Tag: Ed Brubaker

  • Review | Falcão e Soldado Invernal

    Review | Falcão e Soldado Invernal

    Um dos problemas das séries da Marvel veiculadas na Netflix era a total desconexão com os “primos ricos” do cinema. Demolidor, Luke Cage, Punho de Ferro e Jessica Jones tiveram seus momentos, mas careciam de coesão junto as produções de Kevin Feige. Quando o produtor passou a também comandar o setor foram anunciadas algumas séries, sendo a primeira delas Falcão e Soldado Invernal.

    Como ocorreu com Wandavision, que por conta da pandemia acabou sendo lançada primeiro, foi escolhido um diretor para a temporada inteira, Kari Skogland, e o comando da série ficou por conta de Malcolm Spellman. Isso garantiu coesão em abordagem temática e ação, sendo este último um dos aspectos mais positivos dos seis episódios. Os momentos de perseguição se assemelham aos de um thriller, com a mesma ambientação que os irmãos Russo impuseram em Capitão América: Soldado Invernal e Capitão América: Guerra Civil, incluindo também um sem número de referências a personagens e momentos da historiografia do Capitão América nos quadrinhos, de Joe Simon e Jack Kirby a Ed Brubaker.

    A série troca a ideia de mostrar sidekicks agindo em torno de um legado para apresentar uma temática de excluídos tentando provar seu valor. O Sam Wilson de Anthony Mackie e o Bucky Barnes de Sebastian Stan são encarados como fracos ou não dignos de confiança. Em suma, são temas que já foram abordados em outras séries, inclusive de super-heróis como Raio Negro ou Justiceiro, mas atualizados para os dias atuais. O problema maior é que no caso da produção da Disney essas questões são mais mencionadas que desenvolvidas, com o roteiro só arranhando a superfície, quando não faz pouco caso de pautas e discursos revolucionários no arco de pelo menos dois dos personagens que orbitam os protagonistas.

    Mesmo com essas problemáticas, o saldo é positivo. O mundo em reconstrução posterior a intervenção de Thanos em Vingadores: Guerra Infinita mostra como os homens se viraram para manter a sociedade e como essas questões terrenas tem implicações graves para o globo. Falcão é um herói pragmático, mundano, sem poderes e que ainda que se mostre inseguro não refuga sua missão de combater as injustiças. Essa trama contrasta com a personalidade e tentativa de imposição do novo Capitão América. O inconsequente e violento John Walker de Wyatt Russell é a antítese desse comportamento, é super idealista, mas super impulsivo. Seu arquétipo que parece funcionar melhor nos quadrinhos para alguns personagens à margem do heroísmo clássico, mas não é o ideal para seguir o rumo do manto que o governo escolhe lhe dar. Para além até das óbvias e injustas comparações de sua persona com os heróis de Zack Snyder, já que sua construção possui muito mais nuances que as versões sombrias dos filmes da DC pós Homem de Aço.

    Há algumas conveniências esquisitas no final, muitas pontas soltas são mal amarradas e os heróis claramente fazem vista grossa para o destino de personagens que já foram seus aliados no passado. O sexto capítulo é bastante apressado, tem boa parte dos problemas que o nono episódio de Wandavision, inclusive nas questões de obviedades ligadas aos mistérios que a série estabelece. No entanto, mesmo suas conveniências seriam mais aceitáveis caso os temas espinhosos e adultos fossem tratados de maneira menos polida e conciliatória. A estética de escapismo dos heróis parecia estar sendo dobrada neste Falcão e Soldado Invernal, mas o final se percebe realmente que esse é mais um fruto das histórias medíocres (no sentido literal da palavra) do universo Marvel comandado por Feige, pois apesar de apresentar alguma coragem inicial, acaba abraçando o discurso fácil, especialmente na figura do Falcão, que durante os outros cinco episódios, parecia o mais pé no chão entre os vigilantes, mas se torna o bobo idealista que acha que usando chavões e frases feitas ajudará o mundo a ser mais justo. É piegas e nada pragmático esse desfecho, que mais uma vez aposta na fórmula de referenciar futuras produções para esconder sua própria mediocridade.

  • Review | Too Old To Die Young – 1ª Temporada

    Review | Too Old To Die Young – 1ª Temporada

    Durante a produção de sua série, Nicolas Winding Refn disse que a TV está morta, criticando a falta de conteúdo, mas também a forma de consumo de mídia nos serviços de streaming, maratonar séries. Afirmando que as pessoas não conseguem consumir e absorver tanta informação rapidamente, em sua Too Old Die Young o público teria o seu devido respeito, com a liberdade de escolher por onde começar e até mesmo assistir de forma aleatória suas 13 horas, divididas em 10 episódios. Inclusive na montagem o diretor decidiu não seguir a duração padrão de uma série, com episódios de até uma hora e meia, finalizando com um corte de 30 mins. Inicialmente já é mostrado a conexão entre Martin (Miles Teller) e Jesus (Augusto Aguilera). Jesus atira no parceiro de Martin, Larry (Lance Gross), matando o policial e vingando a morte de sua mãe, Magdalena (Carlotta Montanari). Após isso a narrativa se desenvolve através da jornadas de Martin e Jesus, o detetive secretamente decide investigar o caso, adentrando no submundo, revelando ser tão perverso quanto aqueles quem caça, enquanto Jesus se reencontra com a família no México para preparar-se na função de restabelecer o império da mãe nos EUA.

    Ed Brubaker e Refn, juntos criadores e roteiristas da série, decidem revelar pouco do passado de seus protagonistas, trabalhando mais o desenvolvimento dos personagens através de arquétipos e passagens guiadas pelas cartas de tarot que nomeiam os episódios, todos dirigidos pelo realizador de Drive, que optou por uma narrativa lenta e arrastada, combinando com a quietude das cenas, com pouca movimentação e diálogos dos personagens, reforçando o uso da imagem como ferramenta narrativa, com enigmas guiados pela trilha sonora de Cliff Martinez. Por um lado acompanhamos a jornada de Martin, sua queda no submundo, exposto cada vez mais a situações perversas, colocando em xeque sua própria moral para julgamento do público, mas cria-se a real dúvida, o que de fato move esse personagem, que parece mais existir apenas como chave para ligação das subtramas que permeiam a série, do que individualmente. Como a problemática relação com Janey (Nell Tiger Free), uma menor de idade, relação que aparenta ser sustentada apenas no prazer carnal pois são raros os momentos de afeto entre o casal, afirmando a personalidade fria e obscura de Martin

    Por outro lado, a jornada de Jesus é mistificada pela presença de Yaritza (Cristina Rodlo), uma cartomante deixada pelo seu falecido tio, com a promessa de ser uma divindade encontrada para iluminar a família e o detentor do poder do cartel. Yaritza se revela cada vez mais importante na trama, chegando em alguns momentos evocar a presença de Magdalena em cena, através de memórias e projeções de Jesus, que nutre um profunda devoção por sua mãe, sendo colocado em diversos cenários cheios de quadros e memórias de sua Magdalena, sempre exaltando sua beleza, em alguns momentos, sugerindo uma relação incestuosa entre eles. Momentos esses que cada vez mais ganham importância na série, colocando o cartel em segundo plano, com algumas passagens de tempo percebidas nas falas dos personagens.

    Com personagens como Diana (Jena Malone) e Viggo (John Hawkes), que dão escopo a jornada de Martin, apresentando à ele uma oportunidade de se recompensar, atuando como um justiceiro, assassinando e caçando estupradores e pedófilos, trazendo também questionamentos morais para o personagem e discurso da série, Too Old apresenta um breve comentário sobre o fascismo, como raiz de todos esses problemas, reforçado pelo monólogo de Diana. Martin também é exposto ao julgamento com o personagem Theo (William Baldwin), pai de sua namorada, aqui acontece um dos momentos mais interessantes da série onde é mostrada uma pequena reprodução do primeiro episódio, funcionando como uma sátira, ridicularizando o detetive e pondo em jogo sua abordagem diante o ocorrido.

    Refn já sem interesse de trabalhar em uma segunda temporada tinha plena consciência do produto em mãos, faltou inspiração para preencher tantas horas de planos que apesar de belos, nada acrescentam para a trama, que por outro lado se mostrou vazia e rasa, sustentada no enigma dos personagens, não fazendo jus aos seus discursos, na verdade, nos faz questionar qual seu papel na colaboração para esses serviços de streaming, já que em sua oportunidade criou um grande exercício de sua própria carreira, mantendo seus acertos e excessos, causando total indiferença no espectador.

    Texto de autoria de Mattheus Henx.

    https://www.youtube.com/watch?v=im2hWV3ZJjI

  • Resenha | The Fade Out

    Resenha | The Fade Out

    Ed Brubaker e Sean Phillips quando separados são brilhantes, e quando juntos são simplesmente espetaculares. De tempos em tempos os quadrinhos nos presenteiam com duplas criativas de alto calibre, como Brubaker & Phillips, Lee & Kirby, Claremont & Byrne, Miller & Janson, Vaughan & Staples, Bendis & Maleev, entre muitas outras equipes em que o talento de um não só se encaixa com o do outro como o eleva a patamares outrora inimagináveis.

    Brubaker e Phillips, apesar de terem trilhado suas carreiras trabalhando para o mainstream, ficaram famosos ao embarcarem na Image Comics, pela qual publicaram obras como Criminal*, Incognito, Fatale e Kill or be killed, nas quais seus dotes de narradores criminais puderam aflorar com maestria e sem amarras editoriais. Em The Fade Out, série limitada em 12 edições e compilada em um encadernado pela Image Comics, a dupla concebe uma elaborada e inventiva narrativa de crime, discorrendo sobre intriga, inveja, fama e abuso na Hollywood dos anos quarenta, mergulhando de cabeça em um período romantizado por muitos e consagrado como a era de ouro do cinema norte-americano.

    Charlie Parish é um roteirista frustrado e depressivo, que se vê preso em uma vida medíocre e fracassada, sem grande destaque, até que a protagonista do filme no qual estava trabalhando aparece morta, no cômodo ao lado do qual ele se encontrava, após uma noite de bebedeira. A pergunta que perturba Parish e o conduz ao longo da narrativa gira em torno de quem matou Val Sommers, e as respostas não são tão fáceis quanto ele esperava que fossem. Disposto a descobrir o que houve naquela noite, o roteirista parte junto de seu melhor amigo, o beberrão Gil, em busca da verdade, e daí em diante ambos mergulham nas particularidades da vida de aparências que permeia o ambiente hollywoodiano, percebendo que há muito mais em jogo do que apenas o assassinato de Sommers.

    Ed Brubaker e Sean Phillips trabalham com a histeria anticomunista que dominou os EUA pós-segunda guerra mundial, espiralando os acontecimentos em um grande efeito cascata, dentro do ambiente nefasto e degradante de uma Hollywood permeada pela corrupção e pela ambição de todos que ali se encontram. Jogos de azar, apostas, disputas de ego e a busca pela fama a qualquer preço tornam o entorno do mistério pela morte de Val Sommers muito mais complexo do que Parish poderia imaginar. Atores, Diretores, profissionais de Relações Públicas, todos estão de alguma maneira comprometidos e corrompidos por um sistema que devora boas intenções, em nome do sucesso e dos holofotes. Em The Fade Out Brubaker e Phillips apresentam Hollywood em seu estado mais puro.

    O traço de Phillips e o texto ágil de Brubaker se intercambiam de forma soberba, conferindo sensualidade, mistério e crueldade para seus personagens, ao passo que as cores de Elizabeth Breitweiser em muito ajudam na ambientação noir que a narrativa visual de Phillips pede. Ed Brubaker consegue, em The Fade Out, dosar muito bem os dilemas psicológicos de seus personagens com o enigma que movimenta a narrativa, tornando a Los Angeles de 1948 um organismo vivo e atuante dentro da trama, quase como um personagem propriamente dito. Nada na história é jogado de graça para o leitor, nenhuma palavra, nenhum gesto, nenhum quadro.

    É interessante notarmos que “fade out” é o nome dado ao recurso cinematográfico que consiste no escurecimento gradativo da imagem até chegar ao preto total, dando encerramento a uma cena ou filme. O título da história já é um prenúncio dos autores de que nessa narrativa não há espaço para amenidades, somente para a transição crua entre atos e consequências, como num bom filme noir. Em The Fade Out, parafraseando Arquivo X, a verdade está lá fora, mas nem todos terão estômago para ir busca-la.

    Um dos grandes mistérios do mercado editorial brasileiro reside no fato de que um autor do calibre de Ed Brubaker não tem seu material autoral publicado aqui no país. O espanto fica cada vez maior na medida em que a dupla empilha seis prêmios Eisners até o momento, tendo conquistado a estatueta por obras como Criminal, Incognito e pela própria The Fade Out (Melhor Nova Série em 2015 e Melhor Série Limitada 2016). Dessa maneira, só resta aos leitores da dupla acompanhar suas obras através dos encadernados importados, vendidos pela Amazon aqui no Brasil.

    *Criminal é um caso à parte, uma vez que a série começou a ser publicada pelo selo Icon, da Marvel Comics, e migrou com Brubaker quando este passou a escrever para a Image Comics. Os direitos de publicação do selo Icon no Brasil eram da editora Panini, que chegou a publicar os dois primeiros arcos da série, “Covarde” e “Lawless”, mas que ficaram sem continuidade no país. Atualmente Criminal já conta com 7 volumes, 1 graphic novel original e 1 série mensal, todos publicados pela Image.

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  • Resenha | Gotham – DPGC: No Cumprimento do Dever

    Resenha | Gotham – DPGC: No Cumprimento do Dever

    Gotham DPGC - No Cumprimento do Dever

    A carreira de Ed Brubaker e Greg Rucka demonstra carinho pela narrativa policial, trabalhando o estilo tanto dentro de histórias de linha quanto em narrativas fechadas em outros selos envolvendo, em maior ou menor grau, um universo policial e submundos de crimes, espaços situados em dois lados diferentes da lei.

    Expandindo o universo do Homem-Morcego e da cidade Gotham City, em 2003 a dupla criou esta série mensal lançada em 40 edições originalmente, e agora relançado pela Panini Comics em edição de luxo, com capa dura, o primeiro de quatro encadernados no total, sendo este compilando os números 01 ao 10.

    As aventuras acompanham um grupo de investigações especiais de Gotham, uma equipe selecionada pessoalmente pelo Comissário Gordon quando ainda era um ativo da polícia. A trama se passa logo após os acontecimentos da saga Terra de Ninguém, responsável por afastar a personagem de sua função. Desta maneira, a figura de Batman é vista oficialmente com outros olhos pela polícia local, sem um aliado definitivo que apoie o vigilante. Ainda que o considere parte importante para a cidade, oficialmente Batman deve ser combativo e tratado como uma espécie de lenda urbana, alimentada pela mídia.

    Evitando colidir o desenvolvimento das personagens, Rucka e Brubaker desenvolveram uma estratégia eficiente de composição narrativa: cada um dos roteiristas se responsabilizaria por um arco e um grupo respectivo da polícia, o turno diurno ou noturno, à exceção da primeira história assinada por ambos. Dessa maneira, cada roteirista enfocava, além das investigações cotidianas da polícia de Gotham, a personalidade de seus policiais. Como muitos crimes envolvem a galeria de vilões do Morcego, com homens perigosos e, muitas vezes, além da força comum, a mistura entre o trabalho policial e os dramas internos de cada membro do esquadrão é aprofundada em um conflito mais intenso. Além do dilema do policial defensor da sociedade, uma equipe obrigada a conviver com seres mais mortíferos que fogem dos crimes comuns em uma delegacia.

    É neste espaço que Rene Montoya, a personagem mais significativa na revista, conhecida do público na série animada de televisão e, posteriormente, como uma das personagens centrais da saga 52, desenvolve sua personalidade e ganha voz ao assumir sua homossexualidade. Rucka desenvolve o argumento demonstrando simultaneamente o preconceito do grupo policial após a revelação e o drama pelo qual a personagem passa ao ser exposta em contraposição à relação com a namorada, único laço consistente em sua vida, devido a uma família religiosa que se afasta da detetive. Um exemplo entre diversos outros pequenos dramas desenvolvidos no decorrer das investigações.

    Focado na equipe policial, a revista, que já fora publicada no país com o título Gotham City Contra o Crime, explora a figura mitológica de Batman como um personagem excêntrico que a população admira e teme simultaneamente. Suas participações na trama são breves, apenas quando necessário em casos sem explicação aparente, apresentando um lado diferente da visão íntima proporcionada pelos roteiros de suas diversas revistas mensais. A força destes policiais comuns enriquece a história, fugindo da óbvia adoração à figura mais conhecida de Gotham City para explorar dramas cotidianos sem perder coerência e a vertente policial. Trata-se de uma Gotham mais urbana, menos idealizada e, sendo assim, uma visão inédita de um ambiente conhecido em demasia pelo público.

    Explorando uma importante cidade no universo da Dc Comics, Rucka e Brubaker desenvolveram uma excelente nova série, premiada ao Eisner e Harvey por Melhor História em 2004 pelo arco Meia Vida, presente neste encadernado. Apesar do sucesso da crítica, a revista nunca esteve entre as 100 mais vendidas do mês e somente foi continuada graças às boas vendas das edições compiladas, sendo cancelada pouco antes da saga Crise Infinita que modificaria algumas bases da editora, não mais comportando esta narrativa sobre personagens comuns nos quais os autores se dedicariam. De qualquer maneira, uma excelente série.

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  • Melhores Leituras de 2015

    Melhores Leituras de 2015

    melhores_leituras

    Devido ao maior tempo dedicado a uma leitura do que assistir a um filme ou a episódios seriados de uma temporada, é natural que uma lista de Melhores Leituras seja um tanto anacrônica aos lançamentos. A isso soma-se o fato de que, ao encerrar 2014, planejei a leitura de alguns autores que desejava conhecer ou me aprofundar em suas obras, e assim chegamos às edições selecionadas abaixo como as melhores leituras do ano passado.

    Como não havia número suficiente para formatar uma única lista de livros, decidi pela abordagem mista ao introduzir e pontuar os bons quadrinhos lidos no ano. Neste aspecto, é evidente que foquei as leituras no eixo tradicional da Marvel/DC Comics, um aspecto que pretendo evitar este ano, realizando a leitura de outras obras mais autorais (possivelmente veremos esse impacto em uma futura lista deste ano, a ser publicada em 2017).

    Explicitando a falta de sincronia com lançamentos e formatos, a lista nem mesmo se ajusta à tradicional recomendação de dez itens selecionados. Mas sim doze obras, seis livros e seis HQs, para que nenhuma das boas leituras ficasse de fora. Algumas dessas indicações também foram analisadas no site logo após a leitura, dessa forma peço desculpas aos leitores por eventuais repetições de abordagem.

    Manual de Pintura e Caligrafia – José Saramago (Companhia das Letras)

    Manual de Pintura e Caligrafia - Saramago

    Narrativa de estreia do lusitano José Saramago – posteriormente, uma obra anterior seria lançada após sua morte – Manual de Pintura e Caligrafia é um vigoroso romance de estreia. O autor inverte a lógica sobre a carreira e descreve sua proposta literária logo no primeiro lançamento, contrariando manuais tradicionais de autores que sempre, em um estágio avançado da carreira, versam sobre o ofício. Misturando duas narrativas, a personagem atravessa a arte da pintura rumo à escrita, uma transição feita pelo próprio autor, transformando esta obra em um misto de metalinguagem e tese literária, ainda que os elementos narrativos que o consagraram ainda não estivessem presentes.

    Demolidor – Fim Dos Dias (Panini Comics)

    Demolidor - Fim dos Dias

    Inserido na série O Fim da Marvel Comics, Fim dos Dias é uma clara homenagem à trajetória do Homem Sem Medo. Sob a batuta de Brian Michael Bendis, a história leva Ben Ulrich a uma última reportagem quando os heróis perderam sua força como defensores. A equipe de primeira linha desenvolve uma história sem igual, simultaneamente apresentando grandes momentos e figuras de Demolidor ao mesmo tempo em que se configura como mais uma grande história de um dos personagens mais coesos do estúdio.

    Romeu e Julieta – William Shakespeare (Saraiva de Bolso, tradução de Bárbara Heliodora)

    Romeu e Julieta - Shakespeare

    Casal mais conhecido da dramaturgia de William Shakespeare, Romeu e Julieta são símbolo de amor universal, representado, transcrito e transformado em um amor perfeito. A peça considerada uma das mais líricas do autor é fundamental para destruir o conceito das personagens através dos tempos, evidenciando que o amor de dois adolescentes termina de maneira trágica devido ao frenesi impulsivo e a imaturidade. Versando com qualidade sobre a agressividade desse amor, o casal permanece no imaginário coletivo em uma bonita história trágica.

    Pantera Negra – Quem é o Pantera Negra? (Salvat / Panini Comics)

    Pantera Negra - John Romita Jr - destaque

    Anterior a modificações estruturais de personagens representativos de uma causa, a Marvel fundamentou, dois anos após a nova lei de direitos civis nos Estados Unidos, um personagem negro com uma bela mitologia. Erigido como um deus no coração de um país futurista na África, local que nunca cedeu a colonizadores, a concepção do Pantera Negra atinge versão definitiva na narrativa de Reginald Hudlin. Retomando conceitos de tradições africanas, T’Challa adquire simultaneamente uma história coesa e uma tradição tribal forte, tornando-se um importante e imponente personagem político no cenário da editora.

    O Silêncio do Túmulo – Arnaldur Indridason (Companhia das Letras)

    O Silêncio do Tumulo - Arnaldur Indridason

    Impressiona que em uma literatura normalmente considerada formulaica como a narrativa policial se possam desenvolver tantos estilos diferentes e histórias genuinamente interessantes a partir de um crime. Arnaldur Indridason compõe sua narrativa a partir de dois focos: a investigação de um esqueleto encontrado nas imediações da Reykjavík, Islândia e uma trama familiar sobre um pai abusivo. O leitor reconhece de imediato que as narrativas iram se entrecruzar e, mesmo enfocando tais tramas de modo diferente, o autor é capaz de mantê-las em um mesmo tom que, quando chega em seu ápice, desvenda o crime e revela um aspecto crítico sobre a condição social e psicológica que fomentou o assassinato. É a partir desta obra que Indridason alcança sua melhor forma.

    Gotham DPGC: No Cumprimento do Dever (Panini Comics)

    Gotham GPGC

    Ed Brubaker e Greg Rucka partiram de uma premissa interessante ao indagar como seria o contingente policial de Gotham City vivendo à sombra do Homem-Morcego. O resultado é uma revista que destaca personagens comuns vivendo em um cotidiano padrão, no qual a figura de Batman é vista com mística, sem explorar a personagem interiormente como em suas revistas mensais. A partir de dramas pessoais em meio a atentados e crimes de grandes vilões e bandidos comuns, a equipe de crimes hediondos de Gotham sobrevive diariamente nesta pesada rotina criminal. Com uma vertente narrativa genuína de histórias policiais, a equipe apresenta uma visão diferente deste universo tão explorado e querido do público.

    Here, There And Everywhere: Minha Vida Gravando os Beatles – Geoff Emerick e Howard Massey (Novo Século)

    Here There Everywhere - Minha vida gravando os beatles

    Na vasta bibliografia sobre The Beatles, dividida entre obras de jornalistas experientes, críticos renomados e personagens que pontualmente passaram pela carreira da banda, a biografia de Geoff Emerick é fundamental como uma figura de autoridade intrinsecamente ligada à banda. Responsável pela formatação da fase mais prolífica da carreira do quarteto, Emerick narra brevemente sua trajetória até conhecer a banda e nos brindar com informações daquilo que fizeram dos Beatles a banda por excelência: sua qualidade musical. Detalhes técnicos, informações e curiosidades são costuradas em uma prosa suave que nos coloca ao lado da intimidade do Fab Four sob a visão daquele que esteve acompanhando a progressão a cada ensaio e moldando o som da banda. A obra é prazerosa e nos aguça a ouvir de maneira diferente a discografia do quarteto.

    Superman – A Queda de Camelot (Panini Comics)

    Superman - A Queda de Camelot

    Publicada simultaneamente a outra grande saga de Superman, O Último Filho, esta Queda de Camelot é um longo épico dividido em duas partes. Conduzida por Kurt Busiek, um dos responsáveis pelas revistas do herói ao lado de Geoff Johns na época pós Crise Infinita no projeto Um Ano Depois. Trabalhando em linhas temporais de passado, presente e futuro, o autor cria uma história provável sobre um futuro apocalíptico ao mesmo tempo em que desenvolve o passado do vilão Arion e as crescentes ameaças do presente conhecido. O tamanho da série cria uma narrativa aventureira cíclica, composta de diversos ganchos e conduzida pela aventura, dando sequência à explícita homenagem a Era de Prata desenvolvida desde o primeiro arco de Um Ano Depois. Se O Último Filho é uma reflexão pretensiosa e fabular sobre passado e descendência, A Queda de Camelot faz da aventura o fio condutor.

    Dragão Vermelho – Thomas Harris (Record)

    Dragão Vermelho - Thomas Harris

    Um dos grandes vilões do cinema, Hannibal Lecter inicia sua trajetória nesta narrativa escrita em 1988. Thomas Harris explora com eficiência a psicologia de seu assassino e compõe um interessante laço entre o investigador Will Graham e o psicanalista canibal, o qual colabora no caso. Em um thriller psicológico aclamado por James Ellroy como um dos grandes livros do gênero, a história é pautada no desenvolvimento do caso e no suspense, demonstrando talento na composição narrativa ao criar densos personagens bizarros, inovando ao introduzir com esmero a mente criminosa em cena. Mais impressionante que esta trama é o fato do autor, após a sequência O Silêncio dos Inocentes, ter produzido duas obras sobre a personagem sem nenhum apelo e vigor equivalentes a esta obra inicial. Mesmo com uma carreira desequilibrada, Dragão Vermelho é uma narrativa impecável.

    Os Vingadores – O Mundo Dos Vingadores (Panini Comics)

    Vingadores - n 1 - Avengers World

    Responsável por assumir duas revistas dos Vingadores após oito anos sob comando de Brian Michael Bendis, Jonathan Hickman iniciava um novo ponto de partida para os Heróis Mais Poderosos da Terra, reconfigurando a equipe em sintonia com o novo processo editorial intitulado Nova Marvel. O Mundo dos Vingadores alinha novos e antigos personagens em uma renovada formação da equipe, ao mesmo tempo em que introduz novos vilões que seriam fundamentais para futuras sagas da editora. Sem medo da sombra do sucesso da passagem de Bendis, o arco é simultaneamente uma boa história como também funciona como um início para novos leitores.

    A Ditadura Envergonhada – Elio Gaspari (Intrínseca)

    Ditadura Envergonhada - Elio Gaspari

    Com intensa pesquisa em fontes diversas e uma prosa ensaística de primeira qualidade, Elio Gaspari produz uma das obras definitivas sobre a ditadura militar brasileira. Indo além da formalidade dos fatos, o autor insere um estilo narrativo próprio que aviva a época e os dramas dos conflitos vividos e seus delicados detalhes. Traçando um panorama da sociedade, observando tanto o movimento militar como os levantes contra o golpe, este é o primeiro volume de uma vasta obra sobre o período que, ainda este ano, ganha o último e definitivo desfecho.

    Batman: Cidade Castigada (Panini Comics)

    Batman - Cidade Castigada

    A saga Silêncio, anterior a Cidade Castigada, talvez tenha eclipsado a atenção voltada a esta história escrita por dois grandes parceiros: Brian Azzarello e Eduardo Risso. Se a anterior pretendia ser um grande épico em doze partes, apresentando diversões heróis e a galeria de vilões do Morcego, Cidade Castigada enfoca o Batman investigador em uma história mais eficiente e coesa que a de Jim Lee e Jeph Loeb. Gotham adquire contornos noir entre poesia e corrupção enquanto o roteiro foge de uma tradicional narrativa feita pelo morcego, acrescentando tanto uma reflexão erudita sobre a cidade quanto ampliando a limitação física do herói, sem contar uma improvável cena em que Bruce Wayne faz seu próprio jantar, desmitificando, com certo humor sem perder o tom sério da narrativa, os fatos cotidianos que o personagem, como um reflexo de um ser humano normal, executa todos os dias.

    Cidades de Papel - John GreenMenção Honrosa: Cidades de Papel – John Green. Considerando o público-alvo de sua narrativa, Green surpreende com uma história pontual sobre a transição entre a adolescência e o mundo adulto e uma percepção madura de um grupo de amigos. Um romance de formação que tem potencial para se tornar significativo no crescimento do leitor jovem.

  • Resenha | Os Livros do Destino

    Resenha | Os Livros do Destino

    Os Livros do Destino - capa

    Edições especiais com enfoque em grandes personagens sempre são um bom produto de mercado, ainda mais quando a história apresenta um abrangente resumo cronológico de sua carreira em uma releitura de suas origens. Para o leitor tradicional, há a possibilidade de ler uma histórica dedicada a um personagem que não tem uma revista mensal; aos novatos, funciona como um breve resumo de anos de cronologia. Ed Brubaker reconta a trajetória do vilão Doutor Destino nesta minissérie de seis edições lançadas pela Panini Comics em 2008 em Universo Marvel Anual nº 2, e relançada no ano passado no formato encadernado em capa dura.

    Diante de um personagem prepotente e totalitário, a narrativa se curva ao próprio Victor Von Doom, que narra sua história em um aparente programa gravado. O vilão invade quadros como se fosse capaz de intervir em seu próprio passado, apresentando sua infância ao lado do clã dos Voon Doom, ciganos da Latvéria, e a tragédia que lhe tirou a mãe e, posteriormente, o pai. Apresentando sua trajetória, a visão deturpada de sua história é transformada em uma ascensão amoral de vitórias e ganhos, sem poucos momentos sinceros sobre sua persona vil. Fica explícito ao leitor que se trata de uma espécie de documentário sobre sua vida, destacado pelos depoimentos de outros conhecidos que também fizeram parte de sua jornada inicial.

    A história de Victor Von Doom é complexa e carregada de dramas internos de um jovem incapaz de controlar seu próprio destino. Uma composição mais profunda do que outros personagens de seu universo Marvel, como o Quarteto Fantástico. O enfoque no drama do garoto conduz a história de Brubaker, carregando contornos trágicos da transformação de um perdido adolescente em um homem inteligente capaz de dominar os medos e conquistar seus objetivos de qualquer maneira. Sua composição psicológica permite que o roteiro transite entre pontos obscuros de um tirano para um homem frágil, ainda preso à figura de sua mãe, Cynthia, aprisionada no inferno após um pacto com o demônio Mephisto. As seis edições situam as travessias de Von Doom para Destino quando compõe com tecnologia e magia uma armadura que lhe dá maiores poderes e afastaria a ligação maternal com o diabo. A composição entre misticismo e tecnologia é um dos cernes do vilão e do título do Quarteto Fantástico, no qual estreou, na quinta edição publicada no longínquo ano de 1961.

    Como o enfoque é estritamente o vilão humanizado, a participação de qualquer membro do Quarteto é mostrada em poucas cenas, apenas situando Reed Richards apontando erros de cálculo em um projeto de Victor, que culminaria nas cicatrizes de seu rosto, e sendo a força propulsora para uma raiva agressiva que faz do Senhor Fantástico o responsável por parte dos dramas vividos por Destino.

    Sem modificações na cronologia da personagem ou releituras de acontecimentos prévios como Brubaker faz em O Palhaço que Ri, da DC Comics, o roteiro apenas segue os pontos-chave de transformação de Destino, pontuando acontecimentos que culminaram na personalidade conhecida pelos leitores. Nas últimas páginas, há uma tentativa de produzir uma ação final de grande impacto, mas feita de maneira tão comum que poderia ter sido evitada.

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  • Resenha | Capitão América: O Soldado Invernal

    Resenha | Capitão América: O Soldado Invernal

    Capitão América - O Soldado Invernal

    Dando prosseguimento à saga Tempo Esgotado, Ed Brubaker e Steve Epting retornam ao clima de espionagem da história original, continuando a resolução do mistério da identidade do assassino. Aleksander Lukin, um general soviético renegado, assume a máscara da sombra, caracterizando os arquétipos de Joseph Campbell. Sua personagem variava entre um possível aliado da S.H.I.E.L.D. e a óbvia condição de antagonista dos interesses da agência. A posse do artefato mágico danificado, o Cubo Cósmico, mostra que vieram dele as ordens dos assassinatos da saga anterior.

    Steve Rogers se recusa a acreditar na “ressurreição” de Bucky Barnes, e mais ainda em sua participação das ações inimigas. Nick Fury revela que ele talvez seja a arma secreta da KGB durante o período da Guerra Fria. Ao finalmente se ver diante da verdade, ele torna-se agressivo e reage de forma espontânea, instintiva e desmedida, quebrando alguns dos objetos do QG. A questão torna-se ainda mais calamitosa graças à explosão de uma arma de destruição em massa em solo americano, orquestrada obviamente por Aleksander Lukin.

    Na edição 11, equivalente à parte três do arco, é mostrado um envelope de onde são tirados os arquivos em que é desbaratada a transformação do antigo parceiro-mirim do herói do título, que como seu parceiro exemplar, também fica congelado por bastante tempo. O intuito dos soviéticos em inverter o símbolo norte-americano e voltá-lo contra seus antigos patronos era causar nos seus inimigos um efeito psicológico de inferioridade, e de certa forma conseguiram, ao atingir o primeiro vingador em cheio. As ações do Soldado Invernal aconteceram nos anos 50, com exitosos resultados, quase sempre com bastante violência, especialmente quando os alvos são autoridades ou importantes cidadãos estadunidenses.

    A origem do arquivo secreto é desconhecida. Steve Rogers acredita que tenha vindo do próprio Cubo Cósmico. A possibilidade de seu antigo parceiro ter sido manipulado pelos crimes que cometeu não faz com que o herói sinta-se melhor, tampouco o exime do sentimento de auto culpa.

    Desde o começo a parceria era controversa, até mesmo Rogers foi bastante arredio com a ideia. No entanto, aceitou o dever pelo valor simbólico que teria um jovem ostentando a bandeira azul, vermelha e branca nos campos de batalha da Europa. O Capitão tenta espairecer e deixar isso de lado, usando o vigilantismo pela noite de Nova York, até que o Falcão é enviado por Fury para auxiliá-lo, para ouvi-lo e entregar seus préstimos como amigo. Na cabeça do mandante da S.H.I.E.L.D., o Sentinela da Liberdade precisava suprir a carência causada pelos últimos fatos e, claro, pelos sentimentos provocados por eles.

    O derradeiro argumento começa com o Soldado Invernal mirando o crânio de seu antigo mentor, logo após ele questionar, pela primeira vez em anos, as ordens de Lukin. A reticência em sua atitude demonstra a dualidade em sua psiquê, não sabendo exatamente para quem a sua fidelidade é devida. A esperada sequência de luta entre os dois é interessante pelo aspecto visual dos desenhos de Steve Epting num primeiro momento, e ganha ainda mais importância nos diálogos entre o Bandeiroso e Soldado Invernal, nos quais a troca de farpas acontece devido à chamada de Rogers sobre a antiga identidade de Barnes, e, claro, às referências ao seu ethos há muito abandonado.

    O final do embate é construído demasiadamente bem, de modo que o protagonismo acaba por ser dividido igualmente entre os dois “rivais”. O ímpeto de Bucky Barnes é em permanecer no estado de autoengano, ignorando os fatos que ocorreram consigo e como ele lutou até o incidente que o sepultou. A situação de ter de conviver com a própria consciência pesada e com a incômoda sensação de se sentir manipulado faz com que o ex-fantoche soviético busque justiça de seus antigos patronos. Brubaker premia a edição com um plot twist até esperado, se analisado minuciosamente o seu texto, atiçando ainda mais a curiosidade do leitor, ávido por mais histórias desse novo tomo do Capitão América.

  • Crítica | Capitão América 2: O Soldado Invernal

    Crítica | Capitão América 2: O Soldado Invernal

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    Apreensão. Medo. Angústia. A situação não era confortável após as duas derrapadas da Marvel Studios em sua Fase 2. Thor: O Mundo Sombrio e principalmente Homem de Ferro 3 sinalizavam que o estúdio perdia a mão após todos os acertos da Fase 1, os quais conduziram ao evento chamado Os Vingadores. Para a alegria dos decenautas recalcados, que finalmente tinham certa razão em sua ladainha de que a Marvel só faz filmes medianos e/ou para crianças. Pois bem: beijinho no ombro para os invejosos de plantão, pois o segundo filme do Sentinela da Liberdade se mostrou não apenas uma volta aos trilhos, mas também uma das melhores produções do gênero.

    Não havia espaço em Os Vingadores para focar o desenvolvimento da luta de Steve Rogers para adaptar-se ao mundo atual. Desta vez, naturalmente, sua jornada pessoal assume o centro da trama. Ele está vivendo em Washington e estudando incansavelmente para situar-se na História e cultura mundiais das últimas décadas. Mas como herói não tem vida mansa, o Capitão está trabalhando para a SHIELD, em missões secretas ao lado da Viúva Negra e de uma equipe especial chamada S.T.R.I.K.E.R. Porém, para um cara que lutava por uma idealizada liberdade, não é fácil aceitar nossos cínicos tempos de vigilância massiva e ataques preventivos, o que o leva a alguns atritos com Nick Fury. E as coisas se complicam de vez quando uma gigantesca conspiração dentro da agência é revelada, e mais de um elemento do passado de Steve voltam à tona.

    O Capitão América é um super-herói com um leve diferencial. Idealizado como um soldado, não faria sentido vê-lo, hoje em dia, simplesmente patrulhando um cenário urbano, como Batman ou Homem-Aranha. E pegaria muito mal colocá-lo na linha de frente do Iraque ou Afeganistão — até porque, convenhamos, lá não há tanta ação que justifique a presença de um supersoldado. A abordagem mais coerente para o personagem é aquela trabalhada com maestria pelo roteirista Ed Brubaker numa fase recente dos quadrinhos: espionagem, black ops, terrorismo. A partir dela, o filme não adapta uma história específica, mas transpõe todo o clima, ambientação e estilo narrativo. O próprio Soldado Invernal — com visual emocionalmente idêntico ao das hqs —, ao contrário do que o título do filme faz pensar, não é o coração da trama, mas sim uma peça de uma engrenagem muito maior. O que funciona muito bem, aliás.

    O roteiro é muito equilibrado, alterna de forma bastante orgânica os momentos calmos e expositivos e aqueles mais movimentados e frenéticos. Mas o que chama realmente a atenção é o bom uso dos vários personagens, em suas diferentes escalas de importância, mesmo os que aparecem bem pouco, como Batroc, Agente 13 e Maria Hill. Para os fãs, é ótimo ver nomes conhecidos dos quadrinhos em vez de figuras genéricas. Ajuda na sensação de que o universo do herói, e não apenas ele próprio, está sendo transposto. Ainda nesse campo, o filme destroça aquele velho e simplório argumento de que vários inimigos numa mesma história nunca dá certo. O problema é querer criar um arco individual para todos — abraço para Homem-Aranha 3. Sabendo dosar a importância e o espaço de cada um, Capitão América 2 emprega nada menos do que cinco vilões.

    Sempre massacrado, Chris Evans mostrou de novo que quase toda a implicância pra cima dele é injusta. Sua performance pode não emocionar ou ser tão marcante quanto a do colega Robert “Tony Stark” Downey Jr, mas o cara está inegavelmente mais maduro e confortável no papel. É possível, sim, enxergar Steve Rogers nele. Quem é limitado de fato é Sebastian Stan — isso é spoiler? sinto muito —, o que não atrapalha a construção do Soldado Invernal como figura ameaçadora. Mesmo quando a máscara cai, o ar de drogado cansado, que Stan já tem por natureza, ironicamente se encaixa no personagem. Como dito antes, ele acaba tendo uma participação pequena, mas sua introdução para uso futuro foi bem realizada. E o nome Soldado Invernal é legal sim, muito mais estiloso que “do inverno”, parem de reclamar.

    Os aliados do herói também receberam merecida atenção; todos têm seu lugar ao sol. Nick Fury é uma espécie de gatilho para movimentar a trama, e em relação a ele — e à própria SHIELD — o filme empresta argumentos de outra hq recente, Guerreiros Secretos, escrita por Jonathan Hickman. E falar qualquer coisa de Samuel L. Jackson seria chover no molhado: ele É o personagem e pronto. Scarlett Johansson não consegue ser menos que maravilhosa, e surpresa nenhuma, mantém muito bem o posto de co-protagonista. Interessante ver um lado mais humano e espirituoso da Viúva Negra, além de aparecerem mais migalhas sobre seu passado. Ela menciona ter desertado da KGB, o que por consequência confirma que é também mais velha do que aparenta. Mas o filme não se importa em explicar isso — filme solo da Viúva, quando quiserem, viu.

    O Falcão vivido por Anthony Mackie é um ótimo coadjuvante e responsável por boa parte do humor do filme sem ser um alívio cômico — aliás, a comédia está presente mas bem dosada, voltando ao velho estilo da Marvel e corrigindo a principal falha da Fase 2, ALELUIA SENHOR. Nos quadrinhos, Sam Wilson é um dos melhores amigos do Capitão, e isso ficou bem retratado. A rápida e total fidelidade dele para com Steve, quase um bromance, pode parecer meio exagerada. Mas isso é perdoável, pois Sam é um militar, e se o Capitão é um ídolo geral da nação, imagine para essa classe. Alexander Pierce, vivido com elegância por Robert Redford, tem um papel importantíssimo, mas nesse caso é melhor evitar spoilers. Só vale dizer que faltou coragem: seria épico e coerente se certo boato tivesse se confirmado e outro conceito de Brubaker fosse aproveitado.

    Em relação a aspectos visuais, o longa merece todos os elogios e mais alguns. Não quanto aos efeitos, isso já é o básico do básico que se espera de grandes produções. Também não necessariamente às cenas de ação, que são maravilhosas. Chega a emocionar as perseguições no trânsito nas quais é possível VER com clareza os carros batendo e se destruindo, fugindo da maldita estética Bourne de câmera fechada e tremida. Não: o ponto mais satisfatório de Capitão América 2 são as lutas. Os realizadores normalmente esquecem que em filmes de super-heróis a “ação” não pode ser resumida apenas em correria, tiroteio, explosões. Tem que ter o combate. O mano-a-mano. PORRADA. Nele esse elemento foi trabalhado com perfeição, coreografias dignas de filmes orientais de artes marciais. O Capitão está mais ágil e fodão do que nunca. A luta contra Batroc é qualquer coisa de sensacional, e sempre que o Soldado Invernal aparece, dá vontade de mandar o projetor repetir a cena.

    Esse nível elevado acaba conduzindo a um dos pontos fracos do filme, que é a sequência final. Após tanta criatividade, decepciona um pouco a resolução genérica de “apertar um botão”, com explosões e destruições que já viraram carne de vaca no cinema blockbuster. Fica também um sentimento de que a Viúva e o vilão principal poderiam ter um papel mais grandioso no final. Finalizando o trabalho ingrato de apontar os defeitos, fica muito vago o que será a SHIELD daqui pra frente. Esse ponto acabou sendo explicado na série Agents of Shield, num episódio altamente conectado com Capitão América 2. Em termos de universo expandido, a conexão entre as mídias e valorização do seriado dão nota 10. Mas não deixa de ser uma falha do filme.

    Fugindo desse mundo mesquinho onde tudo funciona na base da comparação, cabe dizer apenas que Capitão América 2: O Soldado Invernal não deve nada aos melhores exemplares do gênero. Muitíssimo bem executado, é o filme que a Marvel e os fãs precisavam nesse momento. Os diretores Joe e Anthony Russo já estão confirmados na terceira parte aguardada para 2016, o que só comprova a confiança e satisfação com esse projeto. Antes, porém, como a ótima cena pós-créditos nos faz lembrar, o Capitão marca presença num tal de Vingadores: A Era de Ultron.

    Texto de autoria de Jackson Good.