Não tenho o costume de ler contos. O formato breve poucas vezes é capaz de nos envolver quando tem personagens e narrativas medianas, e quando é tão bom pra nos conquistar já nas primeiras linhas deixa uma sensação de frustração por tê-los por tão pouco tempo. Apesar dessa minha resistência, fui atraída por Universo Desconstruído, que traz logo na capa sua intenção, denominando-se ficção científica feminista.
A ficção científica sempre teve essa vocação para discutir o social, e, quando a temática se propõe a isso abertamente, que se apresentam as obras mais relevantes. Com seus universos paralelos, tecnologia diferenciada e sociedades estranhas a nós, a boa ficção científica nos faz refletir sobre o nosso mundo e nossa sociedade. O impacto das conquistas científicas e suas implicações sociais fascinam porque é uma constante da existência humana.
No entanto esse gênero tão fascinante tem deixado a desejar quanto a representação feminina. Muitas mulheres na ficção científica são meramente utilizadas para desenvolver os protagonistas masculinos, inclusive na obra de autores aclamados. Nesse contexto, a iniciativa de Universo Desconstruído é um deleite, não só apresentando mulheres muito bem construídas e com protagonismo em suas histórias, mas também discutindo questões sociais relativas à identidade feminina. Outro mérito da coletânea é conseguir fazer isso sem parecer demasiado “panfletário”: nenhuma discussão proposta parece estranha ao contexto, nenhum discurso forçosamente doutrinário.
Enfim, Universo Desconstruído não só me fez fazer as pazes com os contos e a ficção científica como me apresentou uma série de escritores brasileiros que eu não conhecia, e em quem passarei a prestar mais atenção de agora em diante. Oferece uma leitura consistente com sua proposta e capaz de agradar até mesmo a quem não tem envolvimento com o feminismo.
O livro está disponível no site oficial do livro, em versões para Kindle, Kobo e em PDF de forma gratuita.
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Mariana Guarilha é devota de George R. R. Martin, assiste a séries e filmes de maneira ininterrupta e vive entre o subconsciente e o real.