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  • Crítica | Os Últimos Dias de Pompeia

    Crítica | Os Últimos Dias de Pompeia

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    Lançado em 1959, esta versão do romance de Edward Bulwer Lytton tem seu roteiro adaptado por quatro cineastas que estourariam na década que viria, Duccio Tessari (diretor de Tex e o Senhor dos Abismos e Uma Pistola para Ringo), Sergio Corbucci (Django), Ennio De Concini (roteirista de ÁtilaGuerra e Paz), e claro, Sergio Leone, que substituiria o diretor Mario Bonnard quando este teve de se ausentar devido a problemas de saúde.

    A fotografia ficou por conta de Antonio Ballesteros, que viria a trabalhar novamente com Leone em sua estreia na direção de longa-metragens com o Colosso de Rodes, e mesmo com essa semelhança na equipe de produção, o estilo de filmar de Bonnard é completamente distinto do de Leone, e muito mais ligado ao modo do cinema clássico americano, com ângulos panorâmicos, câmera parada e sem muitos maneirismos, além é claro do cast. O elenco é encabeçado por Steve Reeves, o protótipo do brucutu, seu personagem  era independente, destemido e super-forte, ao ponto de conseguir puxar uma corrente de uma parede de pedra e arrancar uma porta de metal com as mãos nuas. Não à toa, Reeves inspiraria Arnold Schwarzenegger a seguir a carreira de ator.

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    O roteiro trata de uma conspiração que mataria inúmeras famílias romanas, ao passo de que a assinatura dos crimes era uma cruz avermelhada, o que fez os investigadores suporem que os facínoras mascarados eram cristãos insatisfeitos com o regime, mas logo isso se mostra um engodo, e uma conspiração romana surge.

    As cenas de embate físico são lastimáveis, tão mal coreografadas que Reeves dispensou dublês na maioria das vezes, devido principalmente aos seus opositores, em sua maioria homens rotundos  e com pouca agilidade. Depois ele queima a face do vilão Gallinus (Mimmo Palmara), mas não há nenhuma consequência grave para o antagonista, a não ser uma maquiagem mequetrefe que surge minutos após o combate. Não há sangue ou técnica de luta, a não ser é claro na genial cena de batalha de Glaucus com um jacaré, que deixaria Roger Corman morrendo de inveja.

    A tentativa de isentar os romanos da culpa de assassinar os cristão nas arenas com os leões mostrando-os sendo enganados falha miseravelmente, e além de não fazê-los parecer inocentes, ainda os classifica como imbecis e ingênuos. Os reais malfeitores são o Consul (Mino Doro) e Julia (Anne-Marie Baumann) – estrangeiros adoradores de Isis – mais uma vez denunciando o politeísmo evidenciando que  os seus dias estavam contados.

    A natureza pune os infiéis, e ela pode ser encarada como a mão pesada do Divino, que busca vingança e pune aos soberbos que trataram os inocentes que não queriam negar sua fé, é quase um recado ao Império, de que não deve mexer com os herdeiros de Israel. Os que tentam tomar para si, o ouro e as riquezas, morre soterrado, a ganância é paga com a morte. As últimas cenas envolvendo o vulcão em erupção são muito bem realizadas, o épico tem em seu caráter a indelével mensagem de que viver sem fé é pior do que morrer.

  • Crítica | Eu e Você

    Crítica | Eu e Você

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    Na ativa desde os anos 1960, o antigo assistente de direção de Pasolini – em Accattone – se vale de seu passado como estudante de literatura moderna para desenvolver o roteiro de Io e Te, um drama que envolve jovens pessoas, a busca pela maturidade ainda longe de ser alcançada e que ainda sim possuem problemas e dramas de gente grande.

    Bernardo Bertolucci já abordara, em episódios anteriores de sua filmografia, as tragédias juvenis, especialmente em dois filmes (estadunidenses) seus, a saber Beleza Roubada (Steeling Beauty) e Os Sonhadores (The Dreamers). Após o longo exílio, Bernardo volta seus olhos novamente para o cinema italiano, e com um conteúdo universalista por essência. Lorenzo (Jacopo Olmi Antinori), o protagonista poderia ser um rapaz de qualquer nacionalidade, muito graças ao conjunto de signos que o acompanha, desde os fones de ouvido que usa, gigantes, e que o isolam do contato humano quando este o quer ou pela confusão mental típica de quem acabara de sair da fase infante da vida, até mesmo tocando levemente numa variação do Complexo de Édipo, claro, de forma jocosa.

    Lorenzo é um rapaz muito parecido com tantos outros de sua geração, sofre bullying na escola, mas não se acha uma enorme vítima graças a isso, o que o diferencia dos demais é a visão que tem dos adultos e sua independência, ele tem qualquer coisa – talvez a indefinição típica da idade – que o incomoda, o faz querer fugir, se sente um intruso dentro de casa e um penetra por onde quer que ande. Ele encara a infância como uma prisão, ao verificar os adultos que os cerca os vê distantes, em pedestais enormes, não como objetos de adoração, mas como seres acima de si – a câmera flagrando um par dançando sobre um teto de vidro enquanto o rapaz observa, flagra isto com maestria. A inferioridade que o rapaz se auto-impige o faz procurar um esconderijo abaixo de todos, no subsolo, no esquecido porão de seus pais. Sua vontade é se isolar, ter espaço para nada fazer, para exercer o ócio e se entupir de seus refrigerantes e comidas gordurosas – mais avatares da adolescência –  até que sua fortaleza é invadida.

    Olivia (executada pela bela Tea Falco) adentra a privacidade do irmão sem mal bater a porta, e tenciona dividir com ele o lugar da fuga, suas motivações são inversas as dele, Lorenzo sente-se sufocado e quer liberdade, enquanto Olivia sente-se só, abandonada pelos seus – ainda que ambos não queiram demonstrar suas fraquezas, vão aos poucos tecendo uma relação simbiótica. O ambiente/cenário quase nunca muda, Bertolucci quer massificar a ideia da rotina imutável, da dificuldade em mudar e de sair do conformismo mesmo que as situações mostradas estejam longe de ser confortáveis.

    Lorenzo se esconde, se esgueira, ainda não tem dimensão ou noção do que ocorre ao seu redor e da gravidade dos fatos rotineiros a sua volta – no entanto, isso não o impede de sentir-se mal com o modo como sua casa é administrada, além da forma como é tratado por seus parentes. Sua pouca maturidade não o permite sequer perceber o drama de sua meia-irmã na plenitude, e isso corrobora para que ela sinta-se mais a vontade, pois não há tratamento misericordioso ou penoso da parte dele consigo. Pouco a pouco, Lorenzo se permite ter uma relação mais sólida com Olivia, enxergando-a não só como uma irmã, mas também como uma semelhante, um ser igual a si.

    Bertolucci conduz um filme monotemático quantos aos cenários, mas muito dúbio em relação aos dramas da juventude. A monotonia domina o período de reencontro entre as duas crianças, que tentam resgatar a rotina, os tempos mais simples e mais tranquilos de quando os dois tinham uma relação muito mais próxima, ainda que, mesmo com a distância, a ligação entre eles não deixou de existir, vide todo o cuidado e ciúme do caçula pela primogênita, aceitando-a mesmo que ela odeie alguns de seus entes queridos. O amor entre os dois transcende o background e as opiniões diversas, mostrando que a infância pode ser uma fase muito menos preconceituosa que a fase adulta. O prolixo roteiro de Bertolucci, Umberto Contarello e Niccolò Ammaniti toca em temas complicados, mas sem ser apelativo em momento nenhum.

  • Crítica | A Grande Beleza

    Crítica | A Grande Beleza

    A Grande Beleza

    A câmera de Paolo Sorrentino viaja pelos arredores dos monumentos. O cenário belíssimo de Roma é elevado às alturas, num tom quase divino, graças ao registro visual do realizador. Tais ângulos são típicos de seus trabalhos, mas em La Grande Bellezza estão a serviço de resumir a viagem, tanto a descrita no início da película quanto a do passeio pelas memórias e reminiscências de Jep Gambardella (Toni Servillo), um escritor que, há muito, largou a pena. Sua velhice é repleta de adjetivos que o público consideraria ideal: badalada, repleta de festas regadas a bebidas e mulheres belíssimas que ainda deseja, mesmo sem a fome de antes, resignado em muitos momentos e em um contentamento (aparentemente) resoluto.

    Sua roda de amigos é formada por outros artistas, mostrados como pessoas idosas, decadentes, que vivem de suas obras passadas. A reflexão é semelhante ao cinema felliniano, variando entre momentos de contemplação e adrenalina extrema. Nos momentos em que a jovialidade é mostrada, a rotação é acelerada, enquanto o registro das ações idosas é vagaroso. Visão direta de Jep, dessa vez julgando seus semelhantes. Um travamento criativo (não escrevia um romance há tempos) garantiu a ele congelamento mental. Gambardella não precisou envelhecer, só experimentou o que quis, e, à sua maneira, despreza quem se entregou à velhice. Seu cinismo o faz desdenhar das pomposas opiniões alheias, reduzindo-as. A ausência de ambição aumentou sua desfaçatez, que, por sua vez, afiou sua crueldade. Seu ímpeto em dias passados era não se tornar um mundano, mas um rei; queria a diferença, e sem perceber, perdeu a distinção.

    Ainda sobre o círculo social de Jep, quase todos são reféns da arte, mesmo os que não a praticam há muito tempo. Os que não são mais criativos a perseguem, tentam reavê-la, e os que ainda a exercem são seus escravos. A busca pela obra perfeita é subjugada pelo anseio de relevância; o reconhecimento os define. É um mal, uma muleta para os artesãos, causa malefícios, simbolizados pelas rugas no rosto, que, por sua vez, são o esconderijo onde o talento se esconde.

    A morte e a perda de pessoas importantes arranham a superfície da cúpula de onipotência do escritor. Aos poucos ele volta a ter as sensações que pensava haver perdido, e o estopim da mudança vem por meio da última pessoa que ele poderia imaginar. Percebe com o tempo – e o público é levado a crer – que a boêmia é como a vida animal. Sem muito sentido, os excessos não trazem todo o gozo desejado.

    A incessante procura pela inspiração – chamada por Sorrentino de Beleza – é encontrada junto à morte. A vida, cheia de falatórios infindáveis, esquece-se do silêncio catalisador dos sentimentos. A miséria, a tristeza, tudo isso pertence à vida, à fantasia, à ilusão…

    “Termina sempre assim. Com a morte. Mas primeiro havia a vida. Escondida sobre o blá, blá, blá. Está tudo sedimentado sob o falatório e os rumores. O silêncio e o sentimento. A emoção e o medo. Os insignificantes, inconstantes lampejos de beleza. Depois a miséria desgraçada e o homem miserável. Tudo sepultado sob a capa do embaraço de estar no mundo. Blá, blá, blá, blá… O outro lado é o outro lado. Eu não vivo do outro lado. Portanto… que este romance comece. No fundo… é apenas uma ilusão. Sim, é apenas uma ilusão”.

     A história trazida por Sorrentino é das mais universais, encaixa-se em praticamente qualquer vida humana, e ainda assim é única. Por sua doce e leve abordagem, pode-se inferir certa emulação de Federico Fellini em seus melhores momentos (La Dolce Vitta, e Amarcord especialmente), mas as reflexões de vida em seu texto são voltadas também para a contemporaneidade. Possui fotografia impecável e roteiro tocante, além da magistral atuação de Toni Servillo. Um dos maiores acertos cinematográficos de 2013.

  • Crítica | Ladrões de Bicicleta

    Crítica | Ladrões de Bicicleta

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    Em 1948, a Europa, e principalmente a Itália, estava sob a sombra do pós-guerra: viúvas e mães sem filhos, jovens feridos, pobreza, desemprego e a memória ainda muito fresca do nazismo formavam a paisagem. A Segunda Guerra representa, culturalmente, um marco tão importante não só pelo número concreto de mortos e feridos, mas porque simbolicamente foi o fim de um projeto, o fim da ideia da Europa como marco da civilização e progresso, o fim de um mundo que acreditava que ciência e racionalidade só podiam trazer o bem. No centro do velho continente havia mais barbárie que nos confins da África, foi a grande descoberta do povo europeu.

    Se é um novo mundo, é necessária uma nova arte e, consequentemente, um novo cinema. O pós-guerra marca o início dos movimentos de modernização que culminariam nas diversas “Nouvelle Vagues” ao longo da década de 60 e na liberdade de diretores como Federico Fellini e Ingmar Bergman. Na Itália essa mudança vem com o nome de Neorrealismo.

    O Neorrealismo, como a maioria dos “movimentos” do cinema, não era um grupo organizado ou unificado, mas sim um momento da produção italiana em que diversos cineastas, cada um de forma individual, pareciam caminhar na mesma direção. Embora não exista um manifesto, ou um conjunto de regras, algumas características marcam os filmes neorrealistas: eles saem do estúdio e passam a filmar em externas, trazem personagens “do povo”, buscam olhar para os problemas sociais da Itália da época, trabalham com frequência com não-atores. A ideia é, como o nome do movimento indica, captar a realidade o máximo possível.

    Ladrões de Bicicleta é tido como um dos filmes marcos do Neorrealismo e, a princípio, ele é de fato um ótimo exemplar. O filme narra as dificuldades que um operário desempregado enfrenta para sustentar a família, é quase todo filmado em externas e o protagonista é interpretado por um verdadeiro operário de fábrica. Mas são inovações apenas de produção e o longa de De Sica permanece, em narrativa e linguagem, um filme clássico.

    O que não quer dizer que não seja uma obra prima do cinema. Mas há, efetivamente, pouca novidade em Ladrões de Bicicleta, ainda mais quando comparado com os outros filmes significativos da época, como Roma, Cidade Aberta e A Terra Treme. A narrativa acompanha Antonio, um operário desempregado que encontra uma possibilidade de emprego como pregador de cartazes, mas que logo no primeiro dia tem sua bicicleta roubada. Mas De Sica, ao contrário do que faziam seus contemporâneos, não se satisfaz em deixar a realidade e a miséria falarem por si só, ele é didático, emotivo e aproxima seu filme de um melodrama: a cena no restaurante não é realista, é milimetricamente construída para emocionar o espectador.

    Mesmo o momento em que alguma ambiguidade moral entra em cena e Antonio ensaia ser um anti-herói (o anti-herói, o bandido charmoso e sem moral, seria o personagem preferido das Nouvelle Vagues) a coisa foi contada de tal forma que o protagonista não chega nem perto de ser um ladrão, ele é uma vítima, um mártir. Os personagens de De Sica não são figuras anônimas da massa romana, como nos filmes de Rosselini, mas personagens “especiais”, heróis de suas próprias histórias, mesmo que estas sejam tristes, como em qualquer narrativa clássica.

    O Neorrealismo é uma resposta a um mundo de menos certezas, menos preto no branco. Roberto Rosselini mata sua protagonista nos primeiros quinze minutos de filme, Visconti sequer elege um personagem principal em A Terra Treme, a cidade e a multidão invadem seus filmes. Mas não Ladrões de Bicicleta. O rosto de Antonio aparece em close diversas vezes, assim como o da criança, mas a miséria generalizada do país não aparece, o protagonista é construído como um ser azarado, um sofredor individual, e não como um exemplo de uma situação maior.

    Ainda assim, Ladrões de Bicicleta é um lindo filme, De Sica conduz sua história com delicadeza e simpatia. Há humor e a cena final é, sem dúvidas, um dos grandes momentos da história do cinema. É um drama muito bem feito, mas o tema e a forma de produção são apenas uma fachada de novidade, essencialmente é um filme clássico, ainda mais quando colocado ao lado de obras revolucionárias. Um dos grandes momentos do cinema, mas não um momento que mudou seus rumos.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Reality

    Crítica | Reality

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    Matteo Garrone ganhou projeção internacional  em 2008 com Gomorra. Sua adaptação do polêmico livro de Roberto Saviano foi elogiado em festivais como Cannes e Veneza, e celebrado como um retorno do cinema italiano ao neorrealismo: filmes voltados para a crítica social e tão comprometidos com um retrato acurado da realidade que diversas vezes utilizavam amadores em vez de atores profissionais.

    Gomorra é um filme cru e violento, um soco na cara do espectador que em momento nenhum pede desculpas ou tenta amenizar o terror daquilo que conta. Reality é exatamente o contrário. O novo trabalho de Garrone é novamente filmado com não atores, no sul da Itália e falado em napolitano, mas é uma comédia, uma sátira ácida e divertida, um filme agradável sobre um tema tão pertinente quanto a máfia italiana.

    Luciano é um pescador de Nápoles, querido no bairro. Ele vive com sua mulher e filhas, todas elas obcecadas com a versão italiana do Big Brother. Um dia, em um passeio pelo shopping, ele decide se inscrever para a seleção apenas para que elas fiquem felizes. Um tempo depois Luciano é chamado para uma segunda fase do processo de seleção e passa a ficar obcecado com a ideia de se tornar uma estrela de reality show.

    O filme acompanha o crescimento do delírio e da paranoia de Luciano enquanto espera a convocação para o programa. Ele vende a peixaria, compra roupas novas, age como se tornar-se uma celebridade fosse questão de tempo. Poderia ser ridículo e engraçado, e é, mas é também patético e dolorido e Garrone acerta ao balancear e explorar todos esses sentimentos.

    Aniello Arena, que interpreta Luciano, não é ator, mas seu carisma é um dos grandes trunfos do filme. O personagem é simpático, amável e extremamente humano. Luciano se veste de mulher no casamento dos amigos, diverte os clientes da peixaria, canta e dança nas festas locais. Em sua comunidade, Luciano é um homem especial e a queda que ele sofre é justamente a descoberta de que no fundo ele é apenas ordinário.

    Em oposição a Luciano, o filme apresenta Enzo, um desses ex-BBBs que acabam se tornando celebridades por um mês graças a uma mistura de beleza e clichês de auto-superação. Enzo tem apenas uma frase de efeito, nenhum carisma, nenhum talento, mas a televisão fez dele uma estrela. Enzo foi escolhido entre milhões de italianos e, portanto, deve ter algo de especial, algo que o destaca da multidão e é essa confirmação, a confirmação de estar destinado a grandes coisas que Luciano aguarda.

    Reality é uma comédia, Aniello e Garrone constroem um Luciano simpático e garantem que o espectador ria o tempo todo de seus delírios de grandeza. Ao mesmo tempo o diretor não poupa acidez e não hesita em desnudar o que realmente faz com que reality shows tenham tanto sucesso e causem tanto fascínio. Ao contrário de Gomorra, aqui o tema incômodo vem embalado em açúcar, mas isso não diminui em nada a sua força. Reality é um filme incômodo, forte e com um final maravilhoso.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Era Uma Vez no Oeste

    Crítica | Era Uma Vez no Oeste

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    Sergio Leone já era considerado um dos maiores gênios do gênero ao resgatar os faroestes como grandes filmes e não mero entretenimento, tudo isso graças aos excelentes Por um Punhado de Dólares e suas continuações, ele agora queria trilhar novos horizontes, mas por uma imposição da Paramount, que só arcaria com os custos de seu novo filme caso ele fizesse mais um Western e graças a essa imposição, Leone traz ao público um faroeste muito diferente de tudo o que já havia feito até então e se reinventa com Era uma Vez no Oeste.

    Cheio de conceitos e cenas brilhantes como o próprio início do filme, onde em plena tarde, sob um sol escaldante, três homens armados chegam a estação de trem, aparentemente, não querem viajar, apenas aguardam algo. E como aguardam. Com enquadramentos belíssimos, que remetem ao mais puro tédio, Leone amplifica o som de uma goteira onde estava um dos homens que esperava, enquanto o outro é incomodado por uma mosca persistente e irritante. Todo o som é voltado para essas pequenas coisas, tornando-as mais irritantes do que já são, tudo isso somado ao excelente trabalho de câmeras de Leone, transforma a cena uma das mais antológicas do cinema.

    Finalmente surge o que esperavam, o trem, mas o que querem ali? Os três homens procuram por alguém, de arma em punho, pistolas engatilhadas, mas nada encontram. O apito do trem soa novamente, sinalizando sua saída e começa a andar. Os três homens não encontram o que queriam e dão as costas, eis que ouve-se o som de uma gaita e todos viram bruscamente em direção ao trilho e se deparam com um homem com uma gaita em suas mãos. Corte.

    Toda a cena inicial descrita acima, não tem um diálogo sequer, apenas o poder da imagem, e Leone usa isso como ninguém durante todo o filme. Mostrando um estilo muito diferente da clássica trilogia dos dólares que o havia consagrado, o Diretor se reúne com Sergio Donati, Bernardo Bertolucci e Dario Argento para escrever o roteiro de um Western diferente de tudo que já havia sido feito. Se engana aquele que julga Era uma Vez no Oeste como um mero “bang bang”, pois ele está muito mais para um drama ambientado no velho oeste. O Roteiro é profundo, não deixa espaço para canastrices, como era comum nos filmes com o Clint Eastwood, talvez por isso, a escolha de Charles Bronson é tão acertada, o personagem dele é frio, calado e impõe sua vontade à força quando se faz necessário.

    A motivação de seu personagem é um mistério até o final da sequência, vamos apenas nos deliciando com seu desejo de vingança cena-a-cena. O antagonista interpretado por ninguém menos que Henry Fonda é mais um entre tantos pontos acertados. Fonda foi imortalizado pela suas interpretações de bom moço, e aqui temos ele como o vilão sujo e implacável da história. Há de se ressaltar as brilhantes interpretações de Claudia Cardinale, faz o papel de uma ex-prostituta que acaba de chegar na cidade para se casar com um fazendeiro víuvo e pai de três crianças, álias, o que é a primeira cena dela, onde temos a personagem descendo do trem e Leone com o plano fechado nela, seguindo seus passos para de repente se afastar e abrir o plano bem ao alto, para vermos toda a grandiosidade do cenário. A personagem de Cardinale, Jill, tem papel fundamental na trama e isso é muito importante para entender a evolução do Cinema de Leone, que nunca havia dado nenhum papel importante para mulheres. O outro personagem que merece ser comentado é Cheyenne, interpretado por Jason Robards, este é o personagem que faz contraponto ao jeitão sisudo de Bronson, e consegue tirar um pouco o peso dramático, remetendo ao velho estilo de faroeste que todos estavam acostumados. O fato é que Cheyenne é um dos melhores personagens do filme.

    O filme cria tensão a cada cena, tudo em ritmo bem calculado. Leone buscou um sentido para cada cena que captava, o close nos olhos de Bronson e Fonda no duelo final é um bom exemplo disso. Outro ponto que merece ser comentado é a trilha sonora composto por Ennio Morricone, ou mesmo a ausência desta e a maximização dos sons naturais, como o vento, ou mesmo a goteira e a mosca, já comentados anteriormente, e é claro, a gaita de Charles Bronson, que se tornou até o nome do personagem “O Gaita”. Sem dúvida, o melhor trabalho de Morricone até então.

    Era uma Vez no Oeste é uma obra de arte dos cinemas. Obrigatório não só para os apaixonados por western, Sergio Leone ou os atores citados, mas sim para todos os amantes de cinema.