Tag: Jessica Jones

  • Review | Os Defensores – 1ª Temporada

    Review | Os Defensores – 1ª Temporada

    Após a estreia de Agentes da S.H.I.E.L.D, a primeira vez que se teve notícia de um novo seriado em que heróis da Marvel que não apareceriam no UCM – Universo Cinematográfico Marvel foi em 2013, quando foi anunciada uma parceria entre a Disney e a Netflix. Seria produzido então, uma temporada para maiores com um dos heróis mais queridos da Marvel: o Demolidor. A ideia era desenvolver a série do homem sem medo, respeitando a sua essência apresentada nos quadrinhos, se afastando e colocando, de vez, uma pá de cal por cima do túmulo da adaptação estrelada por Ben Affleck. Obviamente, o projeto não era simplesmente trazer o Demolidor para as telas, mas fazer com a Netflix o mesmo que a Marvel fez nos cinemas, criando um bloco maciço de heróis, com seus filmes solo e, consequentemente, colocando esses heróis juntos em tela, como aconteceu com os Vingadores. Tinha como objetivo reunir os Defensores para uma grande temporada. Além de Demolidor, que, à época, ganhou duas temporadas, Jessica Jones teve seus momentos de glória, assim como Luke Cage e, posteriormente, Punho de Ferro.

    Os primeiros trailers levaram o público à loucura, principalmente por causa da trilha sonora, embalada pelo contrabaixo e guitarra característicos, somada à voz única de Kurt Cobain em Come As You Are, uma clássico do Nirvana, e também pela interação entre Matt Murdock, Jessica Jones, Luke Cage e Danny Rand, personagens com características e humores extremamente heterogêneos, que nas imagens rendiam diversas alfinetadas e zoações, principalmente vindas de Jones, que quem a conhece sabe que se trata de um ser insuportável (no bom sentido).

    Era tudo tão promissor que a decepção, infelizmente foi alta.

    Os personagens seguem suas vidas exatamente dos pontos em que elas pararam em seus próprios seriados. Danny Rand, o Punho de Ferro (Finn Jones), continua viajando pelo mundo, junto de sua escudeira, Colleen Wing (Jessica Henwick), caçando o Tentáculo, sendo que, em sua última empreitada, o coloca de volta a Nova Iorque para uma investigação. Luke Cage (Mike Colter) deixa a prisão e volta para o Harlem, onde fica sabendo que jovens do bairro estão desaparecendo misteriosamente. A detetive particular Jessica Jones (Kristen Ritter) recebe uma ligação misteriosa sobre o desaparecimento de um funcionário de uma empresa que pode estar metida num perigoso empreendimento. Tudo isso acaba chamando a atenção da policial Misty Knight (Simone Missick), que prende Jones. É quando o advogado Matthew Murdock (Charlie Cox) entra em cena para defender a heroína mal humorada. Enquanto isso, somos apresentados a quem parece ser a principal vilã da série, Alexandra, vivida de maneira espetacular por Sigourney Weaver, e que parece ser a líder do Tentáculo, que até então não tinha aparecido em cena.

    Infelizmente demora para vermos todos os heróis juntos em cena. Claro que eles se encontram de maneira separada e isso rende bons momentos, como a primeira vez que Luke Cage enfrenta o Punho de Ferro, mas não demora muito para percebermos que os quatro, na verdade, estão investigando o mesmo assunto, que envolve aquele enorme buraco no chão que vimos na segunda temporada de Demolidor.

    Infelizmente, a série tem sérios problemas de ritmo e se torna muito arrastada em diversos momentos, tendo como seu melhor momento a primeira vez que os quatro se encontram, o que rende uma pancadaria em modo cooperativo, pois precisam fugir de um determinado local. Nem mesmo o retorno de Stick (Scott Glenn), enche de esperança os mais otimistas. Os ótimos trechos do trailer aparecem numa única cena e as piadas e alfinetadas mencionadas acima, já nem possuem tanto peso e graça. Outro ponto que deixou a desejar, foi em algo em que todos os heróis tem de melhor: a luta. Ora, Murdock é praticamente um ninja sinistro, tendo habilidades absurdas na luta, assim como Rand na arte do Kung Fu, aliado com seu punho, somados a Cage e Jones que sempre foram bons de briga. Mas em Os Defensores, as lutas são todas sem graças e muito mal feitas. Ok, não seria justo falar mal feitas, mas totalmente aquém do que se espera quando se trata desses personagens, principalmente quando se trata do Demolidor, cujas as sequências de luta da primeira temporada são fantásticas. Outro ponto que atrapalha e que é algo perdoável é a ausência de uniformes, o que limita a interatividade de Murdock com o restante do elenco, uma vez que o Demolidor é o único de fato a usar um traje de herói.

    Na série, não sobrou espaço para os coadjuvantes. Misty (que aqui tem uma história de origem) e Colleen são os mais acionados e possuem bons tempos de tela, ao contrário dos queridos Claire Temple (Rosario Dawson), Foggy Nelson (Elden Henson), Karen Page (Deborah Ann Woll), Trish Walker (Rachael Taylor) e Malcolm Ducasse (Eka Darville), que ficam boa parte do tempo escondidos no departamento de polícia para que se mantenham seguros.

    E para piorar a situação, a Disney está desenvolvendo seu próprio serviço de streaming e os seriados solo vem sendo cancelados de maneira implacável e será muito difícil ver os Defensores em tela novamente. Precisamos torcer para que haja uma espécie de migração dos atores, saindo da Netflix e indo para a casa do Mickey Mouse. Só assim para vermos os heróis reunidos novamente, numa, quem sabe, segunda chance. Ainda assim, é uma série que vale a pena ser conferida.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Agenda Cultural 65 | Car Wash, Lionélson ataca novamente, 1000 edições de Superman

    Agenda Cultural 65 | Car Wash, Lionélson ataca novamente, 1000 edições de Superman

    Bem-vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira) e Filipe Pereira (@filipepereiral) recebem o convidado Wilker Medeiros (@willtage) para bater um papo sobre o que rolou nos cinemas, as polêmicas envolvendo a série “O Mecanismo”, a edição comemorativa de Actions Comics e muitos mais.

    Duração: 93 min.
    Edição: Julio Assano Junior
    Trilha Sonora: Flávio Vieira e Julio Assano Junior
    Arte do Banner: 
    Bruno Gaspar

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    Comentados na Edição

    Séries

    Review O Mecanismo – 1ª Temporada (Vídeo Cinema Raiz)
    Jessica Jones – 2ª Temporada

    Cinema

    Crítica Projeto Flórida (Alerta Vermelho #68)
    Crítica 15h17: Trem Para Paris
    Crítica Operação Red Sparrow
    Crítica O Passageiro
    Crítica Tomb Raider: A Origem
    Crítica Círculo de Fogo: A Revolta
    Crítica A Melhor Escolha
    Crítica Jogador Nº 1

    Quadrinhos

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  • Resenha | Alias

    Resenha | Alias

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    Comandado por Brian Michael Bendis, em uma das iniciativas adultas da Casa das Ideias através do selo que estreava Marvel Max, as histórias de Jessica Jones à frente do título Alias começariam viscerais, agressivas e maduras, já evocando palavras de baixo calão no primeiro quadro sequencial. A primeira interação de Jones com outros personagens estabelece quase todo seu ideário, como investigadora particular, sem freios na língua, de métodos violentos e intolerante a sexismos, fatores que fariam dela uma personagem interessantíssima e alinhada com o novo milênio.

    O trabalho que Jessica executa como detetive particular incorre segredos agressivos revelados, o que faz um dos seus clientes surtar com um ideário machista, tentando agredi-la a troco de nada. O fracasso de seu trabalho atual, tendo que lidar quase sempre com policiais de pensamento tacanho e tosco, e clientes tão grosseiros quanto o primeiro, faz ela se frustrar, fazendo até relembrar sua vida pregressa como agente que usava collant colorido com um pouco de arrependimento, ao contrário de seu discurso pseudo maduro.

    Entre devaneios, entregas sexuais intensas, dúvidas e tédio causado pela natureza de seu trabalho, Jones é franca em sua narração, explicando já no episódio primordial o modo  como opera suas procuras, destacando que gasta mais tempo verificando se o que o cliente fala é verdade do que realizando o trabalho pedido. Os desenhos de Michael Gaydos são um pouco inusuais para quem não está acostumado, ajudando a construir uma atmosfera que mistura a podridão de espírito e caráter, dos que habitam aquele sujo mundo, além de fazer preconizar a aura noir que faria da série algo único.

    O arco Codinome Investigações – nome também da agência autônoma da personagem – é interessante por estabelecer uma relação nada maniqueísta entre Luke Cage e Jones, envolvendo um sujeito que cede às tentações mesmo tendo um relacionamento solidificado. A confusão da moça em estar em uma convivência tão complicada faz com que não enxergue o óbvio, não tendo clarividência sobre a armadilha que a cerca. O aspecto visa gerar humanidade na personagem, mostrando-a como um ser falho.

    Apesar de algumas menções a heróis do mainstream da Marvel, como Capitão America e Matt Murdock, o enfoque é na construção da personagem, que brilha praticamente sozinha, em sua visão tão particular no ínterim da violência que ocorre na cidade de Nova York. Alias demonstra o quão rico é o universo utilizado pela Marvel, sem apelar para fórmulas fáceis, explorando os arredores do micro mundo dos super-seres, focando em quem vive à margem dessa fábula escapista, dando gravidade a esta parcela de seres.

    O segundo arco, Nível B, explora ainda mais a metalinguagem do mundo dos super-heróis, a começar pelo superado “trauma” da protagonista ao estabelecer contato com Carol Danvers, àquela altura detentora da alcunha de Miss Marvel. A partir dali, Jessica se sente mal por ter se envolvido com Cage, e a ainda recebe missões secundárias para encontrar o marido de uma mulher pobre e desconsolada. O alvo era Rick Jones, o sidekick e correspondente ao Forrest Gump do universo Marvel.

    Há uma profundidade em alguns pontos específicos da história que fazem sentir saudade da época em que Bendis escrevia mais despretensiosamente, sem tentar tornar suas histórias produtos populares e grandiloquentes. Alias é repleta de pequenas discussões filosóficas sobre humanidade, simplicidade e notoriedade por motivos fantásticos. Jones é um bom personagem-orelha, o meio-termo entre o homem comum e o meta-humano mega-poderoso, um pária num mundo que se divide entre semi-deuses e meros mortais, tentando a sobrevivência por meio de eventos patéticos e curiosos.

    A Panini lançou uma edição encadernada, que continha os primeiros nove volumes, mas não deu prosseguimento aos outros números lançados no Brasil apenas na revista Marvel Max. A próxima história é curta e brinca com o estilo jornalistico do Clarim Diário em uma entrevista de J. Jonah Jameson com a moça, para então desembocar em um novo arco, sobre desaparecimento de uma mutante, que termina de maneira muito trágica, tão catastrófica que a faz aceitar as investidas do Homem Formiga II, detentor também da alcunha no universo cinematográfico da Marvel, Scott Lang.

    Após aceitar o trabalho de guarda-costas de Matt Murdock, após ele ser acusado de ser o Demolidor, como visto em Queda de Murdock, Jessica passa a discutir com Cage o que houve naquela fatídica noite com ele ao dividir a função de protetor do advogado. Não se tem muito pudor em tratar das carências e da incidência de parceiros sexuais da personagem, tratando-a como normalmente se trata um personagem masculino, sem medo de mostrar um indivíduo sexualmente ativo e falho, viciado em drogas legais, mais humana do que super.

    Intimidade é um arco que começa muito bem, fazendo lembrar o porquê da personagem principal ter se eximido do maniqueísmo presente na vida dos heróis normativos ao se deparar com uma demonstração simples do quanto os populares podem ser mesquinhos. A história se torna interessante pela presença de Mattie Franklin, uma moça que se veste de Mulher-Aranha e que tem uma intensa ligação com J. Jonah Jameson, pessoal o suficiente para fortalecer ataques de seus inimigos profissionais, e emocional a ponto de fazê-lo sentir-se parente sanguíneo da garota que adotaram, apesar de ele e a esposa serem claramente distantes da moça adotada.

    A Origem Secreta de Jessica Jones é uma história curta, mas interessante. Gaydos emula o traço de Steve Ditko e Jack Kirby ao associar o passado de sua personagem com o de Peter Parker, antes de ele ser picado por uma aranha em um acidente radioativo. Seria em uma inocente viagem que sua vida mudaria, com um acidente com as mesmas causas que deram ao Aranha seus poderes, e que cercearam a vida de toda sua família, o que explica o azedume em que a ex-heroína Safira (e Paladina durante um tempo) se insere.

    Os elementos utilizados para remontar a origem da personagem demonstra como seria se o Homem Aranha fosse um personagem voltado para um publico mais adulto, ainda mais repleto de camadas e verossimilhança. A problemática de Jones é bem mais grave, pois lhe falta uma figura de mentor, como era tio Bem com o jovem Peter.

    O último arco, Púrpura, introduz Killgrave, também chamado de Homem Púrpura, o vilão que seria utilizado no seriado da Netflix. As histórias de Bendis só funcionaram pela utilização de suas páginas para construção do ethos da protagonista, só inserindo um antagonista à altura após 23 números. Killgrave parecia já espreitar Jessica antes, além de ter um episódio anterior ligando a heroína a sua derrota.

    A natureza do poder do opositor, de convencer as pessoas a fazer o que ele queria,  não é tão assombrosa quanto seres cósmicos, mas é mortal e atemorizadora no ambiente em que Alias se alastra. As inserções dos desenhos de Mark Bagley deveriam remeter a tempos mais simples e heroicos, mas revelam a manipulação que a então Safira sofria ao tentar enfrentar seu antagonista, dominada facilmente, servindo o tom mais leve de total contraponto à gravidade da perda de controle que a mulher possui.

    A arte de Gaydos prima pelas sombras e por uma rusticidade que ajuda a evocar os sentimentos adultos, tão diferenciados do escapismo que normalmente incorre sobre os quadrinhos da Marvel. Alias só poderia ser tão genial graças ao trabalho do desenhista, que conseguiu inaugurar bem a personagem que ajudou a criar. Toda a ambiguidade vista no personagem vilanesco só funciona pelos tons escolhidos pelo artista, que adere muitas camadas de profundidade na história.

    O destempero da personagem, ao se deparar com o homem que lhe fez mal, a faz rever todo o seu convívio, recorrendo ao mesmo Cage que ela quis longe, aproveitando da companhia dele para desabafar e situar o leitor na grave situação que passou. Apesar do Selo Max ter em seu caráter a temática adulta, o conteúdo contestatório foge da obviedade. Ao tocar no estupro, há um cuidado para não banalizar a questão, tanto que o abuso sexual que a moça sofreu não foi físico, e sim uma violação mental, de consequências tão graves quanto o defloramento carnal, ainda mais grave para a psique da vigilante. O assédio incluía a total perversão das vontades, traição de seus ideais e apelo à degradação moral ao longo dos oito meses em que o vilão fez da moça, refém de suas luxúrias.

    É em um dos episódios de domínio que Jessica quase morre ao defrontar-se com os Vingadores, tentando encontrar o Demolidor, inimigo íntimo do “dominador”, numa confusão mental e de ocaso que quase lhe custou a vida, e que também ambienta sua fobia por collants coloridos. Jones aceita então a missão que seria a de conversar com Zebediah Killgrave, a fim de fazê-lo confessar o assassinato de algumas de suas vítimas fatais. A situação, que se enquadraria somente em um embate filosófico, ganha contornos agressivos quando o “doutor” consegue fugir do encarceramento.

    Púrpura trata o antagonismo com uma arrogância muito carismática, comentando tudo de modo metalinguístico, quase estabelecendo um diálogo com o leitor. O que falta a Jessica em magnetismo visual, sobra a ele, graças principalmente a sua postura charmosa. O modo como ele conduz sua vítima é de uma maestria impressionante, e a construção em cima de um personagem tão antigo impressiona pela criatividade de Bendis em retratar todo o terror que Killgrave exala.

    Ao contrário do primeiro abuso, este é solucionado por escolha e ação da própria Jessica, que consegue, através de uma ação de prevenção, retomar o controle mental de si mesma. O ciclo finalmente se fecha e a redenção de Jones ocorre por seus próprios méritos, em uma atitude que faz alegoria à superação óbvia do trauma, mas não só da questão com Killgrave, também da trajetória torpe que vinha ocorrendo desde a puberdade. O final poderia facilmente incorrer em uma pieguice extrema e adocicada, mas a questão é driblada, fortificada pela falta de cores que Bendis e Gaydos sempre deixaram predominar.

    Apesar de otimista, o desfecho da revista não dá garantias de um futuro fácil para Jessica Jones, ao contrário, acrescenta tons de gravidade, mostrando que seu destino poderia seguir tão trôpego quanto antes. O sucesso de crítica não garantiu uma vida longa à publicação, logo cancelada, tendo ao menos uma história que finda de maneira digna e condizente toda a jornada da vigilante contratada. A trama condiz ao underground do universo mágico da Marvel, e dá vazão a temáticas controversas ligadas ao feminismo, sexualidade e à independência do espírito feminino, em uma atmosfera urbana, crua e visceral que resgata elementos que há muito não eram utilizados e que funcionam inclusive para plateias mais novas.

  • Review | Jessica Jones – 1ª Temporada

    Review | Jessica Jones – 1ª Temporada

    Jessica Jones 1

    O início da nova série da Netflix em parceira com a Marvel Studios começa pelos bueiros e pedaços sujos dos becos nova-iorquinos de Hell’s Kitchen. O produto de Melissa Rosenberg segue muito fiel aos quadrinhos originais de Brian Michael Bendis e Michael Gaydos, associando Jessica Jones à versão primordial de Alias, misturando, de maneira interessante, a atmosfera noir moderna com o estilo cinematográfico dos filmes de ação mais criativos dos últimos anos, e reunindo semelhanças com o ideário visual de Christopher Nolan e Paul Greengrass.

    A escolha de Krysten Ritter para viver a personagem-título não poderia ser mais acertada, uma vez que sua persona é bastante versátil, podendo variar entre a comédia irônica, inteligente e feminista de Don’t Trust in the Bitch in Apartment 23, passando pela figura de femme fatale de sua personagem em Breaking Bad. Jessica é uma mistura de ambos os arquétipos, acrescentando ainda mais camadas à personagem, de moral e comportamento bastante dúbios, fatores que fazem da detetive particular uma personagem que harmoniza uma espécie de sanidade baixa, fruto do ínterim dos poderes sobre-humanos que tem em posse, com uma credibilidade digna de alguém tridimensional e real.

    A aura de sensualidade empregada já no piloto é mérito de sua diretora, S. J. Clarkson, cujo repertório inclui a sexploitation de Banshee e do thriller de serial killer Bates Motel, cujas referências ao incesto já demonstravam uma sexualidade latente no ideário filmográfico da realizadora. A estética dos produtos da Marvel Studios não permitiu maiores audácias, como cenas de sexo mais ardentes entre a protagonista e Luke Cage  (Mike Colter), não deixando claro sequer a famosa cena de sexo anal ocorrida também no número 1 de Alias. A sexualidade foi reduzida, especialmente se comparada a outras séries adultas, visto que, mesmo sem nudez, Sons of Anarchy e semelhantes conseguem exibir mais volúpia do que as tímidas cenas de coito com os amantes vestidos, nesta versão.

    Dois aspectos chamam a atenção logo no início da abordagem. A primeira é a cena de abertura, tão bem encaixada quanto a de Demolidor, contendo elementos visuais que remetem à aquarela que David Mack fazia nas capas de Alias, em referências que parecem belas aos olhos do público geral e que fazem ainda mais sentido para o aficionado. Outro aspecto é a feminilização do personagem Jeri Hogarth, interpretada por Carrie-Anne Moss, adiantando em alguns arcos a parceria, uma vez que, ainda na revista solo, Jessica não tem contato com o empregador dos serviços de aluguel para super-humanos. A mudança de gênero é positiva, aumentado a ideia de um produto de herói feito para um escopo feminista.

    As soluções para associar o vilão à “heroína” são ainda mais assustadoras e adultas na série. Se em Alias a preocupação era em compor um quadro com o universo mainstream da Marvel, no seriado a tônica é de independência, tangenciando questões relativas ao universo urbano, mas sem ser refém deste. O antagonista espreita os detalhes da psique de Jones como uma figura de abuso do passado, cujos detalhes não são inteiramente explicitados, mas que prosseguem em causar danos mentais e emocionais na sua rival. O caso envolvendo uma das investigadas da Jessica faz eco com os primeiros eventos do arco Codinome Investigações, mas tem consequências igualmente trágicas, apesar do desenrolar diferente, plenamente condizente com a temática amadurecida desta faceta do universo audiovisual da Marvel, distante de toda a cor saturada de Vingadores e afins.

    As questões tornam-se mais graves após os assassinatos “induzidos” mostrados no piloto, estabelecendo um caráter de paranoia no entorno de Jessica, ainda mais forte no segundo episódio. De modo gradativo, mostra-se a influência do vilão interpretado por David Tennant, em uma face mais séria de Zebediah Killgrave, ignorando seu visual clássico para estabelecer um personagem condizente com a realidade da Cozinha do Inferno nos seriados.

    A temática da violência contra a mulher é fortificada pela personagem Patricia “Trish” Walker, vivida por Rachael Taylor, substituta do arquétipo de Carol Danvers, que será utilizada em outro produto da Marvel, emulando o estereótipo de amiga inseparável, que tem seu nome ligado a uma vigilante da Marvel, o que faz teorizar sobre seu futuro engajamento em possíveis continuações. A personagem sofre com a “violência fálica” de um homem da lei, dominado pelo mesmo transe com o qual Killgrave atingiu a protagonista.

    Em Alias, o Homem Púrpura era tratado como um personagem mal por essência, mas extremamente orgulhoso e soberbo, que somente cede aos esforços de Jessica para demonstrar o quanto a mulher é diminuta. O cerne desta versão é a obsessão pela personagem-título. Os ataques passam a ser pessoais e com distinção de gênero, agravando os abusos e, claro, universalizando ainda mais o drama mostrado em tela, usando sempre o mesmo articulador como causador de inúmeros tipos de violência.

    Ao contrário do mostrado nos quadrinhos, Jessica não é tão insegura, apesar de todas as dificuldades que a envolvem, as mesmas nas duas versões: a falta de dinheiro para eventos básicos e, claro, a violência abusiva que sofreu – ainda que no seriado as questões sejam ainda mais explícitas. As gravações que servem de narração em off ajudam a montar o cenário de investigações detetivescas, assim como formam uma boa desculpa para o uso do artifício normalmente banalizado.

    A relação da detetive com Bogarth é interessante por se basear em trocas de favores importantes, fazendo lembrar a ausência de maniqueísmo, tanto na trama quanto na teia de relações comuns a mercenários e seus empregadores. A empresária só permite que haja uma procura por supostas vítimas de Killgrave após muita insistência e depois de um pedido que envolve sua vida pessoal e amorosa, situação que beira a chantagem emocional da parte da empregadora, o que faz com que os limites sejam expostos de um modo de fácil ultrapassagem.

    As cenas de banho não são sensuais, já que fazem predominar os ferimentos sob a pele branca, lembretes de danos emocionais e carnais causados por intolerantes raciais, aludindo a segregação normalmente sofrida pelos mutantes no universo das HQs. Apesar de conter pontos um pouco redundantes, a construção da relação de herói e bandido é bem urdida. O incômodo fica por conta dos momentos onde claramente se estica o drama somente para ganhar tempo em tela e bater a “cota” de mais de cinquenta minutos por episódio. O fato em que isto mais ocorre é no estranho romance de Trish com o policial anteriormente manipulado Will Simpson (Wil Traval). A alusão a Síndrome de Estocolmo é interessante, mas demora a se desenvolver satisfatoriamente, ainda que seus resultados (óbvios) remetam a uma doentia relação.

    A série consegue de maneira sui generis harmonizar a fidelidade a HQ, em elementos básicos, ao mesmo tempo em que muda o caráter e essência dos personagens, sem soar falso ou forçado e sem agredir quem gosta de Alias. No entanto, o legado maior do programa é o da libertação, pois mesmo tendo de respeitar os padrões da classificação indicativa, dá vazão à sexualidade de formas diversas, desde triângulos amorosos lésbicos até relações inter-raciais em que somente o sexo importa, sem comprometimentos maiores, além de leve alusões a BDSM e referências à desolação emocional de quem é vitima de abusos sexuais.

    Em tempos onde o feminismo é banalizado e seriamente atacado, a personificação de Killgrave é mais do que necessária, é atual e toca em quase inúmeros elementos ligados às fobias femininas, fazendo dele uma figura de ódio já nos primeiros momentos em que sua menção se faz presente – ainda sem sequer mostrá-lo. A construção de vilão por parte dos produtos dos estúdios Marvel era sempre equivocada, tanto que ao menor sinal de carisma de Loki e da segurança de Wilson Fisk, já havia uma pré idolatria aos personagens, uma vontade de ser elogioso incontida. A sutileza presente no comportamento e condução manipulativa da versão do Homem Púrpura faz fortificar ainda mais o protagonismo ativo e seguro de Jessica, servindo de contraponto masculino agressivo a todo o poderio feminino anunciado em tela, nas figuras das coadjuvantes, seja Trish, Bogarth ou qualquer outra personagem.

    Os apuros de Jones são resolvidos por ela mesma, abrindo uma discussão ainda maior a respeito da responsabilidade, culpa e remorso da parte agressora, questões tão longe do maniqueísmo que fazem desacreditar de que se trata de um seriado da Marvel Comics.

    O saxofone pontua o contraditório pessimismo do epílogo, resultado de uma vitória que não foi boa o suficiente para causar em Jessica uma sensação de completude ou de dever cumprido, já que o heroísmo nunca foi seu alvo, tampouco seu alento. A existência prossegue com uma devastação existencial, grave em todos os sentidos, não aplacada sequer pela vingança obtida, o que faz do texto final algo primoroso por sua complexidade.