O plano-sequência consiste em um único take para se filmar uma sequência inteira, sem cortes. É uma técnica cinematográfica que cada vez mais gera polêmica, ainda mais que recentemente tomou a atenção do público devido às campanhas promocionais para filmes que a utilizam. O caso mais famoso seria Birdman (ou A Inesperada Virtude da Ignorância), mesmo não sendo um único long take (termo inglês), é um filme que, por se promover a partir da ilusão de que o havia, foi visto como “vazio” por muitos. Como se a ferramenta não fosse ligada ao significado e não ressoasse com a mensagem. Outros cineastas utilizam-se dela para testar os limites do cinema; limites da fotografia e sua ordem visual.
Entretanto, se por um lado muitos encontram no plano-sequência visceralidade e imersão, outros o enxergam como uma forma do diretor exaltar o próprio ego. Uma difícil tarefa cujo único objetivo é fazer por fazer, fazer para se mostrar capaz. Tal argumento indica falta de flexibilidade para com outras técnicas por parte do argumentador. Uma posição natural para aqueles que enxergam o cinema como algo formulaico, os “puristas”. Outras técnicas já foram, também, vistas como passageiras ou desnecessárias. O fato é que o long take é como qualquer outro artifício da sétima arte. Como a cor, como o slow-motion, como o som, como “montagens”; lista que segue. Ainda há muito a ser explorado, especialmente por diretores que desejam o avanço da arte. E fazer por desejo de revolução não desmerece o trabalho. Qualquer tentativa inovadora demanda conhecimento e capacidade por parte de quem o faça e, supondo ineficácia, irá se delatar na própria execução.
Victoria não é um filme, não é sobre um assalto a banco, Victoria É um assalto a banco. (Sebastian Schipper, inspirado no que Francis Ford Coppola disse sobre Apocalypse Now).
Dirigido por Sebastian Schipper, a produção surgiu com intenções de tentar algo novo, arriscar com a forma. Sua narrativa se realiza com uma simples premissa: é sobre um assalto a banco. Não há um roteiro tradicional. Há somente uma história base que demanda dos atores flexibilidade e naturalidade. Entendimento das motivações de seus personagens e situações. Uma execução de mais de duas horas que produziu um longo período de ensaio. O que fez muitos rotularem o filme como teatro, mas esses argumentos se demonstram fracos diante da fotografia de Sturla Brandth Grøvlen que foi, por acaso, creditado em primeiro nos créditos devido a seu esforço e eficiência.
O filme segue, durante pouco mais de duas horas, Victoria (Laia Costa) que se encontra, logo na primeira cena, dançando em um clube subterrâneo. A utilização das luzes e fumaça já é suficiente para introduzir o público ao estilo de filmagem e abordagem natural e livre da personagem. Na saída ela se encontra com um grupo de amigos que são Sonne (Frederick Lau), Boxer (Franz Rogowski), Blinker (Burak Yigit) e Fuß (Max Mauff). Ela, estrangeira, anda pela rua com eles e logo se entrosam. Há uma boa química presente entre eles e o próprio diretor de fotografia. Sabem quando falar, como falar; casualidade aconchegante e fluida.
O que se percebe é cálculo, planejamento. Ainda que apresente deslizes em relação à constante câmera na mão, já que alguns momentos não chegam a sua máxima eficiência devido a isso, não há como negar a precisão. Os momentos em que a música sobe com sua leveza ressoante da personagem principal. As cordas e o piano. Quando os personagens se mostram, mais do que qualquer outro momento, como se não fossem observados. E como esses momentos fazem falta na segunda metade do filme, após o estabelecimento dos personagens e a entrada da problemática do banco.
Victoria faz do plano-sequência algo primordial para sua qualidade. É algo intrínseco a existência da obra. Faz de tal maneira que não se é possível imaginar o filme de outra forma. Com atores moldados, também, ao formato. E a boa administração entre momentos de movimentação e quietude. Imerge o público de forma a fazê-lo ansiar por mais minutos daquela câmera. A câmera que nunca desliga e nunca desiste de capturar. Até que acaba. E só resta a saudade.
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Texto de autoria de Leonardo Amaral.