Tag: Diane Lane

  • Crítica | Calmaria

    Crítica | Calmaria

    “Isso muito Black Mirror!”. A frase que se transformou em uma espécie de meme na internet poderia se encaixar aqui. Vejam bem, poderia. Caso Calmaria fosse um bom filme, com certeza seria comparado a algum episódio da bem sucedida série sci-fi que tem surpreendido pessoas por seus roteiros inventivos. Entretanto, esse thriller estrelado por Matthew McConaughey e Anne Hathaway só conseguiu me remeter ao clássico trash O Passageiro do Futuro.

    Dirigido e roteirizado por Steven Knight, britânico que roteirizou o sensacional Senhores do Crime (dirigido pelo mestre David Cronenberg), escreveu e dirigiu o ótimo Locke (estrelado unicamente por um inspiradíssimo Tom Hardy), além de fazer parte das ótimas séries Peaky Blinders e Taboo, ao mesmo passo que cometeu os argumentos de A Garota na Teia de Aranha e de O Sétimo Filho, seu novo longa é um thriller neo-noir estrelado pela proeminente dupla de atores mencionada acima (McConaughey e Hathaway), Djimon Hounson, Diane Lane e Jason Clarke. Na trama, um pescador obcecado em fisgar um atum que ele jura o provocar pessoalmente é procurado por um antigo amor de seu passado que quer o contratar para matar seu marido. Enquanto se decide sobre cometer ou não o assassinato, fatos estranhos passam a acontecer ao redor do pescador.

    O roteiro é uma completa bagunça. A tentativa de Knight criar algo “inteligente” acaba se tornando somente pedante. O cineasta tenta incluir elementos de clássicos literários como O Velho e o Mar e Moby Dick, mas o faz de forma rasa e pretensiosa. Pior, só faz a história se tornar mais desagradável ao paladar do espectador. Ao longo do desenvolvimento da trama, elementos noir são adicionados, mas de forma atabalhoada e incoerente. Aos trancos e barrancos a história vai se tornando cada vez mais sentido e cômica até culminar em um plot twist que praticamente cospe na cara do espectador. Nem M. Night Shyamalan em seus piores momentos conseguiu conceber algo tão bizarro quanto o que é visto em tela.

    No que diz respeito à direção, Knight é ainda mais equivocado. O cineasta não consegue criar um clima decente de mistério e todas as suas tentativas de subir o tom soam bregas. Há um momento especial que resume isso: a primeira aparição de Hathaway. É uma cena tão caricata que poderia estar Uma Cilada para Roger Rabbit. O que deveria causar admiração, causa risada. A direção passeia com a câmera mostrando detalhes da atriz. Sua aliança é mostrada em destaque, sua forma de andar, a trilha sonora ganha um tom mais solene… até que ela diz que vai pagar a bebida do personagem de McConaughey. Nesse momento há um movimento de câmera súbito que fecha no rosto de Hathaway fazendo uma tentativa de expressão de femme fatale enquanto corta subitamente para McConaughey engolindo a bebida rápido em um momento de surpresa. Não tive como não pensar no clássico filme de Robert Zemeckis. A diferença é que Eddie Valiant (Bob Hoskins) e Jessica Rabbit atuam muito melhor que a dupla de protagonistas de Calmaria. Além não estarem bem separadamente, a dupla não tem a menor química. Simplesmente não convencem. Clarke está tão canastrão que acaba odioso por sua interpretação preguiçosa, não pela natureza horrenda de seu personagem. Já Lane e Hounsou são completamente desperdiçados pelo diretor. No final das contas, o longa se torna um sofrido exercício cinematográfico pretensioso que subestima a inteligência do espectador.

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  • Crítica | Paris Pode Esperar

    Crítica | Paris Pode Esperar

    A história de Paris Pode Esperar se confunde com a de sua realizadora, Eleanor Coppola, que sempre esteve a sombra de seu marido, Francis Ford Coppola. Diane Lane vive Annie Lockwood, uma mulher resignada e que tem suas necessidades e sonhos freados por ser esposa de um homem bem sucedido, no caso, o produtor hollywoodiano Michael Lockwood (interpretado por Alec Baldwin). Indo em direção a uma locação de um filme novo de seu marido, ela decide mudar os rumos de sua vida, dando vazão ao sonho que sempre teve.

    O drama de Annie começa a beira da praia de Cannes, A mulher olha para fora e fotografa os detalhes do hotel onde está, enquanto se cônjuge, ao longe faz ligações de negócios, com a voz quase sem nitidez, evocando já nesse início o distanciamento emocional entre ambos mesmo que estejam boa parte do filme juntos. Logo, um auxiliar de Mike se apresenta, o produtor francês Jacques Clément (Arnaud Viar), um homem sedutor e que tem uma moral bem diferenciada dos americanos. Após deliberar, Annie decide ir de carro para Paris, recusando a viagem de jatinho, acompanhada é claro de Jacques.

    O roteiro utiliza de pequenos gestos para mostrar a diferença entre os homens, como na questão do remédio para os ouvidos que o amigo dispõe a ela, enquanto a atitude do marido é até de desprezo pelo bem estar do seu par. Esse evento micro faz até justificar a não ida da mulher com seu cônjuge, uma vez que ela se sente incomodada perto deste.O primeiro momento de real sinceridade da heroína da jornada é quando está separada de corpo de seu esposo, onde ela pede encarecidamente que ambos façam uma viagem de férias factual, e não uma saída de negócios como haviam sido os últimos programas.

    O filme tem um ligeiro problema de causar desinteresse em seu espectador, uma vez que a persona que Lane interpreta tem uma mania chata de fotografar tudo, desde os momentos oportunos até os pratos que consome, fazendo disso um exercício parecido com os que muitas pessoas fúteis fazem em redes sociais como o Instagram. Possivelmente Eleanor tencionava falar sobre o costume atual de usuários de redes sociais e afins, que perdem boa parte de suas vidas registrando toda e qualquer futilidade, sem propriamente vivê-las e isso de certa forma ocorre com Annie, mesmo que demore a se engrenar essa epifania.

    A viagem demorada, causa enfado na personagem principal e no público, sendo desconfortável para quem a faz, ainda que as razões para ambos seja diferente. Enquanto é inconveniente para a protagonista ser galanteada sem ter um sentimento de clara reciprocidade, para o espectador é estranha a sensação de que não se anda com a história, uma vez que quase metade da duração é dedicada a um flerte onde quase nada ocorre. Os 30 minutos finais melhoram consideravelmente o todo, uma vez que tanto Jacques quanto Annie decidem parar de hipocrisia, finalmente demonstrando tudo o que sentem, ainda que tenham algumas amarras orais estabelecidas ali. Paris Pode Esperar acerta até no que poderia ser considerado o seu erro, pois as hesitações dos personagens representam bem a dúvida mental e sentimental de quem está em crise no relacionamento, em especial no que tange o sentimental da mulher.

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  • Crítica | Trumbo: A Lista Negra

    Crítica | Trumbo: A Lista Negra

    Trumbo 1

    Em meio a tantas cinebiografias chapa-branca, normalmente premiáveis pela Academia em especial nesta época do ano próximo às festividades do Oscar, uma se destaca pela discussão de um período turbulento e paranoico da história americana. Trumbo: Lista Negra começa mostrando a ação de seu personagem-título, o roteirista Dalton Trumbo, encarnado pelo ator recentemente alçado ao patamar de estrela Bryan Cranston, em uma performance que beira a perfeição, graças aos trejeitos resgatados do operário do cinema.

    A persona de Trumbo varia entre o homem preocupado com as condições de trabalho do proletariado, ligado a sindicatos dos trabalhadores, e claro um astro dentro do papel de argumentista de filmes. Jay Roach utiliza sua experiência com comédias variadas entre o tom escrachado de Os Candidatos e o humor ácido de Virada no Jogo para estabelecer um cenário cínico e paranoico, resumido já nos primeiros sete minutos de filme, ao exibir uma cena em que o espectador comum revida o estereótipo que lhe é atribuído, como comunista e inimigo do estilo de vida americano. O repúdio, que começa a partir do receptor furioso, aos poucos se alastra por praticamente todos os membros da indústria, incluindo aí intérpretes de atores famosos como John Wayne.

    O roteiro de John McManara compreende momentos encenados e de gravações de depoimentos da época, que ajudam a assinalar o mesmo clima de perseguição injusta ocorrido na época do macarthismo. Nos depoimentos de Trumbo, há o cuidado de registrar as cenas metade em partes coloridas, metade em preto e branco.

    Trumbo 3

    A evolução do quadro se dá na primeira metade com uma introdução à situação de encarceramento de Trumbo ainda há um modo cínico, com o personagem observando a exibição do filme-propaganda Os Boinas Verdes, distante demais da realidade daquela época. Ligado a este momento há demonstrações emocionais do quão cruel era a época, com a delação entre amigos, o que faz o elenco de apoio sobressair-se, especialmente Michael Stuhlbarg, que faz o ator Edward G. Robinson; Diane Lane que interpreta a esposa do protagonista Cleo; Louis C.K. (cada vez melhor em papéis não cômicos) como Arlen Hird e Ellen Fanning, que executa Nikola, a filha mais velha do casal.

    O didatismo do texto permite demonstrar o infortúnio do escritor mesmo após sua libertação do cárcere, sem perspectivas de trabalho, tendo que se submeter a trabalhos hercúleos sem o crédito e merecimento que lhes eram devidos, como no Oscar que Ian Mclellan Hunter (Alan Tudyk) recebeu por A Princesa e o Plebeu, cujas linhas foram escritas pelo roteirista perseguido.

    Os bastidores da relação de Trumbo com pessoas ilustres do cinema são mostrados em detalhes interessantes, desde Otto Preminger a Kirk Douglas. Talvez o maior pecado de Trumbo: A Lista Negra seja não conseguir expressar todas as polêmicas e dificuldades de carreira que o biografado sofreu, passando rapidamente por grande parte delas, além de aludir a questões cotidianas desimportantes que visavam obviamente humanizar o personagem-título e agradar aos ditames de Hollywood, curiosamente tentando alcançar a simpatia dos mesmos olhos e corações raivosos que destilavam sobre Dalton um desprezo imenso.

  • Crítica | Divertida Mente

    Crítica | Divertida Mente

    Tomando como base a irresistível jornada que é o processo de crescimento, Divertida Mente ultrapassa o infeliz trocadilho de sua tradução para apresentar uma trama adulta, apesar da premissa de ser um filme para crianças. O filme de Pete Docter relembra muitos dos aspectos profundos de UP: Altas Aventuras e Monstros S.A. através de um panorama maduro sobre a psique humana concentrando-se na mente de Rilley (Kaitlyn Dias), uma menina de onze anos, às portas da adolescência e com uma intensa trajetória para começar.

    A história é narrada a partir dos conflitantes sentimentos e sensações que predominam na cabeça da menina que são liderados pelo aspecto da Alegria (Amy Poehler), da Tristeza (Phyllis Smith), Medo (Bill Hader), Raiva (Lewis Black) e do Nojinho (Mindy Kaling), o que já demonstra a escola de humor a que o filme se refere, como uma alegoria à versão americana de The Office e seus spin-offs. A trama é basicamente uma bela busca por identidade ainda na fase infantil.

    Apesar do flerte com o psicologismo barato, e da dublagem brasileira, que utiliza-se excessivamente de gírias atuais, a mensagem de que a base de uma vida saudável é a família é importante, por ser uma fita destinada ao espectador infantil. O campo de memórias tona-se a base do cenário e das desventuras, graças a uma sequências de trapalhadas típicas de uma odisseia de sensibilidade: no caso, uma mente conturbada por uma crescente injeção de hormônios, típicos desta fase da vida.

    É curioso notar como funciona o comando sentimental na cabeça de tantos outros personagens. A matriarca da família é passiva e comandada a priori pela Tristeza, enquanto o despreocupado e às vezes relapso pai – fruto, em geral, da criação do americano médio – é operado pela Raiva, o que causa um desequilíbrio interessante no cerne da família, garantindo uma diversidade que faz eco com a rebeldia sem causa da menina.

    Após algumas desventuras envolvendo as personagens centrais, Alegria e Tristeza, que viajam pela mente da Riley fora da sala de comando (a zona de conforto de ambas), a atmosfera muda, da extrema felicidade para tons mais agridoces. A viagem pela psique revela um acinzamento das memórias e do caráter, consequência da maturação de sua mentalidade. O equilíbrio entre alegria e tristeza se faz fundamental.

    O modo de retratar o subconsciente é interessantíssimo. Um lugar recôndito, escuro, em breu absoluto, que piora a sensação do processo difícil que é o crescer. A personagem de Philly Smith tem o estranho poder de tudo parar, modificar os paradigmas mesmo quando a esperança acaba. A Tristeza é entendida por sua contraparte como um aspecto de suma importância, e não mais algo a ser ignorado, já que é ela que serve de catalisadora da mudança.

    A mensagem final do roteiro de Docter, Josh Cooley e Meg LeFauve mostra a fugaz retirada da ingenuidade e o tímido começo da construção de caráter e do ethos, de maneira tocante e até profunda. Divertida Mente é uma metáfora para as inexoráveis agruras da vida, e o realizador conduz tudo de modo bem urdido e repleto de ternura, aludindo ao público mais adulto sem se descuidar do infanto-juvenil, abrangendo ambas as plateias, como na maioria dos clássicos da Pixar.

  • Crítica | O Homem de Aço

    Crítica | O Homem de Aço

    o homem de aço - cartaz

    É fato que todos conhecem a estória do Superman, nem que seja apenas em linhas gerais. Bebê chega à Terra sozinho numa espaçonave oriunda de Krypton. Criado pelo casal Kent, Clark cresce tendo que aprender a lidar com suas habilidades sobre-humanas.

    Apesar de ser mais um filme da franquia Superman, este não é uma continuação dos demais, mas sim, um filme de origem. E, sendo assim, é em torno do início da estória de Clark que gira a trama do filme. Claramente superior a Superman: O Retorno de Bryan Singer ( morno demais, demasiado entediante ) , este investe suas fichas num personagem mais realista, mais sombrio e, contrariando o senso comum, mais alienígena que todos os anteriores. E por conta disso, pode-se arriscar dizer que este não é um filme do Superman – de um homem com superpoderes –  mas sim de um herói ou um deus  em processo de construção.

    O prólogo, interessante mas excessivamente longo no meu entender, nos mostra o conflito que causou a destruição de Krypton e que levou Jor-El (Russell Crowe), um cientista do alto-escalão, a enviar seu filho recém-nascido, Kal-El – que virá a ser Clark Kent (Henry Cavill) – numa espaçonave à Terra. Não conheço os quadrinhos – aliás, o personagem em si não me agrada muito – e, portanto não faço a menor ideia de como “deveria” ser retratado o planeta. Mas a direção de arte acertou ao optar por um aspecto biomecânico, lembrando um pouco os desenhos de H.R.Giger utilizados em Alien.

    E, desde o início, já começam a aparecer os típicos buracos de roteiro, quase inevitáveis nesses filmes de super-heróis. Se, conforme é esclarecido tanto por Jor-El como pelo General Zod (Michael Shannon), todos os kriptonianos já nascem com papéis pré-definidos, o espectador um pouco mais observador certamente se pergunta como Jor-El, predestinado a ser um cientista, luta tão bem quanto (ou quase melhor que) Zod, um soldado nato. Isso e mais a cena “ironman style” em que Jor-El veste sua armadura, diminuem o impacto da sequência do confronto entre eles, enfraquecendo a imersão na trama. Mas ainda assim, esse primeiro terço do filme consegue prender o público o suficiente para querer assistir ao desenrolar da estória.

    A opção de retratar a infância e adolescência de Clark através de flashbacks, ao invés de seguir uma narrativa linear, deu certa leveza e dinamismo à estória. Desse modo, o espectador vai, aos poucos, sendo apresentado ao personagem, conhecendo seu passado, seu convívio com os pais adotivos – Martha (Diane Lane) e Jonathan Kent (Kevin Costner), e o modo como descobriu e aprendeu a controlar seus poderes. Algumas sequências poderiam ser mais curtas, mas não chegam a comprometer o ritmo do filme.

    Aproveitando a deixa, vale ressaltar que a tentativa de reafirmar o personagem como sendo o “homem que veio do céu para salvar a humanidade” é forçada e fora de contexto. O tom messiânico incomoda bastante em vários momentos. O discurso de Jor-El sobre o destino do filho, afirmando que seu papel é ser um “guia” para os humanos atingirem a paz e a felicidade eternas – algo como um nirvana – soa piegas e até meio ingênuo. Como se já não bastasse Clark falar, sem mais nem menos, que tem 33 anos, a cena em que ele aparece numa igreja conversando com um padre, que surgiu do nada na estória, é patética, além de totalmente desconectada da estória.

    O filme não é feito só de cenas intimistas e familiares, logicamente. O que todo fã espera são as sequências de ação, que são inegavelmente muito boas. O problema é que, devido à escala megalomaníaca (justificável), as cenas lembram demais Os Vingadores – principalmente o momento de embate entre Superman e Zod em Metrópolis. E, assim como o prólogo, esta sequência acaba sendo cansativa pela duração extensa e pela falta de estratégia do vilão que afinal, é um militar. E não apenas isso, tem-se a impressão de que toda a ação, a luta, a destruição está concentrada demais nesse momento da estória, quase saturando o espectador.

    Interessante reparar que, apesar de não haver semelhança física, em alguns momentos Cavill lembra um pouco “O Superman”, Christopher Reeve – convenhamos que não é muito difícil ser mais expressivo que Brandon Routh – e o ator consegue dar ao personagem tanto a insegurança de quem ainda não tem certeza de que rumo irá tomar, quanto o carisma do herói que vai “salvar o dia”. Não é atuação digna de prêmio, até pela quase bidimensionalidade do personagem, mas é convincente na medida certa. Kevin Costner e Diane Lane estão ok como os pais adotivos de Clark. Amy Adams consegue tirar de Lois Lane aquele ar de mocinha indefesa em perigo. Mas quem se destaca é Michael Shannon, construindo um vilão a seu modo incorruptível e ao mesmo tempo bastante ameaçador.

    É natural que um reboot  gere estranheza e divida opiniões, e também é natural que não agrade a gregos e troianos – isto é algo inerente aos filmes do gênero. É difícil encontrar o ponto de equilíbrio entre tornar a estória palatável aos “leigos” e agradar aos fãs de carteirinha. E, apesar de alguns defeitos, Man of Steel é um filme que cumpre sua função de entreter.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

    Ouça nosso podcast sobre Zack Snyder.

  • Crítica | O Homem de Aço

    Crítica | O Homem de Aço

    man_of_steel

    O Super-Homem é um dos personagens mais emblemáticos da DC, e do mundo dos quadrinhos em geral, e provavelmente uma das figuras mais lucrativas da indústria de entretenimento mundial. Ainda assim, recentemente a editora vinha encontrando dificuldade em emplacar o personagem no cinema, a falta de qualidade dos filmes era um problema, mas mais que isso, o Homem de Aço parecia não se comunicar com as novas gerações, seu personagem aparentemente obsoleto em uma época de heróis menos maniqueístas, mais ambíguos.

    No entanto, após o sucesso estrondoso da releitura que Christopher Nolan fez do Batman e da Marvel ter vendido com relativo sucesso o Capitão América (ainda mais anacrônico que o Super-Homem) uma nova tentativa se tornou inevitável. Confesso que fiquei surpresa quando um projeto desse tamanho foi parar nas mãos de um diretor que acabava de sair de um fracasso tão absoluto (não por acaso, todo material de divulgação diz apenas “do diretor de 300 e Watchmen“) e cuja fama nunca foi das melhores, mas Zack Snyder, com supervisão de Nolan é preciso dizer, assumiu o trabalho de finalmente tornar o Super-Homem um blockbuster.

    E Homem de Aço faz exatamente isso: ele torna o personagem palatável, viável para o público de hoje, menos patético e bom moço e entrega um filme com boas sequências de ação e altamente vendável. Não é que a direção exagerada e um tanto sem rumo de Snyder não esteja presente, ela está, mas a impressão é que o diretor foi posto na coleira e essa coleira foi entregue na mão de Nolan.

    Em primeiro lugar há um prólogo em Krypton: o filme situa o planeta, apresenta os pais de Kal-El e mostra o como seu mundo desmoronou.  É um mau começo. Embora visualmente impressionante, as cenas deveriam ter uma carga dramática que Snyder é completamente incapaz de segurar, os diálogos soam artificiais e tudo alterna entre vergonha alheia e novela mexicana intergalática, mas felizmente isso passa.

    Mesmo quando chega na Terra, Homem de Aço é um filme de origem, contando como Clark Kent se tornou o Super-Homem. A estrutura é pouco linear e a narrativa alterna entre cenas do presente, da adolescência e da infância de Clark, poderia funcionar na mão de um diretor mais competente, embora eu ache que a narrativa linear e clássica funcionasse melhor em um filme que conta tão obviamente a jornada de um heroi, mas com Snyder tudo parece apenas confuso, ainda que o fluxo não seja seriamente comprometido. Snyder insere, como já é hábito dos filmes de super-heroi, pequenos bônus para os fãs do personagem: a presença de Pete Ross e Lana Lang, um cartaz escrito Smallville (embora o nome da cidade nunca seja mencionado), outro da Lexcorp e outras referências que são divertidas e ajudam a dar substância ao universo que ele está construindo.

    O filme melhora consideravelmente nos momentos que se passam no presente. Lois Lane é a melhor personagem feminina que ja apareceu em um filme do gênero: inteligente, sexy e longe do estereótipo da donzela em perigo. As cenas de ação são bastante boas também, surpreendentemente o filme tem ritmo, tensão e ótimas explosões. A sequência final acaba sendo arrastada (na verdade, o filme todo é uns 20 minutos mais logo do que o necessário), mas não chega a ser ruim.

    Se como filme de ação, Homem de Aço funciona, seus problemas estão justamente na tentativa de fazer drama. O novo Super-Homem é um ser dividido dentre duas identidades, um estrangeiro na terra, algo que potencialmente será rejeitado pelos humanos, mas as cenas de carga emocional não se sustentam, assim como o prólogo em Krypton tem diálogos terríveis e atuações forçadas, Russel Crowe conseguindo ser menos expressivo que uma Kirsten Stewart com preguiça.

    Mas, ainda que muito mal conduzidas, essas cenas servem ao propósito de atualizar o Super-Homem e é preciso reconhecer o enorme mérito da DC em manter o espírito do personagem, ao invés de simplesmente repetir a fórmula que funcionou com o Batman. O Super-Homem é um herói leve, otimista, o símbolo do progresso e da esperança americanos, não é um órfão amargurado que vive nas trevas e Snyder não se esquece disso. O Super-Homem pode chorar após matar um homem mau para salvar uma família, mas ele não hesita em fazê-lo, ele pode se sentir dividido entre a Terra e Krypton, mas não pensa duas vezes quando a escolha é matar humanos para reconstruir seu planeta, ele é essencialmente “bom”, correto e esperançoso. Há um pessimismo de base, uma desconfiança em relação a natureza humana que soa como os temas de Nolan (ele é produtor do filme afinal), mas a conclusão aqui é que é preciso dar o salto de fé, que a humanidade vale a pena.

    Assim, Homem de Aço consegue dar alguma substância a um herói que parecia acabado e esteticamente quase torna a capa vermelha aceitável. Não é um filme de drama e seu foco não é o conflito existencial do personagem, que aliás aparece em cenas muito mal feitas, mas usa essas ferramentas como âncora, jeitos de humanizar o Super-Homem, torna-lo mais plausível e contextualizado para que o público possa aceitar o personagem. Tudo isso, aliado a uma estética fria e um pouco suja que ameniza as pirotecnias cinematográficas de Snyder entregam um filme de ação eficiente que está muito longe de uma obra prima, mas deve conseguir uma bilheteria gigantesca, garantir continuações e assim finalmente emplacar o personagem.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

    Ouça nosso podcast sobre Zack Snyder.