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  • Crítica | Beleza Americana

    Crítica | Beleza Americana

    O filme de Sam Mendes, lançado em 1999, abre com um vídeo caseiro. Nele, dois personagens conversam, com um deles focado pela câmera. Um conteúdo dedicado às agruras dos adolescentes dos anos noventa e com a inconformidade do sujeito ordinário. Logo entra a narração de Kevin Spacey, seu personagem Lester Burnham fala a respeito de sua vida monótona e tediosa, poetizando sobre seus últimos momentos.

    Beleza Americana é um filme de linguagem direta. Não é difícil entender seus dramas. Os personagens são realistas apesar de exagerados. Além disso, são ricos em sentimento e psicologicamente complexos, principalmente a família Burnham, que além de Spacey, é representada por Annette Bening e Thora Birch. Lester, Carolyn e Jane vivem no subúrbio e são bastante frustrados com a vida que levam.

    Os Burnham formam o trio perfeito, como uma trindade simbólica do americano médio. Unidos aos coadjuvantes, ainda tem uma infinidade de estereótipos em cena: o militar inseguro sexualmente e enrustido, o casal gay super simpático, o garoto esquisito e bonito que se vale das aparências para lucrar e seguir sua vidinha medíocre, a falsa menina fogosa, etc.

    Todos cooperam para essa mini fábula moderna e cínica sobre a vida do americano comum. O fio condutor dessa trama é Lester, um sujeito fraco de mente, que se deixa levar por qualquer vento e circunstância, alguém volúvel que está cansado de se enxergar um perdedor. Sua atitude disruptora mira quebrar essa bolha de monotonia, e sua jornada passa a ser a do homem simples que tenta sair da letargia e da rotina de jantares enfadonhos e programas sociais em que a falsidade impera. Apesar de ser bastante tolo, parece estar acima dos outros personagens. Ao contrário de sua esposa, Carolyn, ele percebe sua miséria existencial e aparentemente aceita-a.

    O roteiro de Alan Ball sobrevoa o estado letárgico geral, tanto na condição catatônica de Barbara (Allison Janney), como na hipocrisia de seu marido (auto engano como representação da letargia) até chegar no sujeito ordinário cansado de ser servil. A geração baby boomer, segundo a fábula, está fadada a ser estática, enquanto a geração posterior busca ser diferente a todo custo. Mendes conduz bem um mundo de aparências em uma vizinhança pequena, fazendo esse micro universo ser crível principalmente por conta de sua direção de atores.

    Ao passo que o roteiro fala a respeito de observar a vida passivamente, também se discute manipulação entre parentes. O embate de pais e filhos é todo pautado nisso. O embate entre Wes Bentley e Chris Cooper consiste no controle que o garoto tem junto ao pai. O rapaz faz o adulto acreditar que domina seus sentimentos e seu  temor, deliberadamente finge acreditar na disciplina pregada pela figura de autoridade. A brincadeira com a expectativa de terceiros é quase um hobby dos homens, independente da idade ou da postura de cada um dos personagens. Todos eles sofrem desse mal, e o comentário de Ball e Mendes é de que a sociedade americana é torta e essencialmente falsa, viciada nesse tipo de manipulação.

    Perto do final, a casa dos Burnham se torna o centro gravitacional de toda a problemática dos suburbanos, um ímã magnético figurativo que atrai a tragédia. Os personagens se aproximam de Lester e lhe exigem afeto, mesmo os que não têm qualquer laço afetivo. Simples ou medíocre, o personagem central travessa a barreira de ser comum logo após perceber que seu objeto de desejo, a ninfeta que ele tanto desejou, é apenas uma adolescente virginal que projetava mentiras. Sua reação comedida o faz perceber o quanto era bobo e comum a busca pelo objetivo inalcançável, até mesmo isso é um fetiche comum.

    Quando hesita em cena, também expia um pecado que não cometeu. Mesmo se não rompesse a perfeição do chefe de família ideal, ele ainda pareceria um sujeito impuro dentro da fábula cristã. Quando alcança essa compreensão, porém, seu fim é rápido, praticamente indolor. Ressaltado pelas flores vermelhas que povoaram suas fantasias. A riqueza de Beleza Americana mora nesse argumento poético e metalinguístico. O homem apenas deseja o que não lhe cabe, romantizando a vida de maneira tola.

  • Review | Six Feet Under

    Review | Six Feet Under

    six-feet-underAtenção: este review contém spoilers de toda a série. Siga por sua conta e risco.

    Figurando entre as cinco séries consideradas revolucionárias, ao lado de The Sopranos, The Wire, Breaking Bad e Mad Men, a série criada por Alan Ball conseguiu atingir um alto nível de roteiro e direção, colocando Six Feet Under em um patamar acima das séries comuns.

    Ao longo de cinco temporadas, acompanhamos as vidas de Ruth, Claire, David e Nate Fisher,  donos da funerária Fisher & Sons (depois Fisher & Diaz). Entre os seus desentendimentos, familiares e amorosos, e a luta contra a compra de uma multinacional, vemos como uma rotina cercada de morte pode significar tanto.

    As cinco temporadas conseguem ser divididas por temas sempre gerados pela morte. Por se tratar da rotina dos mesmos personagens, o diferencial é pautado pelas situações das mais absurdas que ocorrem com os protagonistas.

    O elenco principal da série: Freedy Rodriguez como Rico, Rachel Griffith como Brenda, Lauren Ambrose como Claire Fisher, Peter Krause como Nate Fisher, Frances Convoy como Ruth Fisher, Michael C. Hall como David Fisher e Matthew Patrick como Keith

    O seriado começa com a morte do patriarca Nathaniel Fisher. A partir daí, todos os personagens acabam se livrando de diversas amarras sociais: Ruth se liberta sexualmente, assumindo o caso que tinha com o seu cabeleireiro; Claire passa a ser uma pessoa menos rebelde; David se revela gay e assume seu namoro com Keith; e Nate deixa a cidade onde morava e volta para a casa. O tema é claro na primeira temporada: a libertação.

    É através da rotina da funerária que sabemos como o negócio funciona. Por conta disso, os Fishers passam a ser assediados pela Kroehner, gigante do ramo. O dilema de vender ou não o negócio da família permeia esta primeira temporada, ainda mais utilizando a estrutura do filho renegado, Nate, que não quis assumir o empreendimento familiar.

    Toda a série tem personagens que se destacam dos demais de alguma forma, seja pela condução do roteiro, seja pela atuação. Em Deadwood, é Al Swarengen e em The Wire, é Omar Little. No caso de Six Feet Under é Brenda Chenowith, a namorada e segunda esposa de Nate. Ser criada por pais psicanalistas e que a usaram como tema de um livro, além de ter um irmão psicopata, transformou-a na melhor personagem da série.

           Uma das muitas cenas da série em que os protagonistas conversam com os mortos do começo dos episódios

    A segunda temporada tem como tema a decisão. Ruth começa a ficar na dúvida do que fazer da vida e se fica ou não com Nikolai; Nate e David são assediados novamente pela Kroehner; David ainda tem incertezas sobre se assumir gay publicamente; e Claire não sabe o que fazer quando se formar na escola; e Brenda passa a trair Nate com várias pessoas assim que fica noiva. Porém, as maiores indecisões da temporada recaem sobre Nate: a partir de uma ida a sua antiga cidade, Seattle, ele revê uma antiga amiga. Meses depois, ela o procura com barriga grande, e ele reflete se vai assumir a filha ou não. Outra grande indecisão de Nate ocorre ao descobrir que sofre uma espécie de AVC, que resolve operar mesmo correndo o risco de ficar em coma.

    É aqui também que vemos que Rico, o ajudante embalsamador de Nathaniel, se torna sócio da empresa, fazendo com que a funerária passe a se chamar Fisher & Diaz. Ao mesmo tempo, ocorre um processo, esquecido pela série, que iria levá-los à falência. A Kroehner também não é mais mencionada daqui em diante.

    Na terceira temporada, temos a própria vida como tema. Nate cria a sua filha, Maya, e aceita se casar com a mãe dela; David começa a ter desejos de adoção, junto a Keith, após tomar conta da sua sobrinha; Claire entra na faculdade de arte e deseja iniciar um relacionamento adulto; e Ruth acaba se envolvendo com Arthur, o novo empregado da funerária. Brenda se mantém fora da maior parte dessa temporada, voltando, no final, após a morte do seu pai, enquanto Ruth acaba se casando com George.

    É também aqui que temos um dos momentos mais tensos da série em relação à morte. Lisa, a esposa de Nate, desaparece nos episódios finais, o que faz com que Nate se altere de uma forma nunca vista. E a forma como o roteiro e a direção trata o tema faz com que os episódios finais tenham uma carga muito pesada.

    Na quarta temporada, temos como tema o castigo. Nate enterra a esposa da forma como ela queria, e não como a família dela gostaria, e acaba descobrindo que talvez o próprio cunhado tenha matado Lisa; Claire se sente perdida e desiste da faculdade de arte; Brenda começa a se dar bem com o vizinho, até que Nate chega; Keith é demitido do emprego de guarda-costas após transar com a cantora; Arthur se demite; Rico se divorcia após ser infiel; e David sofre um sequestro que o deixa traumatizado.

    É aqui também que temos uma guinada na vida de Brenda, que deseja ser psicanalista, finalmente seguindo a profissão dos pais. Nesta temporada, aparecem dois novos personagens, George, novo marido de Ruth apresentado na temporada passada, e sua filha Maggie, cuja função é ajudar o pai, que começa a apresentar sinais de demência.


    As melhores mortes dos começos dos episódios

    Na quinta e última temporada, o tema é o perdão, fechando o ciclo. Nate e Brenda finalmente se casam após os preparativos da temporada passada, e logo depois Brenda perde o bebê; David e Keith conseguem adotar dois meninos, depois de muitas tentativas, e acabam tendo dificuldades em criá-los; Claire desiste da faculdade de arte e começa a trabalhar em um emprego que odeia; Ruth se divorcia de George; Brenda engravida novamente; Rico volta para a esposa, mas sem ser como antes; Nate trai Brenda com Maggie, e Nate morre após um novo AVC.

    Nos dois últimos episódios, os personagens acabam seguindo a cartilha padrão, e o que poderia ser um bom final se transformou no dramalhão apelativo nível novela das oito do Maneco. Nível este que já havia se instaurado na série desde meados da terceira temporada. O término da série foi fraco, piegas, e a última cena, desnecessária.

    A estrutura dramática da série ainda se aproxima da tradicional, no entanto cada episódio começa com uma morte aleatória, algo que vai significar trabalho para a funerária. A partir daí, as circunstâncias que levaram a esse falecimento passam a dialogar com o tema de cada episódio. Literalmente os Fishers conversam com os mortos enquanto os preparam para o velório, dando, inclusive, mais tridimensionalidade aos protagonistas. Nathaniel sempre volta para conversar com sua viúva, Ruth, e seus três filhos, ao longo de toda a série.

    Ao incorporar a morte como tema principal e trabalhá-la a partir de vários outros assuntos, a série mostra que a sua principal característica é a diversidade. A morte tem a função de sustentar aquela família, que por si oferece algum conforto para os parentes dos mortos. Dessa forma, a morte gerou vida, uniu, separou, perdoou, criou indecisões e, por fim, libertou, seja quem estivesse em vida ou em uma morte dolorosa. E essa diversidade também é mostrada através das minorias, a exemplo de latinos, negros, gays e mulheres como os protagonistas da série.

           Uma das melhores cenas da série, com Nate chapado de ecstasy

    A atuação é um dos pontos altos de Six Feet UnderRachel Griffiths interpreta a melhor personagem da série, Brenda Chenowtiz; Frances Convoy dá vida à matriarca Ruth Fisher; Peter Krause é Nate Fisher; Michael C. Hall faz de David Fisher o melhor papel de sua carreira (colocando Dexter no bolso); Lauren Ambrose é Claire Fisher; Richard Jenkins faz as ótimas aparições momentâneas de Nathaniel Fisher; Matthew Patrick é Keith, o namorado e depois marido de David; Freddy Rodriguez dá voz a Frederico ‘Rico’ Diaz e Justina Machado, à sua esposa, Vanessa; Jeremy Sisto interpreta Billy, o irmão psicopata de Brenda; Tina Holmes como Maggie; Lili Taylor como Lisa, a mãe da filha do Nate. E ainda há espaço para a menção de três excelentes atores que emprestaram o seu talento para a série de Alan Ball: James Cromwell como George Sibley, o segundo marido de Ruth; Kathy Bates como a amiga de Ruth, Bettina; e Patricia Clarkson como Sarah, a irmã de Ruth.

    Six Feet Under merece ser vista não só pelo tema diferencial de uma família que ganha a vida como agente funerária, mas também por atingir um nível de roteiro como poucas séries o fizeram, principalmente nos primeiros episódios. Quem quiser mais detalhes pode se aventurar pelo Wiki da série.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • True Blood: O Amargo Regresso aos Bons Tempos

    True Blood: O Amargo Regresso aos Bons Tempos

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    Após as interessantíssimas primeiras temporadas, que faziam um belo e renovado comentário social a respeito do racismo e de como o sul dos Estados Unidos  no estado da Luisiana, na fictícia cidade de Bon Temps  lida com tais questões, True Blood deveria chegar ao seu final. O remate foi muito devido à necessidade de coisas novas, de novos embates e discussões, e a quantidade de temas diversificados já havia se esgotado lá pelo quarto ano – os mais puristas dirão que foi no terceiro.

    Toda vez que uma nova temporada se aproximava, o criador Allan Ball tinha que sentar e falar qual seria o plot que viria a seguir, baseando-se nos dramas mostrados nos livros da série de Charlaine Harris, mas sem se apegar muito ao texto original. No entanto, a narrativa de Ball bateu em um muro sólido de concreto, inegavelmente; o momento de parar era clamado, já que não dava mais para evitar o estrago em que o show se instaurou. O padrão televisivo do canal HBO tinha um nome a zelar, e há uma tradição em dar mais atenção à produção de um grande número de indicações a premiações do que à quantidade de pessoas capazes de digerir suas histórias.

    Sookie Stackhouse (Anna Paquin) era uma menina jovem, com toda a vida pela frente, mas que tinha uma habilidade especial: desde pequena conseguia ler a mente das pessoas. Um sujeito mal encarado, mas de aparência bela, se aproxima da moça, escondendo uma intenção escusa, mas que é diluída pela paixão. Seu nome é Bill Compton (Stephen Moyer), um vampiro secular, que, além de ser o primeiro amor da protagonista, ainda abre uma gama de polêmicas e controvérsias, já que, neste universo, os vampiros “saíram do armário” graças à fabricação do Tru Blod, uma bebida quente que contém os nutrientes necessários para a sobrevivência desses seres. O modo como a sociedade “humana” vê os vampiros mostra paralelos interessantes, que vão desde referências à discriminação racial até a questão da orientação sexual e afins. A sexualidade, aliás, é um tema perene, que obriga a audiência a assistir a diversas manifestações e interações lascivas e libertinas sem qualquer pudor.

    Só por isso, True Blood já seria interessante, mas algo se perdeu no caminho. Na penúltima temporada, a trama da Deusa Lilith é explorada, mostrando que Bill bebeu o seu sangue e estaria embevecido pela vontade de trucidar tudo e todos. A dignidade dentro do roteiro é completamente deixada de lado; as sequências de ação são tão toscas que fica difícil associá-las com os primeiros três anos do seriado. Mesmo ignorando os efeitos especiais, dignos de clássicos da Asylum e as tramas estilo Power Rangers, ainda sobram um milhão de motivos para achincalhar o show.

    Uma pena que a trama inicial de exploração dos preconceitos que habitava Luisiana seja deixada de lado para explorar a Autoridade, a instituição que está no topo da hierarquia dos vampiros. Tudo ruiu, e todo o quadro político dos sugadores de sangue, desconfigurado. Isto poderia obviamente ser bem explorado, já que emularia os momentos serenos de outrora, mas não é isto que ocorre.

    O uso excessivo de histórias paralelas apenas servem para enfraquecer a trama principal – não que isso não ocorresse anteriormente –  e também para mascarar a total falta de substância do argumento. Nem mesmo a dor dos personagens, que perderam entes queridos, é sentida: o roteiro não deixa espaço para o luto e para a superação das ausências. Tudo é muito rápido em relação às reações, e, curiosamente, o desenrolar dos plots é arrastado, como se houvesse pouco (ou nada) a contar. As boas ideias são esticadas para durarem doze episódios.

    As armadilhas soam falsas. As ameaças só acontecem quando são facilmente revertidas. Nenhuma ação amorosa que envolva o triângulo Bill, Sookie e Eric Northman (Alexander Skarsgård) é feito sem que haja tempo e espaço para tudo se reverter. Até os movimentos vaginais da fada são previsíveis, anunciados eras antes de ocorrerem. A eterna saída do estranho triângulo amoroso ganha mais um par, como já era de se esperar. Seria ele uma fada-macho. O estratagema piora quando é revelado que a loirinha é, na verdade, uma descendente direta da Fada-Rei – e por isso um vampiro milenar estaria atrás do sangue dela, e, por consequência, havia matado os seus pais anos antes. Sookie é a Escolhida, o arquétipo mais pobre da literatura moderna e que, de tão importante para toda a trama, é simplesmente ignorado após este ano.

    Paralelo a isto, Bill vai ganhando mais e mais poderes, podendo até prever o futuro. Logo, o governador da Luisiana declara guerra aos vampiros, retirando deles os deus direitos. Mesmo o que antes funcionava, agora é motivo para chacota. Os níveis de sutileza, que já eram baixos, praticamente inexistem neste momento. Mas nem essa questão de Lilith/Bill consegue influenciar nos outros dramas pessoais.

    Mesmo diante do iminente fim do mundo, ainda há espaço para as porcas batalhas pessoais de transmorfos, lobisomens, fadas, bruxas, macacos falantes, elfos, ogros, orcs, meta-humanos etc. Em determinado momento, até as regras básicas, inclusive até a mais rasa delas, das raças mágicas são deturpadas, sem qualquer cerimônia ou justificativa. É como se a inteligência do espectador não fosse realmente importante, como se qualquer balela pudesse ser engolida facilmente unicamente pela exibição de corpos belos e sarados.

    Em meio à temporada, levanta-se uma possibilidade de extinção dos vampiros através da disseminação de uma doença nova, que se vincularia à fórmula de Tru Blod e que seria comercializada, é claro. A ideia seria a de matá-los, num plano parecido com uma teoria da conspiração. Em dado momento, parece que tudo é permitido, e, após uma série de horríveis mortes, os vampiros conseguem, através de um retcon absurdo, andar à luz do dia. No momento de descanso, os seres noturnos jogam vôlei despreocupadamente, como se todo o apocalipse que os envolveu horas antes não tivesse existido.

    Um semestre inteiro se passa, e, após mais uma batalha entre bem e mal, uma nova cidade surge com configurações políticas das mais toscas, numa pretensa e utópica reunião politicamente correta – entre humanos, vampiros e demais criaturas mágicas  que visa estabelecer benefícios mútuos, combatendo os malvados sugadores de sangue contaminados pela Hepatite V. Como num final de novela, todas as pontas soltas de cunho emocional são amarradas. Tara (Rutina Wesley) faz as pazes com sua mãe; Bill escreve um livro sobre sua vida; Sam Merlotte (Sam Trammel) vira o prefeito da cidade e se une às duas igrejas para abraçar o povo; e Sookie passa a namorar Alcide (Joe Manganiello). Essa paz torna irrelevantes as motivações do fim do quinto ano e  o começo deste e transforma a boa premissa dos livros de Charlaine Harris em algo infantilizado.

    Em contraponto, a faceira paz é logo interrompida no primeiro episódio do ano sete, com um ataque voraz de vampiros infectados, com baixas enormes.  Logo de cara, personagens longevos morrem sem qualquer cerimônia e raptam tantos outros. Os vampiros que atacam Bon Temps já haviam feito o mesmo em outras cidades, drenando tudo delas, exterminando os humanos como se nada fossem. O estado de sítio se instala. Os humanos começam a agir desesperadamente, passando por cima de suas autoridades para se armarem, traçando um paralelo que pode ser interpretado como uma crítica a um povo que não tem governo, que age por instinto por não ter ninguém para instruí-lo, vociferando de modo anárquico, invalidando sua luta por direitos igualando os seus atos aos de um simples bárbaro.

    Incrível como mesmo em meio a toda essa problemática, permanece fácil notar o quão mal construídos foram alguns dos alicerces da trama. Como exemplo máximo está a relação de Sookie e Alcide. O tempo todo, o romance deles parece falso, já que não houve quase tempo nenhum em ambientar o par dentro do episódio.

    Na sexta temporada, cada um deles se preocupa em trepar com outras pessoas para, nos 20 minutos finais, arquitetar uma união que passaria pelo anúncio de letreiro onde está escrito “seis meses passados”. Ademais, ao menos o roteiro deste ano é um pouco mais elaborado, mais preocupado com a premissa prometida no começo da série, onde a disputa ideológica entre vampiros e humanos era a real tônica.

    Logo a hepatitve V deixa de ser um tabu que contamina somente os vampirões vilões da trama, mostrando os principais vampiros do seriado como infectados. Eric e Bill têm de conviver com a “verdadeira morte”, que finalmente se avizinha. O antigo viking vai em busca de Sarah Newlin (Anna Camp), buscando vingança pela disseminação do vírus, e em meio à investigação encontra membros da Yakuza, que também a querem morta. Para variar, a questão que a envolve mostra um novo sub-plot, que inviabiliza seu assassinato graças à possibilidade de cura para a doença. Logo um estratagema capitalista se forma, no intuito de comercializar um novo produto com a patente do soro e com a imagem de Northman estampando os comerciais.

    Diante da possibilidade de cura da hepatite, Bill prefere não lançar mão dela, penitenciando-se por seus pecados mais recentes, principalmente o de ter matado indivíduos de sua espécie. Sookie vê seus antigos pares se despedirem, primeiro o vampiro; depois Sam Merlotte, que decide se mudar de sua cidade natal, do seu antigo bar e de seu cargo político para criar sua filha que viria à luz logo. Unindo ao finado Alcide, já somavam três que se despediam dela.

    True Blood é basicamente sobre o despertar sexual de Sookie Stackhouse e o modo como a mulher se liberta. O fato de Sookie ser uma fada é uma metáfora para a feminilidade e o largo direito da mulher ser sexualmente ativa, e isso explica o motivo da personagem ter tantos parceiros sexuais ao longo dos sete anos de exibição. Porém, tanto os eventos sociais, que reúnem as diversas raças, quanto as inserções espirituais de Lafayette (Nelsan Ellis) permanecem abordadas de um modo infantil e boboca, com discursos e diálogos dignos da novela chapa branca exibida secularmente após as cinco da tarde na Vênus Platinada.

    A decisão de Bill em morrer é encarado por sua amada como um suicídio, mas na mente do vampiro é um retorno à sua antiga família, que está toda sepultada. Sua lápide vazia o incomoda, e a sensação de que a morte é certa o faz se reaproximar deles. No entanto, ele ainda pensa em Sookie, pedindo para que ela o mate com a sua energia vital, o que o livraria da condição de vivo e eximiria a moça da condição de fada, e de possível presa de outros vampiros. No último momento, o vampiro mais focado da série consegue inverter o papel de protagonista, uma vez que – finalmente – a manipulação plural de assuntos é deixada de lado para finalmente evidenciar apenas um tema. Deixa-se um espaço pequeno para todo o esquema esquizofrênico que pleiteou o seriado, a exemplo do casamento de Jéssica Hamby (Deborah Ann Woll) e Hoyt Fontenberry (Jim Parrack) que ocorre pela manhã – sim, uma das partes é um vampiro… – mas que, se comparado ao epitáfio de William Compton, não é nada. As características de folhetim novelesco prosseguem na essência do seriado.

    Nos momentos finais, Sookie Stackhouse consegue enfim se entender e aceita deu destino, seus poderes e dádivas como parte integrante de sua identidade, mas ainda assim não consegue convencer o homem que foi o seu primeiro a prosseguir vivendo. O fim dele não é melancólico. A morte é deveras grotesca e sanguinolenta, como um bom romance deve acabar.

    Claro que, logo após, acontece um epílogo com um salto grande no futuro. Eric Northman torna-se CEO da nova empresa New Blood, que explora o sangue de Sarah Newlin em ritmo industrial. Mas o vampiro ainda necessita de um clube como Fangtasia para chupar cada centavo das criaturas que querem usufruir da fonte máxima que era a ex-mulher do reverendo – curioso como a mesma Yakuza, que foi sabotada pelos vampiros, não mira seus olhos para o viking. Isso pouco importa…

    Do outro lado, mostram-se humanos que restaram da primeira temporada se reunindo, com suas famílias feitas, repletos de filhos, como um gigantesco clã – isso sem revelar quem seria o par de Sookie –, numa reunião vergonhosa e açucarada, sem dúvida um dos momentos mais patéticos da série, condizente, e muito, com todos os anos da produção.

    Infelizmente, o saldo final de True Blood está longe de ser positivo. A audiência do programa na HBO sempre foi alta, ainda que isso não seja necessariamente uma chancela de qualidade. De fato, a série de Alan Ball conseguiu em plena era Crepúsculo elevar o tema dos vampiros a algo além do aroma de virgindade e garotismo que predominava a saga de Meyer e companhia, já que a sexualidade foi a tônica do show, presente e regular em todos os seus anos de exibição.

    Entender que não haverá mais nenhuma criatura fantástica (diferente) adentrando a pequena cidade de Bon Temps, que não existirão outras orgias de cunho bi e pansexual, que não acontecerão mais qualquer bestialismo ou liberação erótica entre raças tão diversas, e que as aventuras dos personagens de Charlaine Harris não mais habitarão os domingos da emissora, que mudou o paradigma de se ver televisão, é algo ainda difícil de se acostumar. Mas para o fã mais seletivo de True Blood, o fim era necessário, antes que suas aventuras fossem mudadas a paragens mais distantes e nonsenses, como a Lua ou Marte.

    A nudez de Anna Paquin já não mais será uma constante.

  • Review | Banshee

    Review | Banshee

    banshee

    Estou em um momento bem atarefado, o que me impede e me desanima de engatar em uma série longa, em que a sequência da história seja importante e por isso eu tenha que assistir 20 episódios por temporada. Mas um dia vi esse cartaz meio minimalista e meio capa de quadrinhos da série Banshee e fiquei curioso.

    Tenho assistido a série desde então. A premissa da série, que estreou nos EUA pelo canal Cinemax (do grupo HBO) em janeiro, é bem clichê: um ladrão recém liberto que se instala em Banshee, uma pequena cidade do interior da Pensilvânia.

    Não se sabe se ele opta em ir para Banshee atrás de seu amor do passado (que também era ladra e agora se passa por mãe de família), em busca de um recomeço de sua vida fora da lei ou se para fugir de seu antigo e perigoso patrão mafioso.

    Após diversos percalços, o ladrão, que antes se chamava Paul Daniels, assume a identidade de um xerife que iria trabalhar na cidade de Banshee e passa a se chamar Lucas Hood.

    A série é daquelas que tem um eixo central mas em que os episódios podem ser vistos fora de ordem sem que se perca muita coisa. Segue mais o estilo “episódio da semana”. É uma mistura de seriado de roubo (como White Collar) com a violência e as cenas de sexo quase explícito de Spartacus.

    Existem alguns elementos interessantes na série, como uma comunidade Amish (aqueles religiosos que andam de carroça e se vestem com roupas do século 19), cassinos de reservas indígenas e uma infinidade de bandidos, quase sempre ligados ao mafioso local, Kai Proctor.

    É interessante ver como Lucas Hood fica na dualidade de uma noite estar roubando um museu em Nova York e pela manhã incorporar o papel de xerife que não é nada ortodoxo no trato com os bandidos locais.

    O ator que interpreta Lucas Hood (Anthony Starr) é bem canastrão, daquele tipo que rindo, chorando, correndo, apanhando, dando tiro e demais situações fica com a mesma cara, mas nada que atrapalhe a série, que logo se vê, é despretensiosa e bem interessante.

    E ao final dos créditos de cada episódio sempre há uma cena a mais.

    A série foi criada por Jonathan Tropper e tem a produção de Alan Ball (de True Blood) e também tem uma HQ disponível na internet que conta o preludio da história.

    Então é isso: quer ver uma série despretensiosa com violência, sexo e uma história interessante? Pode ser que Banshee te agrade.

    Texto de autoria de Robson Rossi.