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  • Crítica | A Caçada

    Crítica | A Caçada

    Escrito por Damon Lindelof e Nick Cuse (Lost, The Leftovers, Watchmen), dirigido por Craig Zobel, essa produção da Blumhouse gerou um certo falatório quando surgiram notícias de que o público reagiu mal às exibições-teste do longa-metragem. A grande questão, conforme foi dito à época, seria o conteúdo político e ideológico do filme, abordado de maneira sarcástica e violenta. Quando seu trailer estreou, mais polêmica, inclusive com o Presidente Donald Trump comentando, ao lado de conservadores e liberais, e o filme acabou sendo adiado de 2019 para março de 2020. Dessa forma, é natural que os espectadores aguardassem um filme realmente controverso, repleto de polêmicas e questionamentos sociais. Infelizmente, nada disso existe.

    Na trama, um grupo de pessoas acorda no meio de um campo, em uma cena que emula Jogos Vorazes, e começam a ser caçadas antes que consigam se armar para se defenderem dos caçadores. A partir daí, começa um grande jogo de sobrevivência que envolve ricos entediados, uma veterana de guerra, refugiados e crítica sociais superficiais. Enfim, uma trama interessante, mas que a medida que o roteiro avança se torna cada vez mais repleta de pontas soltas e escolhas equivocadas.

    Nota-se que a intenção do roteiro de Lindelof e Cuse era levantar questionamentos sobre atuais problemas da sociedade, tais como a polarização política e ideológica, preconceito social e cultura do cancelamento. Entretanto, tudo é feito de forma mal-ajambrada, com situações sendo apresentadas sem um fio condutor minimamente seguro que faça a trama se desenvolver. Não ajuda em nada o fato de que o filme parece ter sofrido cortes severos durante sua montagem, visto que em vários momentos os personagens aparecem e desaparecem sem qualquer lógica de continuidade. Não existem arcos narrativos concisos que mostrem como eles chegaram até ali e tiveram certas conclusões, ou ainda, porque as relações interpessoais evoluíram até aquele ponto. Outro ponto extremamente desagradável é que o longa se apoia o tempo todo em arquétipos, o que por si só não é um problema, se houvessem outros atrativos para ser apresentados, o que não ocorre, de modo que nenhum personagem se desenvolve minimamente ou ao menos seja apresentado como alguém unidimensional. Não existem nuances ou qualquer grau de personalidade minimamente real.

    Entretanto, existem alguns pontos positivos no filme: as atuações das protagonistas Betty Gilpin e da vilã interpretada por Hillary Swank. Enquanto a primeira se apresenta como uma perfeita caipira americana, a segunda faz uma composição de vilã que consegue despertar alguma simpatia, mesmo repleta de sadismo e violência. O diretor ainda consegue entregar algumas boas cenas de ação, em especial a luta final muito bem coreografada entre as duas personagens citadas.

    A Caçada poderia ser um ótimo filme repleto de críticas pertinentes a certos questionamentos da sociedade atual, mas acaba entregando somente uma aventura rasa que não serve nem ao menos como um bom passatempo.

  • Review | Watchmen

    Review | Watchmen

    Watchmen está entre os grandes clássicos dos quadrinhos. A DC Comics já havia tentado lucrar com as figuras dos quadrinhos de Alan Moore e Dave Gibbons, com o desprezo extremo do primeiro desses, e depois de Antes de Watchmen e da minissérie O Relógio do Juízo Final, foi a vez de Damon Lindelof (Lost e Leftovers) se juntar a diretora Nicolle Kassell para dar a sua versão da continuação da história criada por Moore há mais de 30 anos.

    Sabiamente, os produtores escolheram que Watchmen fosse uma história curta e sem chances de continuação. Todo o seu drama e ação se desenvolvem ao longo de nove episódios que envolvem discussões sociais e políticas, principalmente na figura da Sétima Kavalaria, um grupo supremacista branco que utiliza a figura de Rorschach como símbolo de sua atuação. Muito se falou a respeito da interpretação equivocada das falas que Walter Kovacs, o Rorschach, pregava, mas ao ler o Diário enviado ao tabloide, não é de se admirar que reacionários tenham abraçado sua causa, e esta foi uma das grandes sacadas do roteiro.

    Os personagens novos predominam na trama. A escolha de Tulsa, Oklahoma, como cenário também evoca as disputas ideológicas e raciais. A história é contada a partir da família de Angela Abar (Regina King), a vigilante que usa o codinome de Sister Knight. Em sua cidade o vigilantismo é não só permitido, mas também encorajado desde que ocorreu um ataque a todos os policiais alguns anos antes.

    A publicação original possui muito material extra, e aqui há também alguns momentos que servem como paralelos ao Contos do Cargueiro Negro, como o seriado American Hero Story: Minutemen, que imita os show de TV de Ryan Murphy. Esse programa serve também para referenciar o passado de alguns personagens da primeira era.

    Da parte da “velha guarda”, o que se vê é uma decadência escancarada. Os antigos vigilantes são mostrados velhos, alguns bem decadentes, outros reinventados e cínicos em versões ainda mais duras do que as pensadas  originalmente. Tanto Jeremy Irons quanto Jean Smart tem participações soberbas, e produzem bons embates com Hong Chau e King.

    O formato dos episódios normalmente se dá com um epilogo, no passado que exemplifica como o mundo chegou aquele estado de um possível apocalipse novamente, agora por meio de conflitos raciais e não mais por Guerra Fria, seguido de um lento e providencial desenrolar dos plots e intenções dos homens, tanto dos poderosos como da milícia armada que protege Tulsa. A trilha sonora funciona, e na maior parte das vezes bastante acertada.

    Alguns momentos se valem demais da teatralidade, seja nas ações do personagem que faz Jeremy Irons, ou nos métodos que Tim Blake Nelson e seu Looking Glass faz ao empregar seu método de investigação. A forma como a tecnologia aparece também é bastante peculiar e curiosa, um modo inventivo de imaginar esse mundo que mesmo com o advento dos poderes do Dr. Manhattan, não tem acesso a coisas triviais, como a internet. Em um mundo real que possui seres super poderosos é natural que hajam mudanças significativas, sobretudo no saber político e na presunção das autoridades de que conseguiriam controlar os ânimos da humanidade, que basicamente, parece presa a ciclos bélicos de tempos em tempos.

    Cada episódio dedica-se em partes ou integralmente a resgatar as origens dos novos personagens, ou simplesmente reapresentar os velhos, e é certamente Sister Knight a mais rica dentre todos, seja pela completa perversão da condição de garota-refém – uma vez que é ela a chefe de sua família – como também no julgamento ingênuo que ela faz das pessoas que a cercam. Seu destino parecia pré-estabelecido, mesmo que ela não soubesse exatamente quem eram seus antepassados, e as surpresas envolvendo sua intimidade são certamente as mais assertivas e criativas dentro da série, principalmente no capítulo An Almost Religious Awe, que amarra seu passado com os inúmeros ataques da Klu Klux Klan e o levante anti-imperialista no Vietnã.

    Watchmen ainda consegue fazer um comentário bastante poético com Jon Osterman, que consegue enfim cumprir um dos seus desejos mais íntimos, com uma resolução que não pôde ser feita na sua primeira despedida, quando foi desintegrado nos laboratórios que deram origem aos seus poderes, fechando a trama principal com um final em aberto que foge da gratuidade e oportunismo, fato esse que acaba resultando em um produto bastante reverencial ao material original, por mais que Moore claramente preferisse que nem Lindelof e nem ninguém continuasse os passos além da graphic novel de 1986.

  • Crítica | Tomorrowland: Um Lugar Onde Nada é Impossível

    Crítica | Tomorrowland: Um Lugar Onde Nada é Impossível

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    A ficção científica como narrativa especulativa atravessa reflexões contemporâneas como base para projetar o futuro. No período da Segunda Guerra Mundial, obras distópicas como 1984, de George Orwell, e Fahrenheit 451 de Ray Bradbury focavam em um futuro totalitário e na completa ausência do indivíduo. O estudo da Cosmologia através dos tempos transformou seres de outro planeta em prováveis inimigos para estabelecer uma análise da evolução humana em várias obras, como O Jogo do Exterminador de Orson Scott Card e Contato de Carl Sagan.

    Tais cenários são utilizados frequentemente em narrativas como o futuro totalitário presente nos juvenis Jogos Vorazes ou na saga Divergente. São tendências que surgem como reflexo de cada tempo, conforme o contexto dos autores.

    Com este argumento em voga, é perceptível um crescimento de conceitos que questionam o futuro da Terra e suas transformações climáticas devido a ação humana. No cinema-catástrofe, o hiperbólico Roland Emmerich explorou o assunto em 2012 e, mais próximo do cenário de ficção científica, Danny Boyle dirigiu o eficiente Sunshine – Alerta Solar. Bem como Interstellar de Christopher Nolan também discutiu a sobrevivência da espécie à procura de outros habitats. A destruição futura do planeta também é tema de Tomorrowland – Um Lugar Onde Nada é Impossível, produção dirigida por Brad Bird em sua segunda incursão fora da animação, e obra cuja bilheteria tem sido aquém da esperada pela Walt Disney Pictures. Estrelado por George Clooney, o projeto de Bird, que também assina o roteiro ao lado de Damon Lindelof e Jeff Jensen, era aguardado com expectativa e, diante de uma história simples, e a esperança de uma grande obra de ficção científica foi deixada de lado.

    Grande parte da ficção científica trabalha com duas histórias dentro de sua narrativa, projetando um futuro provável para analisar o próprio ser humano. Muitas tramas são metáforas simbólicas para reflexões profundas e metafísicas de nossa própria evolução. A necessidade de produzir um filme familiar gerou um desafio natural para os roteiristas que precisavam equilibrar uma boa trama sem perder o escopo reflexivo. A solução foi transformar a história em uma aventura semelhante às da década de oitenta, evocando personagens juvenis como centro e lhes dando o poder para transformar sua trajetória, mantendo a fantasia dentro do enredo.

    Na década de 60, o pequeno Frank Walker é um inventor prodígio que participa de uma feira de invenções com um protótipo de um propulsor a jato. Mesmo o aparelho não empolgando Nix, um dos jurados do local, sua filha Athena confia na inteligência do garoto e convida-o para embarcar em uma aventura em uma cidade situada no mesmo espaço que a Terra, mas em outra dimensão. Habitado por cientistas, professores e intelectuais em geral, Tomorrowland é composto somente por mentes pensantes que desejam um futuro melhor sem os vícios do planeta Terra.

    A origem do garoto é apenas um preâmbulo para equiparar a história de Case Newton, uma adolescente que, como também o jovem Walker, acreditava ser capaz de modificar o mundo ao seu redor com a potência da imaginação e criação inventiva. Convocadas pela mesma Athena, as personagens devem salvar o planeta de uma iminente catástrofe.

    A aventura de fantasia é definida em um logo primeiro ato com uma hora de duração, firmando a parceria entre Casey e um velho Walker, interpretado pelo sempre galã George Clooney. O longo ato inicial evidencia a intenção de evocar a narrativa de outras décadas, tanto pela condução mais lenta como também na evocação de um universo inocente, conduzido por uma pureza juvenil. Ao contrário de obras como Os Goonies e E. T. – O Extraterestre a presença deste elemento puro não parece natural, mas inserida no contexto para ampliar o público e a bilheteria.

    Nestes dois exemplos de produções oitentistas, entre outras que poderiam ser citadas, os dramas envolvidos em cena eram densos, apesar da história simples. Principalmente, devido a uma época em que não havia amenidades nos conflitos em histórias infantis. Personagens lidavam com a morte e a perda como adultos também lidam com tais situações. Compondo sua base apenas com cores vibrantes, Tomorrowland evita, por consequência, um conflito, nem que seja o tradicional embate de mocinhos e vilões.

    A Disney vem tentando modificar o paradigma de suas histórias mas ainda não encontra uma maneira adequada de acrescentar novas camadas a sua outrora simplicidade bem equilibrada. Vê-se uma tendência em trabalhar argumentos em pares, utilizando em tramas diferentes as mesmas soluções narrativas. Assim como Frozen – Uma Aventura Congelante e Malévola compartilhavam o mesmo efeito moralizante do amor fraternal, essa produção se assemelha com o futuro colorido de Operação Big Hero: um local evoluído tecnologicamente em uma Terra desgastada em que personagens se destacam pelo caráter e a inocência – bem como a criatividade – e são inspiração para mudanças. Além da impressão de um reconhecimento prévio de um conflito visto em um recente filme do estúdio, a trajetória das personagens não parece urgente nem mesmo conflituosa como deveria, retirando qualquer potencial destrutivo do vilão interpretado por Hugh Laurie. Mesmo seu discurso megalomaníaco não parece ameaçador.

    Esteticamente a obra tem muita beleza, principalmente nos claros cenários do futuro e nos enquadramentos que demonstram um início de estilo na câmera de Bird. Porém, a falta de densidade retira a potência base de uma ficção científica projetada antecipadamente durante a divulgação do filme. Mesmo sendo apenas uma obra familiar entre aventura e fantasia, a intenção de ampliar o público impede que a história atinja com eficiência um desses gêneros e, diante disso, falta-lhe fôlego em qualquer uma de suas vertentes.

  • Crítica | Além da Escuridão: Star Trek

    Crítica | Além da Escuridão: Star Trek

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    O novo Além da Escuridão – Star Trek comprova que J.J. Abrams conseguiu o que parecia impossível: unir todo o universo da franquia sem atrair a ira dos fãs – que levam muito a sério o assunto e costumam não ser tolerantes com o que consideram infidelidade. J.J. fez uma reciclagem de temas, conflitos e personagens. E obteve o que muitos filmes recentes não alcançaram: pegar um universo incrustado na cultura pop, fortemente associado a atores diferentes dos que dispõe e, de alguma forma, fazer com que todos se importem como antes, colocando o entretenimento de qualidade para caminhar lado a lado com a inteligência.

    Se, no primeiro filme que assinou, o diretor introduziu personagens famosos da série, optando por contar de onde eles vieram e como se tornaram cadetes, até virarem heróis, neste, J.J. esmiúça como as relações de respeito, amizade e carinho entre eles foram pavimentadas. O diretor usa o passado para criar algo novo. Presta uma grande homenagem à série, aos filmes e aos personagens. Se já tinha adiantado isso em relação a Kirk e companhia, ele agora causa impressão com outro ícone da franquia, o vilão Khan, o mais famoso de Jornada nas Estrelas, que ganhou uma roupagem completamente diferente na ótima interpretação de Benedict Cumberbatch (o Sherlock Holmes do seriado homônimo atualmente no ar na TV). O caso é o mesmo do Coringa de Batman, que, quando feito por Jack Nicholson no filme de Tim Burton, em 1989, parecia imbatível, até que Heather Ledger se apossasse do personagem na trilogia criada por Christopher Nolan. Este, por sinal, também foi uma influencia para J.J., não só nos temas, mas também nas belas imagens capturadas em IMAX, depois que o diretor de Star Trek assistiu, a convite do próprio Nolan, a O Cavaleiro das Trevas Ressurge.

    Apesar das várias referências que vão emocionar os fãs de primeira hora, Into Darkness também foi concebido para entreter o público que nunca foi ligado a esse universo. É um filme de ação feito com habilidade – um filme em que a ação está sempre a serviço da trama. É interessante que J.J., junto com o diretor de fotografia Dan Mindel, use o mínimo possível de truques de CGI nas cenas que envolvem atores e movimento – e, com isso, obtenha uma boa dose de realismo, mesmo nas sequências mais fantasiosas. Percebe-se que há uma aura de tensão constante sem que ela seja gratuita ou interfira na trama.

    Um grande mérito é que o novo filme faz exatamente o que a série sempre fez: usar um cenário futurista para fazer um comentário contemporâneo sobre algum tema em voga na sociedade – no caso, o terrorismo; suas causas e consequências; a legitimidade, ou não, de se criar uma guerra com o objetivo de eliminar uma ameaça futura; a necessidade bélica do ser humano; os limites do militarismo; e os que servem à guerra ao terror. Into Darkness apresenta alguns conflitos morais complexos, como os bons roteiros de Star Trek sempre fizeram. Um dos questionamentos parte de uma intenção de se matar um homem sem um julgamento justo, sob a alegação de que ele é terrorista. O filme é, em última instância, uma alegoria transparente de uma reação desproporcional contra um ato de terror. Bem de acordo com as crenças de Gene Roddenberry, a narrativa se concentra nos valores humanos e no papel do indivíduo dentro da sociedade. E, mesmo com tudo de espinhoso que o filme retrata, a visão otimista de Roddenberry está presente. Em Star Trek, o futuro convive bem com o passado: naves sobrevoam a cidade de São Francisco, enquanto os nostálgicos bondinhos continuam lá servindo a população.

    J.J. demonstra que, até a chegada desse otimismo, não foi fácil e houve uma longa caminhada. O roteiro de Roberto Orci e Alex Kurtzman recebeu um tratamento de primeira de Damon Lindelof, parceiro de longa data do diretor e também um dos responsáveis pelo fenômeno Lost na TV. Outra característica desse estilo de roteiro, que também esteve presente em Os Vingadores, sucesso no ano passado, é o aprendizado de lições de vida por parte dos personagens icônicos, como a do papel de um líder, para Kirk, e a da complexa fronteira entre a lógica e a sensibilidade, para Spock, isso tudo entre outros temas que se prestam ao escrutínio, como a amizade, a lealdade, a ética e as regras. Por trás da mensagem de “explorar novos mundos”, existe o descobrir a si mesmo.

    A descoberta de Spock é um tema à parte. O ator e diretor Leonard Nimoy, apesar de muito grato à sua vida profissional e de ser um entusiasta de Jornada nas Estrelas, logo quando a série clássica foi cancelada, foi o que mais renegou seu passado a serviço de seu personagem (inclusive, com o livro Eu Não Sou Spock). Mas é ele a ponte para a chegada do novo elenco. Esta é sua oitava participação em um filme da franquia feito para o cinema. São as ironias do destino – que é altamente ilógico.

    O mestre de J.J., o cineasta Steven Spielberg, também recebe seu tributo, engendrado na cena inicial – uma clara homenagem ao começo de Caçadores da Arca Perdida. Não é à toa que a célebre revista Cahiers Du Cinéma aponta J.J. Abrams como legítimo sucessor de Spielberg. E J.J. Já deu mostras de pode ir além: onde nenhum diretor jamais esteve.

    Texto de autoria de Mario Abbade.

  • Crítica | Prometheus

    Crítica | Prometheus

    Prometheus

    Tudo começou quando Ridley Scott e James Cameron, no início dos anos 2000, resolveram fazer uma quinta produção da franquia Alien. A ideia até então seria um prequel para a famosa franquia que teve seu primeiro filme lançado em 1979 (Alien – O Oitavo Passageiro). Quando do desenvolvimento de Alien Vs. Predador, em 2003, o projeto havia sido colocado na geladeira e apenas retomado em 2009, quando o diretor resolveu dar continuidade a ele. Finalmente em 2012 temos contato com Prometheus, um filme que foi bastante esperado pelos fãs do gênero ficção científica.

    Em 2089, os arqueólogos Elizabeth Shaw (Noomi Rapace) e Charlie Holloway (Logan Marshall-Green) descobrem um mapa estelar através de vestígios de antigas civilizações desconexas umas das outras. Eles acreditam que o mapa estelar os levaria para o planeta em que residem os chamados “Engenheiros”, seres responsáveis pela criação da raça humana. Com o apoio de Peter Weyland (Guy Pearce), o CEO da Weyland Corporation, a expedição científica é patrocinada e enviada em direção à lua LV-223.

    A fome insaciável do ser humano por conhecimento e os questionamentos sobre nossa existência é o ponto de partida que o filme nos traz. Prometeu, na mitologia grega, foi um Titã que defendeu a humanidade, roubando o fogo dos deuses e entregando-os aos mortais. Em sanção a esse feito, Zeus o acorrentou a uma pedra, onde teria seu fígado comido por uma águia todos os dias por toda a eternidade. Temos aqui a figura do ser humano colocando as mãos em um conhecimento divino, que não deveria ter chegado nem perto (segundo a vontade dos referidos deuses). No filme, temos a presença de uma expedição que quer se encontrar com seus criadores para que eles nos respondam sobre as questões mais elementares da nossa existência.

    O filme de Ridley Scott é claramente inspirada nas obras Eram os Deuses Astronautas (Erich von Däniken) e Nas Montanhas da Loucura (H.P. Lovecraft). Enquanto no primeiro, o autor teoriza sobre a possibilidade de que seres do espaço visitavam a Terra na época das antigas civilizações e eram considerados deuses por estas, no segundo temos uma a influência do terror que provém do desconhecido.  Ambas as influências misturadas formam uma ideia que gera muitas possibilidades, porém no roteiro de Prometheus, infelizmente, acabam se perdendo a partir de pouco antes da metade do filme. Tentou-se criar um clima de tensão o qual foi sendo desconstruído por uma série de situações não convincentes e que, algumas vezes, beiravam o cômico.

    Criador e criatura. A necessidade de se perguntar do por quê de sua existência e tentar enfrentar o “pai”, que o abandonou. Em um momento do filme é facilmente visível o rosto de um Engenheiro que evidencia seu desconforto, sem precisar expressar em palavras, ao perceber que humanos haviam chegado até ali e isso não era certo. O mesmo Engenheiro menospreza o andróide, percebendo que sua criação também queria ser criadora de uma forma de vida. Tal como Zeus, os Engenheiros também queriam penalizar os humanos por suas transgressões.

    Existencialismo, espiritualismo e criacionismo são apenas alguns dos muitos temas que são levantados pelo filme ao longo de toda sua extensão. Porém, essas discussões que poderiam ter sido exploradas de uma maneira mais profunda, dando um peso excepcional para a narrativa, acabam apenas sendo arranhadas sob a ponta de um iceberg. Por outro lado, tal fato também é responsável pela abertura de dezenas de discussões entre os espectadores. John Spaihts e Damon Lindelof, roteiristas do filme, nos entregam apenas um ponto de partida para um universo sombrio onde algo de errado aconteceu e nossos criadores mudaram de ideia quanto a seus “filhos”.

    O ponto em que Prometheus mais peca acaba sendo no desenvolvimento dos seus personagens. Ao contrário do que foi feito em “Alien – O Oitavo Passageiro” – e é o único ponto em que é justo comparar com a franquia, pois ambos os filmes são completamente desconexos um do outro e possuem propostas completamente diferentes, apesar de fazerem parte do mesmo universo – em que os personagens da tripulação da Nostromo eram carismáticos e conseguiam fazer com que o espectador simpatizasse com eles, em Prometheus tal relação resta mal sucedida. Toda a tripulação da nave, com a exceção do capitão Janek (Idris Elba, que infelizmente possui poucos momentos na trama) e o androide David, (interpretado por Michael Fassbender) não conseguem criar empatia com o espectador. Infelizmente o excelente elenco, contando com a forte presença de Charlize Theron por exemplo, é sub-aproveitado por um roteiro raso e com personagens mal explorados.

    David é de longe o maior destaque do filme, evidenciando cada vez mais a excelência na atuação de Fassbender, que tem feito uma excelente carreira nos cinemas. Nesse filme, nos proporciona uma atuação a níveis robóticos. Seu destaque se dá também ao inserir em diversos momentos do filme a discussão sobre a consciência robótica. Assim como temos os seres humanos contrapondo às figuras dos “Engenheiros”, temos os androides contrapondo aos seres humanos, pois foram criados por estes. Em cenas diversas, o espectador se questiona até que ponto o robô estava obedecendo às ordens de seus chefes e até que ponto ele conseguia manipular as pessoas a sua volta com o intuito de atingir suas próprias vontades.

    A qualidade gráfica de “Prometheus” é excepcional. A filmagem inteiramente em 3D mesclada com os efeitos especiais bem desenvolvidos deram como resultado imagens que impressionam, resultado este atingido anteriormente em filmes como Avatar (de James Cameron) e A Invenção de Hugo Cabret (de Martin Scorsese). Com certeza um dos grandes pontos altos por apresentar as capacidades impressionantes da tecnologia 3D, ao contrário dos péssimos exemplos que encontramos nos cinemas, os quais infelizmente ainda são maioria do catálogo.

    Enfim, por mais que tenha tido uma série de problemas de narrativa que acabaram incomodando muitas pessoas uma certeza que temos é que o filme conseguiu criar questionamentos e teorizações frente a uma comunidade de fãs de ficção científica e, principalmente, para os fãs da franquia Alien. Várias e várias especulações são feitas diariamente em fóruns e artigos sobre as relações com o universo de Alien e, inclusive, sobre toda a simbologia que o filme carrega. No fim das contas, Ridley Scott conseguiu o sucesso e isso é um mérito para o filme.

    “Prometheus” deve ser assistido sem a pretensão de ser uma revolução nos filmes de ficção cietífica. Para as pessoas que gostam de “nitpicking” (ou ficar “procurando pêlo em ovo”, em outras palavras),  é perfeito.  Com certeza vão se divertir muito olhando as mil referências aos antigos concept arts de H.R. Giger, ao propósito de criação do clássico Alien que conhecemos, de quem são os misteriosos Space Jockeys, citações bíblicas (O nome da Lua do filme é LV-223, depois deem uma olhada em Levítico 22:3 para entenderem do que estou falando) e, inclusive, referências a Jesus Cristo que possivelmente foi um “Engenheiro”. Enfim, Prometheus é o suficiente para valer a pena o ingresso do cinema e uma diversão despretensiosa.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

    – Texto de autoria de Pedro Lobato.