Hilda Hilst é um nome relevante, embora pouco lido da literatura brasileira. Autora de peças, romances e poemas a escritora é muito estudada na academia, especialmente em cursos de pós-graduação, mas, ausente dos currículos escolares, acaba também fora do repertório de maior parte da população. Formada em direito, Hilst publicou seu primeiro livro de poemas aos 20 anos, filha da família Almeida Prado, largou a vida na alta-sociedade para se isolar em uma fazenda nos arredores de Campinas, onde viveu rodeada de cachorros até sua morte.
Contraditória na personalidade e na literatura Hilda escreveu pornografia intelectual e poemas místicos, foi sempre louvada pelos críticos e nunca muito lida e é essa figura controversa que a coletânea de entrevistas busca explorar. Cristiano Diniz organizou em ordem cronológica entrevistas feitas entre 1952 e 2002, cobrindo a carreira e a vida da escritora.
A ordem cronológica é uma escolha que funciona: vemos Hilst crescer através das conversas e sua obra se multiplicar, mas, ironicamente, a jovem Hilda é mais interessante que a mulher madura. No início do livro, a autora ainda está envolvida com a poesia, a primeira entrevista é da época da publicação de seu segundo livro, e um tanto fascinada com o mundo literário. Inteligente e bem humorada, Hilst solta pérolas como “Eu falo tão claro. Eu falo até sobre a bunda” ao que um colega escritor respondeu à jovem autora “mas tua bunda é terrivelmente intelectual, Hilda!”
O inconformismo de Hilst com sua falta de público é provavelmente o tema mais repetido nas entrevistas: sem qualquer modéstia, a escritora se espanta que seus escritos, segundo ela, tão lindos não sejam lidos por ninguém. Hilda fala sobre seu hermetismo e fama de “escritora para doutores” e a dor que isso lhe causa, não é questão de dinheiro, afirma, mas de comunicar. Ela confessa ainda que a trilogia erótica veio justamente daí, um esforço de ser popular, mas que acabou frustrado já que até sua pornografia é densa e controversa.
A poeta fala ainda de sua relação com o misticismo e a espiritualidade: na década de 60, Hilda fez experimentos com um rádio que supostamente captaria espíritos, aos moldes das investigações de um filósofo suíço. Mais tarde, ela se volta novamente para o Deus cristão, aproximando-se até das místicas medievais ao falar de uma religiosidade do corpo, da carne e dos sentidos, “meu negócio é com Deus”, afirma a autora mais de uma vez.
No entanto, conforme o livro caminha, as entrevistas vão se tornando repetitivas, quanto a Hilst, fica mais velha ranzinza e desagradável. Ela repete com cada vez mais frequência que não é lida, enquanto exalta cada vez mais a excelência da própria escrita. É interessante ver a mudança da personagem, mas há uma repetição excessiva, as últimas entrevistas parecendo versões levemente alteradas da mesma coisa.
Ainda assim, Fico Besta Quando Me Entendem é uma ótima introdução ao universo da escritora: provoca interesse em suas obras e descortina uma personalidade que, pela maior parte da vida, foi fascinante. Eu quase tive vontade de ser amiga da jovem Hilda, aberta, escrachada, tremendamente honesta e disposta a ir atrás de Marlon Brando em um quarto de hotel em Mônaco e, tendo lido apenas alguns poemas da escritora, adicionei à lista de leituras Presságio e A Obscena Senhora D.
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Texto de autoria de Isadora Sinay.
A Hilda é sensacional. Fico feliz com a Globo Livros pelo tratamento que deram a obra dela e que ainda continua gerando bons livros.
Li ela pela primeira vez pro curso de Letras e foi a partir disso que fiz outras leituras. O famoso Jubilo, Memória, Noviciado da Paixão tem meu poema preferido dela: Dez Chamamentos ao Amigo. Se ainda não leu, de uma lida, ainda hoje quando leio acho incrível.