Tag: cinema polonês

  • Crítica | Torre: Um Dia Brilhante

    Crítica | Torre: Um Dia Brilhante

    Jagoda Szelc traz uma história familiar complexa e cheia de reviravoltas em Torre: Um Dia Brilhante, filme polonês que começa com uma tomada aérea, documentando de certa forma a viagem de pessoas à área rural onde haverá uma reunião familiar. A trama gira em torno, principalmente, de Mula (Ana Krotoska), que mora com o marido e com a filha adotiva Nina (Laila Hennessy). A menina fará sua primeira comunhão. A visita da família, em especial de sua irmã mais nova Kaja (Małgorzata Szczerbowska) estremece as relações, já que ela é a mãe biológica de Nini.

    Os conflitos e demais fatos se desenrolam lentamente, mesmo entre Mula e Kaja. Quando as duas são postas em tela se percebe uma tensão e nervosismo, revelando uma vontade de explodir de ambas mulheres, e os parentes que não tem nada a ver com isso, assistem passivos a essa guerra não declarada, entre refeições, conversas amenas, passeios no parque e idas à igreja.

    A parte lúdica varia entre cenas que são claramente fantasiosas com as crianças brincando, e em outras em que o terror de impera sobre o imaginário dos familiares. Esses momentos de horror fazem menção as brigas que ocorrem ou que quase ocorrem. Mula sente que tem sentimentos de paranoia, e assume que precisa de ajuda, em um belo desempenho de Krotoska.

    Todo e qualquer evento que ocorre com as pessoas que cercam Mula e com a própria parecem despistes, momentos de distração para o mal que se aproxima. O destino que espera a personagem faz menção a chegada de algo mal, e serve de paralelo inclusive com o apocalipse. Torre: Um Dia Brilhante termina pessimista, prevendo que uma tragédia poderia acometer sobre a família, sendo o destino dessa tal tragédia ainda desconhecido.

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  • Crítica | Phoenix

    Crítica | Phoenix

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    Nina Hoss dá vida à bela Nelly Lenz, cujas feições singelas foram “modificadas” quando encarcerada no campo de concentração nazista na Segunda Guerra Mundial. As ataduras que cobrem seu rosto escondem cicatrizes que fizeram de si um monstro sob a superfície da pele, com curativos que escondem suas dores, tanto no ego quanto na carne. Em Phoenix, filme de Christian Petzold, a melancolia é valorizada como um sentimento nobre, fruto do torpor das vítimas do Holocausto.

    A retirada dos curativos revela uma mulher desconfigurada, com medo e receio de encarar de frente o mundo, não encontrando sequer a própria identidade ao se olhar no espelho. O sentimento tem a função de resumir os malefícios que o descaso dos arianos causou no povo judeu, quando o deboche e a redução, tanto da população quanto da religião em si, eram aspectos absolutamente subalternos diante do genocídio e da limpeza étnica promovidos. Os acontecimentos que não traziam a morte não deixavam de ser tão assustadores quanto os que puseram fim em tantas vidas, ao contrário, fortaleciam a sensação de que os sobreviventes eram na realidade mortos viventes.

    A readaptação de Lenz à vida normal é feita de modo bem vagaroso, assim como seu retorno ao convívio com os que lhe eram caros no passado. O reencontro da moça com seu antigo marido, Johannes ‘Johnny” (Ronald Zehrfeld), é feito de um modo bastante emocional, agravado quando ele não a reconhece graças aos ferimentos no rosto de sua cônjuge. Aos poucos, ambos retomam uma relação, mas de modo bastante diferente do que ela esperava, reconstruindo todo o desconcertante casamento apesar de todo o teatro arquitetado pelo par masculino.

    A discussão presente no roteiro de Petzold aborda o horror e barbárie dos nazistas, mas em momento algum dá valor ou voz aos opressores, pelo contrário: a jornada de edificação é exclusiva dos personagens que tiveram seus direitos e liberdades cerceados. A evolução de caráter e de carisma visa reconstruir uma vida digna, como uma reforma faz em reerguer uma casa. O espectro de restabelecimento sentimental e moral é visto pelos que estão em volta como algo negativo, fazendo um eco incrivelmente atual com a dificuldade que minorias secularmente segregadas têm de fazer valer seus direitos, excluídas às vezes até por seus semelhantes.

    Johannes e Lenz “sofrem” uma tentativa de reconciliação, acompanhados de alguns poucos  chegados, que presentes estão para assistir ao reenlace dos dois, mas que pragmaticamente nada têm a ver com os dramas vividos tanto pelo casal quanto pelas partes em separado. São apenas espectadores que se munem de uma hipocrisia atroz, a qual em suma revela a fraqueza de sua índole. O canto de Lenz libera a aflição de sua alma, e incrivelmente só encontra reverberação no rosto do “marido”, com um enfoque especial da câmera em cada expressão facial deste, embasbacado por ter percebido a verdade tão tardiamente.

    O resultado final de Phoenix é um retrato sensível da parte de um realizador alemão, que assume para si a culpa pelos atentados aos inocentes nos anos 1930 e 1940, tomando o pecado nacional como se fosse exclusivamente seu. Algo semelhante ao sacrifício na crucificação de Jesus Cristo, perdoando os descendentes da antiga Alemanha nazista. O tom poético do filme presenteia a plateia, mas faz ainda mais sentido àqueles que, ou sofreram as agruras do Holocausto, ou guardam em seu sangue a marca da barbárie imposta aos povos de origem semita.

  • Crítica | Ida

    Crítica | Ida

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    Neve. Jardim. Pegadas na neve do jardim, ou no jardim de neve, nunca saberemos… Tudo mais branco que preto. Neve, mais neve, muito mais, e nela um brilho causado pelo que lá se cria e levanta, mesmo com o mundo engolido pela desolação térmica. O cosmo de Ida é assim, preto no branco e vice-versa, óbvio e silencioso, muito diferente daquilo que os snow flakes em Millennium, de David Fincher, escondem, num filme muito mais antigo, porém filmado em 2013. É orgulhosamente defasado, sem-vergonha quanto a isso por ser totalmente contemporâneo, debaixo dos panos, do hábito católico – por sua técnica tão antiga quanto qualquer monocromia de Ingmar Bergman, potencializada pela tecnologia de luz, sombra e de temas ainda relevantes hoje em dia. Um filme maquiado de velho e que engana quem não vê, sequer sente o que está além.

    Ida é um dos melhores filmes de 2014, e não é em vão. Sua excelência é um espelho sob o sol do meio-dia! O filme grita sem dizer nada, é um leque de assuntos sendo prata e pérola, e é universal tendo conventos como cenários contextuais, quase nunca ao ar livre, quase sempre tímido. Seu caráter de identificação subjetiva e abstrata explica a resistência por diálogos expositivos – o filme sente que não precisa dizer muito, já que os olhos fazem o trabalho dos ouvidos fácil, fácil. A cada close da noviça Anna (Agata Trzebuchowska, nasceu para o papel), águia em pele de pardal, a obra é despida em nosso subconsciente como um tiro na cara. A gente sabe o que vê, mas explicar é outra história. Quando Anna vai assistir, no escuro, na surdina, a um concerto de rock’n roll em uma de suas viagens pela Polônia com sua tia Wanda (Agata Kulesza), seus olhos desenham a aquarela de um primeiro amor totalmente incompreensível, temeroso ao extremo tanto quanto inocente acerca do instinto que brota debaixo do manto negro, moral e muito mais que só o espectador poderá – ou não – decifrar.

    Obra, portanto, de causas e consequências, muito bem contrabalanceadas sem quase um pio. A religião é, contudo, nem uma nem outra, e sim meio, caminho regulador começado no difícil passado familiar da noviça, e de término incerto até o final, um fim no mínimo surpreendente devido, o qual somos (des)preparados para aceitar, no desfecho.  A todos quer afetar com semi-conclusões e dínamos atirados a interpretação, à lucidez obrigatória do público, o diretor Pawel Pawlikowski, filósofo e escritor europeu, faz qualquer um esquecer-se da popular Polônia dos filmes antigos de Andrzej Wajda ao usar e abusar dos aspectos sóbrios, emocionais e misteriosos de outros mestres, como Carl Theodor Dreyer (A Palavra), Kenji Mizoguchi (Rua da Vergonha), Yasujirô Ozu (Era Uma Vez em Tóquio), Claude Chabrol (Os Primos), Jacques Rivette (lembrado nas cenas externas), ou o próprio Ingmar Bergman (Persona é influência óbvia), sendo Anna a provável versão feminina do santo Francisco, do clássico de 1950 de Roberto Rossellini, mas com uma certa angústia interna que remete ao Zé do Burro, de O Pagador de Promessas. O Cinema dorme em paz quando trata de emoções humanas.

    Anna é a Madalena que foi para o mar, na menção a Chico Buarque. Foi ao mundo, outro mundo, o de céu azul, azul original que Michelangelo reproduziu na capela. Um road-movie banhado na decisão pessoal de almas livres, ainda que, no filme, pesadas e trancafiadas por preceitos às vezes corrosivos nos direitos de ir, vir e ser. Tal resolução encontra seus desafios na história e seu tempero na roda de valores do filme, valores céticos apenas à falta de liberdade humana e de identificação de um ser diante do livre-arbítrio e que consiste em ser, por fim, um ser coletivo e individualmente emocional e plural. A noviça vai aprendendo isso na estrada, ao empinar pipa com sua vida no papel, lá em cima. Sempre temerosa, em contraste com a autoconfiança e mão leve de Pawlikowski, sempre ciente das escolhas e rumos do seu filme. Bela obra, ademais além de sua aparente algidez albina.

  • Crítica | Essential Killing

    Crítica | Essential Killing

    essential killing

    Essential Killing é um daqueles filmes cujo título traduzido não consegue passar toda a complexidade de seu título original. Não por culpa da tradução, mas sim do idioma. Recheado de simbolismos e praticamente sem diálogos, cabe ao espectador tentar traduzir e compreender tudo o que se passa na tela.

    Vincent Gallo interpreta (e muito bem) um terrorista afegão que após matar três americanos em seu país natal, é preso, torturado e transportado de prisão em prisão, até que, após um acidente, consegue fugir. E é aí que seu martírio pela sobrevivência realmente começa.

    Contrastando com a violência desproposital dos métodos da “guerra ao terror” dos EUA, o fugitivo Mohammed tenta fugir no meio da neve (que parece ser ao norte da Europa, já que não é dito em momento algum) e em meio a essa fuga, passará por diversas privações e desafios, tendo que matar homens e animais, de qualquer meio possível, para conseguir escapar.

    Porém, como diz o título, suas mortes são “essenciais” a sua sobrevivência, desprovidas de violência por violência ou de um sadismo, mas cheias de medo, desespero e tristeza por estar fazendo aquilo, já que a todo momento ele tem flashes de memória de sua vida em seu país, ou como ele queria estar longe daquilo tudo. Somos também contrastados com a violência profissional do exército americano, pois todos estão ali, “cumprindo o dever”, e um deles é morto enquanto recebe a notícia de que teve gêmeos, o que nos faz pensar em como pessoas comuns, país de família, conseguem separar a crueldade do seu dia-a-dia no trabalho da vida particular. O impacto da violência desenfreada no mundo atinge todos os níveis de pessoas, em todos os países.

    Conforme o personagem se adapta a cada situação, vemos também suas roupas mudando, como se a cada nova peça de roupa, de cor diferente, um pouco do antigo ser deixa de existir, e um novo toma lugar, sem deixar opção ao dono.

    Com uma duração curta, de 1h24, Essential Killing nos mostra de forma simples e direta a diferença básica entre os tipos diferentes de natureza, e dentro da natureza humana, e como nos relacionamos entre si e com ela, nas diferentes situações, onde o próprio protagonista vira, no final, parte da “matança necessária” (ou seria nesse caso desnecessária?) no ciclo da vida.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.