Resenha | Encontre-me – Romily Bernard
Como gênero fundamentado nos últimos anos, ainda é difícil observar a longo prazo a importância do young adult na literatura e entre seus leitores. Essa análise foi explorada em outras leituras, como Perdão, Leonard Peacock, de Matthew Quick, e A Culpa é Das Estrelas de John Green. Porém, sempre que se realiza mais uma leitura de obras deste estilo, é necessário refletir a respeito, afinal a narrativa contemporânea é também um inimigo do crítico. É difícil radiografar um momento que acontece simultaneamente à observação e à leitura da obra.
É notável o crescimento mundial deste gênero e, no Brasil, editoras têm apostado no estilo. Além de uma preocupação mercadológica, a abordagem destas narrativas é interessante, pois os romances são voltados a jovens e utilizam-se de personagens jovens. Mesmo que as obras sejam mediadas por adultos escritores, seu talento em compor um crível personagem adolescente destrói essa barreira e, ao promover um diálogo direto com o público juvenil, é capaz de abordar assuntos graves ou polêmicos sem a necessidade de um discurso denso e formal de um adulto. Um conceito que pode distanciar o leitor, afinal há diferentes discursos utilizados para cada idade e maneiras diferenciadas de se referir a elas. A maneira com que adultos dialogam sobre suicídio, por exemplo, deve ser diferente quando o discurso é dirigido a infantes ou adolescentes.
Romily Bernard encontrou uma maneira de abordar o sensível tema do suicídio em sua obra ao envolvê-la em uma história de investigação, que tem como personagem central a adolescente Wick Tate. A jovem é uma hacker informal que trabalha ilegalmente para conseguiu seu próprio dinheiro e, ao descobrir o suicídio de sua antiga amiga de escola, Tessa Waye, recebe anonimamente o diário da garota e um bilhete escrito “encontre-me”. Através de uma narrativa investigativa, com a intriga e a dúvida em saber quem é o culpado, a autora aborda um assunto denso sem perder a leveza comumente caracterizada pelo estilo/gênero.
No Brasil, o suicídio entre jovens cresceu cerca de 30% em 25 anos. Uma porcentagem que reflete o crescimento mundial da taxa de suicídio e que aumenta debates e discussões sobre a questão, analisada sob diversos ângulos a fim de compreender o significado do suicídio na sociedade, no indivíduo e em outras esferas. A personagem central do romance teve uma infância desequilibrada devido à convivência com um pai traficante e uma mãe que, diante de tais problemas, sucumbiu ao suicídio. Vivendo em diferentes lares nos últimos anos, mora com a irmã em companhia de uma família de classe média alta que as adotou temporariamente. O suicídio da melhor amiga é mais um choque de realidade para a garota. O diário deixado pela amiga contém um retrato íntimo de suas dores e, sem relevar culpados, denuncia que o suicídio foi consequência de um abuso sexual.
No interior da narrativa, com uma personagem bem humorada vivendo os problemas e as dúvidas naturais da idade, a obra expõe a questão do abuso sexual infantil e o consequente suicídio de Tessa Waye. Mesmo que pesquisas informem um aumento mundial de denúncias de abuso, ainda há números alarmantes de crianças que sofrem caladas. A princípio, a falta de maturidade causa incompreensão sobre sua própria condição e, muitas vezes, a ameaça do abusador as mantém caladas, ainda mais quando o criminoso pertence ao círculo íntimo da vítima. Este hediondo ato imposto a outro ser humano produz fissuras físicas e psicológicas e causa rupturas agressivas que podem permanecer por toda a vida.
A autora é capaz de apresentar tanto a trama de investigação como a história submersa e profunda sobre abuso de maneira equilibrada, denunciando o assunto sem transformá-lo em uma análise adulta. Parte dos recursos que mantém a trama leve deve-se ao humor da personagem central e ao seu domínio em computação. Mesmo ciente da ilegalidade de seus atos, não há nenhum julgamento moral por parte da obra, o que permite desenvolver o suspense investigativo nas descobertas que a garota faz ao hackear sistemas e computadores.
Mesmo sendo uma típica personagem do gênero, levemente deslocada e com personalidade, Wick Tate é cativante e, sem dúvida, dialoga diretamente com os jovens, que, como ela, descobrem-se apaixonados e vivendo um novo mundo. O enigma é o recurso que aproxima outros leitores, fazendo da curiosidade sobre o desfecho um dos maiores ganchos da literatura.
A obra é a primeira de uma trilogia que a Editora Globo lançará em breve, com o segundo romance marcado para o início do ano que vem. Ao fim do livro, é possível observar que o desenvolvimento narrativo se repete em cada história: um enigma com uma pista central pedindo ajuda e uma garota curiosa em desvendá-lo.
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