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  • Resenha | Kaori: Perfume de Vampira – Giulia Moon (2)

    Resenha | Kaori: Perfume de Vampira – Giulia Moon (2)

    Kaori - Perfume de Vampira - Giulia Moon

    H.P. Lovecraft acreditava que “a emoção mais antiga e mais forte da humanidade é o medo”, linha de pensamento que, acredito, explica o curioso fato de que, a despeito das grandes e às vezes intransponíveis diferenças existentes entre as nações espalhadas mundo afora, alguns mitos macabros parecem ser universais, contando com versões próprias nas mais distintas culturas. Lendas relacionadas a fantasmas e mortos-vivos, por exemplo, parecem ser familiares aos folclores de quase todos os lugares. Os vampiros também estão entre as criaturas fantásticas que povoam o imaginário de povos distintos, e, apesar dos muitos produtos de qualidade duvidosa que vem deles se utilizado nos últimos tempos, a exemplo da Saga Crepúsculo e de The Vampire Diaries, esses seres ainda nos rendem histórias interessantes, como prova Kaori – Perfume de Vampira, de Giulia Moon.

    Publicado em 2009 pela Giz Editorial, o livro marca a primeira investida da autora paulista no campo romance. À época, no entanto, Moon já ganhara algum respaldo como contista, tendo lançado três coletâneas próprias – Luar de Vampiros, de 2003, Vampiros no Espelho & Outros Seres Obscuros, de 2004, e A Dama-Morcega, de 2006 – e participado de uma antologia, publicada em 2008 e intitulada Amor Vampiro, na qual também se encontravam trabalhos de outros seis autores. Foi nesta última obra, à qual submeteu o conto Dragões Tatuados, que os personagens Kaori e Samuel Jouza, protagonistas do romance que chegaria às livrarias no ano seguinte, foram apresentados ao público pela primeira vez.

    Provavelmente em razão dos muitos anos dedicados à fórmula do conto, o romance de estreia de Giulia Moon segue um modelo fragmentado, dividido em dois tempos narrativos bastante distintos: o Japão do Período Tokugawa e a São Paulo do ano de 2008. Assim, em vez de uma única história de longo fôlego, que no decorrer de suas 371 páginas correria o risco de cansar o leitor, Kaori é uma obra construída por pequenos, porém intensos sopros de tramas intercaladas.

    No primeiro cenário, a personagem-título, cujas nuances de caráter conhecemos por meio de sua interação com o artista José Calixto, tenta sobreviver no Edo bakufu, entre samurais, casas de prostituição, jogos de poder e outros aspectos que marcaram esse sangrento período da história japonesa. Fugindo do ideal infanto-juvenil que, como já mencionado, tomou conta das produções com temática vampiresca mainstream nos últimos anos, a escritora, mais alinhada com as ideias sombrias de criadores como Anne Rice e André Vianco – talvez o expoente máximo da atual ficção especulativa nacional – constrói um enredo que tem a violência e o sexo como ingredientes importantes.

    Ainda em se tratando da porcentagem da história que se desenrola no Oriente, importante frisar o trabalho de pesquisa realizado pela autora, que representou de modo natural, por meio de expressões e hábitos culturais, uma evolução de mais de dois séculos na sociedade nipônica, uma vez que o livro abrange o Xogunato desde 1647 até 1856. Contudo, faço uma ressalva ao uso exacerbado de expressões idiomáticas japonesas, que, embora venham sempre acompanhadas das necessárias notas de rodapé, por vezes soam dissonantes, incômodas em meio à prosa em português.

    Falando em português, a segunda metade da trama se passa na capital paulista e tem Samuel Jouza, que possui o estranho ofício de observar e catalogar espécies de vampiros, no centro da ação. Embora, ao menos para mim, essa fração urbana da aventura seja um tanto desinteressante em relação à parte do livro que se passa no Japão feudal, uma vez mais devo elogiar a ambientação feita pela autora. Não, a São Paulo vista no livro não é aquela em que vivo, e os personagens que por ela transitam certamente não falam como paulistanos típicos. Porém, não vejo isso como um defeito, pois acredito que uma das grandes falhas da literatura fantástica brasileira seja sua aparente incapacidade de retratar o cotidiano nos grandes centros e a fala coloquial de seu povo; quando tentam, o resultado usual é um amontoado de gírias e palavrões que soam artificiais, quando não, ridículos. Bem, Giulia Moon não incorre nesse erro. Sua linguagem é formal, por vezes “travada”, mas, assumindo-a como tal, o resultado obtido é uma leitura muito mais fluída que o pastiche de português “despojado” que povoa as páginas de algumas publicações.

    Intercalando esses dois tempos narrativos sem gerar confusão ou desgaste, a obra prova ser um romance de estreia bem-sucedido, capaz de fazer mesmo alguém como eu, naturalmente preconceituoso em se tratando de literatura fantástica, e mais ainda no tocante a sua vertente nacional, ficar interessado por suas continuações, Kaori 2 – Coração de Vampira e Kaori e o Samurai sem Braço, de 2011 e 2012, respectivamente. Em suma, Kaori – Perfume de Vampira não é muito mais que uma história competente de terror e suspense. Mas, tendo a proposta em mente, o que mais poderia querer?

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    Texto de autoria de Alexandre “Noots” Oliveira.

  • Resenha | Kaori: Perfume de Vampira – Giulia Moon

    Resenha | Kaori: Perfume de Vampira – Giulia Moon

    Kaori - Perfume de Vampira - Giulia Moon

    ”[…] Naquele instante, o dragão rutilante soltou-se da pele alva da vampira e deslizou, célere, ao encontro do seu par. O dragão negro de Samuel percorreu, liberto, o corpo masculino, sua tela e sua prisão, até atingir a pele perfeita da amante, as suas nádegas, o seu ventre, o seu sexo. De repente, entre os dois corpos imersos no frenesi do amor carnal, as duas criaturas fabulosas encontraram-se, numa explosão de fogo e volúpia. […]”

    Depois desse começo quente, vou falar um pouco sobre esse livro esfuziante que li em 3 dias de tanta curiosidade pela história e fascínio pelos personagens.

    Kaori (traduzindo, significa perfume) está mais para biografia do que um romance (mas não pensem que é só isso, existem muitas partes de aventura e ação, além de doses de erotismo), já que o livro conta as aventuras dessa vampira nipônica desde o ano de 1647 (Período Tokugawa) até 2008 (Era Heisei).

    Pra entendermos o rumo que a personagem traça e a influência causada e sofrida por ela, devemos pensar no ensinamento do mestre dela: ”O que você sabe sobre o destino? Menina tola. Ninguém é dono do seu destino se não tem poder para mudá-lo.” [página 64]. Seguindo essa linha, no livro vemos como algumas atitudes da personagem geram reações voluntárias ou involuntárias de outros, ou mesmo, como o sobrenatural é cultivado dentro da sociedade atual e nos tempos feudais.

    Cada capítulo do livro reserva uma surpresa, mínima, mas sempre presente. A própria disposição dos capítulos é diferenciada, pois temos um capítulo tratando do presente, outro, do passado (dezoito capítulos marcados em numerais arábicos [presente] e mais dezoito marcados em numerais romanos [passado], somando prólogo e epílogo, nas 371 páginas do livro), com um final, na minha opinião, bom, mas não tanto quanto eu esperava.

    Mais algumas considerações: personalidade de cada ser vivo ou ‘não morto’ bem trabalhada, exceto de um que é somente mais explorado no final; localidades bem assimiladas transportando assim o leitor para o lugar, ou mesmo, o fazendo imaginar, sentir, ”respirar” a paisagem; acho que faltaram algumas doses de comédia com alguns personagens e/ou situações; senti muita falta da situação que deveria envolver (não pensem besteira) Takezo e Samuel.

    Durante todo esse tempo somos apresentados à algumas criaturas do folclore oriental como Nekomata (No Folclore Japonês, um gato com habilidades sobrenaturais parecidas com as de uma Kitsune ou de um Tanuki.), Tengu ( São criaturas fantásticas do folclore japonês, uma espécie de duende cujas lendas possuem traços tanto da religião budista quanto xintoísta, habitam florestas e montanhas. Eram desenhados de duas formas diferentes: Os karasu tengu : com o corpo humanoide, mas uma cabeça de corvo, ou, Os konoha tengu: com feições humanas, mas dotados de asas e longos narizes. Os konoha tengu eram representados às vezes carregando uma pena. Máscaras representando seus rostos eram muito usadas em festivais.), kyuketsukis (denominação japonesa dos vampiros, composta pelos fonemas: kyu = sugador, ketsu = sangue, ki= demônio), já a outra espécie de bichos que aparecem no livro, os canis famélicos, não achei registros na cultura oriental, só os cito pra não falarem que esqueci.

    Um outro ponto interessante é a diferenciação das classes da sociedade do final do período feudal/começo do período Meiji (abertura dos portões do Japão após 250 anos fechados para o comércio externo, por interferência dos americanos, Almirante Mathew C. Perry, período que o Imperador volta ao poder, desprestígio do Xogum [general e chefe militar, encarregado da proteção do império]):

    – Mercadores (pai da Kaori, Gombei, dono de uma venda de dangôs, Dangô ya);
    – Daimyôs (Lorde Shin-nô, o típico senhor feudal [tradução de daimyô] do final do período Tokugawa);
    – Samurais (Wakabara Kodo, que demonstra muito do significado do bushidô [bushi = guerreiro, dô = caminho, portanto, caminho do guerreiro], os princípios que regiam [ou deveriam reger] a conduta do samurai).

    Algumas das figuras históricas citadas: Myamoto Musashi (considerardo o mais forte e também criador do estilo Niten Ichi Ryu [Ni = dois, Ten = céu, Ichi = Um, Ryu = Dragão ou usado para denotar quando se refere à um estilo de arte marcial, esse estilo é ensinado até hoje, sendo composto pelo combate com uso de duas armas: katana e wakyzashi] e escritor do livro Go Ring no Sho [Livro dos Cinco Anéis]); Oda Nobunaga, Hideyoshi Toyotomi e Ieyasu Tokugawa (três grandes generais responsáveis pela unificação do Japão, sendo que Ieyasu é quem cria o cargo de Xogúm e mantém por hereditariedade de 1603 até 1853, ano da chegada de Perry a Baía de Edo).

    Uma última explicação: ”mas afinal, de onde vem essa coisa de eras?” ou, ”o que é Tokugawa e Showa?” vocês devem estar pensando, eis a explicação: A família imperial japonesa mantém-se de forma contínua no trono desde o princípio do período monárquico, no século VI a.C.. Do ponto de vista religioso, os imperadores traçam sua ancestralidade até o reinado dos deuses sobre a terra, dos quais seriam descendentes e o Imperador Jinmu é o primeiro mortal da linhagem imperial. Atualmente o trono pertence ao Imperador Akihito, lá é o mesmo caso da Inglaterra, um sistema parlamentar de governo, isto é, de acordo com a Constituição de 1947 o Primeiro Ministro é quem comanda o país mesmo existindo a Família Imperial.

    Obs: Pra um melhor entendimento do livro, recomenda-se a leitura do conto Dragões Tatuados, do livro Amor Vampiro (Editora Giz, 2008).

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    Texto de autoria de Hatake Diogo.