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  • Crítica | Os Donos da Rua

    Crítica | Os Donos da Rua

    A história de Os Donos da Rua é bastante curiosa, tanto na forma como John Singleton dirigiu e escreveu, como dentro de sua narrativa. A trama começa em 1984, em South Central, um bairro de Los Angeles predominantemente habitado por negros, onde mora Tre Styles, uma criança de dez anos, que já na infância mostra traços de rebeldia. Com medo de não conter seu filho, Reva Devereaux (Angela Bassett) o deixa com seu pai, Furious (Laurence Fishburne).

    Pai e filho tem uma relação bastante próxima e amorosa. Os primeiros quinze minutos são movimentados, mostrando a mudança e o crescimento do garoto e da violência do bairro em que vive, desde as gangues existentes na comunidade, como do próprio Estado, na figura da polícia de Los Angeles. Tre, agora vivido por Cuba Gooding Jr., Ricky Baker (Morris Chestnut) e Doughboy (Ice Cube) possuem expectativas diversas, Tre começa a se vestir melhor que seus vizinhos graças ao trabalho que tem numa loja cara, Ricky pleiteia uma bolsa de estudos graças ao futebol americano e Doughboy anda sempre cercado de outros jovens negros que cometem pequenos crimes.

    A primeira hora de filme serve basicamente para estabelecer clichês de comportamento, mostrando pessoas religiosas, outras que flertam com a criminalidade, além de abordar temas sérios como a gentrificação dos bairros negros, tudo dito de uma forma simples, ao passo que se preocupa em não subestimar o espectador. A diversidade de personagens e os interesses que os movem os afastam de meros estereótipos do que o cinema branco entendia por comunidade afro-americana. O que se vê aqui são pessoas reais, com seus erros e acertos, e que precisam conviver com uma violência institucionalizada, que toca algumas de suas crianças, em uma guerra que eles não pediram, financiada por terceiros e distantes de seus bairros.

    Singleton apresenta uma jornada cuja história começa simples e se agrava com o decorrer do tempo. Toda a carga emocional envolvendo o caso de Ricky desnuda uma realidade dos bairros negros dos Estados Unidos, e encontra eco na maior parte dos guetos dos países, sobretudo os ditos de terceiro mundo.

    É curioso como o personagem de Fishburne possui o nome de Furious, embora ele seja o mais pacífico dos personagens apresentados. A brincadeira com alcunhas o faz ter objetos que servem de signo, como as bolas de metal que ele maneja entre os dedos, que servem para retirar o estresse e a tensão que vivencia diariamente. Cube, Gooding Jr. e Chestnut fazem um trio imbatível, se entregam de corpo e alma aos seus papéis e fazem toda essa odisseia ganhar contornos realistas e cruéis.

    A história que Singleton conta já o coloca em um lugar especial do cinema, e é realmente uma pena que seu cinema não seguiu tão maduro e forte quanto aqui. Os Donos da Rua não é perfeito, mas até seus defeitos ajudam a compor um bom quadro de violência e visceralidade, resultando em um conto urbano, infelizmente, corriqueiro nas áreas mais pobres e à margem da sociedade.

    https://www.youtube.com/watch?v=aD4GMr2pICA

  • Crítica | Triplo X: Estado de Emergência

    Crítica | Triplo X: Estado de Emergência

    Sem conseguir repetir sequer o êxito do início do filme anterior, Triplo X: Estado de Emergência, substitui as homenagens a 007 para apresentar uma cópia muito mal feita da trilogia de filmes infantis Pequenos Espiões. O filme de Lee Tamahori começa com o segundo personagem mais famoso da franquia tentando fugir, mostrando August Gibbons (Samuel L. Jackson) junto a Shavers (Michael Roof) fugindo do seu atual QG, e que a agência de espionagem estava em perigo e havia sido descoberta. Um novo protocolo ocorreria e um novo agente XXX deveria ser recrutado.

    Tamahori havia sido muito criticado por seu filme anterior, 007: Um Novo Dia Para Morrer, e demorou três anos para lançar um novo produto. Para tal, resolve referenciar o blaxploitation moderno da pior  qualidade,  lembrando demais o estilo de John Singleton em Mais Velozes e Mais Furiosos, seguindo na esteira de continuações dos filmes de Rob Cohen, conseguindo piorar o que já não era mal concebido. Neste Triplo X- Estado de Emergência o confuso texto começa introduzindo seu novo protagonista, o ex-operações especiais e presidiário Darius Stone (Ice Cube), antes mesmo de dar um parecer sobre o Xander Cage de Vin Diesel, que teria morrido na ilha de Bora Bora, em uma emboscada, fato este discutido em apenas uma frase de um personagem secundário.

    Por mais que o primeiro capítulo não tenha uma dramaturgia minimamente aceitável, a sucessão de acontecimentos faz sentido, com as capacidades de Cage sendo demonstradas antes mesmo dele começar a agir como agente secreto, artificio que não se repete com Stone, que já inicia seus feitos como um super-homem negro, semelhante ao Shaft do próprio L. Jackson. A marca deixada na obra de 2002 é sumariamente ignorada, pondo no lugar uma identidade deteriorada, incapaz de rivalizar até com seus pares de época, como Aeon Flux, Doom e Sr. e Sra. Smith.

    Em meio a tentativa de resgatar Gibbons, que foi raptado por infiltrados no meio da inteligência governamental americana, que planejam assassinar o presidente do país, o personagem-título se alia com personagens negros de seu passado, fazendo uma força tarefa repleta de melanina para tentar frustar os planos do grupo capitaneado pelo secretário general George Deckert (Willem Dafoe). Em nenhum momento a gravidade de um golpe de Estado é realmente aludida, pelo contrário, dá-se espaço demasiado para bobagens e cenas de ação mal orquestradas, que sequer levam trama e personagens a algum lugar.

    No começo do filme, as cenas que exigem efeitos especiais são sofríveis. Nos vinte minutos finais, há uma perseguição de carro que apela ainda mais para artificialidade, com características que a fazem se assemelhar ao visto em jogos de videogame da geração 32 bits, ou seja, bastante inferiores ao que era comum no ano de 2005.

    Triplo X: Estado de Emergência consegue ser ainda mais digno de pena que o seu antecessor, com um personagem principal que não convence como herói de ação, nem como conquistador e que não possui carisma algum, tanto o intérprete quanto o pretenso herói, recheando um roteiro vazio com referências a velhos clichês do cinema de protagonismo de negros, mas sem qualquer conteúdo de discussão ou de identidade racial que se esperava por parte de um personagem interpretado pelo antigo vocalista do NWA.

  • Crítica | Anjos da Lei 2

    Crítica | Anjos da Lei 2

    Na atual era dos remakes e reboots, o receio de tantas produções serem lançadas apenas como caça-niqueis acaba afastando uma parte do público das salas de cinema. Porém, o grande público parece não se importar muito com isso e acaba consumindo vorazmente essas produções, o que incentiva os estúdios a investirem nesse caminho. Em sua grande maioria, essas produções são feitas a toque de caixa, sem muita preocupação estética ou com roteiro e personagens, gerando cópias e mais cópias cada vez mais genéricas e descaracterizadas.

    “Anjos da Lei 2” vem dentro deste contexto. É uma sequência de uma adaptação de uma série de TV dos anos 80, onde jovens policiais se infiltravam na escola como estudantes para investigar o tráfico de drogas. Dando sequência ao bom filme de estreia em 2011, os diretores Phil Lord e Chris Miller mantêm na segunda parte toda a fórmula que se consagrou na primeira: a relação atrapalhada, mas sempre amorosa, entre os amigos Schmidt (Jonah Hill) e Jenko (Channing Tatum), os conflitos com o chefe, Cap. Dickinson (Ice Cube), a dificuldade de Schmidt ao se relacionar com pessoas enquanto Jenko tira isso de letra, e por aí vai.

    O filme conta a história de Schmidt e Jenko sendo novamente direcionados à unidade de infiltrados para investigar a distribuição de uma nova droga antes que ela se espalhe pelo país, mas dessa vez na universidade, já que se provaram incapazes de fazer o trabalho policial convencional. Após várias tentativas frustradas de identificar a origem da nova droga e de brigarem entre si por conta das novas amizades que aparecem em suas vidas, Schmidt e Jenko precisam deixar de lado todas as suas diferenças para solucionar esse caso.

    Se a proposta do filme soa genérica e um tanto quanto inverossímil, o grande mérito de “Anjos da Lei 2” vem justamente de não se levar a sério. Ao saber que se trata de uma comédia com sátiras de vários filmes e seriados do gênero (além do próprio fato de ser uma continuação), as piadas auto-referenciais não são economizadas, especialmente nos créditos finais. As situações embaraçosas em que os protagonistas se metem durante a investigação também são muito mais exageradas do que no filme anterior, o que arranca gargalhadas do público devido, principalmente, a química entre a dupla de atores.

    Tatum não é dos melhores atores, mas ao encarnar justamente um jovem forte fisicamente, com habilidades sociais, mas não muito inteligente (características inclusive reforçadas na continuação), e com a ajuda de Hill, consegue criar um personagem carismático, interessante e engraçado. Quem também cresce no filme é o capitão Dickinson, que ganha mais espaço ao aparecer como o pai de uma aluna da mesma universidade onde os protagonistas estão infiltrados, mas que acaba dormindo com Schmidt, para aumentar ainda mais a tensão entre eles.

    Dentro disso tudo, o desfecho da história principal é o menos importante, e todos os outros personagens inseridos, como os traficantes, servem apenas de trampolim para as crescentes situações absurdas surgidas entre Schmidt e Jenko. Podemos destacar também como é positivo o fato de um filme, teoricamente de comédia, em momento algum desliza para o humor baixo, recurso tão fácil e sempre muito usado. Em momento algum as mulheres, gays ou qualquer outro grupo minoritário é tratado com desdém, muito pelo contrário. Schmidt fica uma noite com uma mulher, que logo o manda embora. Jenko começa a ter aulas sobre sexualidade e logo se posiciona a respeito dos gays, corrigindo termos ofensivos como “faggot” com um discurso politicamente correto, mas sem parecer caricato ao ponto de desvalorizar o próprio discurso.

    Anjos da Lei 2, então, repete as mesmas fórmulas consagradas do primeiro filme, mas sem se repetir como uma cópia descarada. Há evoluções na história que são interessantes de acompanhar, além das piadas e situações engraçadas que acontecem durante o longa. Quem gostou do primeiro, certamente irá se divertir também com este.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Três Reis

    Crítica | Três Reis

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    Três Reis começa como um sinal de mudança de tempos, anunciando a metamorfose da era belicista americana, retratando a Guerra do Golfo sob uma ótica singular e engraçada. A maneira jocosa, totalmente diversa de como era retratada o conflito pela imprensa (a época) e mais diferenciada ainda da cobertura que fora realizada na guerra americana anterior: Vietnã – foi uma boa maneira de David O. Russell mostrar que os tempos eram outros, esta era a Guerra da Mídia, em Nam a opinião pública derrubou os EUA, e este erro teria de ser evitado a todo custo.

    A aventura com premissa escapista joga o trio de protagonistas numa curiosa caça ao tesouro, repaginando os filmes de pirata, atualizando-o não só na linguagem textual, mas também nos cenários, saindo os sete mares para explorar o desértico cenário do Oriente Médio e tirando os estereótipos de piratas desregrados e maltrapilhos, pondo militares porra loucas no lugar.

    A obstinação da repórter Adriana Cruz (Nora Dunn) em busca do furo é digna de nota, especialmente se comparada as atitudes de sua rival (Cathy Deitch, feita pela já maravilhosa Judy Greer), dois lados da investigação jornalística são mostradas e suas procuras pelo sucesso ajudam a compor o quadro louco da trama proposta pelo roteiro.

    A edição do filme privilegia o tema da comédia, mostrando a caça pelo ouro e a tentação dos soldados em embolsar os valores, mas a história transita entre isso e demonstrações de maus tratos aos cidadãos iraquianos. O propósito dessas transições é mostrar humoristicamente o quão ambígua é a relação entre o povo e seu ditador, revelando o pouco apoio da plebe a imposta e autodeclarada autoridade local. Mesmo os “bravos” yankees não são unânimes quanto ao nível de interferência que deveriam empregar na situação. Em muitos momentos a comédia é posta de lado, fazendo do filme um filhote de Dr. Fantástico de Stanley Kubrick, abusando do humor negro para provar seu ponto. As cenas violentas são registradas numa velocidade diferente, truncada, quase como se Russell estivesse registrando-as a contragosto – a guerra é impessoal, é devastadora com quem está envolvido nela.

    O foco, depois da captura de Troy Barlow (Mark Wahlberg) muda, a câmera na mão prevalece em detrimento das cenas em terceira pessoa, a intenção é imergir o público na incomoda sensação da captura e na transformação, de um caçador de um baú lotado de opulência para o estado miserável de um simples refém. Nesse estágio, o roteiro permanece repleto de situações engraçadas, mas as piadas são não mais os percalços da procura pela riqueza e sim as promessas infundadas de que o governo de Bush Primeiro auxiliaria a castigada escuma iraquiana.

    As cenas que mostram os órgãos internos sendo alvejados pode ser encarado como uma alegoria as feridas dos militares retratados, que superficialmente parecem bem e motivados, mas que por dentro estão apodrecendo, graças a situações que se meteram graças a sua cobiça desmedida. A motivação de Elgin (Cube), Gates (Clooney) e Barlow muda e a frustração por não conseguir prosseguir com a sua missão é maior que sua fome pelo ouro. A nobreza dita no título se manifestaria nas atitudes do trio, que após a odisseia mudaram sua postura a fim de se diferenciar dos seus superiores engravatados, o desfecho pode ser encarado como piegas, especialmente graças a mensagem edificante, mas também pode ser visto como uma evolução na jornada dos personagens, e neste ponto, o trabalho de David O. Russell é competentíssimo.

    Ouça nosso podcast sobre a filmografia de David O. Russel.