O ambiente de um lar de classe média pode ser hostil, especialmente após perdas de peças chave da estrutura familiar. Ausência, do cineasta Chico Teixeira, trata dessas questões e de tantas outras, ligadas à pressa do crescimento de um jovem rapaz que depois de tempos de crise se vê como a figura masculina máxima de sua casa.
Serginho, interpretado por Matheus Fagundes, é um menino que aos catorze anos carrega um conjunto de responsabilidades incomuns a um rapaz de sua idade. O cuidado que tem com seu irmão mais moço é por si só uma demonstração da quantidade de afazeres que lhe são cobrados. Sua rotina envolve o trabalho como feirante ao lado de parentes que lhe são bastante distantes, como quase todos os adultos mostrados em tela, exceção feita ao professor Ney, vivido por Irandhir Santos, sendo este a única figura de afeição do rapaz no âmbito dos adultos.
O exemplo de como não se viver através do exemplo dentro de casa está na personagem Luzia (Gilda Nomacce), que, ao invés de agir como figura materna, explora a paciência e salário do rapaz, travando com o garoto uma relação grotesca, interesseira e moralmente invertida. Os abusos emocionais a que Serginho é submetido o fazem confundir seus sentimentos e figuras de autoridade, e o modo como Teixeira conduz tudo é muito tocante, atual e assolador.
A instabilidade mental típica de um menino com pouca idade piora demais ao não possuir qualquer base para a formação, tanto de caráter quanto de ideário, a começar pela completa ausência dessas figuras familiares, passando também a outros possíveis mentores. Serginho só tem a si para recorrer: mesmo os adultos em quem ele confiava não lhe entregam tudo o que deseja, sobrando em seu coração uma carência tão grande que o faz agir de modo impensado e ingênuo.
O modo como todo o conto é estabelecido abarca sentimentos comuns a qualquer ente vivo, gerando empatia e tristeza no espectador, talvez sem verificar em si mesmo se as atitudes não são iguais e tão intempestivas quanto a dos agressores de Serginho. A realidade vista em Ausência é presente na rotina de muitos garotos, especialmente dos anos 1990 em diante, quando o divórcio deixou de ser um tabu. O abandono emocional se mostra ainda mais intenso e universal do que a já flagrante deserção factual, fazendo do filme um infeliz retrato da realidade egoísta de nossos tempos, mostrando uma visão que evoca muita parcialidade naturalizada.