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  • Crítica | Foxcatcher: Uma História Que Chocou o Mundo

    Crítica | Foxcatcher: Uma História Que Chocou o Mundo

    Foxcatcher 1

    O piano que predomina na trilha remete a uma singeleza espiritual bastante diferente dos golpes presentes nos membros superiores e inferiores dos personagens de Foxcatcher, nova aventura de Bennet Miller na direção. A história, baseada em eventos reais, começa exibindo a rotina de Mark Shultz, interpretado por Channing Tatum, claramente afetado pelas condições que envolvem o proceder das lutas, com o pensamento e modo de caminhar afetados pelos materiais comuns aos lutadores profissionais, e abalado emocionalmente pela ausência de seu irmão, Dave (Mark Ruffalo). A presença do caçula, em um discurso em uma escola primária, já prenuncia a tragédia que ocorrerá na família, sem necessidade de sinopse ou qualquer aviso prévio.

    Mark e Dave trabalham arduamente em um ginásio, onde as posições distintas de ambos são exibidas, mais uma vez reforçadas pelos belos ângulos em que a câmera se insere, fazendo com que cada golpe proferido e esquivado tenha texturas e significados diferentes entre si. Cada movimento exprime sentimentos, vontades e sensações diferentes, agravadas pelas diferenças entre o sonho olímpico de Mark e os rumos profissionais que Dave pensa para a dupla.

    Como se fosse um evento do destino, o cotidiano de Mark é interrompido pela ligação de um homem rico e famoso: John Du Pont, interpretado por um modificado Steve Carrell, quase irreconhecível pela maquiagem que o faz parecer um brutamontes. Seu comportamento envolve alguns métodos simples, mas com uma ambição sem igual. Sua fama e ostentação material seriam frutos de um passado de investimento explorando o espetáculo das lutas pagas. Cada palavra que sai de sua boca mantém um conteúdo de motivação e inspiração, traçando paralelos entre o wrestling e as guerras travadas pelos americanos, tendo em comum a supervalorização da honra, o que claramente seduz Mark e o faz tentar conversar com seu irmão.

    A recusa da proposta causa um racha entre os irmãos, com o caçula acreditando ser o comodismo o principal fator da estabilidade, mas eles encerram as discussões em paz, cada um seguindo o seu rumo. O modo curioso como os lutadores se movimentam lembra um comportamento primário, repleto de selvageria, quase animalesco, como se seres irracionais tentassem com todo esforço possível se adequar ao mundo civilizado, invertendo o paradigma, por exemplo, de histórias como O Planeta dos Macacos.

    Aos olhos de Du Pont, o alvo prioritário era o irmão mais velho, que, preso a sua família, demonstra-se pouco seduzido pelas propostas do aposentado homem rico. As conversas, travadas entre os personagens, são quase sempre executadas sem música, em um silêncio que inquieta o espectador, maximizando a sensação incômoda ao exibir o amor de Du Pont por armas raras. Seu comportamento, passivo agressivo com os que deveriam ser seus pupilos, faz perguntar a todo momento quando será o momento em que ele explodirá, como um barril repleto de pólvora, com um furo que permite um lastro prestes a explodir e desgraçar tudo a sua volta, sob o risco de ocorrer uma fatalidade ao sinal de qualquer mínima faísca.

    Entre financiador e empregado nasce uma relação diferente, de interdependência, incluindo treinamentos físicos e um compartilhar sentimental que engloba segredos e vícios químicos, mesmo os que são tratados pelos esportistas como pecados globais. O salário desses atos logo é cobrado, com uma derrocada de seus desempenhos atléticos, e uma entrada superficial no ambiente depressivo, que faz com que seu novo mentor o deprecie, movendo seu antigo tutor para perto de si novamente. Logo, Du Pont e Dave se veem frente a frente disputando a atenção de Mark, claro, com o irmão mais próximo do protagonista, que retribui ao magnata um pouco da rejeição sofrida anteriormente.

    A preparação física do lutador é semelhante à carreira odisseica de Ulisses, pautada na superação física e mental e repleta de reveses, fazendo com que as vitórias sejam ainda mais valorizadas. O trio de personagens focados pela lente mostra indivíduos com limitações físicas e espirituais, todas contidas em tudo o que representa o grupo Foxcatcher. A entidade é claramente posta acima do fraquejar humano, perfeita, sem possibilidade de nuances humanas, o que faz dificultar ainda mais a já atribulada relação entre John e Mark, que se deteriora cada vez mais no decorrer da fita.

    As desavenças têm suas resoluções baseadas na simplicidade, sendo possivelmente resolvidas caso o estado mental dos que brigaram estivesse em perfeitas condições. O que sobra no certame é a vaidade, e a principal vítima do arbítrio gratuito, a ponta do “triângulo amoroso”, que se mostrava a mais compreensiva, paciente e condescendente.

    O tom dourado da medalha de Mark não esconde a sensação de tristeza absoluta e amargura proveniente das perdas. O andar de cabeça baixa finalmente justifica-se, possivelmente pela vergonha e culpa que sente por agir tardiamente.

    Foxcatcher é um relato sensível que confunde a ordem de seus fatores, oras sendo mais um relato de uma versão, para, em outro momento, ser uma cinebiografia realista, que resgata o sentimental de seu objeto de análise. Semelhante ao vencedor do prêmio acadêmico Capote, a obra tem o agravar de serem três os espécimes analisados pela câmera de Miller, todos igualmente interessantes e bem interpretados, vivendo em uma atmosfera crível e bastante emotiva.

  • Crítica | O Homem que Mudou o Jogo

    Crítica | O Homem que Mudou o Jogo

    Billy Beane (Brad Pitt) odeia perder. Mais que tudo. Mesmo a sensação de vitória fica em segundo plano quando comparada à fúria provocada por uma derrota. Ele mesmo admite isso num dos vários bons momentos de O Homem que Mudou o Jogo, novo longa do diretor Bennett Miller (Capote).

    A primeira frase deste texto resume totalmente o gancho temático da produção. Muita gente poderá olhá-la sobre uma perspectiva equivocada e acreditar que “O Homem que Mudou o Jogo” é um filme sobre baseball.

    Nada poderia estar mais equivocado.

    O baseball é apenas um instrumento utilizado pelo diretor para contar a história de um homem consumido por duas obsessões: impor suas ideias e nunca, em hipótese alguma, perder.

    O esporte usado poderia ser futebol, vôlei, basquete, ou qualquer outro. Não faria a menor diferença. O foco não é a modalidade, mas o posicionamento do protagonista: a derrota não é, de forma alguma, uma opção.

    Em “O Homem que Mudou o Jogo”, Billy Beane é o gerente do time Oakland Athletic’s – os Oakland A’s. Uma equipe de resultados apenas modestos dentro da Major League Baseball (MLB), a principal liga de baseball norte-americana. Posicionamento pequeno demais para ser aceito peloo personagem interpretado por Pitt.

    Logo no início do filme, ele é visto num estádio vazio, acompanhando por rádio a derrota de sua equipe diante do poderoso New York Yankees. Nesse momento, ele dará sua primeira demonstração física dos efeitos que a derrota lhe provoca. Ao longo do filme, ele será visto em outros momentos como este – vai socar painéis de carros e arremessar cadeiras sempre que perder. Vai se matar na sala de musculação como uma espécie de punição por cada derrota, lembrando muito rituais de auto-punição adotados em determinadas religiões.

    Beane quer mudar o jogo. Quer transformar sua equipe num time campeão.
    No entanto, está cercado de assistentes que possuem uma visão antiga e ultrapassada do esporte. Ele precisa de alguém novo. Que tenha um posicionamento racional e embasado em análises frias sobre o baseball.

    Ele precisa de Peter Brand (Jonah Hill). O jovem formado em Economia por Yale. Que baseia sua visão dos jogadores e do próprio jogo em estatísticas, em números. Na ciência. Não em “tempo de estrada”. Fascinado por ele, Beane o contrata. A partir daí, enfrentando todo tipo de obstáculo e resistência, os dois vão revolucionar o esporte.

    A postura intransigente de Beane – que é um personagem verdadeiro – é fruto de uma vida anterior como atleta. Quando jovem, foi considerado um gênio pelos olheiros do New York Mets. Nesse momenteo, teve de fazer uma escolha entre o baseball e uma bolsa integral na Universidade de Stanford.

    O esporte versus os estudos.

    Optou pelo primeiro. Os resultados, entretanto, não foram dos melhores. A frustração foi inevitável.

    A partir daí, para se proteger de novas decepções, Beane decidiu criar uma espécie de “couraça emocional”, cortando vínculos afetivos até com as pessoas mais próximas. A única exceção é sua filha, com quem ainda se permite demonstrar sua fragilidade.

    Nesse ímpeto para impor sua visão e conseguir os resultados que deseja, é capaz de tudo. Percebam como ele troca e negocia jogadores como quem lida apenas com mercadorias. Para ele, aproximações sentimentais não podem entrar no caminho da vitória. Se um jogador ameaça o futuro dotime, deve ser extirpado.

    Esse posicionamento fica ainda mais claro quando ele ensina o assistente a fazer uma demissão. Rápida, direta e seca. Não há espaço para emoções ou apelos sentimentiais ali.

    Ao contrário do que vem se falando, a interpretação de Brad Pitt não é brilhante. Mas é eficiente. Muito eficiente, na verdade. Os olhares focados, arroubos físicos intempestivos e fala arrogante construídos por ele traduzem a postura de Billy Beane e a forma resoluta de impor sua vontade. Atenção especial à forma comedida e fisicamente tímida criada por Jonah Hill para dar vida à Peter Brand. Vale menção, também, a participação de Philip Seymour Hoffman, que interpreta o treinador Art Howe. Barrigudo, lento e cabeça dura. É a manifestação física do velho baseball – o oposto da abordagem proposta por por Brand.

    A narrativa é direta, com algumas intervenções em flashback da vida de Beane. A compreensão da trama, portanto, é bem simples. E esse é um pnto positivo.

    Billy Beane é um revolucionário. Um rebelde que impõe suas convicções. Ele luta contra um um mundo antigo e ultrapassado. O velho embate entre o indivíduo e o sistema. Tema que foi muito abordado pela banda inglesa de punk The Clash.

    Não por acaso – e os mais atentos irão perceber isso – Beane é fã do grupo: perceba dois posteres da banda em seu escritório: um deles, o anúncio de um show. O outro, uma foto de Joe Strummer, vocalista do Clash.

    Ambos, cada um a seu modo, tentaram mudar o status quo no qual viviam. Ambos sofreram as consequências dessa postura. Como diz um personagem importante que aparece quase ao fim do filme: “O primeiro a atravessar uma grande parede sempre deixa seu sangue pelo caminho”.

    É a mais pura verdade.

    Texto de autoria de Carlos Brito.