Alguns títulos enganam o leitor. E, dentre estes, há os que conseguem fazê-lo positivamente. O conto, por pouco revelar de sua essência no nome que adota, parece ser o gênero literário que executa essa façanha de forma mais recorrente; se ao término de A Queda da Casa de Usher, de Edgar Allan Poe, o leitor se questiona se a queda em questão deve ser entendida no sentido literal ou no figurado. Ou se é invadido por um mal-estar inexprimível ao acabar de ler algo de nome tão singelo como Feliz Ano Novo, de Rubem Fonseca, o título decerto o iludiu. É mais raro, porém, diversas narrativas longas também podem obter esse êxito – peguemos, por exemplo, o autoproclamado romance de não ficção A Sangue Frio, de Truman Capote, no qual um crime hediondo é esmiunçado como nunca antes fora, mostrando-nos que o ato não foi cometido a sangue frio, e sim em meio a um turbilhão de emoções e conflitos, de modo a contradizer o próprio título. Enganar o leitor, entregando-o o inesperado, não é necessariamente algo negativo. Mas traí-lo, deixando de entregar o prometido, é. E traição dessa espécie, iniciada já no título, é tudo o que aguarda o leitor em Carlos Magno, de Allan Massie.
Precedido por César e Rei Arthur, esse volume da Ediouro fecha a trilogia de ficção histórica do autor britânico, em que um pretenso tutor, de nome Michael Scott, narra para o futuro rei Frederico II a trajetória de grandes líderes do passado. Seria possível dizer que o tal Scott, através do qual Massie fala diretamente ao leitor, não passa de um incompetente, uma vez que, após vencer o primeiro terço do livro – este, sim, centrado no lendário imperador –, o leitor descobre que Carlos não é protagonista da narrativa, ao menos não sozinho, e que seu sobrinho Rolando logo rouba as páginas e permanece como figura central até o final da história. Mas isso seria uma injustiça, pois o escritor pretendia, de fato, desenvolver essa ambiguidade, tanto que o título original da obra é Charlemagne and Roland. Ao alterar o título, excluindo dele uma figura-chave, a edição nacional, que ousa ainda utilizar o subtítulo A Vida do Imperador do Sacro Império Romano, presta um verdadeiro desserviço.
Isto posto, não há nada no romance de Massie que possa salvá-lo da mediocridade, independente do título pelo qual atenta. Seja por sua narrativa vacilante que, muito embora busque retratar a História, se perde em acontecimentos fantasiosos (vide a visita de um anjo ou um remédio mágico feito à base de cérebro em um local tenebroso), seja em razão das intermináveis observações realizadas pelo narrador, que, no infrutífero esforço de emular com precisão a transmissão oral do conhecimento, se perde em “divagações”, como ele mesmo denomina, Carlos Magno, a despeito de suas 255 páginas, cansa, e muito.
Com personagens mal estruturados, amarrados quase sempre a apenas uma ou duas características que os difiram, ou melhor, que os estereotipem, a trama segue de evento em evento, de batalha em batalha – estas, rápidas e minimamente empolgantes, talvez sejam o ponto alto da obra –, deixando para trás a sensação de vazio. Mas, apesar de enfadonho, não é um livro que demande tempo. Com escrita simples, que fica no incômodo meio-termo entre coloquial e algo mais rebuscado, o volume pode ser concluído em duas ou três tardes pouco atarefadas. Esse é também, aproximadamente, o tempo que seu desinteressante conteúdo demora a ser esquecido.
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Texto de autoria de Alexandre “Noots” Oliveira.
Bem, parece que “Carlos Magno” não é muito diferente de “Rei Artur”, único volume da trilogia que cheguei a ler, então acho que vou dedicar o tempo de leitura a outras obras. Cheguei a comentar “Rei Artur” no meu blog – visitas e comentários são bem-vindos. Abraços e obrigado!