser visto mas também como influência para inúmeras gerações de cineastas.

    https://www.youtube.com/watch?v=on2H8Qt5fgA

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  • Crítica | Mormaço

    Crítica | Mormaço

    Filmado nos preparativos para as Olimpíadas do Rio 2016, perto da comunidade onde ocorreram algumas ações governamentais de desapropriação de casas na Vila Autódromo em um espaço próximo da onde ocorreriam os eventos na cidade carioca, Mormaço começa mostrando sua protagonista, Ana (Marina Provenzzano), sendo coberta por uma fumaça muito espessa.

    O trabalho de Ana  é como assistente social, ela tenta auxiliar as pessoas que são acuadas pelo governo a resistir a essa remoção, mas ela mesma passa por algo parecido, uma vez que seu prédio está sendo inspecionado por um sujeito chamado Pedro (Pedro Gracindo). A maioria dos moradores também já cederam, e quase não há mais habitantes, exceto um ou outro, entre eles uma senhora de mais idade que é preocupada em sair de lá, por conta das lembranças e dos seus animais de estimação.

    O cotidiano da protagonista varia entre confraternizações com seus amigos de esquerda membros da elite que se comporta como a autentica (e criticada) esquerda festiva e os dias no trabalho e em seu prédio. Essa rotina aos poucos a esmaga, e ela sequer percebe os hábitos terríveis que começa a ter, como o de nadar na piscina suja de seu prédio, a mesma que está em vias de ser esvaziada e que está repleta de lodo.

    A natureza do emprego de Pedro é estranha e só um dos fatores que faz ele soar estranho, pois além de desalojar pessoas ele também tem uma banda de rock com elementos de mitos de  Candomblé, e ouve muito Ramones. Seu envolvimento emocional com Ana soa forçada, pois é pautada em nada além de tesão e vontade de trepar da personagem, não que ela ser bem resolvida sexualmente seja um problema, mas sim porque os motivos que causam esse tesão súbito nela não são bem explicados ou explicitados, são simples sintomas de uma doença que ela contrai e que não se sabe a origem, ela apenas a tem, talvez por fruto da sociedade doente que a envolve. Essa falta de justificativa faz perder boa parte das discussões que poderiam soar profundas, mas que aqui parecem mais preocupadas em só mencionar as mazelas sociais ao invés de discuti-las.

    Ana vai ficando doente, com manchas que só aumentam e que não se sabe da onde vem, se são frutos de micose, infecção, stress. Aos poucos elas vão se desenhando como manifestação da sub moradia que tem e ganha gravidade, pois o ferimento só aumenta. A protagonista piora a medida que o governo teima em piorar a situação dos moradores da vila, na boca de Provenzzano vem a pergunta se “a cidade está desaparecendo”, mas o que realmente se extingue é sua saúde.

    A mancha avança e cada vez mais parece um fungo e a origem desse agouro é algo terrivelmente mal pensado, ligado as infiltrações que o apartamento da mulher tem. As duas situações de realocações se juntam, ao final, em um arremedo de roteiro que apressa todos os processos e faz pouco sentido. A coceira piora o quadro, e o hábito de se alimentar de frutas podres faz a rotina de Ana soar como nojenta. O desfecho do roteiro de Marina Meliande (a diretora) e Felipe Bragança é bagunçado e aberto, de uma dubiedade meio tola, que não explica e nem abre possibilidade de teorizar de uma maneira lógica o que ocorreu com Ana. Mormaço tenta ser um filme dedo na ferida, no sentido de falar sobre uma questão social importante para a cidade do Rio de Janeiro e para o Brasil como as desocupações, mas não se aprofunda nem nessas questões e nem no caráter fantástico da obra, fazendo toda essa mistura de elementos parecer caricatural e não séria e esse definitivamente não é o caráter que o filme quer atingir.

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  • Crítica | Marte Ataca!

    Crítica | Marte Ataca!

    “Uma rampa está descendo… como uma língua gigante!”

    Homenagem é o sobrenome de Marte Ataca!, uma das mais icônicas produções de Tim Burton, nos saudosos anos 90. Ainda colhendo os louros pelos sucessos de bilheteria que foram os dois primeiros Batman, e logo após Ed Wood, um dos seus melhores projetos, quiçá o seu melhor, Burton já tinha a confiança da Warner Bros. para comandar uma milionária invasão alienígena a Terra, e assim o fez. Dispondo de um grande elenco que incluía Jack Nicholson, Glenn Close e outras inúmeras estrelas reagindo a iminência de um primeiro contato extra terrestre, e das mais amalucadas formas de reação, o diretor de Os Fantasmas se Divertem e outros inúmeros filmes cuja estranheza e excentricidade ganharam o amor popular fez o tributo pop definitivo ao clássico trash Plano 9 do Espaço Sideral.

    Se em plena década de 50, espaçonaves eram literalmente pratos pendurados em barbantes, e filmados com orçamento risível por um louco apaixonado por Cinema chamado Ed Wood, esses mesmos veículos alienígenas em formato oval descem das nuvens, em Marte Ataca!, sendo efeitos especiais propositalmente horríveis, remetendo-os com essa intenção de escracho as inesquecíveis e bizarras obras do ídolo de Burton, massacradas na época por suas péssimas qualidades. Aqui, a bizarrice é generalizada muito antes de vermos os alienígenas, sendo nós muito mais estranhos em nossos costumes que eles, esquisitos muitos mais na sua aparência do que nos atos hostis muito parecidos aos da nossa espécie.

    Temos aqui a icônica cena dos homenzinhos verdes, um clichê orgulhoso do que é, assim como os velhos filmes testamento de Wood, o famoso pior cineasta de todos os tempos, entrando enfileirados na Suprema Corte norte-americana antes de incinerar a todos, sem motivo aparente. Em cenas como essa, ou na própria apresentação dos marcianos violentos aos “dóceis” militares americanos, ainda no começo do filme, Burton promove aqui usar a mesma selvageria que os EUA usam no trato com outras nações nas guerras que se envolvem, sendo não à toa os donos do mundo, seja por conta do poderio militar, ou através do poder midiático que produzem para fortalecer o american way of life. Essa intolerância aqui, mesmo vista pela ótica do ridículo e do humor, nunca esgota sua cumplicidade com a realidade política dos fatos que só agravaram-se com a presidência de Donald Trump.

    É interessante como o filme não tem pressa alguma de mostrar as suas criaturas de outro planeta, e o caos que elas fazem acontecer. Enquanto toda essa bizarrice de duas cabeças apaixonadas voando sem corpo passa, pouco a pouco, a ser o fator principal de uma trama baseada em como a loucura e a paranoia regem os EUA, e Las Vegas e Washington começarem a ser atacadas em divertidas e exageradas sequências de ação, fazendo pouco dessas cenas que Hollywood refaz todo ano em um sem número de filmes ruins, a crítica à política americana e ao modo de vida do Tio Sam é nítida, metaforizada aqui por um presidente incompetente, cidadãos abestados e uma cultura de espetáculo que explode pelo ar e ninguém liga porque tudo é descartável, assim como os cenários falsos e brilhantes que cercam pessoas falsas, de roupas brilhantes. De ingênuo, e ridículo, o ótimo Marte Ataca! tem apenas a sua casca, sendo uma ode apaixonada as raízes de um cineasta que nunca escondeu suas influências.

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  • Crítica | O Conto

    Crítica | O Conto

    O Conto não é um filme comum. E nem fácil. A cineasta Jennifer Fox escreve e dirige sua própria história real de quando descobriu que ela foi vítima de abuso sexual aos 13 anos, o longa que é estrelado pela sempre boa Laura Dern, foi muito elogiado em Sundance e está sendo distribuído pela HBO. Esse primeiro filme fictício da diretora acaba se aproveitando da sua veia autobiográfica e traz uma perspectiva muito original da temática, é como presenciar as memórias mais íntimas de uma pessoa.

    Um dia a documentarista Jennifer Fox recebe uma ligação de sua mãe revelando que encontrou um conto que Jennifer escreveu aos 13 anos de idade, o qual narra em detalhes o abuso sexual sofrido pelo seu até então professor. Surpreendida pelo conteúdo do texto, a personagem de Dern sai em uma complexa busca por memórias escondidas que contrariam a versão da história que ela acreditava ser a verdadeira, enquanto compreende como teu presente fala tanto sobre seu passado.

    Extenso, o longa não denuncia sua duração por conta do ritmo balanceado do filme, Fox utiliza muito bem as peças que tem em mãos em seu favor, ficção e documentário se misturam homogeneamente para uma história autobiográfica muito dura. Aos poucos que a personagem central embarca nos questionamentos que a guiarão até o final, as primeiras reações dela são críveis e se beneficiam pela performance de Dern, a atriz reconhece a importância de seu papel e faz a altura, mas quem pega o filme pra si é quem encarna a jovem Jennifer de 13 anos, Isabelle Nélisse, é chocante para o espectador acreditar no absurdo das situações pelos olhares carregados de confusão da garota.

    O filme, inclusive, alterna entre as perspectivas de passado e presente de forma muito íntima, ficamos imersos nos pensamentos da personagem de maneira orgânica, tanto pelo roteiro quanto pelas escolhas fotográficas. Quando a jovem Jennifer conversa com a Jennifer já adulta, fica claro o sensível trabalho da diretora neste trabalho, o quão profunda é a dúvida? O que criamos pra deixar as coisas para trás? O Conto instiga e aponta exatamente onde deve, mesmo que algumas personagens permaneçam nebulosas, criando sobras no material final. Um filme pessoal e muito forte, e talvez uma das produções mais importantes na atual Hollywood do movimento #MeToo.

    Texto de autoria de Felipe Freitas.

    https://www.youtube.com/watch?v=e6Vi_K0M93c

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  • Crítica | WiFi Ralph: Quebrando a Internet

    Crítica | WiFi Ralph: Quebrando a Internet

    Após o sucesso de Detona Ralph, criou-se uma grande expectativa para uma continuação, que chegou aos cinemas estrangeiros no ano passado e finalmente chegou ao Brasil. WiFi Ralph: Quebrando a Internet começa com Vanellope (Sarah Silverman) e Ralph (John C. Reilly) discutindo sobre depilação, utilizando Zangief de Street Fighter como exemplo de alguém que escolhe ter pelos em apenas alguns lugares do corpo, simetricamente escolhidos. Pode parecer só uma piada, mas esse é o início de uma discussão existencial que abarca até a humanidade, pois a garota se pergunta se há algo além de viver jogando, pois para o mundo, eles são apenas algoritmos Zero e Um diante do universo, e essa simplicidade é pouca para a menina.

    A vida dos personagens de games está bastante confortável e pacata, e Vanellope deseja de qualquer forma ter uma nova pista para jogar, mas no velho fliperama só chega o Wifi, para que os clientes possam usufruir da internet, afinal que o frequenta geralmente são os jovens, e em 2018 e 2019 a natural que todos façam uso disso.

    Ralph tenta ajudar sua amiga, mas como é de sua praxe e natureza, ele acaba estragando as coisas, não para Vanellope, que adora seu gesto, mas para o Sugar Rush, que é desativado por conta de uma quebra de controle. O dono do fliperama, Mr. Litwak pensa em consertar, mas a fábrica do game está fechada e a reposição da peça via eBay é muito cara, e é curioso como o roteiro de Phil Johnston brinca com um paradigma típico da internet, que são os preços exorbitantes que vendedores do eBay, Mercado Livre e semelhantes praticam, ao ponto de não terem para quem vender. É a partir daqui que se desencadeia o plot de viagem pela internet, em que Ralph leva Vanellope por ela claramente estar deprimida com essa situação.

    A situação mais curiosa vista nessa continuação é que as relações dos personagens evoluiu. Felix (Jack McBrayer) e Calhoun (Jane Lynch) estão casados há seis anos, e querem apimentar a relação, e até Ralph e Vanellope percebem que precisam evoluir e alcançar um novo nível de relacionamento, um que compreenda o novo nível de interdependência entre os dois, e obviamente que não se explorará isso através da super exposição de um casal comum, afinal é um filme infantil, e se precisa de todo um verniz de relação não sexualizada, até por conta da diferença física entre os personagens, pois Vanellope tem uma aparência de criança embora seu jogo seja de décadas atrás.

    A viagem a internet é tímida no início, com a dupla de protagonistas navegando entre os sites, e enfrentando alguns muitos spams, e Ralph se perdendo com isso, mas o novo cenário traz novos desafios aos jogadores que são tão diferentes do que geralmente vivem. O filme tem um tom critico curioso e normalmente não muito presente nas fitas antigas da Disney, e muito menos nos enlatados recentes, que só miram o dinheiro de espectadores com mais e mais continuações, ao menos o roteiro de Johnston faz comentários adultos e inteligentes sobre o comportamento de pessoas na internet, sejam os haters ou comentaristas ofensivos, bem como faz um mea culpa no esperado encontro entre as princesas Disney, que são meninas interessantes para muito além do fato de precisarem ser salvas por alguém forte, e que podem ser entretidos por coisas simples, como camisetas e moletons.

    É curioso com Rich Moore e Johnston trabalham com a temática da internet. A dupla havia feito Zootopia antes, e ao mesmo tempo que há um flerte com discussões sobre os algoritmos e com os trolls chatos que comentam muita besteira, há uma ideia meio datada do ambiente que a internet tem, os personagens novos não tem muita influência de fato na historia, falta tempo par eles, e o modo as coisas que viralizam são mostradas parece feito pela ótica de pessoas que não entendem como as novas gerações tratam do universo on-line que se abre. Os usuários do ambiente conectado parecem fúteis, e por mais que a futilidade seja a tônica para muitos que frequentam fóruns e redes sociais, é meio generalista demais considerar que o todo é assim, e o roteiro faz isso, tomando isso como uma regra praticamente sem exceção. A vontade de se prender a arquétipos muito quadrados já estava lá em Zootopia e a dupla parecer ter trazido isso para este filme, de maneira bem equivocada para quem tem a pretensão de fazer uma historia inclusiva.

    A beleza de Vanellope mora em sua simplicidade e no fato de não precisar se encaixar em padrões não só de beleza, mas também de comportamento. A Disney em suas animações acompanhou a evolução temporal, na renascença colocava personagens como Ariel, Pocahontas, Bela, que eram inteligentes e independentes em algum nível, mais capazes de fazer escolhas e de fazer a diferença nos filmes que protagonizavam, mas com Frozen, Enrolados e até a continuação de Detona Ralph esses níveis foram atualizados, e o exemplo para as crianças se estabelece de que uma pessoa pode não se adequar a certos padrões e pode ser o que seu coração deseja que seja e que não há grande problemas com relação a isso, e a maneira como lição moral é digerida foge do panfletarismo, embora no final a toxicidade do comportamento masculino gere um rival nada sutil para os heróis, dessa vez claramente apelando para um viés mais lacrador e que desnecessariamente desconstrói toda a evolução que Ralph, mostrando ele como um sujeito egoísta e que não aprendeu nada com as agruras que sofreu.

    O modo como o monstro gigante se mobiliza contra a real protagonista do filme, Vanellope é um pouco exagerado, embora não incomode e também não denigra o todo o filme – exceto é claro se o espectador em questão for tão inseguro que não pode ver sua frágil condição de macho alfa discutida – mas a solução final, para manter Ralph vivo mesmo depois de tudo é muito bem pensada, envolvendo cores e referências as personagens clássicas dos filmes mais famosos do estúdio, selando de uma forma saudável a relação entre Ralph e Vanellope, denunciando o quanto a possessividade entre pares pode ser prejudicial par todos, não só para a mulher, mas também para o homem.

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  • Crítica | Christopher Robin: Um Reencontro Inesquecível

    Crítica | Christopher Robin: Um Reencontro Inesquecível

    Não é de agora que  a Disney resolveu fazer remakes ou releituras de suas obras clássicas com atores reais. Nos anos 90, tivemos 101 Dálmatas e um filme obscuro de O Livro da Selva, do qual ninguém se lembra (nem a Disney faz questão). Mas desde o lançamento de Malévola, o estúdio do camundongo tem se empenhado para trazer versões realistas de seus personagens, seja na forma de uma refilmagem quase quadro a quadro (como A Bela e a Fera), seja em reinterpretações (como Alice Através do Espelho). Christopher Robin: Um Reencontro Inesquecível entra nessa segunda categoria. O filme do diretor Marc Foster não é sobre as aventuras do Ursinho Pooh e sua turma no Bosque dos Cem Acres, tampouco uma cinebiografia do verdadeiro Christopher Robin (filho do autor A. A. Miles, criador dos personagens). O que vemos na tela é uma história sobre amadurecimento e as preocupações da vida adulta do personagem-título, forçado a deixar sua infância cedo demais e incapaz de enxergar um mundo mais feliz ao seu redor, em consequência de seus traumas e contexto histórico das grandes guerras do início do século XX.

    No início somos apresentados ao “Menino Cristóvão” (ou “Paulo Roberto”, em dublagens mais antigas) que já conhecemos de produções anteriores da Disney. Christopher Robin (Ewan McGregor, na versão adulta) vive feliz em suas brincadeiras com seus bichinhos de pelúcia nos arredores do condado de Sussex, Inglaterra, quando precisa se despedir dos brinquedos para estudar em um colégio interno. O clima de melancolia já começa a se desdobrar a partir de então, quando acompanhamos o crescimento do garoto e sua difícil vida que segue, com a perda do pai e os horrores da guerra. Os primeiros 12 minutos do longa já nos mostra que o garoto imaginativo de então não seria mais o mesmo ao encarar a dura realidade da vida.

    Já como adulto, as preocupações com o trabalho o afastam de sua vida familiar. A relação com sua esposa e filha (que nasceu enquanto ele estava na guerra) é bastante fria, e ao deixar de passar um fim de semana na casa de campo com elas para resolver problemas do trabalho, seu antigo urso de pelúcia surge para lembrá-lo de uma vida mais amena e feliz. Não existe nenhuma explicação para o fato de Pooh ser um ursinho de pelúcia falante, ou de como se chega ao mundo bucólico do Bosque dos Cem Acres, e isso não é um defeito do filme. Pooh apenas aparece, e isso faz com que Christopher reviva momentos de sua infância com Leitão, Tigrão, Coelho, Ió, Corujão, Dona Can e Guru, reencontrando a criança perdida dentro de si e criando novos laços com sua esposa e filha mais tarde.

    A produção acerta em cheio em basear o design dos personagens do Bosque dos Cem Acres em bichos de pelúcia reais, e a fotografia transmite os sentimentos necessários durantes diferentes partes do longa, sendo mais sombria em momentos tensos e colorida nas cenas alegres. A imersão do espectador e o sentimento de nostalgia se torna ainda maior ao ouvir a trilha baseada no tema original, tocada ao piano em diferentes momentos do filme. Embora existam alguns escorregões na trama (em certos momentos, as atitudes de Christopher servem apenas para dar prosseguimento ao roteiro), temos uma história que fala muito mais para os adultos do que para as crianças, nos lembrando de que o que mais importa na vida são as coisas simples. Sim, é uma “moral da história” bastante clichê, mas que funciona dentro da proposta do longa.

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  • Crítica | Máquinas Mortais

    Crítica | Máquinas Mortais

    Peter Jackson desde que fez a trilogia Senhor dos Anéis mudou radicalmente o caráter de sua filmografia, largando os filmes de terror despretensiosos e criativos para fazer filmes grandiosos, que vez por outra incluíam uma fantasia grandiloquente.A adaptação de Máquinas Mortais, dos livros de Phillip Reeve tinha  um caráter assim, e a participação de Jackson ocorreu não só na produção, mas também na colaboração do roteiro, junto a Fran Walsh e Philippa Boyens. Ao menos nos primeiros momentos os efeitos especiais são bem empregados, com a perseguição de duas cidades sob rodas ocorrendo em um cenário desértico, que faz o visual steampunk sobressair.

    A historia contada pelo diretor Christian Rivers (ele fez os storyboards de Senhor dos Anéis e O Hobbit) se passa no futuro, e é contada a partir de muitas referencias a cultura popular, não só as obras mas também aos comportamentos. O modo como o homem vive é bem diferente e não se perde tempo explicando como ele chegou até ali e como funcionam as classes de trabalhadores e burgueses. Isso pode parecer positivo, pois o texto é extremamemente expositivo, assim como boa parte das cenas de ação soam genéricas.

    A historia é narrada por Tom Natsworthy , um rapaz interpretado por Robert Sheehan e que parece uma versão genérica e menos talentosa de Justin Long. Ele é bem próximo da bela Katherine (Leila George), uma menina que parece ter interesse amoroso por ele, mas o próprio filme esquece isso. Depois que Londres engole outra cidade, entra outra menina na equação, Hester Shaw (Hera Hilmar) , e seu desejo é assassinar Thaddeus Valentine (Hugo Weaving), o benfeitor da cidade e pai de Katherine. A grande questão é que a soberania tirânica da cidade inglesa não dá margem para que qualquer pessoa possa considerar o seu governante como alguém heroico, mas ainda assim é unanimidade de que ele é um sujeito bom e benevolente.

    A historia de desdobra de uma maneira tão obvia e repleta de clichês que chega a assustar. Mesmo os bons conceitos são sub utilizados e esquecidos em meio a trama. As tentativas de piadas são falhas, o modo como de critica os hábitos humanos atuais como o uso de telas para comunicar (TV, celular, computador etc) soa vazio, assim como algumas das piadas, em especial nas auto-referencia, como quando aparecem estátuas dos Minions e os estudiosos dizem que eles eram divindades dos terráqueos antigos, basicamente porque este e Meu Malvado Favorito e suas continuações são da Universal, via Illumination, o estúdio que a produz.

    Quase tudo é gratuito, as referências não funcionam, a auto propaganda é gratuita e irritante e mesmo com uma longa duração, de mais de duas horas, não há desenvolvimento de qualquer personagem fora o casal de protagonistas. A maioria dos personagens periféricos parecem genéricos de lutadores de Matrix, da versão de A Máquina do Tempo de 2002 ou dos filmes de ação protagonizados por The Rock. Nem a estética steampunk é utilizada de uma maneira inteligente, até isso que era uma ideia boa, fica extremamente gratuito e jogado, em meio a bagunça que o filme é.

     A ideia de discutir as relações de poder poderia ser boa, caso não fosse tratado de maneira tão rasa, quanto é. A mitologia também soa confusa e o ritmo do longa talvez seja o maior de todos os defeitos da trama, aparentemente Rivers tem o mesmo problema que Jackson em terminar suas historias, uma vez que com quarenta minutos de filme ele já consegue apresentar uma espécie de point-line. A perspectiva para a franquia é de que pare neste capítulo e não sejam mais adaptados os outros livros, dado que não vem rendendo bilheteria, bem como o feedback da crítica é negativo, e não é por menos, Máquinas Mortais erra em quase todas as suas propostas, o filme não é bonito visualmente, as atuações são bastante fracas e histriônicas, não há personagens carismáticos e há muita gordura em seu texto final.

  • Crítica | A Esposa

    Crítica | A Esposa

    A historia de A Esposa começa em Conneticut, no ano de 1992, mostrando o casal Joe Castelman (Jonathan Price) e Joan (Glenn Close) conversando na cama, após o homem se sentar no meio da noite, acordando enfim seu par, basicamente porque o mesmo está nervoso com as noticias do dia e resolveu assaltar a geladeira atrás de doces. O motivo do nervosismo dele é a possibilidade dele ser premiado com um Nobel de Literatura, e isso finalmente ocorre. A união dos dois é aparentemente perfeita e irretocável, mas o filme de Björn Runge trata de desmentir isso aos poucos.

    Joe agradece a sua esposa, na frente de todos que lhe honram após o tão esperado anúncio o seu mérito, mas há no olhar e semblante de Joan algo estranho, um sentimento que não condiz com seu discurso apaziguador no que toca o marido, e  um tempo depois, em uma cena durante um vôo, um escritor chamado Nathaniel (Christian Slater) aborda o homem, querendo que ele permita que ele escreva uma biografia sobre o escritor, sendo tratado mal pelo homenageado. Joe é grosseiro, o chama de inconveniente e ele de fato se mostra oportunista, pois quando sai aborda outro literato antes de finalmente sentar.

    Há uma exploração do passado do casal, onde Joane é interpretada por Annie Starke (filha de Close) e é mostrada como uma bela escritora, que aos poucos deixa sua prosa ousada por motivos machistas, primeiro, por um conselho de uma estranha e submissa mulher, que diz que esse estilo não combina bem com escritoras, e depois em prol da carreira do homem que se tornaria seu marido.

    Este período é mostrado de forma um pouco expositiva. A riqueza dos sentimentos negativos que a personagem principal demonstra não é no passado, e sim em sua fase madura, onde ela já tem experiência o suficiente para fingir e dissimular, incluindo aí uma conversa inesperada com Nathaniel, a respeito de uma biografia não autorizada sobre o nobelizado e que poderia esconder que a fonte das informações negativas era a esposa do mesmo. É a partir daqui e após negar tudo que ela revela suas insatisfações e seus atritos com o esposo.

    No final, há espaço para que Close possa abrilhantar o filme, com uma atuação emocional, visceral e carregada de um amargor digno de quem passou anos se enganando e engando os outros a respeito não só dos defeitos de seu par, mas também de suas próprias qualidades positivas. Apesar de certo sensacionalismo nos momentos derradeiros, A Esposa acerta bem mais que se equivoca e tem uma sobrevida de qualidade muito por conta do desempenho de sua atriz principal e dos demais integrantes do elenco, que permitem a ela um papel onde pode brilhar sem ninguém que a ofusque.

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  • Crítica | Yara

    Crítica | Yara

    O começo de Yara, novo longa-metragem de Abbas Fahdel se dá em um cenário isolado, uma fazendo no topo de um morro onde vivem duas mulheres, Yara (Michelle Yehbe) e a idosa Mary (Mary  Alkady), que habitam aquele lugar cercadas dos animais típicos do campo. Esse isolamento cobra seu preço, ambas são pessoas muito sozinhas e que quase não conversam com ninguém, exceto é claro entre si, e quando o fazem é basicamente para falar sobre trivialidades.

    O diretor franco-iraquiano normalmente faz documentários ou dramas localizados no Iraque, e essa característica se vê muito bem exemplificada aqui, ao filmar tudo de forma muito contemplativa e hiper naturalista. Yara é uma menina jovem, cria de sua terra, extremamente tímida, fato que a faz se encaixar quase perfeitamente no clichê de menina interiorana e que se permite iludir por muito pouco, por qualquer galanteio.

    A câmera de Fahdel costuma passear bastante pelas estalagens da fazendo, flagrando os animais em seus hábitos comuns,variando entre eles os afazeres das pessoas que habitam o sítio, como se ambos os seres vivos racionais ou irracionais pertencessem aquele lugar. Não demora a aparecer Elias (Elias Freifer),  um homem que começa a corteja-la timidamente, mas resoluto o suficiente para que ela e todas as outras percebessem suas intenções, até porque, para encontra-la, era preciso fazer uma viagem, pois ela não sai do cenário inicial do longa.

    O amor que nasce ali demora a se desenvolver, é lento, gradativo e até belo em alguns momentos, mas os momentos finais demonstram que a desconfiança na humanidade que era comum naquela casa não era em vão. Yara é um filme que tenciona uma aura poética mas que não tem muita reverberação em seu roteiro, salvando o produto final graças a belas imagens que Fahdel registra, mas sem muito significado embora a intenção seja a de falar de um povo que foi flagelado pelo tempo.

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  • Crítica | O Mau Exemplo de Cameron Post

    Crítica | O Mau Exemplo de Cameron Post

    Como um irmão gêmeo do aguardado Boy Erased, O Mau Exemplo de Cameron Post fez barulho em Sundance desse ano ganhando o Prêmio do Júri ao trazer uma discussão muito delicada. Nossa personagem principal – interpretada pela veterana de 21 anos Chloe Grace Moretz – tem um namoro morno e uma relação limitada com sua tia, que cuida dela desde que seus pais morreram. Na noite do baile do colégio, Cameron e sua melhor amiga são flagradas aos beijos e isso faz com que ela seja enviada para um lugar que promete acabar com todos os comportamentos não-heterossexuais pelos estudos da Bíblia.

    Se em primeira instância, esperamos que a personagem de Chloe seja fortemente contrária às circunstâncias pelo efeito de narrativa, é neste momento que percebe-se que Desiree Akhavan, diretora do filme, caminha pelas sutilezas. As reações de Cameron refletem bem o turbilhão de pensamentos de uma adolescente em sua situação, elas são confusas, mínimas, praticamente incompletas, como se ela não tivesse certeza nem de quem é, do que sente, e se ela merece ou não estar naquele lugar.

    O filme só ganha quando deixa de lado soluções fáceis e opta por questionamentos carregados de culpa por parte da protagonista, e Chloe Grace Moretz entrega uma das suas melhores interpretações da carreira com esses recursos. O restante do elenco também se mostra bem e presente, mesmo que as personagens parem no meio do caminho de seus próprios desenvolvimentos, ao final da produção fica claro que isso é um problema ainda maior vendo o roteiro como um todo. Apesar da temática iniciar de forma promissora, a conclusão soa como rasa.

    O Mau Exemplo de Cameron Post trata bem de perspectivas divergentes e complexas em um coming of age, e escancara pelos detalhes as óbvias problemáticas de um lugar que usa a Bíblia como arma. É um filme pertinente para o mundo todo, mas se perde em desenvolver suas personagens e sua narrativa linear sem altos e baixos,  sendo quase episódico. Porém, apesar dos problemas, o filme vale pelos ganhos.

    Texto de autoria de Felipe Freitas.

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  • Crítica | Operação Final

    Crítica | Operação Final

    Ainda sob os vestígios ultra recentes de uma segunda grande guerra mundial, agentes secretos israelenses descobrem que um oficial nazista, responsável por inúmeras mortes e tragédias, está refugiado na Argentina. Nisso, uma operação toma forma para capturar o perigoso e calculista Adolf Eichmann, a fim de levá-lo a responder por seus crimes em Israel, e evitar assim a impunidade que pode parecer existir a qualquer outro que queira seguir os seus exemplos homicidas. E é justamente essa busca ambígua por justiça que norteia a trama do melhor filme da carreira de Chris Weitz, o cineasta de O Céu Pode Esperar e A Saga Crepúsculo: Lua Nova.

    Pela sua narrativa cheia de pequenos grandes episódios, todos preocupados a explicar cada detalhe de uma história de perseguição por meio de diálogos expositivos, Operação Final parece, em inúmeros momentos, ser baseado em algum livro semi ou totalmente desconhecido sobre as consequências do maior conflito da humanidade a ferir seus direitos básicos, e provocar mazelas civilizatórias e culturais ainda muito sentidas, principalmente nos idos que o filme de Weitz se passa. Todos ainda lidam com seus traumas, e tocam a vida como podem, principalmente em solo israelita, entre bares e casas de família ainda sob uma tensão que parece, aos poucos, dar lugar a uma paz ainda que ilusória.

    Na verdade, pode-se fazer aqui um paralelo bastante curioso e deveras específico com O Espião que Sabia Demais, outro exemplar desse mundo de agentes secretos cuja atmosfera de desconfiança e de paranoias onipresentes é bastante similar a obra, em questão. Ambos os filmes conseguem nos seduzir facilmente, e com muito charme e elegância, para esse mundo onde tudo é uma pista em potencial rumo a um alvo único, ou não, e ninguém é confiável nas trevas onde esses agentes operam. Uma realidade na qual seus profissionais estão condenados a ter uma vida pessoal interrompida por qualquer ligação chamando ao dever, a qualquer hora, e seria por isso que Oscar Isaac encaixa-se perfeitamente no papel de Peter Malkin, peça-chave na operação rumo ao paradeiro de Eichmann. Poucos atores conseguem atuar sem alma nos olhos igual Oscar. Eis então o típico homem de gelo.

    Junto de um pequeno grupo de aliados infiltrados na América Latina, Malkin chega a Argentina e rapidamente captura o oficial nazista, conseguindo prendê-lo sem dificuldades tamanha a precisão da operação título, só para descobrir que tudo ficaria mais difícil a partir de agora, pois Eichmann não se propõe a ajudar ninguém através de suas declarações, mesmo sendo deixado vivo e alimentado pelo povo que ajudou a executar. Ben Kingsley encarna o vilão com maestria esperada para um velho mestre do seu naipe, e nas cenas de reclusão, em seu quarto escuro manipulando oficiais israelenses com mil e uma palavras, sua atuação certamente torna-se a coisa mais preciosa de Operação Final, e quando nazista e israelense começam a estreitar laços de afinidade, e amizade, a linha entre pessoalidade e profissionalismo desfoca em todos os sentidos. A forma como Weitz acha humanidade na sua história é interessante, extraindo um drama saudável tanto de uma relação imprevista, quanto de uma fatia histórica praticamente impossível de se ignorar.

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  • Crítica | A Infância de Um Líder

    Crítica | A Infância de Um Líder

    Em 2015 foi lançado nos cinemas um filme de temática bem curiosa. O desenrolar da historia começa com cenas de arquivo, do cinema mudo, onde as pessoas estão alegremente se despedindo de alguém, com uma trilha sonora frenética, cuja música incidental causa uma certa  angústia. O ponto de partida de  A Infância de Um Líder é a viagem de uma família dos Estados Unidos que vai até a Europa, na França, para assinar o Tratado de Versalhes, mas eles, em especial o menino Prescott –aliás, o único membro da família que possui um nome – interpretado por Tom Sweet, acabam presenciando uma estranha gênese de ideologia.

    O modo como a história se desenrola é a principio bem inocente, com a ambientação da família a esse novo lar. Logo, uma conversa séria sobre intolerância é travada entre Charles (Robert Pattinson) e o Pai  (Liam Cunningham), em que um deles defende até segregação racial e isso ocorre quando eles simplesmente jogam sinuca e bebem na casa de um deles. Ali já se estabelece que uma atmosfera estranha ronda o menino que protagoniza o drama, pois as conversas dos adultos apresentam argumentos que a priori não deveriam estar entre os diplomatas que assinarão um tratado tão importante para humanidade, principalmente por conta do ponto de vista civilizatório.

    O histórico de Brady Corbet é de ator. Já havia trabalhado com Olivier Assayas (Acima das Nuvens) com Lars Von Trier (Melancolia) entre outros diretores. Sua experiência com grandes cineastas claramente o auxilia na construção da tensão assim como na condução dos atores, que conseguem embalar o espectador dentro dessa aura de estranhamento e desconforto que é presente no roteiro de Corbet e Mona Fastvold. Nenhuma pessoa que fica na frente da câmera parece estar plena de suas faculdades mentais e sentimentos, é como se uma maldição pairasse sobre aquela casa.

    Prescott é um menino peculiar. Ao mesmo tempo que tem uma aparência angelical e quase feminina, ele é incapaz de proferir qualquer palavra. A maior parte dos momentos o garoto se comunica por gestos ou por olhares, alguns deles bem lascivos, bem pequeno ele já olha para sua cuidadora (chamada de The Teachar) interpretada por Stacy Martin como se fosse um mero objeto, devorando-a com os olhos, imaginando como ela ficaria por baixo das comportadas vestes que usa. Ele a vê com ciúmes quando a funcionária conversa com seu pai e essa é somente uma das demonstrações de como seu comportamento é diferente de uma criança comum.

    Corbet não se preocupa em falar do ponto de vista histórico, seu mergulho é psicológico, é na construção mental do passado de um sujeito que fez parte evidentemente de uma parcela significativa da historia do homem sobre a Terra mostrando que já no início da vida havia algo ali, uma insensibilidade digna dos personagens de filmes de terror. Há um texto bem legal sobre o filme, de uma entrevista/analise presente no site Pontos de Vistas, e a comparação que o autor faz de Prescott com Mike Myers do clássico Halloween de John Carpenter é acertada, embora também se notem semelhanças com o personagem do anti cristo Damian, de A Profecia. Paralelos de líderes fascistas com  o Anti-Cristo são comuns e não é à toa.

    Há um plano sequencia, onde a criança tenta se aproximar de uma conversa que seu pai tem como notáveis, em sua casa, a respeito evidentemente do tratado a ser assinado que evidencia algo um pouco perturbador. Seu progenitor pede que Prescott saia dali, pois era uma reunião formal ali, e não poderia ser interrompida por uma criança. A negação de um desejo foi acompanhada da câmera, que o leva até seu quarto, mas esse ato de rebeldia teria uma segunda parte, com o menino andando nu, vestido apenas de um casaco que não esconde suas partes intimas pelos corredores da casa, fato que faz o chefe da família se irar, com a atitude rebelde do menino. A atitude dele pode até ter sido inconsciente, mas claramente não é em vão, e mira um protesto informal a um movimento político que mira a igualdade entre povos, um marco para a época.

    Os momentos finais do filme mostram o menino agindo como um ser incapaz de ouvir os outros e de viver em sociedade minimamente. Nesse caso a autoridade dos pais é desafiada, mais poderia facilmente ser qualquer outro espectro da inteiração social comum ao homem. Ele se torna indócil, irascível, esperneia e não adere a qualquer normal comum a todos, e sua resposta a esse tipo de questionamento é a violência contra quem lhe é querido, cometendo inclusive um atentado contra a personagem de Berenice Bejo, que faz sua mãe. O numero mimado que o garoto faz ganha tons dramáticos e uma música forte, em clima de ópera, que vai crescendo até o final apoteótico, com direito até a um epílogo, que mostra o líder já adulto, sendo saudado pelas forças militares e pelo povo, que abraçava o autoritarismo, de maneira cega e sem maiores julgamentos, tal qual os empregados que tratavam o menino sem impor limites, rédeas ou ordens. Segundo A Infância de Um Líder, a historia é cíclica, tende a se repetir, e o desfecho deste é bem semelhante ao seu início.

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  • Crítica | Espera

    Crítica | Espera

    Com direção de Cao Guimarão, o longa-metragem Espera começa mostrando um ensaio de música grandioso, de uma orquestra, para logo depois filmar a plateia, dispersa, mexendo em seus celulares praticamente não havendo ali qualquer conversa que não seja on line e isso só para  quando a luz apaga e os músicos começam a tocar. A narração é estabelecida já nesse começo e serve como um guia do espectador diante da abordagem escolhida por Guimarães.

    Logo é mostrado Gael Benítez , um jovem menino trans, que diz estar em transição para assumir sua identidade de gênero e sua simpatia faz com que seja fácil ter empatia pelo seu caso. Fora isso, o filme analisa um porteiro, que fica na guarita do prédio, não tem muita ocupação a não ser esperar atender alguém que entre, vigiar ou ser chamado por alguém, logo depois alguém preparando algo com uma seringa para injetar hormônios e acelerar o processo de transição, ainda se mostram pessoas nas filas para receber mantimentos básicos, também espera de um fotógrafo pela revelação de suas fotos, tudo no filme evoca o seu título, e o caráter de aguardar algo toma toda sorte de urgência aqui.

    A narração contínua atrapalha alguns dos momentos, especialmente os que tem a intenção de soarem oníricos, pois os deslumbramento que algumas das imagens poderiam provocar ou são abreviadas ou simplesmente não ocorrem graças a essa interferência. Em alguns pontos ela soa bastante incômoda, impedindo que o espectador chegue as próprias conclusões.

    O fato de ser um filme quase imóvel torna a apreciação de Espera um pouco enfadonha. O resultado final é de um produto morno, que mira uma abordagem tocante e hermética e que nem sempre acerta em sua abordagem lírica, se tornando um pouco genérica na maior parte de sua duração.

    https://vimeo.com/287656572

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  • Crítica | Duro de Matar 4.0

    Crítica | Duro de Matar 4.0

    Duro de Matar é uma das bem mais sucedidas franquias do cinema. Ainda que tenha somente cinco filmes, as aventuras vividas pelo policial nova iorquino, John McCLane, sempre estrelado por Bruce Willis, caíram no gosto do público. O McCLane de Willis parece sempre de mal humor, regado de ironias, sarcasmos e cinismos e aparenta ser gente como a gente. É fácil nos enxergar em várias situações vividas pelo personagem.

    A franquia estabeleceu algumas regras básicas: McCLane deve sempre estar no lugar errado e na hora errada, assim como algo que já foi estabelecido com Max Rockatansky em Mad Max. Se no primeiro filme McCLane viaja até Los Angeles para surpreender sua esposa e se vê no meio de uma conspiração com feridos e reféns, no segundo, vai até Washington buscar a mulher no aeroporto e acaba por impedir um atentado terrorista e no terceiro, em casa, lida com um terrorista que tem interesses pessoais com McCLane e que coloca em risco toda a cidade de Nova Iorque. Já neste Duro de Matar 4.0, um pouco das regras são mudadas e McCLane, um policial “das antigas”, precisa lidar com o cyber terrorista Thomas Gabriel (Timothy Oliphant), após ser escalado pelo FBI para escoltar um hacker chamado Matt Farrell (Justin Long). Após McCLane e Farrell sofrerem um ataque, o policial percebe que seu dia será longo demais, mais uma vez.

    Devemos lembrar que os três primeiros filmes lidam com o terrorismo de uma maneira mais “aberta”, principalmente na segunda e terceira fita, onde as explosões e violência são escancaradas. Mas também, era uma época pré 11 de setembro, uma época até então que as nações (principalmente a americana) acreditavam ser indestrutíveis. É fato que o maior atentado terrorista da história mexeu com os americanos e mudou a maneira de se fazer cinema, mudando também, John McCLane. Por isso, colocar McCLane para enfrentar um cyber terrorista (após diversas mudanças no roteiro), talvez tenha sido a decisão mais acertada, mas também a mais errada.

    Claro que esperávamos a famosa interação do “tiozão” com as máquinas. Prevíamos boas situações constrangedoras, como piadas com a idade e coisas do tipo, mas a verdade é que não funcionou. Primeiro porque realmente faltou sensibilidade dos roteiristas em desenvolver algo que soasse mais natural na relação do nosso herói com o mundo das máquinas. Segundo porque a relação de McCLane com seu sidekick da vez não tem química alguma, ainda mais após termos um filme com Bruce Willis e Samuel L. Jackson em cena, algo que funcionou de maneira certeira. E por último porque o jeito “chato” de McCLane, dessa vez, não convence como antes.

    O maior problema de Duro de Matar 4.0 é que McClane virou justamente o que criticava, no caso, oherói perfeito, que é praticamente indestrutível. Como paródia de si mesmo, virou uma paródia da subversão que personificou.

    Ainda assim, o filme rende bons momentos e são nos momentos em que o protagonista está em terreno seguro, leia-se deboche, ação e pancadaria, como na perseguição de carros no primeiro ato, ou na cena em que enfrenta Mai Linh (Maggie Q), no segundo ato e quando dirige um caminhão, no terceiro ato (e que descamba para uma cena bem desnecessária que envolve um caça). Ah, a participação de Kevin Smith como um “nerd supremo” também é muito boa.

    A sorte de Duro de Matar 4.0 é que existe o quinto filme, que é extremamente ruim, sendo que um sexto filme está em desenvolvimento. Só nos resta aguardar e torcer para vermos o bom e velho John McCLane de volta.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

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  • Crítica | O Retorno  de Mary Poppins

    Crítica | O Retorno de Mary Poppins

    A época de final de ano evoca em crianças e adultos mais crédulos e positivistas uma sensação de esperança do porvir, poderia ter nessa época estreando O Grinch da Illumination, mas o estúdio talvez sabendo da bomba que este seria o programou para Novembro, mesmo sendo um filme de temática natalina. Pois bem a versão de Rob Marshall do mito de P L Travers chegou aos cinemas , com O Retorno de Mary Poppins, um filme tão melódico e bonito que quase faz perdoar Caminhos da Floresta e Piratas do Caribe: Navegando em Águas Misteriosas.

    Em alguns aspectos, este filme lembra o fenômeno que foi O Rei do Show , lançado no final do ano passado, não só por serem ambos musicais, mas também pela temáticas sociais parecidas. A historia começa mostrando Michael Banks (Ben Whishaw) já adulto, cuidando de suas três crianças, Anabel, John e Georgie (Pixie Davis, Nathanael Saleh e Joel Dawson), sendo este um homem bem enrolado, que tem de lidar com sua viuvez recente, com oficio no banco onde seu pai trabalhava e uma queda brusca dos ganhos de sua família. O tempo todo a casa é visitada por sua irmã, Jane (Emily Mortimer), uma mulher linda, mas ainda solteira que usa seu tempo e trabalho para lutar a favor dos direitos dos menos abastados, como sindicalista. Claramente há uma evolução de quadro aqui, os personagens estão repaginados e logo, o chamado a aventura ocorre, com o risco da casa ser vendida ao banco por conta de uma dívida que Michael contraiu.

    É nesse contexto que Mary Poppins volta, mais uma vez cortando o céu com seu guarda chuva, agora feita por Emily Blunt, que a encarna com uma perfeição enorme, elegante, carismática e deslumbrante, igualmente bem como Julie Andrews mas diferente dela, uma vez que ela é mais sisuda, rígida e taxativa, tal qual era nos livros originais. Sua atitude é mais assertiva por serem aqueles outros tempos, e pelo fato de que era outra geração de crianças. O trio daqui é mais independente e até menos criativas que a dupla de irmãos do filme clássico, então para gerar neles a fantasia seria preciso uma abordagem diferenciada e mudança foi para o bem.

    As comparações com o original obviamente ocorrem, esta versão não inova tanto quanto a outra, e de certa forma isso é ótimo uma vez que Rob Marshall errou demais nas ultimas vezes que tentou inovar, vide Caminhos da Floresta. Há personagens espelhados, mas na maioria das vezes são ressignificados, como o Jack de Lin-Manuel Miranda, um iluminador que faz as vezes do Bert de Dick Van Dyke, mas que tem seus próprios causos e motivações. As crianças deste também são melhores, sobretudo os meninos, realmente se crê que elas podem ter vivido todo aquele conjunto de aventuras e desventuras.

    Há também um acréscimo na mitologia. Michael e Jane não acreditam que o que viveram na infância de fato ocorreu, desse modo eles falam sempre de maneira incrédula sobre os dotes de Poppins e sobre o que eles viveram naquela Londres aquarelada do filme de Robert Stevenson, e sempre que eles falam isso, há ao manos uma gag visual contrariando, seja Blunt deslizando pelos corrimões, ou algo realmente mágico passando perto deles, mas como seus olhos e mentes são incrédulos, eles não percebem o obvio, e não abraçam a magia que a sua antiga babá carrega, tal qual o discurso da própria personagem-título, isso tudo é nonsense, e o que não pode ser explicado pela lógica é simplesmente irreal, nesse ponto Blunt acerta perfeitamente no tom jocoso e irônico dos britânicos.

    Um dos graves problemas do filme original é de certa forma ressignificado aqui.  A mãe do primeiro filme, Winnifred Banks é mostrada como uma sufragista a favor do direito das mulheres ao voto, e Glynis Johns de maneira bem alegre no começo do filme, e no final ela deixa esse lado feminista, achando que aquilo era uma maluquice e usa o cordão do sufrágio que carrega como rabiola da pipa verde que as crianças carregam. Sua filha, já adulta é uma ativista política, que não depende de homem para viver – inclusive ela abrigaria seu irmão e sobrinhos em sua casa se fosse necessário e se o banco tomasse a casa que seus pais construíram – e isso é uma bela desconstrução do argumento anterior, aliás, os vizinhos marinheiros que davam tiros de canhão a cada hora também aparecem no filme, ainda que estejam atrasados em cinco minutos e há anos, sendo esse um comentário bem inteligente do roteirista David Magee sobre o quão bobo e atrasado é o pensamento macho que sente necessidade de provar sua masculinidade através do uso de armas e pólvoras.

    Alias, a configuração familiar é bem diferente nesta versão, os pais são emocionais e falhos, com dificuldades e situações financeiras e com uma situação que evoca urgência maior, assim como claramente Michael é bem mais próximo de suas crianças do que era seu pai. A todo tempo se lembra e se lamenta a perda e a saudade da mãe que partiu, as vezes essas memórias são alegres mas na maioria das outras , são melancólicos e agridoces.

    Os personagens vilanescos são um pouco caricatos e fazem a historia demorar um pouco, e o final flerta com a intervenção Deus Ex Machina mas é acompanhada de uma participação tão bela que faz esse aspecto ser bastante perdoável. Com tudo isso, O Retorno de Mary Poppins é um filme muito caro e emotivo, os personagens semelhantes aos do filme anterior funcionam bem e fogem do arquétipo de serem meras copias. As musicas são lindas apesar de não tão boas como as do clássico, a mistura de animação com atores reais faz lembrar o original, a questão  dos lumes dançando no lugar dos limpadores de chaminés também é uma boa sacada e os atores estão muito bem, tanto Whishaw como o homem que sofre o agouro, quanto Blunt e Miranda como dueto musical, além do que ambos imprimem uma mágica muito bem vinda e condizente com a obra de P L Travers.

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  • Crítica | Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas

    Crítica | Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas

    Talvez Peixe Grande e Suas Historias Maravilhosas tenha sido a ultima parte da Era de Ouro da filmografia de Tim Burton, não que não haja filmes bons posteriores a 2003, as animações Noiva Cadáver e Frankenweenie são realmente muito boas e inventivas, mas algo em Burton foi encerrado com esta produção, ele jamais voltaria a ser o mesmo, ao menos como regente de filmes, suas produções seriam mais comerciais e menos comprometidas com o lúdico.

    Não há uma enorme introdução ao drama presente no roteiro de John August por sua vez baseado no livro de Daniel Wallace. A historia é narrada por Ed Bloom, em sua versão mais moça, nessa encarnação feito por Ewan McGregor, mas no tempo presente era interpretado por Albert Finney. Ele, já idoso, adora contar suas historias, mas sempre que o faz, é cortado por seu filho, Will Bloom (Billy Crudup), que está cansado da mania do pai em contar as historias de seu passado, em especial porque ele as ficcionaliza demais.

    A estrutura dramática de Peixe Grande é bem simples, a narração ajuda a colar os momentos distintos, entre o presente com Ed já velho e seus mini contos hiper fantasiosos, servindo assim de epitáfio pelo mal que em breve deve atingi-lo, uma vez que ele está doente, ao ponto de inclusive largar a quimioterapia que fazia. A relação do velho com seu herdeiro segue apesar do desprezo do segundo, que até começa a mudar sua postura, ligeiramente, se tornando simpático ao paterno basicamente por compaixão via convalescência.

    Por ser um filme dividido por contos, a historia é episódica, semelhante a Amazing Stories, uma série antiga que Steven Spielberg produziu, essa por sua vez tentava modernizar os temas de Twilight Zone e Quinta Dimensão com uma roupagem mais fantasiosa e lúdica. A abordagem circense que Burton produz aqui já reúne alguns dos elementos visuais que se desgastariam em sua filmografia, há muito em comum dessa obra com os futuros A Fantástica Fábrica de Chocolate e Alice no País das Maravilhas e até O Lar das Crianças Peculiares, em especial na questão de envernizar figuras bizarras com uma atmosfera hiper colorida e repleta de fofura, mas aqui, cabe, já que até isso é discreto. O que pesa contra a obra  é que a fotografia e direção de arte em alguns pontos se confrontam, e dessa forma, a fotografia de Philippe Rousselot de Emannuel Lubezki em A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça, até por conta de serem espíritos bem diferente entre um filme e outro, mesmo que Rousselot fosse conhecido por seu trabalho em Entrevista com Vampiro, que foi inclusive premiado nessa categoria.

    Ao mesmo tempo, o filme dá voz a quem geralmente não tem, não só a flagelados e excluídos, mas também aos que não são agressivos. O modo como Ed conquista o amor de uma garota por exemplo é inusual por completo, pois geralmente quem usa de força e ganha uma batalha é que se torna o par ideal e aqui o sujeito consegue o feito apanhando.

    Apesar de alguns segmentos serem mais legais, divertidos e interessantes que outros, Peixe Grande e Suas Historias Maravilhosas tem uma tônica muito bem seguida, e serve bem de epitáfio ao personagem central. Se as historietas contadas tem ou não base na realidade, pouco importa, a fantasia estabelecida no carisma de Ed é propagada assim mesmo, e por fim, o longa é um belo epitáfio, orquestrado com ares grandiosos por seu realizador, que dali para frente, já não seria tão prolífico e criativo.

    https://www.youtube.com/watch?v=E0M6WNm8LHg

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  • Crítica | Mulheres Alteradas

    Crítica | Mulheres Alteradas

    Comedia focada em elenco e em um público feminino, Mulheres Alteradas de Luis Pinheiro tem como mote fazer comédia com a vida de mulheres normais, quatro delas, Keka (Deborah Secco), Marinati (Alessandra Negrini), Leandra (Maria Casadevall) e Sônia (Monica Iozzi) que tem em comum a insatisfação com as suas rotinas, cada uma delas tendo os seus próprios problemas.

    A linha do tempo do filme é variante, passado, futuro e presente se misturam e aos poucos cada uma das mulheres são mostradas com seus problemas, com uma cansada de muito trabalhar, outra com problemas de relação com seu par, outra com crise de meia idade por estar solteira e sem ninguém e outra irritada por não conseguir lidar com a sua maternidade. Aos poucos, cada uma delas muda de paradigma, na mesma noite.

    Nesse ponto se nota a quantidade de clichês e estereótipos que o roteiro de Caco Galhardo imprime. Nesse ponto o script não faz jus a HQ de Maitena Burundarena. Marinati por exemplo fica a boba alegre, basicamente por que saiu uma vez com um homem desconhecido, e perde completamente o controle de suas ações, assim como Keka não se resolve com seu marido e insiste em uma relação que já deu muitas provas de que não dará certo. Nem na hora de sair de seus círculos viciosos as mulheres conseguem, na verdade, só substituem esses por outros quadros ainda mais patéticos.

    Em determinado ponto o filme parece que vai perverter esses estereótipos, mostrando o sonho que eram mirados nos homens simplesmente ruir, uma vez que eles aparentemente não são seres confiáveis, mas a promessa pára por aí. Mulheres Alteradas não sabe definir sua própria identidade, é uma comédia com alguns pontos engraçados, mas não muitos, fala sobre romance mas não é exatamente adocicado, ainda mais no final e tem bons pontos na direção de Pinheiro como a utilização de cores gritantes mas que ficam jogados no filme, junto a tantas outras boas ideias, basicamente para tentar emular um show de humor desconstruído mas que não cumpre sequer essa promessa.

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  • Crítica | Mary Poppins

    Crítica | Mary Poppins

    Em 1964, uma época em que Walt Disney ainda dava muitos pitacos nas produções de seu estúdio, chegava as grandes telas o simpático e mágico Mary Poppins, um musical todo focado na figura que dava título ao filme e que era interpretada por Julie Andrews, a mesma que brilhou muito na Broadway mas que ainda não havia feito nenhum filme. A atriz acostumada a produções teatrais havia ganhado notoriedade por fazer a peça My Fair Lady, que ganhou as telas em uma produção da Warner também neste ano, com o nome de Minha Bela Dama no Brasil.

    Andrews não fez Minha Bela Dama, no lugar dela escolheram Audrey Hepburne, que quis que o papel recaísse sobre a interprete de Poppins, mas os estúdios temiam que a inexperiência da atriz comprometesse o projeto, e Andrews fez o clássico da Disney, e ganhou o Oscar de melhor atriz. A partir daí foi inventada uma rivalidade entre as duas que claramente jamais existiu, ao contrário, ambas eram bem simpáticas entre si.

    O cenário da casa dos Banks, onde se passará boa parte da trama do filme é de certa forma caótico. A dona da casa Winifred (Glynis Johns) tem uma aparência submissa e angelical, mas é claramente uma agitadora, uma feminista, sufragista que quer garantir as mulheres o direito ao voto, e isso por si só na primeira década do século XX já era demais. Alem disso a governanta que já era acostumada com as crianças e com George W. Banks (David Tomlinson) acaba de se demitir, e a família fica de novo em apuros, sem saber quem cuidará dos infantes, mesmo após testarem seis babás em quatro meses.

    Durante o filme se veem alguns personagens periféricos tão nonsenses que beiram a fantasia. Os vizinhos dos Banks são marinheiros que dão tiros de canhão toda vez que o marcam uma hora e essa demonstração de poderia e arsenal talvez fosse uma mostra da autora do livro, P L Travers, do quão bobo e elementar pode ser o homem, embora ela claramente não tenha um viés progressista em sua visão de mundo, vide a esposa dos Banks e sua construções. Ainda no campo lúdico, Poppins torna o corriqueiro, o comum como os afazeres de arrumar o quarto em passatempos com músicas e ainda indica algo não recomendável, como inserir açúcar nos remédios que as crianças precisam tomar, aparentemente os anos sessenta eram mais selvagens e ler a bula não era tão usual.

    Nem mesmo o aspecto de contos de fadas do filme faz o espectador não perceber o obvio, a família Banks é carente de muitas coisas. George não consegue ser amoroso com ninguém, a mãe é atenciosa, mas também precisa ser ativa politicamente, desse modo ela não pode se ocupar em tempo integral da educação de seus filhos, afinal, como é com o pai, ela também tem seus afazeres e não deixará essa questão de lado, mas incrivelmente o seu lado é bem mais culpabilizado que a de seu esposo, mesmo ela tendo mais contato com as crianças que ele. Já os pequenos Jane e Michael ( Karen Dotrice e Matthew Garber) tentam traçar o perfil de uma babá perfeita para ajudar seu pai, mas tudo o que eles falam é desconsiderado pelo mesmo, tratado como nonsense. Essa falta de diálogo seria solucionada, ainda que tardiamente pela intervenção da protagonista, que teria acesso aos pedidos das crianças, mesmo que as folhas redigidas com as palavras dos filhos tivessem voado.

    Depois de Mary assumir seu trabalho, ela passeia com as crianças e encontra seu velho amigo, Bert (Dick Van Dyke) e eles passam a cantar e dançar em meio animações de duas dimensões. Aos poucos, a perfeita babysitter passa a afeiçoar a atenção das crianças e o inverso também ocorre, e tudo isso flui de uma maneira bastante natural.

    Lá pelo meio do filme a competência de Poppins é posta a prova, em seu dia de folga as crianças ficam impossíveis de lidar, e não conseguem entender a necessidade que a mulher tem de ter seu espaço e sua folga garantida. Evidentemente que a rebeldia das crianças é super comedida, assim como as lições de moral que seu pai recebe não é super pesada, afinal, são pessoas falhas (e mimadas) mas não são exatamente más.

    Proximo de terminar o filme demonstra todo o seu problema com o feminismo. A mãe que começa como sufragista depois muda de ideia , acha toda sua luta uma  loucura, e decide ser ela própria a cuidadora dos filhos enquanto mr banks continua sua rotina. Não há problema nenhum em ela decidir ser do lar, mas o roteiro literalmente debocha da ideologia feminista, mostrando-a como uma fase de ocupação mental de uma mulher rica, tornando tudo isso em mais um evento meio fútil. Isso quase põe toda a magia do clássico abaixo, mas claramente essa mentalidade não tem a ver com a personagem principal.

    Mary Poppins é mágica, uma mulher forte e decidida a fazer o que quer. Por mais que a natureza de seu trabalho seja o tradicional relegado as mulheres da época – cuidar de crianças – ela o faz ao seu estilo, sabe seus limites, briga por suas folgas e considera que seus direitos são irrevogáveis, e a forma como ela faz unir os Banks é bem singela e bonita. Seus últimos momentos reproduzem a mágica do começo, embora claramente os adultos da familia não tenham digerido bem tais ensinamentos. Toda a magia presente no filme é muito mérito de Stevenson, que equilibra bem os momentos de tensão e sentimento e principalmente é culpa de Andrews, que une todo o jeito angelical e autoritário em alguns pontos com outros que culminariam na figura de mulher perfeita e memorável que era, sem deixar de ter personalidade e identidade, como muitos dos homens de sua época achavam que as mulheres deveriam ser e agir.

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  • Crítica | Planeta dos Macacos (2001)

    Crítica | Planeta dos Macacos (2001)

    A versão de Tim Burton para o clássico Planeta dos Macacos de Franklin J. Shaffner começa com uma música imponente, de Danny Elfman, e com uma abertura lindíssima, com vasos e objetos de artes cuja temática tem a ver com os símios que em breve aparecerão. O primeiro personagem vivo a ser mostrado é exatamente um chimpanzé de tamanho comum, que está dentro de um simulador. Pericles é cuidado por Leo Davidson, o cientista que Mark Wahlberg vive e faz as vezes de Charlton Heston que alias, faz uma ponta neste. Esse começo parece promissor, ao menos até mostrar Leo, e mesmo assim, a historia desandaria mais ainda depois.

    O ano da historia 2029 e o roteiro começa mostrando a estação Oberon onde Davidson trabalha, e é enviado ao vazio do espaço onde é pego em um vortex que o joga para outro lugar no espaço e aparentemente no tempo, e ele pousa em um planeta que vive em uma espécie de Era Medieval, mas habitado por macacos, que tem toda uma sociedade, dividida em castas, e que se munem de armaduras super estilizadas, com um roteiro de Mark Rosenthal, Lawrence Konner e William Broyles Jr. mais fiel ao menos em ambientação ao livro de Pierre Boulle do que o que Michael Wilson e Rod Serling fizeram em 68.

    O grande problema do filme é a caricatura em que ele se insere. Há um exagero e uma mão muito pesada de Burton. As atuações são ou genéricas ou histriônicas, como a de Tim Roth fazendo o vilão Thalos, um chimpanzé inteligente e agressivo, que tenta impor sempre sua vontade através da força. Há momentos risíveis e referencias escabrosas, reunidas juntas, como uma cena em que um casal está se preparando para transar e a fêmea – na verdade, Nova, interpretada por Lisa Marie até então esposa de Burton –  dança para seu marido, em uma dança de acasalamento terrível, ou jovens macacos que imitam roqueiros punks, de jaqueta, fato que mistura linhas temporais ou referências visuis distintas demais para conviverem juntas. Alem do que, os humanos (que falam, contrariando a ideia de que seriam muito inferiores aos macacos) ao fugirem conseguem entrar em algumas casas, como se as mesmas não tivessem qualquer proteção, trancas ou algo que os valha. Mesmo em épocas bíblicas há relatos de utilização de algum método de segurança para proteger a moradia do povo de saques ou furtos.

    Os atores tiveram um trabalho árduo de preparação, para emular de maneira completamente bípede alguns dos movimentos animalescos típicos, mas até esses falham, pois em alguns momentos são utilizados e em outros tantos, não. Além disso, há uma grande banalização dos momentos do clássico, com as frases que foram icônicas, em especial as ditas pelo personagem de Heston, tem seu sentido invertido, e não por algum motivo válido, pois parecem apenas piadas de mal gosto.

    As lutas entre o exercito símio e os humanos tentam ser emocionantes, mas tem coreografias estranhas, e a sequencia como um todo é bagunçada, e tem um evento meio Deus Ex Machina ali, que debocha dos mitos  que o filme tentou estabelecer e banaliza o todo, mostrando Semos – na verdade, Pericles – como um macaquinho adestrado que é soberano diante dos outros inteligente e capazes de dividir uma sociedade inteira. É tudo muito conveniente, e a tentativa de falar sobre religião esbarra em uma abordagem rasa e meio simplista.

    Há momentos grotescos no filme, incluindo ai  o confuso final, que faz referencia mais ao livro de Boulle e tenta (em vão) soar mais poderosa que a do clássico sessentista. Toda a questão sobre o desfecho e a estátua de Thade no lugar de Abraham Lincoln é terrível, seja a crença de que ele conseguiu reativar a Oberon mesmo jamais tendo contato com esse tipo de tecnologia, ativando a rota para a Terra repovoando o planeta com símios ou levando em conta que a nave de Leo errou a rota e voltou ao mesmo planeta em que se passa o filme inteiro, qualquer uma dessas teorias ou outras possuem furos e não constituem um final poderoso como o filme quis soar, o que é uma pena, pois esse Planeta dos Macacos de Tim Burton tinha um claro potencial. A declaração de Burton sobre essa sequencia foi presunçosa – O final parece não ter lógica, mas tem. O objetivo é fazer você usar ambos os lados do cérebro ao mesmo tempo – e destaca o quanto o realizador estava fora da realidade ao analisar seus próprios méritos.

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  • Crítica | Uma Noite Não é Nada

    Crítica | Uma Noite Não é Nada

    Alain Fresnot é um diretor bastante polêmico, quando o seu Família Vende Tudo ganhou prêmios em alguns festivais nacionais causou uma certa comoção, em especial por parte dos detratores dele. Seu novo filme, Uma Noite Não é Nada também é bastante polêmico, embora por outros motivos, ligados a ética profissional e ao sexo.

    Protagonizado por Paulo Betti, mostra o dia a dia de um professor que tem uma vida pacata e monótona e tem isso mudado com a chegada de uma aluna fogosa e de passado e presente misteriosos, a jovem Márcia, interpretada por Luiza Braga. A relação dos dois é muito estranha, primeiro pela aparição repentina da moça, pedindo para fazer uma prova de segunda chamada e que é atendida pelo homem velho, pois ela teria que pagar uma taxa alta, segundo pelo descaso dela com prova, já que termina o exame sem responder boa parte das questões.

    Fresnot apresenta uma historia pouco convencional e que tenta chocar o tempo todo, mas nem sempre consegue esse intuito, soando sensacionalista em quase todo o decorrer do longa. O flerte entre Marcia e Agostinho (Betti) é estranho, a moça se insinua para ele basicamente porque pode, e ele, que não demonstrar ter qualquer problema com sua esposa, Januária (Claudia Mello) passa a  ceder a essa sedução, basicamente porque ele tem condições de manter uma relação assim. Não há desenvolvimento de moralidade, tampouco de culpa ou de demonstrações do mesmo ter tesão em algo que não seja essa relação proibida, sequer há reprimendas a ele por ceder a tal coisa, nada, há só a naturalização do afeiçoar do mesmo a uma troca de cariciar que jamais ganha maiores intimidades, uma vez que os dois não coabitam.

    A fotografia do filme por vezes retira a cor, mas sem sentido ou intenção alguma, só se faz isso de optar pelo sépia porque se quer. A historia passada em 1985 só se justifica por ter como pano de fundo a epidemia do vírus HIV, embora até isso seja suavizado, para dar vazão a estranha relação do professor com sua aluna. Para piorar essa situação os diálogos são de uma artificialidade gigantesca e as situações dentro da escola também são falsas, a exibição de uma banda de metal no pátio escolar não poderia ser mais forjada, pois as meninas que tocam música tem caixas de som pequenas mas parecem com o Metallica ou Iron Maiden tocando no Rock in Rio dado o esporro que o som dos instrumentos fazem – e é um Power trio apenas, de guitarra, baixo e bateria, em um lugar de aberto.

    A tentativa de mostrar uma historia onde a rotina deixa o homem mal acostumado e propensa a cair em qualquer tipo de aventura falha miseravelmente, não há absolutamente nenhum personagem nem para simpatizar e nem para odiar, todas as pessoas que aparecem são apenas estereótipos e mesmo os destinos delas são confusos. O modo a AIDS é tratada no filme não é responsável e as tentativas do roteiro de parecer com o clássico Lolita de Vladimir Nabokov são ofensivos, pois Uma Noite Não é Nada não tem inteligência textual para lidar com esse tipo de comparação. Além disso, toda a série de tentativas de chocar o público é gratuita, sem falar que o roteiro levanta questões como sexo forçado e não reflete sobre isso, só as menciona e isso torna ele mais complicado ainda.

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