Tag: Emily Blunt

  • Crítica | O Retorno  de Mary Poppins

    Crítica | O Retorno de Mary Poppins

    A época de final de ano evoca em crianças e adultos mais crédulos e positivistas uma sensação de esperança do porvir, poderia ter nessa época estreando O Grinch da Illumination, mas o estúdio talvez sabendo da bomba que este seria o programou para Novembro, mesmo sendo um filme de temática natalina. Pois bem a versão de Rob Marshall do mito de P L Travers chegou aos cinemas , com O Retorno de Mary Poppins, um filme tão melódico e bonito que quase faz perdoar Caminhos da Floresta e Piratas do Caribe: Navegando em Águas Misteriosas.

    Em alguns aspectos, este filme lembra o fenômeno que foi O Rei do Show , lançado no final do ano passado, não só por serem ambos musicais, mas também pela temáticas sociais parecidas. A historia começa mostrando Michael Banks (Ben Whishaw) já adulto, cuidando de suas três crianças, Anabel, John e Georgie (Pixie Davis, Nathanael Saleh e Joel Dawson), sendo este um homem bem enrolado, que tem de lidar com sua viuvez recente, com oficio no banco onde seu pai trabalhava e uma queda brusca dos ganhos de sua família. O tempo todo a casa é visitada por sua irmã, Jane (Emily Mortimer), uma mulher linda, mas ainda solteira que usa seu tempo e trabalho para lutar a favor dos direitos dos menos abastados, como sindicalista. Claramente há uma evolução de quadro aqui, os personagens estão repaginados e logo, o chamado a aventura ocorre, com o risco da casa ser vendida ao banco por conta de uma dívida que Michael contraiu.

    É nesse contexto que Mary Poppins volta, mais uma vez cortando o céu com seu guarda chuva, agora feita por Emily Blunt, que a encarna com uma perfeição enorme, elegante, carismática e deslumbrante, igualmente bem como Julie Andrews mas diferente dela, uma vez que ela é mais sisuda, rígida e taxativa, tal qual era nos livros originais. Sua atitude é mais assertiva por serem aqueles outros tempos, e pelo fato de que era outra geração de crianças. O trio daqui é mais independente e até menos criativas que a dupla de irmãos do filme clássico, então para gerar neles a fantasia seria preciso uma abordagem diferenciada e mudança foi para o bem.

    As comparações com o original obviamente ocorrem, esta versão não inova tanto quanto a outra, e de certa forma isso é ótimo uma vez que Rob Marshall errou demais nas ultimas vezes que tentou inovar, vide Caminhos da Floresta. Há personagens espelhados, mas na maioria das vezes são ressignificados, como o Jack de Lin-Manuel Miranda, um iluminador que faz as vezes do Bert de Dick Van Dyke, mas que tem seus próprios causos e motivações. As crianças deste também são melhores, sobretudo os meninos, realmente se crê que elas podem ter vivido todo aquele conjunto de aventuras e desventuras.

    Há também um acréscimo na mitologia. Michael e Jane não acreditam que o que viveram na infância de fato ocorreu, desse modo eles falam sempre de maneira incrédula sobre os dotes de Poppins e sobre o que eles viveram naquela Londres aquarelada do filme de Robert Stevenson, e sempre que eles falam isso, há ao manos uma gag visual contrariando, seja Blunt deslizando pelos corrimões, ou algo realmente mágico passando perto deles, mas como seus olhos e mentes são incrédulos, eles não percebem o obvio, e não abraçam a magia que a sua antiga babá carrega, tal qual o discurso da própria personagem-título, isso tudo é nonsense, e o que não pode ser explicado pela lógica é simplesmente irreal, nesse ponto Blunt acerta perfeitamente no tom jocoso e irônico dos britânicos.

    Um dos graves problemas do filme original é de certa forma ressignificado aqui.  A mãe do primeiro filme, Winnifred Banks é mostrada como uma sufragista a favor do direito das mulheres ao voto, e Glynis Johns de maneira bem alegre no começo do filme, e no final ela deixa esse lado feminista, achando que aquilo era uma maluquice e usa o cordão do sufrágio que carrega como rabiola da pipa verde que as crianças carregam. Sua filha, já adulta é uma ativista política, que não depende de homem para viver – inclusive ela abrigaria seu irmão e sobrinhos em sua casa se fosse necessário e se o banco tomasse a casa que seus pais construíram – e isso é uma bela desconstrução do argumento anterior, aliás, os vizinhos marinheiros que davam tiros de canhão a cada hora também aparecem no filme, ainda que estejam atrasados em cinco minutos e há anos, sendo esse um comentário bem inteligente do roteirista David Magee sobre o quão bobo e atrasado é o pensamento macho que sente necessidade de provar sua masculinidade através do uso de armas e pólvoras.

    Alias, a configuração familiar é bem diferente nesta versão, os pais são emocionais e falhos, com dificuldades e situações financeiras e com uma situação que evoca urgência maior, assim como claramente Michael é bem mais próximo de suas crianças do que era seu pai. A todo tempo se lembra e se lamenta a perda e a saudade da mãe que partiu, as vezes essas memórias são alegres mas na maioria das outras , são melancólicos e agridoces.

    Os personagens vilanescos são um pouco caricatos e fazem a historia demorar um pouco, e o final flerta com a intervenção Deus Ex Machina mas é acompanhada de uma participação tão bela que faz esse aspecto ser bastante perdoável. Com tudo isso, O Retorno de Mary Poppins é um filme muito caro e emotivo, os personagens semelhantes aos do filme anterior funcionam bem e fogem do arquétipo de serem meras copias. As musicas são lindas apesar de não tão boas como as do clássico, a mistura de animação com atores reais faz lembrar o original, a questão  dos lumes dançando no lugar dos limpadores de chaminés também é uma boa sacada e os atores estão muito bem, tanto Whishaw como o homem que sofre o agouro, quanto Blunt e Miranda como dueto musical, além do que ambos imprimem uma mágica muito bem vinda e condizente com a obra de P L Travers.

    Facebook – Página e Grupo | Twitter Instagram | Spotify.

  • Crítica | Um Lugar Silencioso

    Crítica | Um Lugar Silencioso

    Um Lugar Silencioso é uma curiosa produção de terror: se estabelece a partir da premissa de que criaturas monstruosas cegas acabam com a vida humana a menor menção de som possível, fazendo com que as pessoas tenham que viver em silencio caso queiram sobreviver. O enfoque dramático se situa na família composta pelo casal Lee (John Krasinski que também dirige o longa) e Evelyn (Emily Blunt) que sofrem um trauma terrível no passado e, mais tarde, reestruturam sua família com as crianças Regan (Millicent Simmonds) e Marcus (Noah Jupe) e um novo bebê que está a caminho.

    A premissa é muito boa e a condução do suspense acompanha essa ideia inteligente. Krasinski dirige seu terceiro longa, o primeiro no gênero terror, com uma mitologia muito rica, apesar de pouco expositiva. O fato de não possuir muitos diálogos apresenta certa criatividade narrativa para desmistificar toda a mecânica das criaturas monstruosas e os hábitos de quem quer continuar vivo.

    A desolação mundial não é muito mostrada graças a precariedade da vida dos personagens principais e consequente da dificuldade de comunicação global.  No lugar do convívio pessoal sobra a paranoia pela proximidade do perigo. De certa forma, a família é auto suficiente não só na produção dos recursos para viver, como também nas questões que envolvem as descobertas do modus operandi dos monstros. O habito de falar por meio de sinais é bem explicado pelo fato da garota Regan ter um problema de surdez. Ou seja, mesmo antes daquela situação limite, seria natural para os parentes conversarem assim. Bem como há uma situação complicada com um bebê vindo a luz, já que controlar o choro de uma criança recém nascida é praticamente impossível, ainda mais em um ambiente que precisa ser controlado, fazendo com que o ciclo de vantagens e desvantagens da família seja igualmente auto suficiente.

    Os aproximadamente 95 minutos de filme (com menos de meia hora de diálogos) e a forma como o desespero ocorre diante dos personagens é muito bem exemplificado pelas atuações. A agonia que a personagem de Blunt tem ao ser perseguida na segunda metade do filme é impressionante. Há muito tempo a atriz não conseguia um bom papel como esse. Apesar da exposição exagerada do texto, em especial no final, Um Lugar Silencioso é um filme assustador. Um suspense repleto de tensão, ainda que perverta suas regras e as expectativas ao seu redor.

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Crítica | A Garota no Trem

    Crítica | A Garota no Trem

    a-garota-no-trem

    Existem inúmeras frases, de diversas autorias diferentes, que nos chamam à atenção para uma mesma reflexão: Não importa o ponto de partida ou o ponto de chegada. O que importa é o percurso.

    Em A Garota no Trem, adaptação para os cinemas do best-seller da autora Paula Hawkins, o caminho percorrido pela protagonista é tão importante que chega a figurar como uma das alegorias centrais da trama. Revelando não só o mundo pela perspectiva da personagem, mas também os seus próprios dilemas internos e a maneira como o mundo exterior provoca uma reação em cadeia no seu vício em álcool.

    Rachel, interpretada por Emily Blunt, mora de favor na casa de uma amiga e, diariamente, no caminho para o trabalho, observa a rotina dos moradores de duas casas localizadas próximas aos trilhos do trem. De dentro do vagão, ela vela a rotina das duas moradoras das casas, Anna e Megan, enquanto beberica as bebidas alcoólicas que camufla em uma garrafa de água. Em dado momento, uma das moradoras desaparece e Rachel se vê diretamente ligada ao caso, não podendo contar com sua memória falha para defender-se.

    A Garota no Trem é um filme de conexões. Tal qual num livro, cada demarcação temporal da fita nos revela uma nova camada de compreensão do plano geral do roteiro, acrescentando peça por peça em um quebra-cabeças que, embora pareça óbvio à primeira vista, se torna interessante pela maneira como o diretor trabalhou planos, perspectivas e, principalmente, os personagens. Nada rasas, cada uma das personas presentes na trama é um gatekeeper e guarda consigo segredos que ajudam a completar as lacunas iniciais da história.

    Em termos de técnica, a balança pende mais para o lado dos acertos. A trilha sonora é muito simples, dando espaço para os sons naturais do filme e crescendo somente nos momentos necessários. A fotografia escura do filme funciona, ao passo que dá o tom do mistério, mas não dificulta a experiência do espectador. Embora o trabalho da direção de elenco e dos coadjuvantes seja muito bem feito, fica evidente a supremacia de Blunt. A atriz entrega cenas memoráveis que certamente serão reconhecidas na temporada de premiações.

    A divisão capitular com alternância da primeira pessoa ajuda a explicitar múltiplos pontos de vista sobre os acontecimentos e oferece um certo dinamismo ao filme. Embora este seja mais um da vasta lista de tópicos que aproximam esta obra do aclamado Garota Exemplar, de David Fincher, é desonesto dizer que o filme dirigido por Tate Taylor não imprima originalidade. Diretor do igualmente bom Histórias Cruzadas, Tate precisou mergulhar nos escritos de Paula Hawkins e no universo feminino, majoritariamente presente no longa, para representar fidedignamente as características comportamentais que compõe as três mulheres centrais da história.

    É curioso que, ainda que existam momentos bastante conservadores na retratação da figura feminina, o filme consiga se colocar muito bem em relação ao emergente – e muito bem vindo – elemento girl power tão presente na produção cultural atual. Aliás, a função social está aqui muito bem representada. Abordando temas como relacionamentos abusivos, alcoolismo e gaslighting – forma de abuso psicológico onde o homem distorce fatos fazendo com que uma mulher duvide da sua própria memória e sanidade mental –  A Garota no Trem transcende o entretenimento atrelando ao seu texto ácido e crítico a explanação de pautas de suma importância em nossa sociedade e uma exposição da fragilidade e da perversão que residem nos relacionamentos contemporâneos.

    Texto de autoria Marlon Eduardo Faria.

  • Crítica | O Caçador e a Rainha do Gelo

    Crítica | O Caçador e a Rainha do Gelo

    O Caçador e a Rainha do Gelo 1

    Amalgamando prequel com continuação, O Caçador e a Rainha do Gelo segue um estilo semelhante ao visto entre 300 e 300: A Ascensão do Império, mesmo sem a presença da protagonista do filme anterior vivida por Kristen Stewart. A premissa do longa de estreia de Cedric Nicholas-Troyan é remontar a origem de Ravenna, a rainha má de Charlize Theron, mostrando sua irmã Freya (Emily Blunt), fazendo ali um crossover entre os contos dos Irmãos Grimm e alusões da mitologia germânica, dentro do já misturado caldeirão de referências.

    A história de contos de fadas começa com uma narração e mostra uma história muito semelhante à de Malevóla, filme também produzido por Joe Roth e Sarah Bradshaw, dois dos três que assinam a produção, ao lado de Palak Patel. A personagem de Blunt tem sua filha assassinada por seu amado, fato que faz ela despertar seus poderes mágicos, semelhantes aos de Elsa em Frozen: Uma Aventura Congelante, além de fazê-la criar um reino próprio, com um exército para ocupar o vazio emocional que tem consigo, referência que também é semelhante à animação da Disney.

    Apesar do nome em português, este filme tem foco no personagem do Caçador, que agora recebe o nome de Eric, ainda vivido pelo Thor da Disney Chris Hemsworth, que na atualidade vive nos arredores do reino de Branca de Neve e é chamado às pressas para socorrer a sua rainha, levando o espelho mágico para longe da adoentada realeza. Apesar da morte da vilã, o ardil seria a desculpa para a ausência da antiga protagonista, e a jornada do fraco personagem teria envolvimento com seu passado, resgatando sua origem no reino de Freya e seu antigo amor, Sara (Jessica Chastain), figura esta que havia sido dada como morta.

    O tal artefato mágico traria a Freya um grande poder, e tudo que o envolve parece seduzir os que estão em seu caminho. Como se não houvesse mais dinheiro para arcar com os custos do filme anterior, só há presentes dois anões, dos quais somente um estava em Branca de Neve e o Caçador, Nyon (Nick Frost) e seu irmão Gryff (Rob Brydon), que são o alívio cômico, ao lado de mais personagens presunçosos e de moral óbvia.

    A jornada floresta adentro reserva momentos que imitam visual e narrativamente o recente João e Maria: Caçadores de Bruxa, além de mostrar um flerte bobo e carente de consistência entre o antigo casal. A continuação segue com o mesmo problema do primeiro filme: tentando transformar qualquer momento em algo épico, incluindo aí duas irmãs rainhas exímias em estratégia militar.

    A solução final para o confronto que deveria ocorrer entre as partes boas e más beira o ridículo, arranjando uma luta com desfecho anti climático cujo maniqueísmo extremo rivaliza com a falta de identidade, o aspecto mais negativo do filme, de intermináveis deles. Quase nada funciona em O Caçador e a Rainha do Gelo, especialmente por entrar em contradição com tudo o que foi apresentado no já ruim episódio anterior.

  • Crítica | Sicário: Terra de Ninguém

    Crítica | Sicário: Terra de Ninguém

    sicario

    O talentoso diretor canadense Denis Villeneuve retorna ao circuito estadunidense após executar seu belo O Homem Duplicado em sua terra, para executar o badalado Sicario: Terra de Ninguém, que explora um drama policial que tem seu protagonista dividido entre uma mulher e um homem latino, o que deveria ser o ponto de partida para uma trama equilibrada em relação às minorias, fato que não ocorre.

    O roteiro do iniciante Taylor Sheridan (um ator de series televisivas, como Sons of Anarchy, Veronica Mars e dois spin offs de CSI) explora a história de Kate Macer (Emily Blunt), uma agente do FBI que já no início se vê em uma situação de calamidade, ao encontrar os espólios de um cartel latino violentíssimo, que se escondia nos compartimentos de uma casa entre corpos putrefatos de seus inimigos.

    A trilha sonora, apesar de interessante, acaba por cortar a maior dose dos suspenses que se postam diante de Kate. Gradativamente, novos chamados à aventura são feitos a agente, que deixa sua confortável posição de chefia para acompanhar Alejandro (Benicio Del Toro) e Matt Graver (Josh Brolin). Os dois personagens masculinos exercem uma opressão emocional sobre ela, fazendo ficar ainda mais evidentes os descuidos da moça com a sua aparência, aspecto que serve de signo para o estado depressivo em que ela se encontra.

    No entanto, a postura debochada de Graver é completamente diferente do comportamento misterioso de Alejandro, que se enquadra no mesmo estereótipo dos heróis de western spaghetti: homem duro, cujo passado misterioso o credencia para ser o superior em qualquer aventura. Não fosse a entrega de Del Toro, tal repetição de bordão dramatúrgico seria um erro, mas não o é, especialmente se comparado a todo o resto. As motivações das personagens são mal construídas, tão rasas que não possuem credibilidade em qualquer de suas atitudes por serem somente reflexos de um péssimo clichê.

    A construção de ideário do que seria Juárez, uma província mexicana onde a violência explícita é a palavra definitiva, esbarra em mais uma retratação xenófoba por parte do script tipicamente hollywoodiano. Até as boas cenas de ação e a bela fotografia de Roger Deakins (que já havia trabalhado com Villeneuve em Os Suspeitos) são diluídas graças à desimportância que ocorre após tantas frases de efeito e repetições de padrões visuais toscos, como gângsteres tatuados, que têm na crueldade seu norte, conceito idêntico ao dos piores seriados policiais dos anos 1990.

    Nem mesmo a mudança tática entre o esquadrão do começo do filme e o novo modo de combate apresentado pelos agentes especiais serve de alento. A tentativa de gerar signos visuais que acarretem em situações de real discussão de ambiguidade esbarra nas péssimas construções de relacionamento, que primam pela insipidez, exceto no caso de Alejandro – exatamente por não se revelar quase nada de seu repertório.

    Apesar de tentar mostrar um universo enbrutecido, Sicario peca por não saber escolher entre a vontade de Kate em alcançar a onisciência e o cinismo caricato de Graver e seus homens, ao abordar um mundo sem esperanças. O final assume de vez a má construção do texto, entregando o protagonismo ao único personagem que não está mal justificado em tela, aludindo curiosamente a uma curiosa semelhança deste desfecho com o videogame que dá continuidade aos fatos ocorridos no jogo Scarface: The World is Yours, que punha Tony Montana de novo em ação, ainda que Del Toro seja muito menos histriônico que o traficante cubano. Curioso que um desfecho semelhante ao realizado em outra mídia seja um dos melhores momentos de um filme cujo potencial era imenso, mas que se perde em meio a um argumento descabido e desequilibrado, que torna banais até temas graves.

  • Crítica | Caminhos da Floresta

    Crítica | Caminhos da Floresta

    CaminhosdaFloresta 1

    Não é incomum que as pessoas guardem certo ranço pelo musical como gênero cinematográfico. Uma das alegações mais recorrentes diz respeito à dificuldade de envolvimento devido ao uso narrativo da música. É, no entanto, interessante que Disney e Broadway desde seus primórdios lancem mão deste recurso em suas obras, as quais, eventualmente, sejam tão bem aceitas pelo público em geral – como a clássica Hakuna Matata (O Rei Leão) e a recente Let it Go (Frozen – Uma Aventura Congelante) – mas cuja aceitação não seja a mesma quando o gênero é aplicado no formato live action ou o material encenado fora dos palcos. Entre tantos outros exemplos, Caminhos da Floresta encaixa-se na categoria dos que merecem ser vistos sem este tipo de filtro.

    Vindo na esteira de uma leva de filmes propondo reformulações menos monocromáticas nos contos de fadas, como ocorreu com Malévola e o já citado Frozen, Caminhos da Floresta maximiza essa tendência e une os principais contos de fada recontados ou elaborados pelos irmãos Grimm em um mashup capaz de unir, mais do que suas tramas, as discussões morais e éticas já presentes desde sempre nestes contos. Para tal tarefa, a Disney chamou o veterano Rob Marshall, diretor de Nine e Chicago, para reunir todas essas tendências e criar uma paleta mais sutil e atual com o uso de charmosas canções.

    O que vemos aqui é uma única história contada de maneira fracionada com o uso de personagens, de comportamento tipicamente maniqueísta, mas que unidos tornam-se mais profundos. Nos contos originais, a trama desenrola-se a partir do erro ingênuo da jornada dos heróis (chamado de Hermátia, que pode ser traduzida do grego como “Errar o Alvo”). Mas o que Rob Marshall faz com esse material é uma discussão sobre a real inocência deste erro e como ele pode afetar a vida de todos, e faz isso usando como fio condutor o conto de Rapunzel – ironicamente, deslocado e abandonado de acordo com a conveniência do roteiro -, levando adiante a história de sua origem ao nos apresentar as consequências adquiridas pelas próximas gerações do conto.

    A apresentação dos personagens é feita através da narração de suas ocupações e de uma canção que permeia os cenários dos protagonistas exibindo seus desejos e aflições. Neste ponto, podemos separar os protagonistas como alegorias para “O mundo”; a floresta como “A vida”; e a Bruxa (Meryl Streep, merecidamente indicada ao Oscar novamente) como “Os percalços da vida”. E assim está posta a mesa sobre os dilemas da vida, o que faz todo o sentido neste contexto, já que todos os contos de fada usados são “arquétipos universais”, assim chamados por reproduzirem-se mesmo em culturas distintas e não relacionadas entre si.

    Apesar da proposta ambiciosa de buscar o sentido da vida – ou o sentido da floresta -, a produção frequentemente peca pela literalidade com que aborda boa parte de suas teses, o que é uma pena, pois, quando consegue se desfazer deste cacoete, sempre acerta, como na cena de renascimento de Chapeuzinho Vermelho, ou de sua transformação interna com a substituição de sua capa vermelha de menina por uma capa de mulher, fruto de seus erros que será carregada para que possa enfrentar o mundo.

    Com uma metragem maior do que deveria, o filme tropeça em algumas ambiguidades por ceder à falácia do meio-termo como situação ideal, mostrando os extremos e então forçando-os a alcançar um ponto de equilíbrio dito ideal, como quando, após expor o machismo dos contos e dos cafonas príncipes encantados, a adúltera é punida pela vida sem a menor cerimônia; ou, quando fala sobre onde colocar nossos desejos sexuais, argumenta a possibilidade de que no fundo a moça sabia que não deveria ter provocado ou se excitado.

    Mas não adianta buscar culpados apenas, pois afora passar por esta floresta e seus caminhos – pela falta de caminhos, atalhos ou estradas – passa pela aceitação do outro como parte da resolução, assim como foi parte do problema, tendo o sentido de pertencimento como essencial para lidar com os defeitos do mundo, a vida e seus problemas.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | No Limite do Amanhã

    Crítica | No Limite do Amanhã

    Edge-of-Tomorrow-Poster

    A Terra foi invadida por alienígenas, os Mimics, que até o momento estão levando a melhor. O Tenente-coronel Bill Cage (Tom Cruise), assessor de imprensa do Exército, vê-se obrigado a juntar-se às Forças Armadas e ir para o front às vésperas de uma batalha decisiva. Sem saber o motivo, fica preso no tempo, acordando no quartel a cada vez que é morto em combate. Num de seus replays, conhece Rita Vrataski (Emily Blunt), agente das Forças Especiais famosa por sua participação decisiva na batalha anterior ao exterminar uma grande quantidade de aliens. E, a cada reboot, Cage acumula mais informações que o auxiliam a entender o que está acontecendo.

    O roteiro foi baseado no livro All you need is kill, de Hiroshi Sakurazaka, ainda sem tradução no Brasil. Apesar disso, é impossível não pensar em outras produções em que o protagonista revive o mesmo dia ou algo semelhante. Feitiço do Tempo é a lembrança mais óbvia, onde Phil (Bill Murray) acorda todos os dias no Dia da Marmota. Outra lembrança mais recente – e também mais similar em termos narrativos – é Contra o Tempo, em que Colter Stevens (Jack Gyllenhaal), acorda no corpo de um desconhecido e é obrigado a reviver os minutos que antecedem um acidente de trem causado por uma explosão, até que consiga localizar o autor do atentado.

    Enquanto em Feitiço do Tempo a repetição apenas acontece, sem qualquer preocupação em elucidar como ocorre e com uma motivação que pende para o aspecto sentimental, em Contra o Tempo a motivação é explicitada logo nos primeiros minutos, e ao final é explicado como isso ocorre. Sob esse aspecto, No Limite do Amanhã, dirigido por Doug Liman, é muito semelhante. Em outras perspectivas também, como não poderia deixar de ser, já que o fio condutor é similar. A cada restart, Cage aprende mais detalhes, consegue ir mais longe em suas incursões no campo de batalha, até que numa delas, ao contar a Rita sobre sua situação, ela lhe diz: “Venha me procurar quando acordar!”. E assim, ao encontrar Rita e Dr. Carter (Noah Taylor) pela manhã, finalmente descobre como e por que o dia reboota a cada vez que ele morre.

    Apesar da ideia já batida, o roteiro consegue segurar a onda e manter o ritmo do filme. Quando começa a ficar repetitiva e o público começa a achar que vai ser apenas mais do mesmo, um novo elemento é adicionado à trama, ou momentos de humor inevitáveis, causados pela repetição dos dias, dão aquele “respiro” merecido ao espectador. Felizmente, os roteiristas não erraram a mão e dosaram bem essas intervenções cômicas em que o principal alvo é o superior de Cage, Sargento Farell (Bill Paxton). O ritmo da narrativa se mantém, apesar de uma ou outra “barriga”, e consegue, auxiliado por uma boa montagem, manter a atenção do espectador do início ao fim.

    O elenco está ok, sem nenhuma performance extraordinária, mas todos estão bem entrosados e bem convincentes. Cruise sempre encarnando o bom-moço, desta vez possui alguns mínimos deslizes de caráter, coerentes com um militar acomodado em sua posição longe do front e capacidade nula de combate. Blunt se esforça como a agente motherfucker, já que seu porte físico é pouco condizente com sua fama – o exoesqueleto utilizado pelos soldados justifica, em parte, suas habilidades, mas não o suficiente. Os demais não se sobressaem, mas também não fazem feio.

    Boa fotografia, bons efeitos especiais, 3D dispensável. Enfim, diversão garantida, apesar do final meio Disney demais. Mas depois de aceitar o modo como o tempo estava sendo rebootado, acatar o happy end não demanda tanto esforço assim.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Looper

    Crítica | Looper

    Rian Johnson conseguiu alguma notoriedade como diretor em 2005 quando seu filme de estreia, Brick, ganhou atenção em festivais como Sundance e Toronto. Brick era um filme estranho, sobre um adolescente (Joseph Gordon-Levitt) que buscava a namorada desaparecida. Looper mantém de certa forma o estilo de Johnson, mas essas características, quando colocadas em um filme com propostas muito comerciais, acabaram perdendo parte do sentido.

    Looper se passa em um futuro próximo, 30 anos antes da invenção da viagem no tempo, banida pouco depois de seu surgimento. Loopers são assassinos encarregados de se desfazer de vítimas vindas do futuro e que, em algum momento, terão que eliminar a seus próprios “eu” futuros. Tudo isso é explicado didaticamente por uma narração em off de Joseph Gordon-Levitt, e começa aí um dos problemas do filme.

    Looper é excessivamente verbal. A narração em off explica detalhes desse mundo futuro que seriam muito mais interessantes se fossem explorados dentro do filme. Ao mesmo tempo, o roteiro tem buracos enormes, e mesmo o nó central do filme parece não fazer sentido.

    Outro problema é a manipulação do rosto de Joseph Gordon-Levitt para deixá-lo mais parecido com Bruce Willis. Não funciona, deixa o ator beirando o ridículo, rouba boa parte de suas possibilidades de atuação e, principalmente, seu carisma. Seus melhores momentos estão quando ele consegue aparecer por baixo da computação gráfica e finalmente parecer humano para o espectador.

    Por outro lado, Johnson traz aquilo que tornou Brick um filme notável: um cinema que expõe de forma muito clara seus próprios mecanismos e referências. Looper é uma ficção científica com ares de noir; sendo assim, a cidade, a trilha e diversos planos ecoam Blade Runner e, óbvio, O Exterminador do Futuro. Muitos clichês de gênero são tratados com certa ironia, e a intenção inicial do filme parecia ser não se levar tanto a sério.

    No entanto, essa intenção se perde e Looper acaba um filme que não funciona como uma ironia ou uma brincadeira de linguagem e nem como um filme de ficção científica. No fim, resta um filme que usa as ferramentas do cinema de forma muito interessante, e parece esboçar uma discussão sobre o peso das escolhas e o que nos faz o que somos. Além disso, a direção de arte e edição de som são muito bem feitas e a montagem é usada com uma criatividade rara, mas no fim o filme se afoga em um roteiro ruim e no excesso de maquiagem em um bom ator.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.