Divinas Divas segue uma estilização mais pessoal e íntima do que o convencional, e busca ser tão transgressor quanto as suas biografadas, ainda que seu clima de louvor não tenho o mesmo caráter de discussão e interferência na ordem como foi o caso das oito divas drag queens retratadas no longa. Após uma longa luta dos diretores para finalmente conseguir exibição do filme, o resultado é um produto singelo, sentimental, explicativo ao seu modo sem ser explicito, mas ainda uma ótima introdução a quem não compreende absolutamente nada sobre este universo.
A atriz Leandra Leal conduz o filme, uma vez que a questão de registrar uma biografia já na idade a avançada de Rogéria, Jane Di Castro, Divina Valéria, Camille K, Eloína dos Leopardos, Fujika de Halliday, Marquesa e Brigitte de Búzios era uma opção pessoal, já que era no Teatro Rival do seu avô Américo Leal que ocorriam os shows das mulheres que buscavam seu espaço. É curioso notar que existe um padrão de vida entre elas, tendo algumas delas nascido em bairros suburbanos, como Piedade, Oswaldo Cruz e Madureira, bem distantes dos cartões postais da cidade do Rio de Janeiro, o que faz se tornar ainda mais curiosa a ascensão dessas ao patamar de estrelas, uma vez que viver na periferia torna proibitivo uma serie de atividades na Cidade Maravilhosa, por causa da distância e agravada pelo transporte precário nos anos sessenta e setenta.
Em comum entre elas, havia o desejo quase que originário de se tornar mulher. A identidade civil masculina é desconstruída em uma bela montagem introdutória, que justapõe as fotos como meninos ainda, na juventude, cortando para suas identidades como vedetes. Ao contrário do que qualquer pré-julgamento via intuição pode supor, os detalhes em relação a aceitação da família de cada uma é bem diferente, bem como o passado financeiro de todas, mostrando personagens tanto de origem humilde e trágica, assim como retrata figuras como Rogéria, que teve uma vida abastada e jamais foi rejeitada por qualquer membro de sua família.
Leal escolheu para seu filme o mesmo formato de Diário de Uma Busca, de Flávia Castro, onde a aproximação de realizador com biografado é enorme e a interferência dele é muito grande. Neste estilo o cineasta acaba fazendo parte da trama principal, invadindo o espaço do filme. Filmes como esses se notabilizaram por contar histórias da Ditadura Militar, como Marighella e Os Dias Com Ele, entre outros, como Dzi Croquettes, que tem inclusive uma temática parecida. A despeito de qualquer comparação esdrúxula, cada uma dessas histórias tem seus próprios detalhes, emoções e intimidades, e as personagens de praticamente todos esses filmes merecem uma análise mais detalhada sobre suas histórias e carreiras, haja visto a construção da identidade nacional que todos esses ajudaram a formar.
O show que seria o revival das já sexagenárias artistas é muito bem acompanhada pela câmera comandada por Leal, e o registro engloba múltiplas mensagens, desde a desconstrução do conservadorismo da época, que pregava a proibição do amor dessas pessoas, até a terrível aceitação de muitos preconceitos, por medo de violência corriqueira e da repressão da Ditadura Militar. Uma das entrevistadas fala que não se pode ser contra a sociedade, se não elas viram animais em extinção, e a sensação é exatamente essa, de que as oito foram mulheres que gozaram de privilégios que a maioria da sua classe não teve. A mostra desses fatores faz da experiência em Divinas Divas algo transcendental e tocante, além de um registro necessário e reverencial.
https://vimeo.com/77186623