Desde sempre, a cultura e a arte tem ligação íntima com a política, e não é incomum que os produtores de audiovisual tomem partido quando o contexto histórico assim pede. O combate ao totalitarismo alheio é bem comum em especial em épocas de conflitos e basta dar uma olhada nos quadrinhos para perceber o enorme esforço de guerra que era empregado nos anos quarenta pelos heróis populares. Batman e Robin, Superman e Mulher-Maravilha estampavam capas nos anos 40 com tanques e armamentos de guerra. Na Marvel/Timeless não era diferente, pois a capa mais clássica do herói símbolo Capitão América era justamente dele desferindo um soco no rosto de Adolf Hitler.
Nesse contexto, Walt Disney também teve uma contribuição. Sua carreira controversa por outros tantos motivos – entre eles a falta de crédito aos diretores, como é o caso da maioria desses – ganhou também esse capítulo, onde ele utilizou os seus estúdios e animações no mesmo esforço, produzindo obras em curta-metragem, com temáticas diferenciadas entre si, mas que tinham como norte o combate à tirania de Hitler e o chamado eixo do mal.
Um tempo atrás, analisamos Aprendizado Para a Morte (ou Education For Death), que mostra a construção do ideal nazista e a doutrinação que ocorria entre crianças, com o estado nazista afetando o destino da infância desde o nascimento, proibindo certos nomes (os que se associam a judeus) além de estimular que as famílias cresçam para que haja gente que ocupe as fileiras de alistados.
Outro filme que Walt Disney encomendou com seus produtores foi A Face do Fuhrer (ou no original Der Fuehrer Face), protagonizado pelo Pato Donald e lançado em 1943, vencedor do Óscar de Melhor Curta de Animação. Seu começo é musical, e mostra um trio de soldados opositores cantando, cada com um jeito bem peculiar, no idioma inglês, mas com forte sotaque alemão e japonês. Na música, falam sobre a nova ordem mundial de Hitler, e de como eles são como super homens.
Logo, o hino acorda o pato, que assim que desperta, passa a fazer a saudação nazista a retratos na parede, de Adolf Hitler, Benito Mussolini e ao imperador japonês. Pelo céu e por toda a casa de Donald se percebem desenhos dos símbolo da suástica, tão abundantes em tela que passam a ideia de que os seguidores desse pensamento e modo de governo eram vítimas de lavagem cerebral. Quando não está comendo, ou fazendo suas necessidades, o pato lê Mein Kampf, como forma de ocupar seu tempo.
O trabalho dele é repetitivo, ele verifica se as munições, entre balas, granadas e demais projéteis, mas a quantidade é tão grande e a indústria da guerra exige tanto dele que acaba entrando em colapso, vítima de um ataque nervoso, por não conseguir suprir a demanda. O filme de Jack Kinney por mais que termine de maneira propagandista, existe um aprofundamento interessante da condição do proletariado, que é a parcela do povo que mais sofre em períodos de guerra.
The Thrifty Pig, de 1941, um conto dos três porquinhos com algumas pequenas alterações na roupa do Lobo Mau, que usa faixa com a suástica além de um quepe com o mesmo símbolo. Mas não há muita diferença entre essa a história principal, exceto por uma bandeira da Grã Bretanha na casa dos tijolos. Ao final dele há uma propaganda nada velada, que evocava a vitória dos ingleses. Curiosamente o filme foi lançado em novembro, no mês anterior ao ataque a Pearl Harbor. Parecido com este é The New Spirit, de 1942, menos elaborado aos outros citados anteriormente, e ligeiramente melhor que o anterior. Ele começa com uma canção original sobre o espírito yankee. Tem um caráter de propaganda fortíssimo, pedindo investimento na indústria armamentista.
Há um outro curta, Reason and Emotion, narrado de maneira tão quadrada que faz lembrar até um documentário. Na trama, Razão e Emoção brigam no cérebro das pessoas para tomar o controle, de certa forma, como foi visto na premissa de Divertida Mente, da Pixar. Na metade final do curta, é mostrado uma ideia de como Hitler dominou corações e mentes alemãs, a Razão é diminuída através das falácias de Adolf e a Emoção, e a forma como o Fuhrer propaga suas inverdades ludibria facilmente a parte emocional. Apesar de didático, o filme de Bill Roberts consegue transmitir bem a ideia de lavagem cerebral que ocorria no III Reich.
Private Pluto é protagonizado pelo cachorro de Mickey Mouse, que marcha de maneira quadrúpede e com um capacete de soldado, seguindo ordens de um comandante estrangeiro, aparentemente alemão. De 1943, dirigido por Clyde Geronimi, a história mostra o cão se envolvendo em uma intriga com dois pequenos esquilos, que seriam os famosos personagens Tico e Teco, os dois acabariam sendo coadjuvantes em muitos desenhos do Pato Donald e depois teriam até uma animação famosa nos anos 90. Para efeitos da Guerra, fora o sucateamento do equipamento que os bichinhos fazem, não há muito a acrescentar, exceto que seu diretor Geronimi ganharia notoriedade anos mais tarde pela direção, seria ele o diretor dos clássicos animados Cinderela, A Bela Adormecida, Alice no País das Maravilhas, As Aventuras de Peter Pan, A Dama e o Vagabundo, além de nos anos sessenta ter feito dezenas de episódios nos desenhos desanimados do Namor, Hulk e no Homem Aranha.
Voltando ao Pato Donald, Commando Duck lançado em 1944 mostra o protagonista como um soldado americano, que desce de paraquedas em um campo de batalha genérico, mas que está tomado de caricaturas de soldados japoneses. A animação é engraçada e repleta das piadas de humor físico típicas do personagem, com os exageros que mostram um bote militar se enchendo d’água e ficando tão grande quanto o espaço físico de um cânion, mas tão frágil quanto uma bexiga.
Outra situação cômica estranha é o fato de brincar-se demais com armas e munições, onde se tira boa parte do peso. Jack King conduz uma história bem engraçada, tal qual faz também em Fall Out Fall In, um ano antes, que é levemente menos inspirado que os outros citados. Nele, Donald é um alistado que enfrenta a chuva, lama e outros percalços comuns aos soldados rasos. Ao esforço de guerra, serve para valorizar a bravura e a estafa que os alistados tinham, e veladamente, uma reflexão sobre quão fútil poderia ser o serviço de alistamento militar.
King ainda faria The Old Army Game, que começa com Bafo de Onça de vigia do exército, verificando o sono dos soldados, até perceber que um deles pôs um boneco em seu lugar na cama. Depois, ficam os dois brincando entre si, com Bafo se sentindo mal por fazer troça com o pato. Para terminar, há Sky Trooper, mais antigo dos filmes, de 1942. Como o nome diz, é focado em uma instalação aeronáutica. Donald é um recruta responsável por descascar batatas, mas seu desejo real é voar. Ele lida com um oficial superior vivido pelo Bafo de Onça, que o engana, fingindo que ele irá voar nas aeronaves como os pilotos, mas ele é posto com os paraquedistas sem o mínimo de treinamento para tal. Esse é mais um vídeo de bastidores, feito para entreter o público e para tornar mais leve o dia a dia das tropas americanas, com uma temática divertida e escapista, diferente dos horrores da guerra que os jovens soldados viviam. Se por um lado, seu caráter é desimportante, por outro não há a arrogância propagandista típica de Disney como houve com A Face do Fuhrer. É curioso apreciar hoje em dia o esforço cultural contra o avanço de Hitler e do nazifascismo, e serve a história por ser registros de uma época diferente.