Tag: Jason Clarke

  • Crítica | Cemitério Maldito (2019)

    Crítica | Cemitério Maldito (2019)

    Após 30 anos da primeira versão de Cemitério Maldito, os diretores do (excelente) Starry Eyes, Kevin Kölsch e Dennis Widmyer, trazem à luz uma volta a Ludlow, cidade cenário do romance de Stephen King, O Cemitério e já em seu início ele mostra uma versão bastante diferente de Mary Lambert. Em alguns momentos, o filme apresenta ótimas idéias e conceitos interessantes, mas que não são minimamente desenvolvidos.

    Essa versão de Cemitério Maldito tem uma fidelidade maior com o material original. O Louis Creed de Jason Clarke é incrédulo, e faz questão de mostrar a todos que é ateu, até a sua filha, Ellie, feita por Jeté Lawrence. Na relação de pai e filha mora a face mais emocional do filme, mas mesmo essa faceta é mal desenvolvida ao longo da trama. Desde o começo do filme se percebe uma aura sombria, não há sutileza, toda sorte de pessoas e situações parecem excessivamente dark e carregadas de malignidade, destoando completamente da obra original.

    Ao menos do ponto de vista do gore, Widmyer e Kolsch acertam. O filme não tem receio em ser asqueroso ao expor sangue, mesmo contando com um elenco infantil. No entanto, até essa qualidade visual é discutível por conta do excesso de cenas escuras. O elenco também não funciona muito bem, John Litgow faz um vizinho de origem estranha, cuja motivação não se explica e não se dá nenhuma importância, nem por seus sentimentos ou passado. As sensações e o carinho que ele diz ter pelas crianças dos Creed não faz sentido, pois ele sequer parece gostar de crianças. As obviedades do roteiro de Matte Greenberg e Jeff  Buhler irritam e tiram a atenção do espectador. Os efeitos ligados a Church, o gato-zumbi, são terríveis, assim como seu comportamento passivo-agressivo.

    O  desenrolar do final assusta com a falta de sentido, independente da troca da criança que será perdida (apesar de também haver um peso diferente entre perder uma criança e um bebê, mas tudo bem), e sim por conta do que se desenha, já que não faz sentido nem por conta do trauma que Louis sofre e nem com o desenrolar dos acontecimentos. Cemitério Maldito é surpreendente por ser tão mal pensado e executado.

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  • Crítica | A Maldição da Casa Winchester

    Crítica | A Maldição da Casa Winchester

    Em San Jose, na Califórnia, está localizada uma casa considerada mal-assombrada e que com o passar dos anos se tornou atração turística em função dos mistérios que preenchem seus cômodos. A residência foi propriedade de Sarah Winchester, esposa do empresário da indústria de armamentos, William Wirt Winchester. E é baseado na história dessa curiosa construção, que o filme A Maldição da Casa Winchester, dos irmãos Michael e Peter Spierig, se concentra.

    É sempre difícil encontrar algo do gênero terror que mantenha a qualidade de sua construção do enredo, mas se o objetivo de quem procura por filmes assim é sentir alguns sustinhos na sala escura do cinema, a satisfação é garantida facilmente. Para criar o clima propício não é necessário inserir criaturas horripilantes, mas elaborar situações de tensão por meio dos clichês que nos assustam desde a infância.

    Esse filme consegue fazer isso a partir do momento em que o psiquiatra Eric Price (Jason Clarke) entra na residência para elaborar um relatório sobre o estado de saúde da viúva Winchester (Helen Mirren), a fim de declarar se ela está apta a continuar administrando a mais importante empresa fabricante de armas dos EUA. Eric é bem recebido por empregados da mansão, com muitos cômodos de madeira – o que já traz aquela sensação de desconfiança que só uma casa antiga consegue provocar, por meio de estalos muito bem explicados pelo estudo científico da dilatação térmica dos materiais, mas que a irracionalidade insiste em apontar para outras causas.

    Antes de chegar à casa, as cenas são cheias de fotografias de paisagens lindas, mostrando como era a vida entre o final do século XIX e início do século XX. Eric sai de sua vida entediante –embora regada ao uso de uma droga alucinógena e o convívio rotineiro com prostitutas para obter o prazer necessário que o faça esquecer de seu passado – para assumir a missão que lhe garantirá o pagamento atrasado de sua hipoteca.

    Todos os elementos clichês do gênero então se apresentam: uma senhora grisalha e misteriosa fala aquilo que ninguém acredita no princípio, mas que aos poucos se torna verossímil; uma criança passa a se comportar de maneira estranha, com olhos que mudam de cor e feição que varia entre o angelical e o diabólico; a mãe dessa criança é a mulher jovial que precisa ser salva por um homem corajoso; e o homem corajoso, que tem a coragem e inteligência para solucionar os mistérios.

    Trata-se de uma obra composta por tudo que já estamos cansados de ver, com um enredo cheio de falhas, mas com diversão garantida para quem ainda reage às armadilhas dos filmes ruins de terror.

    Texto de autoria de André Luiz Cavanha.

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  • Crítica | Mudbound: Lágrimas Sobre o Mississipi

    Crítica | Mudbound: Lágrimas Sobre o Mississipi

    “A Vida é uma professora,
    O tempo é quem cura,
    E eu tenho fé,
    Como os caminhos de um rio selvagem”

    – Trecho de Mighty River, por Mary J. Blige.

    Quando Mudbound: Lágrimas Sobre o Mississipi foi anunciado, como o projeto de uma diretora negra sobre as raízes de uma América ancestral que poucas pessoas reconhecem, e poucos americanos nativos se deixam recordar, então um mundo desigual e ainda não-industrializado dentro da nação que virou sinônimo de igualdade com o sonho americano e de industrialização pós-segunda guerra, a sensação foi justamente essa, ironia. Indo muito além de seu elenco majoritariamente negro em tempos de choque racial ainda serem uma realidade no governo Trump, abertamente retardatário, mas pelo filme encapsular em meia dúzia de relações um espírito americano de sonho, de coragem e resistência que ainda somos bombardeados por ele através da propaganda de filmes de super-heróis, totalmente políticos, mas que muitos cidadãos da pátria dos “salvadores do mundo” já não conseguem mais senti-lo. O filme, por outro lado, não tenta resgatar essa valorização do amor pela terra, do amor patriótico, mas retrata muitas das agruras que fizeram esse sentimento se espalhar.

    Mas houve um tempo que eles mesmos acreditavam no sonho deles, e claro, já pagavam o preço pelas empreitadas – vezes boas, vezes não. Famílias como a de Laura (Carey Mulligan) e Henry McAllan (Jason Clarke) mudavam espontaneamente para o interior, o famoso sul americano a procura de terra e oportunidade de se juntar uma grana, e como eram brancos, não esperavam o choque com um sentimento local nada abstrato de constante revolta, devido à segregação racial institucionalizada nos Estados Desunidos da época, o choque já enraizado também entre negros e brancos que já dividiam aquelas terras antes, e a própria dureza econômica da vida de quem vivia nas fazendas do Mississipi. Toda essa dificuldade já foi exemplarmente explorada pelo velho mestre John Ford, um dos pilares da trajetória do cinema americano, com clássicos seminais como o famoso Vinhas da Ira (1940) e o magistral Caminho Áspero (1941), ambos sobre a incongruência do lado mais pobre da nação mais rica do mundo, e é justamente a fé que nasce de cenários infelizes como o que observamos neste filme de 2017 que é muito bem representada pela canção “Might River”.

    A diretora Dee Rees é americana, sabe e sente muito bem os rincões que resolve vasculhar com um belo trabalho de câmera, evidenciando um ambiente e fazendo-nos sentir o aroma de suas veredas, de suas casas, de sua gente. Ela aqui tem mãos suaves, sabe até muito bem o que faz e não deixa temáticas pesarem muito na tela. Sua cadência e sua valorização do período histórico é devidamente retratada em drama e suspense pontuais, ambientados por uma mise en-scène enxuta que parece resguardar todo aquele povo num tempo suspenso da realidade, como se aquele misto de tensões e dificuldades de uma nação ainda em desenvolvimento estivesse sempre acontecendo, tal um universo paralelo mesmo com dilemas constantes, pois a sensação não vai muito longe disso.

    Assim sendo, Mudbound: Lágrimas sobre o Mississipi é a cria mais cinematográfica da Netflix, e que conseguiu chegar ao Oscar com algumas boas e merecidas indicações, fazendo todos olharem para a produção. Um filme cujo recorte nacionalista de uma realidade é mais que puramente contemplativo para com seu povo, com sua terra e sua perspectiva de “mundo”, incitando a reflexão sobre incidentes que ainda persistem a rolar hoje em dia, como a cena de assassinato racista a um negro poupando seu amigo branco, ambos podendo sofrer o mesmo destino devido as condições que ambos se encontravam. Rees opta então por um multiplot inevitavelmente polêmico, contudo manso, seguro e sereno de ricos personagens que, feito um rio, vai curtindo seu fluxo até um belíssimo final.

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  • Crítica | Evereste

    Crítica | Evereste

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    Em 1996, dois grupos de alpinistas, um liderado por Rob Hall (Jason Clarke) e outro por Scott Fisher (Jake Gyllenhaal), de agências de alpinismo concorrentes, tentam escalar o Everest, mas uma nevasca coloca a vida de todos em risco. A tragédia, que surpreendeu a todos, acabou por vitimar 19 pessoas, entre alpinistas e sherpas.

    Por mais estranho que pareça, o documentário de 1998 – baseado no mesmo livro de Jon Krakauer, No Ar Rarefeito – consegue atrair e manter a atenção do espectador com muito mais eficiência do que este filme dirigido por Baltasar Kormákur. O que a história tem de incrível, o filme tem de enfadonho.

    Há que se concordar que filmes-catástrofe não prezam por desenvolver personagens bem construídos. Em geral, são bem estereotipados – o valentão, o covarde, o líder, o do-contra, o nerd, o com habilidades físicas e por aí vai. Os integrantes das expedições de Hall e Fisher são “gente como a gente”, ou seja, nenhum deles tem apenas uma característica marcante, mas o roteiro os deixa parecidos demais, rasos demais, desinteressantes demais. As exceções são, obviamente, os líderes das expedições. O roteiro faz questão de ressaltar personalidades quase opostas, enfatizando o responsável Rob Hall em contraponto ao boa-vida Scott Fisher. Apesar das personalidades contrastantes, ao menos o roteiro não caiu na armadilha de tentar colocá-los como oponentes diretos, apesar de suas empresas concorrerem pelo mesmo público-alvo – alpinistas desejosos de alcançar o pico mais alto da Terra. Percebe-se a cumplicidade entre os dois, mesmo quando estão aparentemente se provocando.

    O maior desperdício está na porção feminina do elenco – Robin Wright (como Peach Weathers), Keira Knightley (como Jan Hall), Emily Watson (como Helen Wilton), Elizabeth Debicki (como Dr. Caroline Mackenzie), Naoko Mori (como Yasuko Namba) – ficaram relegadas a coadjuvantes de luxo. Mesmo sabendo o papel importante que tiveram, principalmente Wilton (durante a nevasca) e Weathers (com auxílio à distância), mesmo Yasuko (que pereceu durante a tempestade) mal teve direito a algumas falas. E depois dizem que Hollywood não é sexista.

    Marcantes mesmo são as cenas externas – ou aparentemente externas – já que possivelmente poucas delas foram efetivamente filmadas em locação. São as cenas de tempestade que salvam o filme, dando tensão o bastante para o público continuar assistindo. Infelizmente, na última parte do filme – quando efetivamente deveria ocorrer o clímax da história – o espectador é obrigado a acompanhar um sem fim de telefonemas e conversas via rádio. Embora a história já seja conhecida, principalmente para os que leram o livro de Krakauer, um bom roteiro conseguiria criar momentos tensos e instigantes o suficiente para deixar a narrativa minimamente interessante.

    Para curtir o visual e o elenco estelar. E só.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | O Exterminador do Futuro: Gênesis

    Crítica | O Exterminador do Futuro: Gênesis

    o exterminador do futuro - genesis

    Reiniciando a saga, pensada após o abandono de James Cameron a sua obra mais notória, O Exterminador do Futuro: Gênesis se baseia no que deu certo antes, resgatando nostalgicamente o futuro negro onde habitavam John Connor e Kyle Reese, claro, repaginando absolutamente tudo. Os novos intérpretes da dupla são Jason Clarke, como o pretenso salvador do lado humano da guerra, contracenando Jai Courtney, que faz Michael Bien, ainda que não seja tão deslocado quanto o primeiro Reese.

    A narração feita por Courtney serve de alerta para qualquer desavisado: o universo da franquia foi de novo modificado. Um longo tempo é gasto mostrando o modo de operar da resistência, nos anos de escravidão dos humanos. A tomada de poder por parte dos homens é apresentada em detalhes, incrivelmente bem realizados, em termos de cenas de ação, por Alan Taylor, que consegue não reprisar de modo tão tosco os erros de seu Thor: O Mundo Sombrio.

    A problemática do roteiro de Laeta Kalogridis e Patrick Lussier se nota essencialmente quando a trama passa a ocorrer pelos idos de 1984, época do primeiro O Exterminador do Futuro. A ação frenética invade a tela, inclusive fazendo referência ao vilão de O Exterminador do Futuro: O Julgamento Final, mostrando que as linhas temporais estão todas misturadas, fazendo mais uma bagunça com os personagens pensados por Cameron e Gale Anne Hurd.

    A miscelânea de citações inclui desde o terceiro episódio da franquia até os ditos do malfadado seriado The Sarah Connor Chronicles, inclusive com uma cena idêntica a do piloto do seriado, envolvendo uma das muitas viagens temporais do filme, artigo este que se torna banal, de tão comum.

    A apresentação de Arnold Schwarzenegger é interessante, mesmo com a quantidade de clichês que ele profere, repetindo inúmeras vezes a frase de que é apenas “velho, não obsoleto”. Pelo fato de ser um filme de ação, as frases de efeito não são um incômodo, se tornando irrelevantes graças à premissa empolgante, com outras tantas cenas de ação bem orquestradas.

    Há certo subtexto inteligente, além da discussão sobre a necessidade do homem em estar conectado o tempo inteiro – especialmente pela evolução que a Ciberdyne e o método de controle Genesys, um conceito novo na franquia, mas antigo desde os cyberpunks de Gibson. Outro aspecto positivo é a tentativa de multifacetar o Exterminador de Arnold, chamado por Sarah carinhosamente de “Papi”. Mas o entorno não corrobora na mesma qualidade, nem por parte da famosa Emilia Clarke, que exala sensualidade mas carece de talento dramatúrgico.

    O aspecto mais digno de críticas é o fato das viagens no tempo se tornarem comuns, defeito copiado do seriado. Ao final, o reboot se assemelha a um retcon tosco, especialmente na virada que sofre o personagem de Jason Clarke, já tratado como vilão nos trailers, pôsteres e materiais promocionais do filme. Qualquer efeito surpresa e expectativa positiva são encerrados neste ponto. A quantidade exorbitante de coincidências faz inclusive Arnold parecer deslocado em pedaços da trama.

    Apesar do belo grafismo apresentado na fita, há sérios problemas de lógica no argumento final, como o lançamento de T800 com máquinas tão melhores disponíveis, curiosamente reprisando os erros de O Exterminador do Futuro: A Salvação. No final da epopeia, fica o lamento pelas recaídas nos mesmos clichês, além da enfadonha questão de repetir o gancho para novas continuações – previstas até então para se ter mais dois filmes. A direção de Taylor não compromete o produto final, mas também pouco acrescenta, graças a um roteiro atrapalhado. Ao menos, no quesito diversão, a franquia retorna aos bons tempos. Ainda que não seja nada semelhante ao brilhantismo da fase de James Cameron como diretor.

  • Crítica | Crimes Ocultos

    Crítica | Crimes Ocultos

    Crimes Ocultos 2

    Película sob a direção de Daniel Espinosa – o mesmo de Protegendo o Inimigo – e produzido por Ridley Scott, Crimes Ocultos foi proibido na Rússia por ser considerado uma distorção da história, segundo o governo atual. O roteiro começa tratando do conhecido Holodomor, usado como arma (fascista) do governo stalinista impetrando fome aos ucranianos, fato que vai de encontro à questão atual da Rússia X Ucrânia, e “valida” – entre muitas aspas – o reclame censor do governo de Putin, conhecido por ser uma das viúvas da antiga URSS.

    Fato é que, desde o princípio, a bandeira soviética é achincalhada durante a exibição do filme, enquanto a maioria dos oficiais do exército, ao menos os de compleição semelhante a paladinos, é mostrada com expressões resignadas, movidas possivelmente pela culpa. Todas as expressões de amor ou outros sentimentos tipicamente humanos são apresentados de modo raso e clichê, sem qualquer meio-tom ou ancenúbio.

    Leo Demidov (Tom Hardy) é um dos poucos personagens complexos. Sua atuação enquanto militar é semelhante a de um Hans Landa socialista e sem carisma, sem piadas que evocam verborragia. A dura expressão esconde um caráter que não o impede de se importar com os seus companheiros, e que o faz não desistir de montar uma tropa de homens honrados, seja lá o que significar isto em sua distorcida noção de realidade. Logo de início, nota-se o seu fraco por infantes, considerados por ele como seres indefesos, independente dos pecados de seus pais.

    O ethos de Leo é desafiado com a designação de dar cabo a um irmão de farda. Contrariando a fala de que “assassinato é uma prece capitalista”, o personagem central beira a condenação daquilo que Stalin desaprovava. De modo tórrido, mostra-se que o importante era manter a versão oficial, não discutindo o regime. Uma ação típica das ditaduras, claro, mas duramente criticada neste roteiro. A atuação de Hardy salva o filme de ser um desprazer completo, já que consegue mostrar emoções conflitantes mesmo diante da rigidez tipicamente militar que lhe é imposta.

    Os relatos de um traidor formam o real chamado à aventura da trama, que põe frente a frente marido e mulher. Raisa (Noomi Rapace), antes mostrada como uma mulher indócil e frígida com seu cônjuge, tem sua fidelidade à pátria – e ao próprio esposo – discutida, passando a exibir a partir daí uma crueldade demasiada com os próprios soldados do Regime, e sua tortura é agravada devido a uma gravidez.

    É curiosíssimo como a escalada das patentes é mal construída, casando convenientemente com as necessidades da trama, ignorando sempre os plots anteriores em detrimento da proteção de uma figura controversa como a de Vasili, feito por um Joel Kinnaman mais uma vez equivocado em seu papel, algo que tem sido comum nos últimos tempos.

    O castigo pela fidelidade dupla, ao país e ao matrimônio, é o exílio. A comando do General Mikhail Nesterov (Gary Oldman), Leo tem de conviver com casos estranhos de tortura de crianças, um tormento agravado por sua possível e futura condição de pai. O atrapalhado script joga a verdade ao espectador de forma óbvia, produzindo mais um sem número de situações limite. De aspecto positivo há somente a realidade de ter uma relação calcada no medo, mostrada em detalhes sórdidos, pincelados de maneira ideológica para crucificar e demonizar o ideal dos personagens.

    O Jogo da Imitação mostra os pecados da Grã Bretanha no pós Segunda Guerra ao tornar a homossexualidade um crime grave. Crimes Ocultos faz o mesmo com a ditadura do leste, ainda que trate de maneira ainda mais sensacionalista, como se fosse exclusividade dos comunistas tal defeito. Nenhuma morte e preconceito deve ser banalizada ou relativizada, mas há de não se ignorar a história. Usá-la para condenar somente um segmento ou partido é um artifício covarde, sendo esta a base de toda a história de Child 44 versão cinema.

    O que deveria – ou poderia – ser um conto a la Dennis Lehane nos anos 50 torna-se uma estúpida propaganda anticomunista, sendo a ideologia vazia o principal mote da discussão do roteiro, evocando até a autotortura em nome de Stalin, absolutamente desnecessária. O argumento é raso e condizente com os fãs da direita ferina. Todos os assuntos se dobram diante da distorção do discurso político, o amor não correspondido, pedofilia, raptos, ataques de um assassino serial, praticamente tudo é subalterno em virtude da desconstrução da fala socialista. Até a possibilidade pragmática de fazer a justiça com as próprias mãos é validada somente para denunciar o quão falho é o sistema, como se toda forma de governo contrária fosse maravilhosa. A alternativa de culpar o nazismo e Hitler – mais um refutável lugar comum – é tardio, já que todas as conclusões a respeito da história podem já ser tiradas com menos de metade da duração.

    O mini golpe dentro da revolução, mostrado em tela, assemelha-se ao comportamento de  ratos  que tentam contra-atacar as ações de homens armados. O cúmulo se dá ao notar que os mesmos rebeldes que condenavam os opositores por táticas de assassinato, são também exímios em armas brancas e assassinatos. O pecado maior é mostrar até os últimos momentos o exacerbo caricatural dos poderosos, como se fossem czares, e não socialistas, trabalhando sempre em favor do retrocesso, forçando a maré contra a verdade.

    A  luta final travada em meio à natureza é emblemática por revelar grande parte dos defeitos do filme e de seu texto, igualando o lodo e a sujeira da briga com o asqueroso pressuposto. A escolha de partido é equivocada e passa longe de retratar a realidade mundial da época, usando o russos como vilões, apelando para o sensacionalismo mesmo quanto deveriam mostrar lados positivos daquelas figuras. Se os papéis do roteiro estivessem encharcados da lama da batalha final, este ainda assim seria menos tendencioso e sujo do que o resultado final de Crimes Ocultos, que mais se preocupa em ser uma contrapropaganda anacrônica situada em uma Guerra Fria já inexistente, do que em um retrato da época, banalizando até a boa direção, fotografia e direção de arte de Espinosa e sua equipe.

  • Crítica | Planeta dos Macacos: O Confronto

    Crítica | Planeta dos Macacos: O Confronto

    Planeta dos Macacos O Confronto

    Lançado em 2011, Planeta dos Macacos: A Origem conseguiu ser bem-sucedido de uma forma que poucos reboots são capazes. Isso porque o longa não se limitou a modernizar aspectos superficiais e recontar a mesma história, e sim dedicou-se a um ponto fundamental para que uma franquia sobre macacos humanoides falantes pudesse ser levada a sério nos dias de hoje: a transição do mundo, como nós o conhecemos, para o Planeta dos Macacos propriamente dito. O novo capítulo da saga, intitulado O Confronto, dá mais um passo nessa direção, felizmente ainda sem pressa.

    Apesar da mudança na direção (saiu Rupert Wyatt, entrou Matt Reeves), o filme manteve sua identidade, não apenas visual como também conceitual. A pegada de realismo/seriedade permaneceu e ganhou contornos mais dramáticos, pois o cenário agora é muito mais sombrio. Dez anos após o fim de A Origem, o vírus criado em laboratório praticamente dizimou a humanidade. Um grupo de sobreviventes localizado em São Francisco precisa reativar uma usina hidrelétrica situada numa floresta próxima. O problema é que neste território vive uma enorme comunidade de símios evoluídos, liderados por nosso velho conhecido Cesar (Andy Serkis, pra variar humilhando mais uma vez). Nem um pouco difícil adivinhar que o contato entre os dois grupos não vai acabar bem.

    Logo nos primeiros minutos da produção, o fato de um dos lados ser composto por macacos se torna irrelevante. Eles são organizados, caçam, se comunicam (principalmente por gestos, ainda), transmitem conhecimentos complexos para os mais jovens, e até andam a cavalo. Vemos, indiscutivelmente, uma civilização. A partir daí fica reconhecível um dos argumentos mais velhos do mundo, o contato entre dois povos cujo nível tecnológico é diferente. Ódio e medo do desconhecido, preconceito por parte dos “superiores”, bons e maus elementos em ambos os grupos, todos os elementos estão lá. Nesse sentido, o filme conquista seu lugar no hall das boas ficções científicas, que usam um contexto diferente para falar dos nossos problemas atuais e históricos.

    Grande parte do mérito da manutenção da identidade, que faz com que O Confronto se encaixe perfeitamente como a continuação natural de A Origem, cabe ao retorno dos roteiristas Rick Jaffa e Amanda Silver, agora com a adição de Mark Bomback. A jornada de Cesar continua, mostrando que governar é muito mais difícil do que liderar uma revolução. Agora mais velho e pai de família, tenta atuar como líder moderado, buscando preservar tanto seu povo quanto os humanos, dos quais conheceu o lado bom. A oposição surge na figura de Koba, cujo ódio pelos humanos (por ter sido cobaia de laboratório durante anos) o conduz a uma postura cada vez mais belicosa. Aliás, palmas para o ator Toby Kebbell, que faz um trabalho tão bom quanto o de Serkis.

    O elenco, aliás, conta com grandes nomes que fazem um trabalho discreto porém sólido, uma vez que o destaque sem dúvida é da galera da captura de movimentos. Gary Oldman, como o líder do grupo humano, começa gritando a plenos pulmões, mas seu personagem perde importância com o decorrer da trama. O casal vivido por Jason Clarke e Keri Russell representa os bonzinhos da vez, e tem ótimos momentos interagindo com Cesar. Quem também mostra competência é Matt Reeves, seguro tanto nos momentos mais intimistas quanto nas cenas de ação, nas quais sabe imprimir tensão e fazer o espectador se sentir no meio do caos – basta lembrar de seu principal trabalho, Cloverfield.

    Embora sobrem acertos, o filme não está isento de falhas. Incomoda o quanto os humanos parecem organizados, limpos, bem alimentados. Depois de dez anos em um cenário pós-apocalíptico, era de se esperar que eles estivessem em pior estado. A motivação para ativar a hidrelétrica, se analisada com calma, também não convence. Os personagens dizem estar cientes que a energia vai durar por tempo limitado, e o principal objetivo é conseguir contato com outros grupos de humanos, para assim “reconstruir a civilização”. A experiência não ensinou a eles o perigo de encontrar outras pessoas num mundo de recursos limitados?

    Contudo, os erros são perdoáveis por se tratar de uma história na qual o “o que” e o “como” são muito mais relevantes que o “por que”. O futuro onde macacos ainda mais evoluídos escravizam os humanos ainda parece distante, é difícil enxergar Cesar nessa equação, ainda que sua escolha final (consciente e de coração pesado) represente mais um pequeno passo nessa direção. Que a saga continue sendo contada sem pressa alguma, pois está claro que este é um dos casos em que a viagem é mais importante que o destino.

    Texto de autoria de Jackson Good.

    Ouça aqui nosso podcast sobre a saga “Planeta dos Macacos”.