Tag: Hiro Kiyohara

  • Resenha | Feridas

    Resenha | Feridas

    Feridas é protagonizada por duas crianças de 11 anos de idade. Poderia ser um fator que amenizaria as coisas. Poderia. Não foi, muito pelo contrário. A densidade foi inversamente proporcional à idade dos protagonistas, e isso impressiona.

    Keigo e Asato se tornam amigos na escola. Os dois garotos têm algo em comum: problemas familiares graves (um mais que o outro). Asato descobre ter um poder incomum de transferir feridas dos outros para si. A transferência pode ser total ou parcial. Ao longo do tempo, Asato desenvolve sua habilidade, tornando-a cada vez mais eficaz. E ele passa a agir de maneira cada vez mais altruísta, o que aparentemente é bom, mas existe um motivo obscuro por trás disso.

    Publicado pela JBC, Feridas é mais uma parceria excelente entre o artista Hiro Kiyohara (Another, Coin Laundry Lady) e Otsuichi, responsável pela história. A outra parceria, Só Você Pode Ouvir, segue um estilo parecido, onde uma história simples com elementos leves de fantasia serve como pano de fundo para assuntos mais profundos. Em Feridas, o acerto foi ainda maior.

    Este mangá é corajoso por colocar crianças em situação de vulnerabilidade no protagonismo. Keigo sofre agressões físicas constantes de seu pai alcoólatra, enquanto que Asato foi esfaqueado pela própria mãe. Sim, a obra faz jus ao título: não são meras feridas físicas. São feridas na alma e no coração. De duas crianças.

    Quanto mais Asato desenvolve seu poder, mais ele quer ajudar os outros. A consequência é carregar a ferida dos outros, e cada vez mais os machucados se acumulam. O pequeno Asato carregando feridas de inúmeras pessoas. Um fardo muito pesado para uma criança, não é?

    Keigo tenta apoiar o amigo, mas chega num ponto em que essa ajuda começa a ficar perigosa ao próprio Asato. Sendo o bom amigo que é, Keigo diz para ele parar de ajudar, caso contrário a própria vida estará em risco. Asato não interrompe seu ímpeto altruísta, e Keigo encontra uma solução que, obviamente, não vou contar.

    Aqui temos uma alegoria óbvia quanto ao poder de Asato. Uma criança, símbolo da pureza e inocência, tem uma espécie de poder divino capaz de ajudar os outros. Porém, Asato teve o corpo e a alma feridos pela própria mãe, o que, à primeira vista, tiraria a inocência do garoto. Ao mesmo tempo, coloca-o quase num patamar de mártir. Foi a real intenção de Otsuichi? Não sei, mas como dizem por aí, o artista perde o monopólio de interpretação a partir do momento em que publiciza sua obra. Esta é uma das visões possíveis.  Minha sugestão é que você leia o mangá e tire suas próprias conclusões, é uma obra que vale muito a pena pela forma como temas tão pesados são tratados.

    Facebook – Página e Grupo | TwitterInstagram | Spotify.

  • Resenha | Tsumitsuki: Espírito da Culpa

    Resenha | Tsumitsuki: Espírito da Culpa

    Hiro Kiyohara tem como obra mais conhecida o mangá Another. O artista japonês também produz diversas histórias curtas, contadas em volumes únicos, por exemplo Só Você Pode Ouvir, ou mesmo um compilado de esquetes bizarras (Coin Laundry Lady).  Aqui temos mais um exemplo de mangá em volume único: Tsumitsuki: Espírito da Culpa, publicado pela Editora JBC.

    Em uma cidade do interior do Japão, uma nova aluna, Chinatsu Takada, chega à escola. A jovem Takada, aos poucos, vai conhecendo as lendas locais, em especial sobre os tsumitsukis, espíritos que se alimentam do remorso humano. As coisas ficam mais sinistras quando Takada conhece Kuroe, um garoto que sabe muito sobre os tais espíritos. Os dias vão passando e coisas estranhas começam a acontecer na cidade. Mortes bizarras ocorrem e ninguém sabe a causa. Mas nós sabemos, claro: são os tsumitsukis.

    A ideia destes espíritos é interessante. Entidades que tomam o corpo da pessoa e, aos poucos, vai tomando seu controle, como se fosse corroendo a pessoa de dentro para fora. É semelhante a uma doença progressiva terminal, não há cura, não há escapatória, e cedo ou tarde você vai ser tomado por ela e morrer.

    Por vezes esquecemos que a história tem uma protagonista. Há foco em alguns núcleos narrativos que dão uma boa dinâmica. Kuroe acaba sendo o personagem mais interessante por seu ar misterioso. Apesar de não haver um desenvolvimento tão profundo, os personagens são bem definidos em suas convicções e personalidade na medida do possível, afinal é um mangá de volume único.

    Há um bom clima de suspense, aliando-se aos belos traços de Kiyohara e sua boa habilidade narrativa. A história se desenvolve bem, os personagens idem, apesar de não ser algo extraordinário. É o tipo de obra com ideias legais e história básica, o que não chega a ser algo ruim. Existem momentos tensos e impactantes, às vezes inesperados. Ponto positivo. De resto, a trama se mostra um pouco arrastada, mas não ao ponto de gerar desinteresse ou vontade de abandonar a leitura.

    Muitas pessoas podem olhar a capa, ler a premissa e esperar ler um mangá de terror. Não é. Existe suspense, momentos de horror, mas não espere algo assustador ou perturbador à la Junji Ito. Espere algo na linha de Another com alguns momentos sangrentos e grotescos. O resultado final é interessante, mas não memorável. Vale a leitura, especialmente aos apreciadores ou fãs do trabalho de Kiyohara.

    Facebook – Página e Grupo | TwitterInstagram | Spotify.

  • Resenha | Another

    Resenha | Another

    Dentre as várias obras de Hiro Kiyohara, provavelmente esta é a mais conhecida. Seguindo uma praxe em sua carreira, Kiyohara adaptou uma obra escrita para as páginas de um mangá. O autor da obra original é Yukito Ayatsuji, que não poupa elogios ao artista pela ótima adaptação que fez. Diz que houveram mudanças bem-vindas e adaptações dignas de nota. Estas declarações podem ser conferidas no último volume.

    Another tem uma atmosfera de suspense e terror envolvendo jovens estudantes de uma escola japonesa. O protagonista Sakakibara, ao ingressar no terceiro ano, começa a perceber atitudes estranhas de seus colegas, e dentre eles, uma solitária garota de tapa-olho, Mei Misaki. A trama se desenvolve em torno dos mistérios da Sala 3-3 onde Sakakibara e Misaki estudam. Há uma espécie de maldição que acomete aquela sala, matando alguns de seus integrantes. E a terceira turma do terceiro ano sofre desse mal há décadas.

    Existem diversos elementos interessantes na história. O primeiro deles é a dúvida de Sakakibara em relação a Misaki: ela está viva ou morta? Só ele enxerga a garota? São dúvidas que prendem a atenção do leitor e causam certa intriga. A narrativa é bem desenvolvida e, aos poucos, conhecemos um pouco mais da história de Misaki e sobre a famigerada maldição. Por mais que exista o elemento fantástico (maldição), a história se mantém muito próxima da realidade.

    Vale destacar a arte de Kiyohara, sempre muito boa e precisa, com grande habilidade narrativa. O artista consegue compor cenas bonitas com toques de macabro, nada aterrador ou bizarro do nível Junji Ito, até porque esta não é a proposta de Another. Aqui temos um quê mais psicológico, gerando inúmeras e constantes dúvidas sobre o que está acontecendo e sobre a própria sanidade dos personagens. Mas não se engane, existe cenas sangrentas no mangá, mas geralmente a violência não é tão explícita.

    A princípio, o mangá teria apenas 2 volumes, mas o artista insistiu que fosse mais prolongado, e no final das contas, conseguiu. A história é bem desenvolvida, com alguns detalhes sutis que se fazem importantes no final, e não há enrolações. Em sua maior parte, há um clima de mistério com pontuais momentos de humor. No geral, destaca-se a tentativa de descobrir os mistérios por trás dessa maldição. Há alguns momentos cansativos na leitura, mas nada que comprometa em demasia o resultado final.

    Vale destacar alguns subtextos interessantes. Sakakibara é órfão de mãe e seu pai é bem ausente, pois o jovem foi morar em outra cidade e acaba mantendo apenas esporádicos contatos via telefone. Sua figura materna acaba sendo Reiko, irmã de sua falecida mãe. Em relação a Misaki, há reflexões sobre ser ignorada e solidão, que será desenvolvido e justificado ao longo da obra.

    Foi um grande acerto da Editora JBC publicar Another aqui no Brasil. É uma obra conhecida pelos fãs de anime/mangá, e com razão. Temos muitas qualidades aqui, que às vezes parece apenas um “terrorzinho adolescente”, mas logo o estereótipo cai por terra. Além do que, o desfecho é visceral. As edições possuem páginas iniciais coloridas, outro acerto na edição brasileira.

    Facebook – Página e Grupo | TwitterInstagram | Spotify.

  • Resenha | Só Você Pode Ouvir

    Resenha | Só Você Pode Ouvir

    Ryo tem dificuldades em se comunicar com as pessoas, inclusive colegas de escola. Todos possuem um celular, menos ela. Seu desejo em possuir um vai aumentando a cada dia. Aumenta até o ponto de ela criar um celular imaginário. Até aí, nada de mais. As coisas mudam quando ela decide tentar ligar para números aleatórios… e alguém atende.

    O título da obra já é sugestivo, apenas Ryo ouve o celular imaginário (por motivos óbvios). Porém,  cria fortes vínculos com duas pessoas  via telefonia imaginária: uma mulher de quase 30 anos de idade e um rapaz um ano mais velho que ela. Interessante que a mulher será uma espécie de conselheira de Ryo, inclusive para ajudar no relacionamento com seu novo amigo.

    O elemento fantasioso  serve para destacar a parte humana da história, especialmente a solidão. Ryo sentia uma solidão constante por sua dificuldade em se comunicar. A garota sequer gosta da própria voz. Quando inicia a comunicação com os novos amigos, ela visivelmente se torna mais feliz. Cria laços com seus novos amigos imaginários (?) e vai se abrindo aos poucos. Em determinado momento, ela faz um teste para confirmar se estas pessoas são reais.

    Este é um dos vários exemplos de história simples e bem contada. O roteiro de Otsuichi, foi baseado no conto Carta de Amor, de Jack Finney. Ele é bem modesto ao afirmar que sente vergonha de ter escrito este roteiro, mas descarrega todos os elogios ao artista Hiro Kiyohara que deu vida à trama nas páginas de mangá. E merecidamente, pois Kiyohara possui um traço belíssimo e muita qualidade narrativa.

    Ao longo da narrativa, Ryo passa a refletir sobre diversos assuntos, e o leitor, inevitavelmente, a acompanhará. A solidão é tratada com muita sensibilidade, sem melodramas ou forçações de barra, muito pelo contrário. Neste ponto, a obra é muito pé no chão e muitos leitores poderão se identificar com as situações e sentimentos vivenciadas por Ryo. A leitura é bem leve, com poucos textos por quadro.

    De uma premissa simples depreende-se um desfecho emocionante e profundo. Uma bela obra em volume único publicado pela Editora JBC.

    Facebook – Página e Grupo | Twitter Instagram | Spotify.