Para o biógrafo, que conhecia bastante a identidade do objeto de análise, o divisor de águas para a carreira do ator Michael J. Fox foi a aposentadoria forçada da série Spin City graças à condição da Doença de Parkinson. É curioso como mesmo o texto sendo escrito em primeira pessoa, Michael consegue pontuar a sua própria história de um ponto de vista meio isento, como um observador distante que analisa o que houve com a trajetória do carismático protagonista de De Volta Para o Futuro. Consequentemente, seu engajamento no ativismo pró-pesquisas da doença é um fato notório que o auxiliou a lidar com ela. De título original Always Look Up, é o segundo livro do autor, que estreou com Lucky Man, ainda inédito no Brasil, discursando sobre os primeiros anos da doença.
Tecnicamente, os únicos momentos em que o corpo de J. Fox descansa é quando ele está em absoluto repouso, ou seja, dormindo. Assim que ele acorda, seus neurônios dão o sinal ao resto do corpo para que se mexa indiscriminadamente. Até movimentos simples, como escovar os dentes, são verdadeiras odisseias, haja vista a dificuldade em manter a coordenação motora funcionando de forma minimamente aceitável. O título do primeiro rascunho seria How To Lose Your Brain Without Losing Your Mind, algo como “Como perder seu cérebro sem perder a sua mente”, mas o momento astral ao final da escrita faz com que Michael opte pela trocadilho referindo-se a sua estatura de 1,65m e a sua condição de um otimista voraz.
O primeiro capítulo reintroduz o leitor a partir do fim de Lucky Man, explicando que mesmo após uma cirurgia cerebral, ele permanece com problemas com a movimentação do lado direito do corpo, especialmente nas pernas. Sua previsão de não gravar uma quinta temporada de Spin City aumentava o senso de urgência, podendo comprometer as gravações dos 13 episódios da derradeira seção. A dificuldade maior era interpretar uma pessoa que não tinha Parkinson, paralelamente à função de produtor do seriado, e claro, lutar contra os primeiros estágios da doença, e sem previsão de melhora – que efetivamente se cumpriu. A doença não seria algo mais ameno tampouco temporário, mas cada vez mais atroz e presente em sua rotina. Ser ator era a única profissão que ele sabia exercer, nem o colegial ele conseguira terminar, quanto mais graduações maiores. A despedida de Spin City foi carregada de emoção e, após o fim, as esperanças do ex-astro diminuíram a praticamente zero.
A descoberta da doença foi em 1991, mas somente em 1998 ele teve segurança para revelar a público sua condição. A coragem de assumi-la doeria muito em si, mas a sensação de solidão é rapidamente substituída por uma emoção de solidariedade mútua com toda a comunidade de americanos com tal síndrome.
As experiências são narradas por passagens curtas, de eventos importantes com pessoas famosas a cenas da sua rotina, descobrindo sua doença e os modos de viver com ela. A parte 2 faz o ar de autoajuda aumentar bastante, a partir do título Política, que acompanha citações de Christopher Reeve e de outros artistas, preconizando mensagens de não-desistência. A cruzada de Fox em posição favorável aos testes com células tronco ganha cada vez mais tempo e prestígio, especialmente após o falecimento de Chris Reeve. Seu posicionamento sofreu muita resistência por parte do governo de W. Bush, suas ações variavam entre ser o advogado da causa e continuar trabalhando esporadicamente como ator, principalmente na série Justiça Sem Limites (Boston Legal).
Sobre a sensação de comiseração em relação à deficiência, J. Fox usa as palavras do ator de CSI duplamente amputado Robert David Hall: “Antigamente, se você tivesse alguma deficiência e fizesse TV, sempre era tocada uma música de piano ao fundo”, entretanto os tempos e a postura da opinião pública aos poucos mudavam.
O capítulo sobre Religião não é tão interessante ou efervescente quanto os outros, principalmente pela questão de ele não ser tão contestador ou crítico em relação aos conjuntos de crenças, ainda que ele guarde algumas palavras que indagam os meandros do protestantismo. Ele não ignora as questões fundamentais, mas toma todo o cuidado de não parecer presunçoso, até porque o objetivo de Fox era demonstrar a fé por dias melhores que carregava.
As palavras de Michael sobre seu casamento são extensas e ele logo faz questão de frisar que, após os oito anos do lançamento do primeiro livro, sua vida e a de sua esposa só melhoraram. Seus laços se fortaleceram e eles estavam mais unidos do que nunca. Nas palavras do próprio: “este foi um tempo de iluminação e aprendizado, que nós (o casal) levou a um incrível enriquecimento”. A união entre os dois ajudou a abrandar os problemas que vieram graças à doença. O show de frases-feitas continua: para o autor, o segredo de um bom casamento é “manter as brigas honestas e o sexo sacana”.
Após a aposentadoria de Spin City e da parada momentânea da carreira de ator, MJF se vê ocupadíssimo com a sua fundação e com os afazeres de ativista político, ligado a uma causa das mais nobres. Sua trajetória é pontuada pela gratidão, especialmente por sua esposa Tracy, que, além de ser sua companheira, é também seu alicerce e a segurança que o faz ficar firme. Agradece também à Hyperion pela publicação de seu livro e aos cientistas que o ajudam a tocar a Fundação Michael J. Fox de pesquisas sobre a Doença de Parkinson.
A trajetória de Michael prossegue em um outro livro, Coisas Engraçadas Aconteceram no Caminho Para o Futuro, assim como seu retorno à carreira de ator com a comédia The Michael J. Fox Show, em que interpreta a si mesmo fazendo troça de seus problemas cotidianos. O ator opta por enaltecer sua condição de saúde, usando seu “problema” como fonte de humor e ajudando a inspirar as pessoas que dão ouvidos às suas palavras.