Categoria: Séries

  • Review | Diário de um Confinado

    Review | Diário de um Confinado

    Diário de Um Confinado é uma série feita para o streaming da Rede Globo, protagonizada e idealizada por Bruno Mazzeo, o mesmo que anos antes havia feito Cilada, com direção geral e co-criação de Joana Jabace. O programa tem como personagem um sujeito solteiro, solitário e paranoico, que tem 12 episódios para mostrar seu cotidiano, lidando com seus receios de contrair corona vírus e apresentando seus vizinhos, parentes, o terapeuta, e toda sorte de vida social on line, já que está obrigado a ficar isolado.

    Mazzeo vive Murilo Barros, um homem comum, cuja aparência não é tão diferente da que o ator e humorista  sustenta. Um sujeito de meia idade, barbudo, levemente fora de forma, embora não seja esteticamente fora dos padrões. Sua aparência desleixada visa emular a condição da maioria das pessoas confinadas durante a pandemia, e nisso, ela acerta demais.

    A trilha sonora é repleta de músicas populares, sobretudo de rock nacional incluindo a que abre o programa, AA UU dos Titãs,  executada a exaustão ao longo dos capítulos. Entre os temas mais abordados estão a propagação de fake news por redes sociais, hipocondria, dificuldade em fazer exercícios, a futilidade da vida social, reuniões impertinentes entre condôminos, e até a dificuldade que um solteiro tem em se relacionar numa época em que não se pode ter quase nenhum contato social.

    O elenco de apoio quase nunca interage com Mazzeo direta e pessoalmente, a não ser Deborah Bloch, sua vizinha de porta, e Matheus Nachtergaele, um conhecido que ele encontra na rua. Fora eles, participam Renata Sorrah, Fernanda Torres, Lúcio Mauro Filho, Luciana Paes, Lázaro Ramos, Arlette Sales entre outros, quase sempre aparecendo em vídeo conferencia, ou seja, sendo o grosso gravado na casa desses atores, uma vez que a temporada inteira foi gravada de maneira remota.

    O programa foi dividido em duas partes, tendo seis episódios liberados em um dia e o restante na semana seguinte. Na primeira metade, os temas fluem bem, mas aos poucos a formula se desgasta, e se percebe um cansaço da parte dramática, com muita repetição de situações limite, e piadas não tão inspiradas.

    Diário de Um Confinado serve bem ao serviço da metalinguagem, não só pela quebra da quarta parede que Murilo faz o tempo inteiro conversando com a câmera de seu celular e, portanto, com o público, mas também por conseguir mesmo com dificuldades apresentar uma historia original e engraçada com poucos recursos de cenários e de possibilidades. É uma boa distração, embora obviamente não seja tão escapista, já que lida o tempo inteiro com o incômodo tema da quarentena.

  • Review | Dark

    Review | Dark

    Dark foi uma série alemã com três temporadas que ganhou status de cult e ficou muito popular graças a divulgação feita pela Netflix. A trama é repleta de dramas familiares, brigas entre personagens de caráter dúbio, um tom bastante novelesco e provinciano, de um modo que a cidade onde se passa a trama, a fictícia Winden, é um personagem central. Os roteiros da serie de Baran bo Odar e Jantje Friese dão conta também de inúmeros elementos de ficção científica e de signos bíblicos e pós apocalípticos.

    O começo da primeira temporada é arrastado, os primeiros seis episódios mostram a grande quantidade de personagens com núcleos familiares que se entrelaçam. Há na ideia original da série referencias a obra Twin Peaks de David Lynch e também alguns elementos semelhantes a obra literária A Tempestade do Século de Stephen King. Fora isso, há dentro dos paradoxos temporais elementos da literatura de H.G. Wells, sobretudo A Máquina do Tempo, além de leves semelhanças com o novo clássico Donnie Darko, em especial na abordagem sobre paradoxos temporais.

    Embora ela seja bem diferente de seriados de ficção científica feito nos EUA ou Inglaterra, há um ritmo de exploração temática que causa curiosidade em como a vida dos personagens se desenrolará. Além de causar o óbvio interesse nos destinos que o drama folhetinesco apresenta, sobretudo entre as famílias e os segredos e tramoias de amor e traição.

    Dark lida com temas pesados, desde desaparecimento de crianças até suicídios. Há também uma utilização de referências ao cristianismo, seja em nomes como Jonas e Noah (Noé), além de referências numerais, como a escolha de 33 anos para os saltos temporais que coincidem com a idade de Cristo ao morrer. Tais elementos incomodam um pouco, mas nada que torne a série desprazerosa.

    Aos poucos, a trama pós apocalíptica vai se agravando, em especial no segundo ano, onde se desenvolve o arco do Sic Mundus, uuma organização que aparece misteriosa e que tem suas intenções desenvolvidas ao longo das duas primeiras temporadas, principalmente, associando a busca e obsessão com os experimentos de viagem temporal, com a explosão da usina nuclear em 2019, e com o futuro da humanidade, embora toda a trama de Dark seja muito contida em sua cidade.

    A série tem elementos técnicos soberbos. A fotografia assinada por Nikolaus Summerer  tem uma boa variação entre as cores. Quase todas em tonalidades átonas e o estado de espírito melancólico dos personagens dá maiores camadas de importância a série. A trilha sonora, repleta de cantos e sons guturais orquestrada por Ben Frost traduz uma aura pesada e de mistério. Esse caráter é favorecido também por conta de que o elenco principal não tem grandes famosos mundialmente, no máximo Oliver Masucci que faz Ulrich e estava em Ele Está de Volta, ou Antje Traue que faz Agnes e que esteve em O Homem de Aço. Os interpretes são ótimos, mas o fato de não terem uma fama mundial pregressa dá mais fidedignidade a história, o roteiro soa mais fluido e o publico fica mais crente nas bizarrices sugeridas.

    A jornada de Jonas e Martha contém elementos que apelam para um caráter mais amoroso e otimista, reunindo tragédia, inevitabilidade do destino e a ligação deles com o tão temido fim do mundo. Os dois, sobretudo em sua fase mais jovem quando são vividos por Louis Hofmann e Lisa Vicari, dão conta de um amor proibido em que ambos são tolos demais para perceber o óbvio. Na terceira temporada, quando são abordados outros cenários – em que cores e elementos são espertamente invertidos para mostrar uma outra dimensão – se mantém a ideia do quão perigosa é a união dos dois personagens. A nova versão do fim e a inserção de outra realidade garante ao desfecho da trama um caráter mais lisérgico, gerando um número grande de explicações e didatismo. Dark termina mostrando a inexorabilidade do destino e também as falhas que a viagem no tempo pode produzir, inclusive com uma cena pós crédito bem dúbia, reforçando a ideia de que caso o encontro entre os dois “protagonistas” ocorresse, o mundo pagaria por essa escolha com um salário de morte, novamente reforçando a ideia de redesenhar historias clássicas da Bíblia.

  • Review | Reality Z – 1ª Temporada

    Review | Reality Z – 1ª Temporada

    Reality Z aproveita da popularidade do gênero de zumbis para apresentar sua história. O seriado em parceria com a Netflix adapta a boa série britânica de zumbi Dead Set, do cocriador de Black Mirror, o produtor  Charlie Brooker. Esta primeira temporada é conduzida por por Cláudio Torres, o diretor brasileiro conhecido por comédias como A Mulher Invisível e O Homem do Futuro, e pela série adulta, Magnífica 70, e conta com 10 episódio bem curtos.

    A narrativa acompanha o dia a dia da produção de um reality show, chamado de O Olimpo, onde os corpos sarados dos participantes parecem ser mais importantes do que as ideias que cada um propaga. O cenário do Rio de Janeiro causa alguns momentos hilários dentro desse cenário pós apocalíptico.

    Os episódios são dirigidos por Torres e Rodrigo Monte (de A Divisão), e mostram basicamente dois pedaços bem diferentes, com os primeiros cinco capítulos focado no modo como é feito o reality, tendo em Nina, de Ana Hartmann a protagonista. A moça trabalha em pequenas funções na produção, seus dias passam por gastar energia tentando suprir as necessidades dos confinados, enquanto tem que lidar com o diretor do programa, o Brandão de Guilherme Weber, além de procrastinar e de protagonizar um triangulo amoroso, que aliás, é apresentado de maneira genérica e sem importância.

    O piloto possui muita informação, mostra a bagunça que existe dentro da estrutura do programa. Também alude a uma das famílias que seriam protagonistas na segunda metade, além de mostrar manifestações pelo Centro do Rio de Janeiro e crise na ALERJ, a casa estadual da lei no Rio. Além disso, também eclode a crise que faz os mortos voltaram a vida, basicamente mostrando que, independente dos planos da humanidade, não há o que fazer quando a natureza resolve sabotar a vida.

    O timming para o lançamento desta produção não poderia ser mais favorável ao seriado. Além da pandemia por conta do Novo Coronavírus, da quarentena que faz parte da população sã mentalmente se isolar, ainda há uma grave crise financeira, então os paralelos todos com o roteiro. Além disso, graças ao isolamento social, o seriado se tornou mais relevante. Afinal, realities como o Big Brother Brasil se tornaram pauta de muitos consumidores e formadores de opinião e conteúdo. Mas o que se assiste – ao menos nesta primeira parte – é um pastiche tosco e moralista dos que consomem e fazem esse tipo de conteúdo.

    A ideia de mostrar personagens que não são simpáticos é muito exagerada e tola, claro. O foco dado ao personagem de Weber por exemplo, assusta, pois ele é um sujeito vaidoso, temperamental e odioso, tão exagerado que seus atos que deveriam causar raiva só fazem rir. Até sua despedida é terrivelmente mal feita, e seus comentários a respeito de como funciona o mundinho dos reality shows também não fazem sentido, não encontram mais ecos com a realidade. É quase como se esses roteiros estivessem guardados por mais de dez anos, e fossem simplesmente gravados atualmente. Além disso, para uma obra que busca fugir do maniqueísmo, se apela demais para clichês, para formações de casais sem química, com destaque para os estereótipos terrivelmente bonzinhos de Nina, além de performances meia boca dos personagens de Sabrina Sato e João Pedro Zappa.

    Outro aspecto estranho são as participações mais curtas de celebridades. O elenco é quase todo formado por ex intérpretes de Malhação, ainda que a maioria não seja exatamente ruim, há momentos de puro constrangimento, com aparições relâmpago de Jesus Luz e Leda Nagle. Essas inserções fazem perguntar qual era a intenção dos produtores, porque por mais que Torres saiba filmar cenas de ação – a maioria muito bem feitas, e violentíssimas – também há uma obsessão por uma estética trash que lembra as produções da Asylum, como Sharknado, que tinham aparições de “jornalistas” da Fox News e sub celebridades do White Trash dos EUA. Nem visualmente essa referência faz sentido, uma vez que os efeitos visuais e o gore são bem encaixados, a sanguinolência, as vísceras e o canibalismo cabem muito bem em tela, ao contrário dos tubarões em efeitos especiais baratos da cinessérie citada.

    A partir do sexto episódio, entram em ação Ana e Leo, mãe e filho feitos por Carla Ribas e Ravel Andrade, além do núcleo liderado pelo deputado Levi (Emilio de Mello). A forma como os acontecimentos ocorrem emula os melhores momentos do ocaso visto nas revistas The Waking Dead do roteirista Robert Kirkman. O roteiro melhora demais, embora ainda hajam muitos vícios de linguagem que persistem aqui.

    De positivo na série, há o pouco (ou nenhum) apego aos personagens. Alguns deles se desenvolvem bem, causam curiosidade no público sobre eles e tem suas vidas simplesmente ceifadas. Dentro da estética de zumbis, faz todo sentido que as coisas sejam assim. Ainda que isso não seja novidade, já que os quadrinhos de The Walking Dead e a série Game of Thrones também façam isso, ao menos há alguma coragem da parte da produção.

    As curvas dramáticas dos últimos capítulos faz o quadro melhorar muito, especialmente no que toca dois personagens, Teresa (Luellen de Castro) e o Sargento Robson (Pierre Baitelli). Ambos estão em lados bem opostos da lei, e entre farpas, brigas e devaneios, vão se envolvendo e mostrando que são bem mais complexos que os fúteis participantes do game show da primeira metade de Reality Z. Os momentos finais desta temporada são cruéis e viscerais, apresentam bons conceitos, mas não há como descolar este trecho do restante da temporada, que  em ultima análise, soa irregular e carente de identidade, como uma colagem de duas historias bem distintas, que não replicam bem as escatologias do material original, e que ganham muito mais fôlego e identidade  quando contam apenas uma historia de apocalipse zumbi à brasileira.

  • Review | Jeffrey Epstein: Poder e Perversão

    Review | Jeffrey Epstein: Poder e Perversão


    Primeiro trabalho de Lisa Bryant na direção, após produzir nos últimos anos outras séries envolvendo crimes contra as mulheres, Jefrrey Epstein: Poder e Perversão se baseia no livro Filthy Rich: The Shocking True Story of Jeffrey Epstein escrito em 2017 em parceira por dois autores de narrativas policiais: James Patterson e John Connolly. Um livro investigativo que pesquisou a fundo a infame trajetória do financista destacado em círculos sociais de alta elite e responsável por uma série de abusos contra mulheres.

    Desde o lançamento de Making a Murder em 2015, a Netflix desenvolve documentários originais em dois formatos: em longa metragem e seriados. Os últimos são explorados em demasia, com excesso de ganchos e simulações de cenas reais que refletem outros canais documentais, como o Discovery, em seu estilo narrativo. Pela quantidade as vezes exagerada de episódios para um único tema, a qualidade narrativa se reduz drasticamente ainda que os temas abordados sejam sempre interessantes. Dessa forma, a informação apresentada conta mais do que uma narrativa com maior qualidade autoral.

    Sob esse aspecto, a série sobre Epstein é eficiente. Apresentada em quatro episódios, a narrativa está centralizada em dois eixos: apresenta sua figura para os desconhecidos e apresentar depoimentos de sobreviventes do assédio sofrido. Aprendendo com o alongamento de séries documentais, da qual Making a Murder é o maior exemplo, os quatro episódios abarcam os fatos em continuidade bem como analisam momentos específicos.

    A carreira criminal do personagem central teve início em meados do século XXI, mas apenas a partir de investigações realizadas em Nova York no período inicial do movimento Me Too a  vida de mistérios vivida de maneira exorbitante veio à tona. Como um abusador, Epstein utilizava de seu dinheiro e influência como parte de seu disfarce. Durante sua vida utilizou o dinheiro como consagração para suas perversões. Conforme adquiria poder financeiro, conquistava maior influência e, como o documentário aponta, apresentava seu estilo de vida para outros grandes poderosos.

    O documentário foi produzido com um enfoque informativo, embora se abstenha de polêmicas maiores. Pouco se menciona sobre o conteúdo dos processos contra Epstein e sobre as influências que possuía, ainda que as fotos retiradas de diversos eventos sociais demonstre ligações com políticos e famosos em geral. Na verdade, a narrativa escolhe alvos específicos de seu círculo de amigos como o príncipe Andrew, visto na ilha particular de Jefrrey por uma testemunha ocular e presente em uma fotografia ao lado de uma menor, uma das vítimas de abuso de Epstein. Outras figuras como Donald Trump e Bill Clinton são apenas mencionadas para demonstrar sua influência.

    Além de um abusador sistêmico, o biografado era um homem calculista, ciente de que seu estilo de vida compartilhado com outros parceiros da elite era uma ação ilegal diante da lei. Durante as investigações, a polícia descobriu um sistema de vigilância em sua casa que gravava toda visita recebida. A informação é relevante para compreender que Epstein possuía influência ativa sobre poderosos extraindo vantagens desse fato. Talvez pelos casos serem recentes, a produção do documentário tenha esbarrado em investigações ativas. Ou essa mesma influência serviu para evitar se aprofundar sobre outros poderosos que utilizaram sua influência para expor o caso sem exporem a si mesmo.

    Por ser calcado como um documentário informativo, falta maior apresentação de outros profissionais capazes de relatar sobre o caso. Como uma narrativa criminal documental padrão, o enfoque é apenas em Epstein e suas vítimas, sem nenhuma abordagem na criminologia ou no perfil psicológico de um abusador. Visões que enriqueceriam o documentário. Sob esse aspecto, a narrativa das vítimas se assemelha com a composição de Deixando Neverland, documentário feito pela HBO sobre os abusos de Michael Jackson. A consagração do poder e a fama produz uma ilusão brilhante que atrai pessoas vulneráveis. Em ambos os documentários, percebe-se como abusadores trabalham psicologicamente sua vítimas, encantando-as para, em certo nível, justificarem sobre o abuso quando denunciado.

    O caso de Epstein serve de maneira dual para a sociedade. Inicialmente demonstra que os poderosos ainda estão diante da lei, ainda que fique explícito como a lei não é funcional para todos. As estruturas de poder vivem um embate entre aqueles que acreditam em sua transparência em contraposição aqueles que usam a lei para se safar do crime. Ao mesmo tempo, o documentário ilumina o peso do abuso com as vítimas se transformando a partir deles. Ao reconhecer o abuso e procurar justiça, nasce parcialmente a superação pessoal diante do trauma.

    A série não causa nenhum arroubo narrativo e embora não apresente nenhuma informação nova do caso é relevante como parâmetro de que a funcionalidade da justiça ainda se mantém mesmo com as estruturas de poder que tendem a distorcê-la.

  • Review | Titãs – 2ª Temporada

    Review | Titãs – 2ª Temporada

    Titãs 1ª Temporada teve uma recepção bastante controversa, mas ainda assim, era  a atração principal do serviço de streaming DC Universe . Ao passo que foi bastante criticada por conta do seu tom sombrio e diferente demais do material clássico, também tem um fandom muito fiel, o mais volumoso entre as séries do serviço, maior do que é com Patrulha do Destino e Monstro do Pântano.

    Titãs 2ª Temporada começa imediatamente após o season finale, como o Dick Grayson de Brenton Thwaites resolvendo seu embate com Trigon, o demônio pai da jovem Ravena (Teagan Croft). Essa luta inicial é visualmente legal, mas narrativamente há diversas fragilidades tanto no embate como no desenrolar dos fatos posteriores, a extrema facilidade de como o demônio é descartado sendo o maior deles.

    O roteiro da série de Akiva Goldsman é confuso. Se estabelece que houve um grupo anterior, chamado de Titãs, formado pelo antigo Robin, pela Moça Maravilha de Donna Troy (Conor Lesley), Rapina e Columba (feitos por Alan Ritchson e Minka Kelly respectivamente), e aparentemente, mesmo que esses personagens tenham tido outros encontros, isso não foi abordado antes. Também fica implícito que Donna e Estelar/ Koriand’r (Anna Diop) já se conheciam, ao ponto da alienígena tamareana saber tudo sobre a antiga equipe.  Esse conhecimento é tão mal explicado que talvez tenha ocorrido por conta de uma habilidade dela não dita, e isso não é referenciado sequer como possibilidade dentro dos 24 episódios, ou seja, possivelmente terá alguma explicação em forma de retcon (novamente) em uma possível terceira temporada.

    Os mistérios da outra temporada são rapidamente resolvidos, e como se esperava, não foi bem desenvolvido não. O texto que já era ruim piora, demonstra fragilidades e tentativas tolas de restabelecer o tom heroico das revistas na série. Os acertos seguem os mesmos, com os  trajes dos heróis muito bem feitos, além de seguir com boas introduções de personagens novos, o problema é o que se faz com eles logo depois disso. Repentinamente, Grayson decide ser tutor dos meninos, Jason Todd (Curran Walters), Gar/Mutano (Ryan Potter) e claro, a jovem Ravena, e por mais que essa  seja uma decisão não desenvolvida pelo roteiro, a premissa dela não é ruim, e produz até algumas boas discussões no programa.

    Outro problema (recorrente, até) é o apelo a figura de Bruce Wayne, vivido aqui pelo Sir Jorah de GOT, Iain Glen. Ora, Os Novos Titãs ou mesmo sua versão primária a Turma Titã era um grupo onde os ajudantes de heróis se emancipavam, colocar o Batman como mantenedor do grupo não faz sentido, vai contra a essência deles e os faz parecer outro grupo da DC, Os Renegados. Ainda assim, mesmo suspendendo a descrença e acreditando que essa é uma versão totalmente diferente deles, o trabalho de Bruce como mentor nesse sentido não tem lógica, é tolo pois o Morcego sempre foi alguém arredio e difícil de lidar, não um lord inglês inspirador que lembra mais o mordomo Alfred Penyworth do que o playboy perturbado mentalmente oriundo de Gotham.

    A DC parece gostar de utilizar o Batman como muleta, sempre que algum produto seu vai mal se apela para ele, e para todos os efeitos, Glen faz um bom dueto com Thwaites, tanto nos momento de sobriedade, com aconselhamentos entre mentor e pupilo, como nos devaneios de Dick, que imagina seu pai adotivo nos momentos mais comprometedores possíveis. Dadas tantas características patéticas do script, essa relação realmente se salva de todo o resto, mas mesmo ela faz o seriado entrar em várias contradições.

    De positivo, há a química entre Mutano e Ravena, a forma como eles  se aproximam é bem crível, os atores até parecem ser um par de fato. Outro fator bom são as ações de Dick como mentor, mesmo quando ele esconde algo, afinal, grandes mestres tem segredos e nesse ponto ele não se diferencia de outras lideranças. Quando o programa tenta ser procedural, lidando a cada episódio com uma situação, é bem mais positiva do que a forçação do arco maior, tendo dessas tramas mais elaborados o único positivo em relação ao passado de Estelar, que tem a mitologia tamareana aludida brevemente, melhor expandida até que as questões espirituais de Ravena ou o passado de amazona de Donna, e que, provavelmente, dará a tônica de uma possível terceira temporada.

    Da parte dos vilões, o modo como Slade Wilson é introduzido engana de tão promissor que é. O desempenho de Esai Morales não compromete, mas o mesmo não pode se dizer de Rose Wilson, a Devastadora de Chelsea Zangh,que é bastante irregular, reunindo momentos onde  é segura e outros tantos que parece apenas uma menina confusa e sem qualquer preparo para a vida, fato que não combina com seu passado. Se a atriz fosse mais experimentada, esse drama poderia ser melhor exposto, mas não é o caso, e o roteiro tenta disfarçar isso colocando ela como parte de um inoportuno casalzinho. O destino de ambos personagens, assim como ocorre com Jericho (Chella Man) varia entre a tragédia e a simples confusão mental de quem não tem fortes  motivações, com uma abordagem que recai demais no sensacionalismo barato.

    Titãs é muito refém dos flashbacks, mesmo em momentos interessantes, como a repercussão do destino do Aqualad de Drew Van Acker. Fica a sensação de que falta algo, de que as historias do passado são muito mais importantes que o tempo atual. Também se demora a amarrar as pontas soltas, como o arco do Superboy (Joshua Orpin), que nem é de todo ruim, mas é tão desimportante que parece estar aqui só para fazer volume. Nem as referencias ao Super Homem de Jerry Siegel e Joe Shuester salvam o personagem da péssima abordagem

    No quesito violência, a temporada segue bem na esteira da primeira, e isso nem incomoda, pois ao mesmo passo que tem gore (e muito), as primeiras lutas com o Exterminador são boas, mas as últimas são terríveis, beirando o patético. O seriado continua apelando para violência gráfica a fim de parecer adulto, e nisso, fica claro o quão sem identidade ele. O final da segunda temporada é apelativo, tentando atrelar aos Titãs uma tradição de tragédia inevitável que mal foi construída. Analisando os fatos posteriores ao confronto final , os significados que já não eram grandiosos nos roteiros ficam ainda mais vazios, os rumos e separações forçadas dos personagens não fazem muito sentido. A pergunta que fica mais sem resposta é como Goldsman, com um histórico tão grande de fracassos financeiros e/ou de críticas ainda continua tão relevante. Da sorte de Titãs e sua sobrevida fica a sensação de que a marca Batman é tão forte que influencia até no produto que seu ajudante protagoniza, mas não forte o suficiente para evitar terminar mais uma vez o ano com um gancho torto e que provavelmente, demorara mais meia temporada para ser aludido, em uma temporada provavelmente tão ou mais sensacionalista que esta.

    https://www.youtube.com/watch?v=Y1Hpdre-Hp4

  • Review | A Frequência Kirlian – 1ª Temporada

    Review | A Frequência Kirlian – 1ª Temporada

    Kirlian, uma cidade da Argentina, é rodeada por acontecimentos estranhos. Um solitário locutor de rádio transmite em seu programa noturno todas essas histórias permeadas de vampiros, lobisomens e elementos de ocultismo.

    A Frequência Killian é uma websérie argentina lançada em 2017 no Vimeo e no YouTube. No ano passado ela foi incorporada ao catálogo da da Netflix, onde efetivamente tomei conhecimento de sua existência. Esta série parece bem experimental, com 5 episódios de, no máximo, 10 minutos, e estética bem diferente. Os personagens humanos, na maioria das vezes, são completamente pretos e olhos brancos, lembrando Sin City ou mesmo o jogo Limbo. A animação é bem simples, apostando mais no visual e composição das cenas. Um elemento que foge bastante dos padrões é a substituição do áudio por texto.Sim, em diversos momentos os personagens falam, mas não há voz, mas sim textos espalhados pela tela, às vezes lembrando uma história em quadrinhos, em outras remetendo aos famigerados jogos de adventure point and click (Monkey Island, Sam & Max, The Dig, dentre muitos outros exemplos). Esta alternância entre texto e voz é constante e acaba dando a identidade da série. Por um lado isso é bom. Por outro, quase fica enfadonho. Digo quase pois os episódios são curtos, então não há tempo para cansar o espectador.

    O estilo visual se mantém por quase todos os episódios. Em alguns momentos, há uma mudança na arte visual que traz boas surpresas. No geral, há um maior apelo na estética do que do roteiro.

    Em termos de história, não existe nada extremamente interessante. São histórias curtas narradas com elementos visuais bacanas. O locutor solitário dá o tom da história e a cada episódio existe um desfecho, envolvendo criaturas sobrenaturais ou acontecimentos estranhos. Impossível não lembrar e Stephen King e suas tramas envolvendo sobrenatural, cidades pequenas e muito mistério. O formato em episódios fechados faz com que a série possa ser apreciada aos poucos, de forma bem casual, até porque, mesmo sendo curtos, as tramas não trazem aquela vontade louca de assistir ao próximo episódio. Por este motivo, não há um grande incentivo para “maratonar” a série. É possível fazer isso em menos de uma hora, porém o estilo adotado pela série é quase cansativo, conforme dito acima. Vale mais assistir um episódio entre uma série e outra, ou naquele intervalo curto do trabalho. Mas assista, existe um bom potencial para novos episódios. Já merece pontos pela identidade visual criada, que certamente é a melhor coisa da série.

  • Review | Tower of God – 1ª Temporada

    Review | Tower of God – 1ª Temporada

    O Crunchyroll, serviço de streaming focado em animações japonesas que distribui mundo afora semanalmente One Piece, Boruto e os demais animes transmitidos por temporada na terra do sol nascente, começou a produzir suas próprias séries. Um dos grandes destaques do seu selo original é a adaptação de Tower of God, web comic sul coreana do autor SIU de grande sucesso. O anime foca em Vigésima Quinta Bam, um garoto solitário que quer encontrar sua amiga Rachel, única pessoa que ele conhece, na misteriosa Torre de Deus, um lugar cultuado por dar tudo que é desejado a quem alcança o topo dela.

    Bam acaba entrando na Torre por si só, demonstrando ser um irregular, alguém que entra no local por vontade própria, diferente dos regulares que são convidados. Headon, uma criatura que se apresenta como senhor da Torre, propõe o primeiro teste a Bam, para começar a subir para os próximos níveis, onde o jovem encontra Yuri, uma das princesas da Jahad. O protagonista consegue uma arma lendária com a princesa e posteriormente cai no meio de um battle royale com vários outros indivíduos. Tower of God então demonstra um aspecto similar a um RPG, um universo que tem uma intenção de ser grandioso. A separação das especialidades dos personagens em classes e todo conceito que envolve o shinsu, a energia usada pelos seres desse universo, também deixam a caracterização mais interessante, sendo o atrativo maior do anime.

    Bam é jogado nesse novo mundo e é tentado de alguma forma fazer com que o telespectador acompanhe a evolução da história junto ao protagonista. Bam vai tentando se adaptar às provas da Torre e conhecendo seus aliados propícios, como o astuto Khun Aguero Agnes (uma homenagem do autor ao futebolista argentino Kun Agüero do Manchester City) e o réptil antropomorfizado grandalhão Rak Wraithraiser, sendo o trio principal durante o decorrer da história.

    O trio entre si funciona bem, Bam sendo a alma inocente, Khun age como o grande cabeça da equipe, com um fundo interessante, só que pouco explorado. Khun se identifica com Bam pela semelhança da sua causa, devido à relação com a sua irmã e a rejeição da família que ele carrega consigo. Rak acaba somente sendo usado como alívio cômico. Porém deixa a desejar bastante na construção do protagonista e dos laços com os personagens secundários. Bam começa vazio e termina mais vazio ainda, sem conseguir expressar sua verdadeira intenção na obra. Seu carinho pela Rachel é a única interação e motivação colocada ali, de resto, não há diálogo nem conteúdo que justifique sua bondade posta, mesmo os demais personagens tendo personalidade, mas nada que seja orgânico. O protagonista é colocado como alguém adorável e que faz tudo pelos seus próximos, mas nada que ele faça, confirma do porquê dele ser bom. Além de cair no clichê de ter uma progressão exponencial diante os demais, o protagonismo barato comum em qualquer anime de luta.

    O arco fora do trio protagonista é bem mais convincente e melhor construído. A parte de Anaak e Endorsi, princesas de Jahad apresentadas posteriormente, é inicialmente um mistério, pelo fato delas serem poderosas e da relação delas com o domínio da Torre. Isso leva para toda a motivação de Anaak agir contra tudo relacionado à Torre e de como Endorsi se vê ligada a ela em relação ao seu segredo. Uma história de poder e riqueza construídos pelos senhores da Torre dados por meio de opressão.

    A ação é bem feita, principalmente pelo uso do shinsu, de toda forma que é animada e do aporte que certos personagens dão, como as estratégias de Khun e das provas colocadas pelos rankers, pessoas que chegaram mais alto na Torre, mas nada que encha os olhos e seja marcante. Tower of God é apático, desinteressante, com várias tramas colocadas como importantes, mas pouco exploradas e acaba tendo um final problemático, com uma reviravolta que tenta justificar as ações de certos personagens, mas só coloca dúvidas no desenvolvimento da narrativa, quebrando todo o clima da possível continuação. Os 13 episódios disponíveis no Crunchyroll parecem ser corridos e imediatistas, numa tentativa falha de sucesso, contrariando toda a expectativa de um dos animes mais aguardados de 2020.

    Texto de autoria de Wedson Correia.

  • Review | Patrulha do Destino – 1ª Temporada

    Review | Patrulha do Destino – 1ª Temporada

    A primeira temporada de Patrulha do Destino prometia traduzir em tela todo o nonsense dos quadrinhos da equipe, sobretudo da fase de Grant Morrison à frente dos roteiros. A série capitaneada por Jeremy Carver e produzida Greg Berlanti, Geoff Johns e outros, tem 15 episódios nesse primeiro ano, e mostra um grupo de desajustados com poderes.

    O episódio piloto estabelece a mitologia, introduz o personagem de Timothy Dalton, chamado apenas de “O Chefe” e todos os seres estranhos que o cercam. Após essa gênese, o que se vê é uma batalha cósmica, que abusa de efeitos especiais, muito bem trabalhados. O turbilhão que se contrapõe aos quatros meta humanos – Crazy Jane (Diane Guerrero), Mulher Elástica (April Bowlby), Homem-Robô (dublado por Brendan Fraser e manipulado por Riley Shanahan) e  Homem-Negativo (Matthew Zuk) – é seguido de reações diversas, variando entre a histeria pela surpresa do possível fim da vida e tentativas vazias de controlar o ímpeto, afinal, o que se vê é algo grande demais para ser ignorado.

    Boa parte do acerto do seriado é que seus personagens mesmo sendo sobre-humanos, são imperfeitos, são repletos de complexos e se autossabotam o tempo inteiro. Cada um deles têm algum momento em que se torna o herói de sua própria jornada, com tempo e desenvolvimento que certamente fazem inveja a Chris Terrio, David S. Goyer e demais roteiristas da DC nos cinemas. Mesmo quando tem partes narradas, há um bom motivo para acontecer, normalmente movido pela metalinguagem de ser feita por Alan Tudyk, que interpreta o Sr. Ninguém.

    Uma das dúvidas em relação a composição do grupo era a presença do Cyborg (Joivan Wade) que jamais fez parte do grupo, e que não esteve no seriado dos Titans. Sua origem é a mais graficamente pesada da série, não há medo ou receio de parecer adulta e é muito mais bem resolvida que outras adaptações envolvendo o personagem.

    A primeira temporada tem como temática principal as obsessões. Victor tenta não ser manipulado, seja por vilões ou pelos laboratórios Star, Jane busca desesperadamente um equilíbrio, Cliff tem que lidar com a substituição parental que sua filha fez da figura paterna e Rita tenta se reinventar mesmo tendo perdido o aspecto físico que a tornava especial décadas atrás. Eles são na verdade um grupo de freaks, que precisam conviver, como forma de terapia.

    Não há um episódio que o espectador não se assuste com algum um aspecto dramático ou visual, sempre há surpresas tresloucadas, tão irreais que soam charmosas. O estranhamento que a série causa se assemelha ao visto em Legion, ainda que a abordagem se dê por um viés diferente, com camadas mais profundas.

    O elenco tem um desempenho primoroso, Tudyk e Dalton desempenham magistralmente as figuras arquétipo do vilão e mentor, enquanto Fraser, Guerrero e Bowlby estão afiadíssimos. O fato do trio não ter pudor em se apresentar como figuras jocosas só acrescenta à trama. A intérprete da Mulher Elástica surpreende, pois foge da simples figura de mulher linda que foi coadjuvante em Two And a Half Men para se tornar frustrada, complexa, e ainda assim, apaixonante. Sua Rita Farr é incrível, mesmo sendo digna de pena, seu drama é de fácil compreensão, bem como sua vocação para ser uma espécie de mentora do grupo de desajustados, na ausência de Dalton.

    Mesmo as coisas implausíveis fazem sentido. Todas as razões mesquinhas são lógicas, e mostram que os heróis podem ter ações canalhas e anti-éticas, para além da construção do anti-herói clássico, ou dos comentários ácidos de materiais que visam parodiar mais incisivamente o conceito dos quadrinhos da Marvel e DC, como Garth Ennis fez em The Boys. O resultado final de Patrulha do Destino em seu primeiro ano é algo seminal, não subestima os seus espectadores e mostra uma história onde praticamente todos os personagens odeiam a si mesmo e ainda assim tem de conviver com essa situação.

     

  • Review | Barry – 2ª Temporada

    Review | Barry – 2ª Temporada

    A segunda temporada de Barry começa com um título de capítulo ótimo, The show must go on probably, não só pela referência teatral básica que o show deve continuar, como também dá vazão ao season finale da temporada anterior. Bill Hader continuar desempenhando o homem em conflito, e todos os roteiros que ele e seu parceiro Alec Berg produzem são baseados nisso.

    Uma das tramas secundárias da primeira temporada se desenvolve ainda mais, a antiga rivalidade entre os bolivianos e os chechenos se finda, e seus líderes, Cristobal (Michael Irby) e NoHo (Anthony Carrigan) se tornam parceiros. O roteiro antecipa que começará a utilizar experiências dele como exercícios de “improviso”, e isso é só uma das demonstrações do quanto esse ano será muito mais nonsense que o anterior. Hader consegue brilhar muito nas piadas físicas, e isso casa bem com sua faceta mais calada e atrapalhada.

    Ao mesmo tempo que Barry tem um estalo de que na sua preparação para papéis se identifica como um assassino frio, há também a percepção de que as travas que a maioria dos intérpretes têm, inexistem nele, pois a maioria das fortes emoções buscadas na hora de montar um personagem ele já viveu de maneira literal. A escolha por substituir as ilusões de uma vida adocicada pelas lembranças que o fizeram aderir a função de matador de aluguel são ótimas, ajudam a ressignificar o personagem e o aproximam ainda mais da história em quadrinhos, Justiceiro: Nascido Para Matar, de Garth Ennis , além de fazer com que ele pareça o anti-herói de De Volta ao Jogo, como um John Wick menos sério e com mais problemas existenciais.

    Carrigan e Root estão hilários e exploram um tipo de humor baseado no desespero e falta de opção de vida, cada um a seu modo, e acabam compensando de certa forma o modo anestesiado que Barry tem sofrido. Hader por sua vez adere mais camadas ao personagem que criou com Berg, e o fato de dirigir menos episódios o ajuda nessa composição. Uma das questões mais bem trabalhadas aqui é a ojeriza que Barry desenvolve por matar, e o modo como até isso é subvertido beira o sensacionalismo, mas também muito bem encaixado. O desfecho é violento e repleto de um espírito vingativo inexorável, onde seus antigos aliados se mostram capazes de ceder à sua vaidade, onde o anti-herói encontra seu velho eu e vê que sua nova vida dificilmente seguirá a mesma.

    https://www.youtube.com/watch?v=ir1_hjemxNA

  • Review | Em Nome de Deus

    Review | Em Nome de Deus

    Em 2018, um número considerável de denuncias surgiram contra a figura de João Teixeira, o médium que fazia operações sem anestesia sob o pretexto de estar incorporado por um espírito. O sujeito que usava a alcunha de João de Deus e que tinha sua base na pequena cidade de Abadiânia no estado de Goiás obviamente negou tudo e, aos poucos, as denúncias se avolumaram contra ele, ao ponto de ser preso e, além disso, acusado de ocultamento de armas nos terrenos onde ocorriam os seus cultos. Em Nome de Deus mira a desmistificação da figura de João, investigando mais crimes cometidos pelo sujeito e dando voz as pessoas que o denunciaram.

    A série documental em seis episódios possui um ritmo e formato que imitam as séries documentais de sucesso mais recentemente: A Máfia do Tigre, Wild Wild Country e OJ: Made in America. Seu início estrutura vozes em off, de mulheres com sotaques diferentes, algumas em português e outras em inglês, afirmando certo incômodo ao chegarem na cidade em que João realizava seus cultos, quase um prenúncio do que ocorreria a cada uma delas.

    Não demora a aparecer a figura de análise, João de Deus, tão próximo da câmera que a embaça. O homem que muitos julgavam ser a reencarnação de Jesus Cristo tem uma presença pacífica, é amigo de gente famosa e importante, tanto que foi motivo de um documentário – João de Deus – O Silencio é Uma Prece de Candé Salles – e quase foi biografado em longa metragem. Sua postura e comportamento o deixam em uma posição de tanta perfeição que se torna difícil imaginar um sujeito daquela idade, idolatrado, sendo capaz de assediar e vilipendiar tantas pessoas. O poder blindava João. Estranho que um homem autointitulado como canalizador da fé tivesse capangas e tanta intimidação, além de contato com gente de garimpo e outras pessoas em ilegalidades.

    A produção é uma parceria entre o Canal Brasil e a Globoplay com argumento de Pedro Bial que co-apresenta o documentário junto a roteirista Camila Appel. Dirigido por Monica Almeida, Gian Carlo Bellotti e Ricardo Calil, os episódios são cuidadosamente pensados e montados para revelar os segredos de maneira vagarosa, sempre terminando cada episódio de maneira a causar curiosidade no público. Não fosse a temática pesada e os relatos tão pessoais seria fácil maratonar os capítulos em uma noite livre.

    Bial traça um perfil sobre Teixeira, mostra sua proximidade tanto de presidentes, como Lula e Michel Temer, quanto de grandes celebridades como Oprah Winfrey. O projeto inicial seria uma simples entrevista do médium para o Programa do Bial, mas o apresentador desistiu de ir até Goiás para conversar com o curandeiro. A descoberta dos casos de assédio ganhou corpo quando Appel entrou em contato com a coreografa holandesa Zahira Mous que, depois de muito pensar, expôs sua própria historia, virando alvo de especulações sobre sua vida sexual após vociferar contra o sujeito que a agrediu. A postura da figura publica e de assessores ou advogados foi sempre negar quaisquer denuncias, tanto a de Zahira quanto as posteriores que se avolumaram após a aparição da holandesa no programa de entrevistas da Rede Globo.

    No estúdio do programa, as vítimas se reuniram para compartilharem seus casos. Até mesmo uma de suas filhas o acusa de abuso em tenra idade. A descrição pura e simples desse fato pode parecer sensacionalista mas se trata de uma visão injusta. Mesmo os depoimentos de pessoas próximas, como os políticos de Abadiânia, ou de pessoas midiáticas como a apresentadora Xuxa Meneghel são extremamente discretos. Os fatos se sobrepõem a qualquer caráter fantasioso ou especulativo. São bem plausíveis e, de certa forma, influenciam em sua culpabilidade. Afinal, movimentar R$ 34 milhões após mais de cem denúncias soa suspeito. Assim como uma rápida fuga para um aeroporto de Anápolis, cidade onde Teixeira parece exercer influência.

    De todos os relatos, é o de sua filha mais velha, Dalva, e seus filhos (os netos de João) o mais assustador. Desde o início se estabelece que o médium não era um santo, e sim um homem obsessivo, manipulador, que em alguns pontos se valia da condição de um homem místico para exercer influência. Coagir pessoas era comum mesmo entre as pessoas de sua família. João era um homem poderoso ciente de seu poder.

    É assustador perceber como, a partir das denúncias, tantos outros crimes foram descobertos. João fez de Abadiânia o eldorado da pseudo medicina. Aos poucos são mostrados pequenos negócios locais sofrendo cobranças quase mafiosas por parte de seus capangas. Há até mesmo uma acusação de contrabando de urânio. Tudo tão bizarro que soa irreal. Além disso, qualquer pessoa que tentasse denunciar seu charlatanismo era rapidamente calado, por violência ou ameaça.

    A série também traça críticas aos métodos de higiene do sujeito, colhendo depoimentos de médicos famosos, e de inúmeros médiuns que citaram o Dr. Fritz, médico alemão cujo espírito, supostamente, incorporou-se em diversos psíquicos brasileiros. O material jornalístico é muito acurado, traça um perfil quase enciclopédico da figura, trazendo respostas que João negava. Muitas de suas falas em cena serviriam como um banquete para um diagnostico de psicopatia. O documentário também reconstrói sua trajetória, desde a perseguição que sofreu das juntas médicas  nos anos 70, até a sugestão para ir até Abadiânia. São mostradas algumas entrevistas televisivas que ajudaram a fortifica-lo como uma figura querida pelos famosos.

    Appel é muito assertiva nas acusações e na exposição dos fatos investigados, trazendo verdade ao documentário. Há em sua expressão uma vontade de mostrar o quanto tudo é agressivo e real, um contraste significativo com a fé que as maiorias dos fiéis tinham ao se aproximar da casa Dom Inácio. A coragem em expor tais questões é enorme, tanto da vítima quanto da produção que foi pioneira em apontar algo de podre naquele império místico. Nem mesmo ao se expandir para a América do Norte e Austrália, o império foi alvo de críticas tão vorazes, que dirá de autoridades de justiça.

    A edição é bem cuidadosa ao mostrar diversos motivos para sentir repulsa por quem foi e o que fez João Teixeira. Os momentos finais de Em Nome de Deus variam entre o atual, refletindo sobre a prisão domiciliar de João, e o famigerado direito de resposta do médium que, em Maio de 2020, entrou em contato com a produção do Programa do Bial para dar a sua versão dos fatos, ainda que sem oficializar uma data. Todo o trabalho de pesquisa não precisa depender da boa vontade do réu em apresentar sua defesa e a produção acerta em cheio ao investigar tudo em detalhes. O trabalho jornalístico e detetivesco é acompanhado de uma estética e um ritmo bem orquestrados, fazendo  deste especial um objeto potente, tornando-se ainda mais importante ao falar de uma figura pública com tanto contato com poderoso e que ainda, infelizmente, se mantém poderoso mesmo que famigerado.

  • Review | Homens? – 1ª Temporada

    Review | Homens? – 1ª Temporada

    Criada por Fábio Porchat, exibida inicialmente no Comedy Central, e posteriormente, pela Amazon Prime Video, a série Homens? mostra Alexandre, um publicitário interpretado pelo fundador do Porta dos Fundos,  um sujeito cheio de dificuldades de relacionamento. O mote dessa primeira temporada mora na dificuldade do protagonista manter uma ereção, inclusive com um ator “interpretando” o seu órgão genital – Rafael Portugal. O programa de oito episódios, tem o objetivo claro de parecer adulto, mas seu humor oscila entre a “quinta série” e boas sacadas.

    Alexandre tem um grupo de amigos, cada um com um estereótipo diferente, o sempre desempregado Gustavo (Gabriel Godoy), o workaholic Pedrinho (Raphael Logam) e o cirurgião cadeirante Pedro (Gabriel Louchard). O quarteto é bastante homogêneo e possui uma boa interação entre eles. Outro aspecto positivo é a fluidez presente nas quebras da quarta parede.

    O elenco fixo, comandado pelo cineasta Johnny Araújo (Chocante) contém algumas personagens femininas, sendo a maioria baseada em estereótipos. A maior parte das vezes elas estão lá ou como enfeite, ou como elemento disruptivo, e dessas, a que mais tem tempo de tela é a prostituta / conselheira / psicanalista interpretada por Lorena Comparato. Esse conceito, além de batido e clichê – a sabedoria popular vive associando profissional do sexo a uma boa conselheira – iguala o trabalho de uma psicólogo com a ser um bom ouvinte.

    Ao menos, boa parte das piadas sexuais são legais, sem soar pudicas ou excessivamente ofensivas. A primeira temporada faz lembrar a premissa do longa E Aí… Comeu?, com um caráter bem menos machista. Suas partes mais inteligentes certamente moram na chacota que se faz com o que é comum no mundo publicitário e com o quão o ser humano é mal resolvido sentimentalmente.

    O final de Homens? se dá com um gancho para uma segunda temporada, e por mais que não tenha um texto primoroso, ele não trata o espectador como bobo. Há uma dificuldade de se manter regular, apesar de se notar claramente em seu elenco uma vontade de discutir muitos temas ao mesmo tempo, e infelizmente, isso faz com que o roteiro se perca.

  • Review | Overdose

    Review | Overdose

    Produção da MTV Brasil com a Carambola Filmes (Larica Total), que contava com os membros capixabas da TV Quase, Overdose foi uma das atrações finais da finada emissora, e contava a história da banda Overdose, formada por Jonny Guitar, Danny Starr e Rony Thunder, interpretados por Juliano Enrico, Daniel Furlan e Raul Chequer. O seriado, exibido em 2013 teve treze episódios e mostrava o cotidiano da banda e suas dificuldades.

    O formato do programa era um falso documentário,  com entrevistas dos membros da banda e personagens próximos, como a groupie Donna (Taís Feijó), a bartender Karyna (Júlia Cartier Bresson), entre outros tantos personagens secundários.

    O programa ainda utilizava uma daquelas aberturas lisérgicas que o canal produziu em massa no final dos anos 1990, e esse foi basicamente o único legado do canal na produção da série, pois até as camisetas de banda que estavam no figurino foram emprestados pelo diretor e roteirista Arnaldo Branco. O texto brinca com o fim da MTV e com a baixa qualidade da música popular, sempre se valendo de metalinguagem e muito sarcasmo.

    Pessoas conhecidas do coletivo fazem participações no programa, como o poeta depressivo David Benincá, e Caito Mainier faz algumas funções das partes técnicas de som e edição, além de dar voz a um GPS que deveria ter a voz do Eri Johnson. Os primeiros episódios brincam com clichês como quebra da quarta parede, e também utiliza algumas piadas que fariam nos primeiros momentos do Choque de Cultura.

    A série baseia seu humor na autodepreciação, todos os personagens são dignos de pena e fazem piada com isso. As situações se baseiam nos estereótipos de músicos e artistas frustrados. Overdose tem um humor pueril e brinca com as diversas bandas esdrúxulas e genéricas que passaram pela MTV, além de ter personagens carismáticos e fáceis de associar.

  • Review | Mrs. Fletcher – 1ª Temporada

    Review | Mrs. Fletcher – 1ª Temporada

    Mrs. Fletcher, comédia de humor negro de Tom Perrotta focada na cuidadora de idosos vivida por Kathryn Hahn, brinca com os absurdos da meia-idade em contraponto aos desprazeres da terceira idade, além da emancipação típica dos jovens.

    Eve Fletcher se vê em uma situação difícil, seu filho Brendan (Jackson White) está se mudando, e com sua saída ela começa a perceber que pode mudar certos hábitos, principalmente daqueles envolvendo a forma como ela encara o sexo. Hahn acerta demais ao mostrar o receio de uma mulher que tenta sair do seu recato. Em torno dela, orbitam pessoas que lidam muito bem com sua sexualidade, Brendan mesmo é um exemplo disso, e essa é uma das possibilidades que explicam o afastamento dos dois, além da admiração do garoto pelo pai.

    A trama é bastante sexualizada, todo o subtexto brinca com isso e a adaptação do livro de Perrotta, nessa temática, é desenvolvida de maneira gradual. A timidez da protagonista vai sendo abandonada aos poucos, ao longo dos sete episódios dessa temporada. É curioso, pois alguns anos antes, Hahn protagonizou junto a Juno Temple o longa As Delícias da Tarde, que lidava com temas similares, ainda que não fosse ela a personagem causadora do furor, já se via ali um potencial semelhante ao que Eve demonstra em sua série.

    Graças ao seu tempo ocioso, a personagem-título gasta horas em um grupo de apoio para novos escritores, onde reside seu convívio social mais básico além do trabalho, e em casa, passa a se utilizar do cinema pornográfico para dar vazão aos seus impulsos sexuais.

    Brendan é um sujeito odiável, vaidoso e sabotador. Aos poucos ele vai mudando, aprendendo com gente diferente, e parece ser mais aberto a novas experiências, ao menos em um nível superficial. Ele não consegue ter mais relações exatamente por conta das travas sociais e sexuais comuns a vida de mulheres de meia idade. O drama que mãe e filho vivem são bem diferentes, um goza plenamente de privilégios comuns a vida de qualquer jovem de classe média, já a mulher não se sente merecedora de usufruir sequer de momentos breves de intimidade.

    O último episódio é um pouco morno em seu início, e reflete basicamente sobre as questões emotivas não resolvidas de mãe e filho, as carências respectivas de cada um deles e o modo agressivo com que se relacionam com outras pessoas, cada um ao seu modo, colecionando pecados e inseguranças entre si.

    Mrs. Fletcher termina com um gancho covarde, com intervenções bruscas, reiterando que Eve não tem momento nenhum de paz, nem para se reinventar e muito menos para experimentar coisas novas. Fica a expectativa de que ocorra mais lastro para o desempenho de Hahn como epicentro deste cenário onde a melancolia impera, rumo a uma jornada que tenha ao menos um pouco de paz e não só tensão e angústia.

  • Review | A Máfia dos Tigres

    Review | A Máfia dos Tigres

    A Netflix ficou famosa ao longo dos anos, por apresentar documentários em séries, variando de qualidade e estilo. Seguindo essa métrica, Eric Goode e Rebecca Chaiklin apresentaram seu projeto, Máfia dos Tigres, minissérie originalmente lançada com sete episódios, que elucubra sobre o estranho mundo dos admiradores de grandes felinos, investigando uma história repleta de intrigas, escândalos e bizarrice, usando como personagens centrais três “cuidadores”, Joe Exotic, Carole Baskin e Doc Antle.

    O programa traz opiniões polêmicas sobre seus personagens principais, sem exceção, mas há um debruçar especial sobre Exotic, obcecado por se tornar uma celebridade. Sua figura peculiar se demonstra até mesmo em sua aparência. O motivo que fez a série ganhar uma notoriedade internacional, foi a acusação de tentativa de assassinato de Baskin e a prisão de Exotic.

    Baskin também é entrevistada, e por mais que sua introdução se dê por meio de uma musica instrumental fofa, aos poucos sua faceta mais obscura é mostrada. Sua empresa de cuidados de grandes animais Big Cat Rescue é mostrada como resultado de uma obsessão antiga, sua primeira foto quando bebê foi ao lado de um gatinho, sua casa atual é repleta de estátuas de felinos e curiosamente ela carrega uma alergia a gatos desde criança.

    Dois fatores contribuíram para a série se tornar um sucesso no serviço de streaming. A primeira, é a coincidência de ter estreado logo no início da pandemia de Covid-19, e o segundo é certamente a composição estranha, bizarra e apaixonante que cada personagem tem, ainda que soem extremamente repulsivos. Joe por exemplo gravou alguns discos – cuja voz claramente não é sua – e os documentaristas fazem questão de coloca-la na trilha. Outro fator que choca são as histórias de pessoas que perderam membros por cuidarem desses felinos.

    Uma das questões mais problemáticas é para onde esses animais vão quando ficam mais velhos, pois eles só são dóceis por um período pequeno, depois servem apenas para procriação, já que os gastos para alimenta-los são altíssimos, se tornando um risco para o negócio. Os lugares que aceitam os animais veteranos, como os de Mario Trabaue, tem em seu dono (outra) figura peculiar e com graves problemas policias. Mario recebe o apelido de Tony Montana, pela ascendência latina e envolvimento no passado com tráfico de drogas, além de ter tigres em casa como era o personagem do filme de Brian DePalma, Scarface.

    Um dos personagens mais ricos é o produtor Rick Kirkham, que acompanhava Exotic com uma câmera para onde ele fosse, e isso o coloca numa posição de intimidade nada confortável, em especial na obsessão de Exotic com Baskin. Com o tempo, essa relação se transforma em algo perigoso, repleta de provocações e ameaças.

    O final de A Máfia dos Tigres mostra seus astros em posições extremas, com um impossibilidade de trabalhar, outro preso, e além disso, há uma boa interferência do ator Joel McHale, que durante a quarentena entrevista algumas pessoas do especial que Goode e Chaiklin fizeram, e embora não tenha o mesmo brilhantismo do resto do material, enriquece a apreciação. Fica a curiosidade geral por mais trabalhos da dupla de realizadores, e também pela adaptação dessa história tão unica e grotesca para os cinemas, já que isso garantiria uma maior exposição para essa entrópica jornada.

  • Review | Space Force – 1ª Temporada

    Review | Space Force – 1ª Temporada

    O governo de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos é envolto em muitas polêmicas, não só de pregação de intolerância com minorias e grupos tradicionalmente excluídos, mas também com uma negação da ciência em diversos pontos. Em um tweet, o presidente norte-americano tinha dito que viria uma nova “força” governamental, em breve, a Space Force, e a ideia de Greg Daniels (de The Office, Upload e Parks and Recreation) seria explorar essa possibilidade.

    A primeira temporada da série começa imediatamente com a promoção do general Mark Naird (Steve Carrell) ao comando da Força Espacial. Já no episódio piloto é mostrado um pouco de sua personalidade e suas trapalhadas, mas não exatamente como seu personagem Michael Scott, em The Office. Apesar de Mark ser apresentado dessa forma, ele ainda possui uma capacidade de liderança razoável e consegue demonstrar bastante bom senso, diferente de Scott.

    Grande parte da problemática da série mora exatamente nas expectativas, pois o seriado foi vendido como uma comédia rasgada e muito similar a The Office. Existem muitos elementos de humor, mas também muito drama e crítica social, fator esse que esbarra também em outro problema, a  completa falta de acidez nos roteiros.

    Há muitas piadas fracas, e uma insistência nelas, como a gag cômica do gabinete de Mark estar sempre ocupado por um visitante não anunciado. O fato de Daniels já ter experiência com séries, e de ter tido inícios ruins como foi em The Office e Parks & Recreation faz ter esperança de que a série cresça nas temporadas seguintes.

    Assim como é difícil explicar a funcionalidade da Força Espacial, é difícil também explicar se o intuito do programa é fazer rir ou não. Lisa Kudrow tem algumas das melhores piadas, e ela sequer aparece em todos os episódios. Se gasta tempo demais criando casais sem química alguma, formando relacionamentos entre pessoas que ninguém se importa, resultando num tolo e fútil esforço.

    Space Force tem dificuldade em encontrar sua própria identidade, e termina com um gancho bastante inoportuno, basicamente para ativar no espectador uma curiosidade que não conseguiu ser criada de maneira espontânea ao longo de toda a temporada. A expectativa minimamente positiva que fica é que se invista mais no desenvolvimento dos personagens, e que eles criem química naturalmente com o tempo, como ocorreu nas outras séries do criador.

  • Review | Westworld – 3ª Temporada

    Review | Westworld – 3ª Temporada

    A terceira temporada de Westworld se inicia dirigida por Jonathan Nolan, mostrando uma ação na China, que remete a outra série do mesmo criador, Person of Interest. Não há demora em mostrar a Dolores de Evan Rachel Wood num prólogo, brilhando muito enquanto liberta uma mulher da mesma escravidão que ela mesma sofreu.

    Os primeiros episódios apresentam novos conceitos, enquanto os antigos personagens estão em um novo cenário, não mais no simulacro. No entanto, o que se vê na realidade é uma produção visualmente interessante, mas uma completa ausência de desenvolvimento narrativo para qualquer um dos personagens. O personagem de Aaron Paul, Caleb, é um protótipo de novo herói, como Jimmi Simpson foi na  primeira temporada, mas ao contrário do primeiro ano, aqui também não há gravidade ou desenvolvimento dramático, somente alguns elementos de fan service e cenas de ação bem coreografadas, porém, quase sempre vazias de significado.

    A história se desenrola numa linha temporal diversa da temporada anterior. No início, mantém um mistério sobre a exatidão de sua cronologia, para logo depois mostrar que não há muita criatividade na abordagem de passado e futuro, sendo retilínea no presente. Nolan e Joy podem desenvolver o que quiserem, e incrivelmente, quando seu parque de diversões se expande, eles parecem ter sérias limitações.

    Westworld teve um bom hiato, seu último episódio havia sido exibido em 2018, então pressa não é uma boa desculpa para as  fragilidades de seu roteiro, e o pior, a expansão da história a outros lugares não garantiu novos rumos, mas uma série de tramas genéricas. Outro aspecto incômodo e que não é funcional, são as viagens pelo globo atrás das manifestações dos anfitriões no mundo externo. Isso ajuda a diluir partes da historia que poderiam soar interessantes, tudo fica muito frio e impessoal. Algumas cenas de ação até são bem apresentadas, mas nada que faça a série ultrapassar a linha da mediocridade. As lutas boas não justificam o motivo delas não fazerem sentido nas suas motivações. É até interessante que uma série traga uma atmosfera cyberpunk para a televisão, mas a completa falta de assunto e discussão faz o texto final soar bobo. Os momentos finais ainda guardam péssimas referências a Exterminador do Futuro 3: A Rebelião das Máquinas e Clube da Luta.

    Na semana do episódio final, foi anunciada a renovação para uma quarta temporada, ainda sem data para ocorrer, mas o que se espera é que a próxima aventura seja menos baseada em sensacionalismo e fan service barato, e mais em um bom texto e um desenvolvimento de personagens mais aprofundado.

  • Review | Alta Fidelidade – 1ª Temporada

    Review | Alta Fidelidade – 1ª Temporada

    Maior que uma homenagem, Alta Fidelidade é uma jornada de amadurecimento.

    Em dias de isolamento social, uma série que é um afago para os corações obcecados por música e assumidamente depressivos. Alta Fidelidade, o cultuado livro do Nick Hornby que já havia virado um filme dirigido por Stephen Frears acabou de ganhar também sua série. Lançada no último fevereiro no Hulu,canal de streaming da Disney, essa nova versão reverencia o romance e ao mesmo tempo o filme de várias maneiras, fazendo uma atualização considerável na tentativa de contar uma história mais atraente e palatável para um novo público.História que ainda conversa com muita gente, que se vê representada nesse mundo e por alguns de seus personagens,crentes que a cultura pop é o que existe de mais importante na vida. A série é capaz de agradar quem faz seu primeiro contato com Alta Fidelidade, mas funciona muito melhor para os adeptos da filosofia de Hornby em sua obra mais aclamada.

    Ao longo dos últimos trinta anos, Rob (Fleming no livro e Gordon no filme) ganhou status de ícone entre uma juventude fissurada por rock e mal ditava sua miséria pessoal às músicas que viveu escutando e às letras tristes que moldaram sua personalidade. Sem olhar para o próprio umbigo, prega que esse consumo é o que está de fato consumindo as almas de milhares de adolescentes no mundo. Para ele, a culpa da tristeza massiva é da indústria cultural e as pessoas, engolidas por esse fenômeno, nem desconfiam.

    Exaltado por esses vícios e exageros, mas estagnado no mesmo emprego sem qualquer perspectiva de melhora, ruim de grana e persistindo em culpar os outros por tudo de errado em sua vida, não há culto que se sustente.Virou consenso que esse protagonista é o tipo de arquétipo que precisa ser superado. Já que ele não apresenta qualquer redenção em sua trajetória. Rob, começa a história sem entender porque a Laura, sua última companheira o deixou. Durante esse percalço todo ele até descobre, mas não toma qualquer atitude a respeito disso. E termina com Laura mesmo assim, depois de prejudica-la bastante.

    Esse dilema está no coração da nova roupagem de Alta Fidelidade. Como os “desvios de caráter” tratados no filme de vinte anos pegam mal, a produção viu na segunda adaptação uma oportunidade de mudar as coisas. Fazer do protagonista um melhor exemplo (?!), mas ainda problemático. Então, a ideia da mudança mais significativa que esse reboot apresenta: Rob agora é uma mulher do Brooklyn, vivida por Zoe Kravitz. Menos explosiva, mais simpática e igualmente paranoica e apaixonada por seus discos. A Rob da Zoe também não se redime. Se mostra egoísta e não tem medo de ferir os outros, mas não é nem de longe a bomba atômica que John Cusack encarnou um dia.

    Proprietária de uma loja de discos, ela está passando por uma fase turbulenta no amor. Seu relacionamento acabou de maneira traumática e seus últimos dias andam terrivelmente angustiantes por não conseguir emplacar mais nada após esse término. Teve oportunidades, conheceu (e está conhecendo) gente, mas continua perdida. A coisa mais charmosa na história ainda é esse ponto: quem nunca teve o coração partido a ponto de isso destruir completamente sua rotina? Te fazer evitar trabalho e amigos? Rob passeia por todas as esferas de sua vida, relembra os traumas de relacionamentos anteriores, sua relação com a loja e com seu irmão, para chegarmos até o que importa: o quanto esse problema significa pra ela, e claro, isso é realmente um problema?

    Essa abordagem é mais próxima da história original de Hornby. Ao se aproximar mais de Rob como alguém que está emocionalmente quebrada e ao invés de partir para uma guerra contra o EX, ela vai se conhecer melhor. E fazendo isso ao longo de alguns episódios, permite que acompanha a série também se aproxime de Rob e do seu universo. O próprio capítulo que vai contar o background de Simon, ex-namorado dela e hoje atendente de sua loja é uma excelente adição e enriquece o vínculo com tudo o que se passa na trama.

    Muitos tributos são prestados. Coisa que só tem no livro é citada, coisa que só acontece no filme é citada e situações que acontecem nos dois também… As vezes indiretamente e as vezes – palavra por palavra.Até o figurino acaba sendo revisitado. Zoe Kravitz é filha de Lisa Bonet, que faz a Marie De Salle no filme… Mas esses sinais que são distribuídos ao público não são o que define a nova série.A personalidade da protagonista e as pessoas à sua volta são praticamente um começo do zero, claro, com o devido respeito àquilo que é sua fonte.Simon e Cherise são Dick e Barry em sua essência, mas ao serem traduzidos para o ano de 2020 e com a possibilidade de serem melhor trabalhados, eles oferecem mais.

    Para o piloto, a série apresenta na direção o ex-baixista dos Lemonheads, Jesse Peretz que previamente já havia trabalhado numa outra adaptação de Juliet Nua e Crua enquanto quem dirige a maioria dos episódios da série é Jeffrey Reiner (responsável por alguns episódios da segunda temporada de Fargo). É importante que sejam essas pessoas trabalhando em Alta Fidelidade porque é o que ela tem de melhor para oferecer é a imersão e intimidade com as ruas do Brooklyn, com os bares visitados, com a música pulsante, a loja de Rob e com as vidas das pessoas que circulam por ali. O toque de rock que eles trazem possibilita essa magia, especialmente, num momento em que as pessoas se encontram limitadas no que diz respeito a ocupação de espaços.

    É difícil trazer um clássico para conversar com outra geração, e até arriscar passar através dele uma nova mensagem também. Mas Alta Fidelidade consegue, desperta nostalgia e ao mesmo tempo também projeta as questões de numa nova geração, sem abrir mão do que tinha de melhor. Ao recontar tudo isso em paralelo com sua personagem principal, buscando essa nova perspectiva, é a história que amadurece. Se revela como o já que foi, sem arrependimentos, mas ainda o que é e tudo o que pode vir a ser. Conversando com jovens que tem uma relação 100% digital com a música ou sequer pisaram numa loja de discos na vida. Mas com certeza, já levaram um pé na bunda e se afogaram numa música lamentosa.

    Texto de autoria de Gabriel Caetano.

  • Review | The Midnight Gospel – 1ª Temporada

    Review | The Midnight Gospel – 1ª Temporada

    Lançada em abril de 2020, como referência ao consumo de cannabis, o conhecido código “4i20”, The Midnight Gospel, é uma série de animação com selo original Netflix, desenvolvida por Pendleton Ward (criador de Hora de Aventura) e Duncan Trussell. Inspirada em seu podcast The Duncan Trussel Family Hour, conhecemos na série Clancy Gilroy, um podcaster que visita mundos através de seu simulador de universo para entrevistar personagens de diversas formas, abordando assuntos como liberação do uso de drogas, meditação, ciclo da vida, magia. Devido ao conteúdo dessas entrevistas, Midnight é uma animação classificada para maiores, então não se engane, são poucas semelhanças com o universo de Jake e Finn em Hora de Aventura.

    A série é profundamente marcada pelo absurdo em sua idealização, com forte apelo na psicodelia, desde seus traços irregulares a personagens de diferentes formas e misturas, situados em cenários cheios de cores fortes, vibrantes e com muitas estruturas geométricas. Sua trilha sonora carrega os mesmos traços, como no pequeno trecho de transporte do protagonista para o universo simulado, acompanhado por trilha eletro-psicodélica, e isso se reflete também nos assuntos discutidos por Clancy e seus entrevistados. No segundo episódio por exemplo, o protagonista conhece Annie, uma espécie de cão-veado, que enquanto comia alguns bebês palhaços é capturada e enviada para morte juntamente com o podcaster, aproveitando da situação, debatem sobre a própria morte e suas consequências, com relatos vividos por Annie. Situações assim são comuns no desenho: enquanto Clancy entrevista um convidado (retirados de episódios do podcast de Duncan), algo de hilário acontece no plano de fundo, como um apocalipse zumbi, a vingança de morte num planeta medieval, uma prisão onde um personagem é obrigado a experimentar a morte repetidas vezes, até mesmo no episódio com trechos no mundo real.

    Devido à complexidade da forma quanto do conteúdo, Midnight Gospel pode passar a falsa sensação de não continuidade entre os episódios, o que não é verdade. Aqui alguns mínimos detalhes são transportados de um capítulo para o outro, como objetos, amadurecimento do personagem devido a pequenas conexões entre as temáticas e as consequências de algumas escolhas. Evolução essa quase que espiritual, já que Clancy é exposto a histórias de superação, autoconhecimento, evolução da consciência, e o desenho tem muito mérito em apresentar isso de forma didática para o público, que também aprende junto com o próprio personagem e os entrevistados. Como dito anteriormente, alguns dos entrevistados são retirados do próprio podcast, a exemplo do homem com cabeça de aquário e um peixe dentro, Damien Echols (que conta parte de sua história de vida ao ser preso acusado de assassinato, o caso de West Memphis, história também retratada no documentário Paradise Lost, produzido pela HBO). Até a mãe de Duncan é personagem em uma jornada de vida e morte no belíssimo episódio que finaliza a série.

    Ward e Duncan utilizaram do conceito de podcast para inovar em sua série, criando uma grande forma de diálogo entre a obra e o espectador, trazendo temas fortes e de suma importância, seja como informação ou reflexões. Tudo idealizado com bastante cuidado, na composição da imagem e som, criando uma rica fonte de entretenimento e conhecimento para o público, que, coincidentemente lançada diante de uma crise enfrentada pela população mundial, causada por uma pandemia, fortalece o laço entre a obra e o espectador.

    Texto de autoria de Mattheus Henx.

  • Review | Stargirl (Episódio Piloto)

    Review | Stargirl (Episódio Piloto)

    Com produção executiva do autor de quadrinhos Geoff Johns, Stargirl é uma serie que tenta ser um hibrido entre o que fizeram no streaming Dc Universe e no Canal CW, -inclusive passando nos dois, em streaming e em tv – reunindo características típicas de ambas adaptações, tendo mais semelhanças com Doom Patrol e Monstro do Pantano do que com o que se vê no Arrowverse.

    No Brasil, a personagem era chamada também Sideral, herdando o nome de um heroi antigo – o Starman primário – esta versão, cujo alter ego é Courtney Whitmore foi introduzida por Johns em 1999, em homenagem a sua irmã, recém falecida, e por isso, há muito carinho do autor / produtor pela jovem heroína. A interprete dela na série é Brec Bassinger, que faz a moça já mais velha, uma vez que a sua primeira aparição ela ainda é uma criança.

    Os letreiros explicativos  posicionam o epílogo em uma aventura perigosa uma década atrás, nele se percebe referencias as revistas Era de Ouro, de James Robinson (roteirista que deu as primeiras oportunidades a Geoff Johns) e Paul Smith, e os seis primeiro minutos, que não dão qualquer mostra da protagonista e personagem-título, ambientam o espectador em uma outra época, tão escapista e fantasiosa quanto as aventuras dos Minutemen em Watchmen.

    Caso fosse lançado esse epílogo, de maneira solitária, certamente faria sucesso como um belíssimo curta da DC Comics. O escapismo clássico dos heróis retrata maravilhosamente os heróis da DC do passado, com um visual estonteante e um clima fantástico único. O espectador dificilmente não será pego aqui, deixando inclusive a incógnita do nível de investimento financeiro nesse piloto, pois até as cenas em CGI são bem feitas, diferente do que é comum em produções de TV, especialmente se comparar com Flash e Arrow.

    Esse período ainda permite um bom dueto, entre Joel McHale (o Starman) e Luke Wilson, que faz Pat Dugan, seu parceiro e ajudante, incluindo ai uma breve discussão sobre o legado dos heróis, repleta de ironias típicas do humor de McHale. Esses seis minutos estonteantes, dariam o tom a ser seguido dali para frente, ao menos, é o que se espera.

    Courtney é introduzida como uma menina que cresce sem a presença do pai, ela vai se mudar, porque sua mãe se casará com Pat,  ele alias é o arquétipo do bom moço encarnado, ele tenta quebrar o gelo com sua enteada, está quase sempre clamando por carência, tentando ser um mentor ou um pai postiço, ainda de certa forma emulando a sua própria tentativa de se igualar ao Starman, sempre tentando alcançar seu status de fonte de inspiração para o heroísmo.

    A trama envolvendo Courtney não consegue liberar tanta noção do que virá nos próximos episódios, o que se espera é que tenha alguma trama adolescente no colégio, dela lidando com o heroísmo e com a vida comum, o que não é necessariamente algo ruim. A problemática na verdade mora nos detalhes, pois parte dos rapazes que a importunam, são da linhagem do vilão Onda Mental.

    O que se viu até este capítulo é um potencial tremendo, seja na evolução da relação da protagonista com seu padrasto, ou o destino inevitável dela como pretensa heroína. Bassinger é carismática, e seu elenco de apoio também, não só Wilson, mas também Amy Smart, que faz Barbara, a sua mãe, claro que se espera que esses personagens tenham mais espaço ao longo, além é claro de mais aparições de personagens clássicos dos quadrinhos, como o Faixa e a velha guarda de heróis. Stargirl começa muito bem, bastante colorido, divertido, com doses de humor bem medidas, longe do exagero típico da Marvel e com uma identidade bem própria, além de um cuidado estético grandioso demais em comparação com seriados de tv.

  • Review | Too Old To Die Young – 1ª Temporada

    Review | Too Old To Die Young – 1ª Temporada

    Durante a produção de sua série, Nicolas Winding Refn disse que a TV está morta, criticando a falta de conteúdo, mas também a forma de consumo de mídia nos serviços de streaming, maratonar séries. Afirmando que as pessoas não conseguem consumir e absorver tanta informação rapidamente, em sua Too Old Die Young o público teria o seu devido respeito, com a liberdade de escolher por onde começar e até mesmo assistir de forma aleatória suas 13 horas, divididas em 10 episódios. Inclusive na montagem o diretor decidiu não seguir a duração padrão de uma série, com episódios de até uma hora e meia, finalizando com um corte de 30 mins. Inicialmente já é mostrado a conexão entre Martin (Miles Teller) e Jesus (Augusto Aguilera). Jesus atira no parceiro de Martin, Larry (Lance Gross), matando o policial e vingando a morte de sua mãe, Magdalena (Carlotta Montanari). Após isso a narrativa se desenvolve através da jornadas de Martin e Jesus, o detetive secretamente decide investigar o caso, adentrando no submundo, revelando ser tão perverso quanto aqueles quem caça, enquanto Jesus se reencontra com a família no México para preparar-se na função de restabelecer o império da mãe nos EUA.

    Ed Brubaker e Refn, juntos criadores e roteiristas da série, decidem revelar pouco do passado de seus protagonistas, trabalhando mais o desenvolvimento dos personagens através de arquétipos e passagens guiadas pelas cartas de tarot que nomeiam os episódios, todos dirigidos pelo realizador de Drive, que optou por uma narrativa lenta e arrastada, combinando com a quietude das cenas, com pouca movimentação e diálogos dos personagens, reforçando o uso da imagem como ferramenta narrativa, com enigmas guiados pela trilha sonora de Cliff Martinez. Por um lado acompanhamos a jornada de Martin, sua queda no submundo, exposto cada vez mais a situações perversas, colocando em xeque sua própria moral para julgamento do público, mas cria-se a real dúvida, o que de fato move esse personagem, que parece mais existir apenas como chave para ligação das subtramas que permeiam a série, do que individualmente. Como a problemática relação com Janey (Nell Tiger Free), uma menor de idade, relação que aparenta ser sustentada apenas no prazer carnal pois são raros os momentos de afeto entre o casal, afirmando a personalidade fria e obscura de Martin

    Por outro lado, a jornada de Jesus é mistificada pela presença de Yaritza (Cristina Rodlo), uma cartomante deixada pelo seu falecido tio, com a promessa de ser uma divindade encontrada para iluminar a família e o detentor do poder do cartel. Yaritza se revela cada vez mais importante na trama, chegando em alguns momentos evocar a presença de Magdalena em cena, através de memórias e projeções de Jesus, que nutre um profunda devoção por sua mãe, sendo colocado em diversos cenários cheios de quadros e memórias de sua Magdalena, sempre exaltando sua beleza, em alguns momentos, sugerindo uma relação incestuosa entre eles. Momentos esses que cada vez mais ganham importância na série, colocando o cartel em segundo plano, com algumas passagens de tempo percebidas nas falas dos personagens.

    Com personagens como Diana (Jena Malone) e Viggo (John Hawkes), que dão escopo a jornada de Martin, apresentando à ele uma oportunidade de se recompensar, atuando como um justiceiro, assassinando e caçando estupradores e pedófilos, trazendo também questionamentos morais para o personagem e discurso da série, Too Old apresenta um breve comentário sobre o fascismo, como raiz de todos esses problemas, reforçado pelo monólogo de Diana. Martin também é exposto ao julgamento com o personagem Theo (William Baldwin), pai de sua namorada, aqui acontece um dos momentos mais interessantes da série onde é mostrada uma pequena reprodução do primeiro episódio, funcionando como uma sátira, ridicularizando o detetive e pondo em jogo sua abordagem diante o ocorrido.

    Refn já sem interesse de trabalhar em uma segunda temporada tinha plena consciência do produto em mãos, faltou inspiração para preencher tantas horas de planos que apesar de belos, nada acrescentam para a trama, que por outro lado se mostrou vazia e rasa, sustentada no enigma dos personagens, não fazendo jus aos seus discursos, na verdade, nos faz questionar qual seu papel na colaboração para esses serviços de streaming, já que em sua oportunidade criou um grande exercício de sua própria carreira, mantendo seus acertos e excessos, causando total indiferença no espectador.

    Texto de autoria de Mattheus Henx.

    https://www.youtube.com/watch?v=im2hWV3ZJjI

  • Review | Barry – 1ª Temporada

    Review | Barry – 1ª Temporada

    Barry Berkman, é um matador de aluguel na série homônima da HBO, criada por Bill Hader (que interpreta Barry) e Alec Berg, e durante os oito episódios da primeira temporada, iniciada em 2018, Barry se fundamenta no carisma de Hader e numa historia louca de reinvenção de um sujeito de moral baixa.

    O personagem principal passa por um período de tristeza emocional, claramente deprimido, e mesmo com essa parte dramática e séria, é engraçado ver ele transitando sem animo por cenários com pessoas mortas em volta, cujo sangue provindo de perfuração por bala ainda escorre. Junto a isso, há um tédio de ter que ouvir instruções sobre toda sorte de crime, provando que nem no crime a rotina é igualmente maçante. Em meio a miséria existencial, ele encontra um grupo de teatro, e acaba se afeiçoando pela bela Sally Reed (Sarah Goldberg), uma aspirante a atriz e pelo instrutor, Gene Cousineau (Henry Winkler), um diretor muito talentoso, mas também passivo agressivo.

    Barry assume um novo nome, Barry Block, e essa faceta é diferente da que trata de assassinatos e contravenções. Block é calado, resiliente, tem dificuldades de expressar emoções e é passivo, enquanto o Berkman, que lida com seu contratante Monroe Fuches (Stephen Root) e com o chefão do crime checheno  NoHo Hank (Anthony Carrigan). Ver esses dois personagens em um só acaba por ser um comentário metalinguístico mais forte até que o fato da série retratar a busca de atores iniciantes pelo sucesso no mesmo de um seriado recém estreado.

    A mudança brusca de carreira é mostrada de uma forma inteligente e gradativa, não há pressa em mostrar a crise existencial do sujeito que sai (ou tenta sair, reprisando parte dos problemas de O Poderoso Chefão Parte III, da inevitabilidade do destino sangrento) do matadouro humano para os palcos, e além de ter que lidar com seus próprios demônios, com o passado como soldado matador do Afeganistão, com a dúvida sobre seus dotes, se tem talento para dramaturgia.

    Toda a questão sobre seu passado como soldado faz lembrar o ideal presente em Justiceiro – 1ª Temporada e Justiceiro – 2 ª Temporada, quase como um What If do personagem, com a inversão moral, tirando o vigilante implacável para um assassino a sangue frio e contratável. O uso do sobrenome Block não serve só para convencer os pretensos artistas, mas também para mostrar uma nova face sua, embora até o convencimento que ele faz com um dos personagens, seja o de contar a verdade sobre sua própria vida, Cousineau o considera criativo mesmo sem uma atuação que transpirasse verdade. Isso calha numa dificuldade de entender como funciona o procedimento teatral, como digerir o monte de emoções que os homens tem e como traduzir isso na dramaturgia propriamente.

    O programa se baseia muito num humor “desmotivacional”, anti Coach, e nesse ponto, Alec Berg e o próprio Hader acertam muito em seus roteiros. Há um humor que tem um pouco de semelhanças com Silicon Valley, também criada por Alec Berg, embora aqui seja bem mais visceral.

    As partes que mostram fantasias de um futuro adocicado para o protagonista são grotescas, revelam o quão carente era o personagem, contendo semelhanças com uma outra serie humorística, My Name is Earl, especificamente na terceira temporada. Essa condição contrasta com o arrependimento dele em ter um oficio tão violento. Ambas condições o colocam numa posição de possível incel, de descarregar suas más emoções de maneira errática, enquanto não consegue ter qualquer relação, saudável ou não.

    O humor da série não é nada fino, se  baseia no constrangimento e em situações pitorescas, Barry se vê encurralado o tempo inteiro, e eventos simples como os dissabores de um pretenso artista são elevados a enésima potencia, com a diferença que um artista frustrado normalmente é só genioso, e aqui é um sabido sociopata que age de maneira passivo agressiva quando sofre pressão. Os momentos finais, em que ele ajuda Dutches beiram o sensacionalismo de tão grandioso que tudo soa, mas é incrivelmente bem apresentado, e unido a isso, ainda há um número apoteótico, semelhante a um ato teatral, que brinca com o idilico e super doce das fantasias antigas do personagem, encontrando o visceral do seu dia a dia, claro, com um belo gancho, que inclusive dribla os oportunismos e conversa bem com o tom dramático das peças shakesperianas.

    https://www.youtube.com/watch?v=M6TZdk1t8Zo