Crítica | Boa Sorte
Utilizando o cenário de um manicômio, que simboliza o quão errático anda o mundo, Boa Sorte, da diretora publicitária Carolina Jabor, conta a história de um jovem chamado João (João Pedro Zappa), cujo vício em remédios tarja preta unido a refrigerantes de laranja o faz ter um desempenho completamente aquém do esperado para um juvenil. Sua expectativa é encurtada, e sua existência parece não ter muito sentido, até que é levado a uma casa de repouso, onde conhece pessoas que compartilham de misérias parecidas com as suas.
O que deveria ser uma casa de reabilitação para vencer a depressão, ansiedade e o transtorno de stress pós-traumático acaba tornando-se um lugar de descobertas, onde ele encontra pares que fariam seu tempo render mais, além de conseguir dar uma boa razão para sua existência. A principal responsável por isto seria Judite, interpretada por uma inspirada Deborah Secco, uma mulher lindíssima, soropositiva, com os dias contados, que tem em comum com ele o vício em remédios para ansiedade, além de outros tantos pecados de dependência, cuja culpa inexiste graças a sua condição especial.
Aos poucos a dupla se reúne, encontrando um no outro o ideal para uma parceria, construindo uma estreita relação de interdependência, pautada inicialmente no sexo, evoluindo aos poucos, até que a intimidade deixa de ser puramente carnal e torna-se sentimental. Toda a construção do sentimento é feita de modo muito natural, tão bem urdido que até as inconveniências típicas de seus distúrbios parecem ajuda-los a ficar cada vez mais próximos.
A aflição da alma é o principal fator que os une. A invisibilidade, indiferença e irrelevância que sofriam por parte dos que os cercavam fazem dos dois solitários de mundos distantes em uma junção de caráter irretocável, até na disparidade da compleição física de ambos.
O rosto cadavérico de Judite contrasta com o belo e curvilíneo corpo, como se morte e sensualidade convivessem sobre o mesmo invólucro, como sinais evidentes da insanidade que habita sua mente e que se reflete em seu exterior, acrescentando uma camada a mais de fascínio à sua bela intérprete.
O sanatório vira o lar da afeição, evoluindo até do quadro puramente amoroso para resultar em estima, onde os incompreendidos podem viver suas vidas em moderada paz, tecendo planos para sua existência fora daquelas paredes que os encerram, ao menos para o rapaz que não está em fase terminal. A relação de Judite e João chega a um estágio onde a sujeira e vergonha pensada por um bem maior predomina, rompendo com a dependência que ocorria, quebrando os laços de semelhança entre o modo como um homem e seu animal de estimação se tratam. A servidão incondicional é demolida pela mulher, que não quer assistir o seu improvável príncipe encantado sucumbir ao esperar por um futuro que não virá. Ela o libera, para que viva sua vida, algo miserável, claro, especialmente se comparado ao que sentia quando estava com ela, mas algo comum e ordinário, semelhante ao que Judite sempre sonhou para si, mas que jamais conseguiu alcançar sozinho. Tal subtexto faz de Boa Sorte algo um pouco mais inteligente do que as contumazes histórias de amor do cinema comercial.