Crítica | Colossal
Há quem diga que usar o adjetivo “desconstruído” em um trabalho é apenas uma maneira bonita de dizer que o trabalho está uma completa bagunça. Colossal pode ser facilmente confundido com algo assim, um filme indie que mais parece com um kaiju movie e no fim se encaixa em um drama pesado; mas fico feliz de dizer que não é uma bagunça, é um longa que desconstrói os gêneros para construir uma das melhores surpresas do ano no cinema.
Anne Hathaway interpreta Gloria, uma alcoólatra que depois de ser mandada embora de casa pelo namorado, vai para a cidade onde passou a infância em busca de autoconhecimento e de um lugar para dormir. Logo ela reencontra um amigo antigo do colégio, interpretado por Jason Sudeikis, e esse passa a ajudá-la com um emprego em seu bar e com móveis, até que uma criatura gigantesca ataca uma cidade no outro lado do mundo e Gloria descobre que ela e esse monstro têm uma estranha ligação. É isso mesmo, vamos de um plot típico de dramédia para cidades sendo pisoteadas por monstros em questão de segundos, e o responsável pela proeza é Nacho Vigalondo que escreveu e dirigiu o filme.
O primeiro ato de Colossal cumpre muito bem o papel de criar uma espécie de base com seus cenários e suas personagens, tudo tem um tempo de tela muito significativo e a impressão que fica é de que o terreno está sendo preparado para algo maior, e quando vem o filme passa a soar como uma fábula, os elementos fantásticos que acompanham a narrativa parecem anteceder uma “moral da história” que a cada cena fica mais clara.
Mas escondida no segundo ato está a maior qualidade do longa, o filme toma caminhos inesperados e ao mesmo tempo que a trama fantástica fica maior, as relações entre as personagens ficam mais delicadas e dúbias, em certo momento a obra de Vigalondo soa como um thriller pesado e até assusta. É um prazer em tempos que trailers entregam tudo e mais um pouco, encontrar um filme que abriga tantas camadas, onde nem 1/3 delas foram mostradas nos materiais de divulgação, por isso escolho não usar palavras chaves que poderiam diminuir a experiência ao assistir o longa.
A atuação de Hathaway é funcional e deixa espaço para o espetáculo que é o trabalho de Sudeikis, ele soa seguro em todos os temas que Colossal aborda e surpreende em estar tão bem mesmo fora da comédia – gênero que o consagrou. Porém, o resto do elenco não tem muito com o que trabalhar e sofre com escolhas ilógicas do roteiro, inúmeras situações no filme poderiam ter sido diferentes se os dois amigos do personagem de Jason fizessem o que provavelmente qualquer pessoa faria; é uma atitude preguiçosa no texto do filme e infelizmente tira um pouco do mérito de algumas sequências do terceiro ato, assim como algumas ações injustificáveis – ou sem explicação básica – que rodeiam o ponto de virada do filme.
Sabendo dosar corretamente tantos gêneros, Vigalondo e seu longa desconstrói todos eles para contar uma história muito mais real do que fantástica e entrega um longa que mesmo com um final mais hollywoodiano do que prometido consegue fazer refletir sobre suas nuances. Inclusive, o filme é tão interessante nesse ponto que daqui alguns anos ele pode estar passando tanto numa Sessão da Tarde como em um Super Cine de um sábado chuvoso, e eu vou ver nos dois.
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Texto de autoria de Felipe Freitas.