Tag: Joel Coen

  • Crítica | Ajuste Final

    Crítica | Ajuste Final

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    Ajuste Final (Miller’s Crossing) destoa do filme anterior dos Coen, a comédia Arizona Nunca Mais, e retorna ao clima sombrio e tenso de Gosto de Sangue. Situado nos EUA durante a proibição do álcool, o filme trata dos problemas de relacionamento entre gangsteres pelas mais diversas razões, em uma trama que no começo parece simples, mas que vai se tornando cada vez mais complexa, até o clímax.

    A história começa nos apresentando Leo (Albert Finney), um gangster irlandês e líder político que comanda o lado leste da cidade com a ajuda de Tom (Gabriel Byrne), seu homem de confiança e conselheiro. Mas seu controle da cidade é desafiado por um ganancioso subchefe italiano, Johnny Caspar (Jon Polito) e seu braço direito Eddie Dane (J.E. Freeman). Com uma bela cena inicial que remete ao O Poderoso Chefão (quando alguém pede um favor a Don Corleone, que senta atrás de uma mesa apenas ouvindo a história), o motivo da discórdia entre Leo e Caspar nos é entregue logo no início, e envolve Bernie (John Turturro), um apostador que está pegando dinheiro indevidamente de Caspar. Bernie é irmão de Verna (Marcia Gay Harden), que é a namorada de Leo, mas que tem um caso com Tom. Parece confuso? E é. Por isso o filme demora um pouco para embalar, mas quando conseguimos acompanhar seu ritmo, ele não falha em momento algum.

    O conselheiro Tom foge totalmente do papel representando por Robert Duvall em “O Poderoso Chefão”, pois se lá o conselheiro era alguém quase infalível e intocável, aqui, ele tem problemas com dívidas de jogo que só vão aumentando, além de se envolver com a mulher do chefe, apanhar em vários momentos e ainda ser enganado, por mais inteligente que seja, por Bernie, em uma excelente cena. Apesar de todos os contratempos, Tom mostra toda sua perspicácia e sagacidade ao manipular as peças do tabuleiro a seu favor, mesmo que isso lhe custe algo no momento. Tudo em prol do objetivo maior. Um estrategista nato, que faz o que pode para conseguir o que quer. E é nele que reside o toque de humor característico dos Coen, que apesar de ser um drama pesado e escuro, ainda consegue encontrar espaço para tiradas sarcásticas extremamente bem colocadas.

    Tecnicamente o filme também é impecável. Lançado em 1990, não é nem um pouco datado. O figurino é excelente, assim como as locações e até os mínimos detalhes, como as armas e seus efeitos sonoros explosivos e como os gângsteres as manejavam, de tão pesadas e violentas que eram. A fotografia também é excelente, com tomadas sempre precisas de cenas belíssimas, como as rodadas no lugar chamado “Miller’s Crossing”, um pedaço de floresta que serve de local de execução e despejo dos corpos (e que dá o título original ao longa), além de retratar, com uma tonalidade escura, uma era extremamente violenta e depressiva. As cenas de execução são de um realismo também impressionante de tão bem executadas.

    Sem os típicos exageros hollywoodianos de corpos explodindo e voando para trás, tudo soa tão real que o mínimo dano parece impactar muito mais, e é essa noção de realidade que permeia todo o filme, pois sabemos que todos são mortais e numa época de extrema violência, lidando com o crime organizado, a morte se torna algo muito próximo.

    Conforme a história vai caminhando, Tom vai costurando tudo a ser favor, e na resolução, fica a dúvida se aquele era realmente seu objetivo ou se foi ajudado por circunstâncias externas, tanto que após tudo aquilo ele resolve não voltar a trabalhar como antes. Além dessa e de outras interpretações, fica a vontade de rever para tentar pegar mais e mais detalhes da história, prova de que ela funciona, e de como os irmãos Coen sabem contar uma história.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Arizona Nunca Mais

    Crítica | Arizona Nunca Mais

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    Segundo filme dos irmãos Coen, Arizona Nunca Mais (Raising Arizona) surpreende em vários aspectos. Primeiro porque é um filme que sempre via em todos os lugares que passava, desde locadoras até as lojas de DVD, e nunca tive interesse em vê-lo até pouco tempo atrás. Por essas e outras que é sempre bom rever conceitos…

    Nicolas Cage interpreta H.I. McDonnough (ou apenas Hi), um ladrão de lojas de conveniências que acaba se casando com Edwina (Holly Hunter), a policial que sempre tirava suas fotos de fichamento na polícia (uma sequência bem engraçada no início do filme). Depois de um período de felicidade imensa, o casal resolve ter um filho. O problema é quando descobrem que Edwina não pode ter filhos. A partir daí, suas vidas começam a perder o brilho e a felicidade de antes. Ed larga a polícia, Hi volta a pensar em assaltar lojas e por aí vai. Porém, quando Nathan Arizona, o dono de uma cadeia local de lojas de móveis, e sua esposa Florence têm quíntuplos, Ed e Hi, naturalmente, resolvem que a coisa mais natural a fazer é tomar um dos bebês para si, pois “seria injusto alguns terem muito e outros tão pouco”.

    Novamente o roteiro e a direção dos Coen mostra um primor e uma elegância visual incrivelmente competentes, mesmo ao retratar um cartunesco e caipira sul dos EUA, onde os diálogos (curtos e longos), sotaques e analogias são propositadamente exageradas a fim de enriquecer a cultura dos personagens e estabelecer o universo fantasioso (que logo percebemos não ser exatamente igual ao nosso). Talvez um dos pecados do filme esteja aí, nessa demora, pois ao espectador menos paciente, a sucessão cômica e irrealista de eventos do filme pode provocar uma reação de descrédito e fazê-lo abandonar a experiência, o que seria uma pena, mas compreensível.

    Porém, os pontos positivos, como os diálogos secos entre alguns personagens (como na cena do assalto a banco, onde nem mesmo os bandidos, com um bebê, conseguem assustar o incauto senhor típico do sul) superam os negativos, e as interpretações são excelentes. Nicolas Cage faz um brilhante bandido de bom coração, e exagera na medida certa o sotaque e as caretas a fim de enriquecer o ridículo da história. Artifício este que o ator usará cada vez mais desproporcionalmente com o passar dos anos, até chegar ao ridículo de sua carreira nos anos atuais.

    O que sobra da experiência é uma sensação boa de leveza, de diversão sem compromissos com a realidade, inteligente e que tira do espectador risadas naturais e espontâneas, com um humor honesto e difícil de vermos hoje em dia.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Gosto de Sangue

    Crítica | Gosto de Sangue

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    Primeiro longa dos irmãos Coen, com roteiro de ambos e Joel na direção, Gosto de Sangue (Blood Simple) é um filme de 1984, praticamente ignorado no Brasil e relativamente desconhecido nos EUA, mas que começa a ser descoberto e cultuado pelo recente sucesso de Onde os Fracos Não Têm Vez e Bravura Indômita.

    O filme conta a história de um dono de bar, Marty (Dan Hedaya), casado com Abby (Frances McDormand), que por sua vez, tem um relacionamento extraconjugal com o funcionário do bar, Ray (John Getz). Com um clima noir e cenas referenciais a clássicos desse gênero, que passam também por Hitchcock, o filme se estabelece desde muito cedo como um suspense, mas tendo também leves toques de humor negro. Aqui ainda podemos ver vários elementos da narrativa dos Coen que serão melhor desenvolvidos e utilizados nos próximos filmes, como posicionamentos de câmeras estáticos e/ou muito lentos, que escondem certos detalhes, trabalhando com o som a fim de criar uma expectativa maior, diálogos (que muitas vezes criam tensão) com sotaques e palavreados locais, closes, etc.

    Por ser um baixo orçamento e um filme de estréia, a qualidade técnica e narrativa impressiona. Claro que por vezes o som parece ficar abafado, mas nada que comprometa a qualidade geral do filme. A cena onde o assassino fica preso com a faca na mão na janela é um exemplo de construção de tensão, onde acompanhamos lentamente a progressão dos eventos com uma apreensão quase como da vítima, que naquele instante não nos dá nenhuma pista a respeito do que está fazendo e o que irá fazer em breve.

    O tom escuro, fatalístico e irônico de uma história trágica é outro ponto positivo, pois os atos dos protagonistas nos chocam a todo instante, mas a sucessão de acontecimentos que fazem esses atos escalarem em uma jornada de horror dá a história o traço de “comédia de erros”, que pautará boa parte dos filmes da dupla nos anos seguintes, sendo cada vez melhor elaborada, como em Fargo.

    Em épocas onde superproduções atingem orçamentos estratosféricos, com histórias de 180 minutos tediosas e com personagens rasos, é bom descobrir obras menores como essa, que passam desapercebidas, mas que nos fazem renovar a fé em um cinema de qualidade, com algo a dizer além do óbvio.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Fargo

    Crítica | Fargo

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    Faz tempo que tenho a mania de ver as filmografias de grandes diretorias na ordem, e recentemente quis ver a de Joel e Ethan Coen. Porém, com eles resolvi começar pelo meio. O que me fez pular a ordem cronológica de filmes dos irmãos Coen e começar por Fargo foi ter lido que eles colocam um aviso no início dizendo que a história foi baseada em um acontecimento real, quando na verdade não foi. Desde quando li isso, já fiquei intrigado, pois adoro subversões desse tipo, sem compromisso nenhum com a realidade. No entanto, apesar de não ter esse compromisso com a nossa realidade, Fargo tem compromisso com sua própria realidade, como todo grande filme deve ter. E, nesse aspecto, entrega tudo o que promete.

    O eixo da história deve ser familiar a todos. William H. Macy interpreta Jerry Lundegaard, um pai de família desesperado para arrumar dinheiro, pois estaria com problemas financeiros (o que se desenrolará em outra história posteriormente). Então, contrata dois bandidos, Grimsrud (Peter Stormare) e Showalter (Steve Buscemi) para sequestrarem sua mulher e assim dividirem o dinheiro do resgate, que seria pago pelo sogro rico e extremamente crítico em relação a Jerry. No entanto, uma sucessão de pequenos acontecimentos vai mudando a história, que vai aumentando e tomando proporções muito maiores do que as planejadas por Jerry, pois, na fuga, os bandidos matam três pessoas na estrada, sendo um policial e dois viajantes que deram azar de estarem ali naquela hora.

    Os assassinatos acontecem na pequena cidade do interior, no norte dos EUA, onde a policial Marge Gunderson (Frances McDormand) é encarregada de investigar o crime, mesmo estando grávida de sete meses. E é quando Marge entra na história que tudo passa a ficar ainda mais intrigante e emocionante. Sem deixar de passar a delicadeza e bondade de uma mulher do interior, Marge passa a firmeza, inteligência e obstinação de uma policial normal, não dos filmes americanos tradicionais, para resolver um crime baseando-se apenas na investigação.

    Conseguimos também ver os detalhes menores, que geralmente não vemos, quando Marge viaja de uma cidade a outra e chega a um hotel, telefonando para a polícia local avisando que chegou, quando estamos habituados a ver simplesmente policiais se teletransportando e estando em cidades diferentes em intervalos de minutos.

    Marge segue os passos dos bandidos e chega até a concessionária de carros administrada por Jerry, que logo começa a dar sinais claros de preocupação. Com uma investigação simples, calma e baseada apenas em instinto e interpretação, Marge vai, cada vez mais, se fortalecendo no filme, mesmo transbordando fragilidade com sua imensa barriga de grávida, o que nos deixa apreensivos em relação ao encontro dela com os sequestradores, que mostram várias vezes seu grau de violência no filme, principalmente no terceiro ato, cuja simplicidade da resolução nos deixa satisfeitos justamente pelo realismo da cena.

    Outro ponto positivo é a paisagem branca da neve do norte dos EUA, cobrindo estradas, ruas e casas. Funciona quase como um personagem à parte ao contrastar a homogeneidade e a paz do branco com o sangue derramado pela violência dos bandidos. No entanto, o forte mesmo do filme está nos diálogos, que emulam os sotaques do interior dos EUA, com palavreado local e frases feitas, dando o toque de humor negro, característico dos Coen, a cenas com potencial dramático intenso. Dessa forma, o principal mérito em seus filmes geralmente é a forma como eles a contam, e não a história em si, por mais que a história seja boa.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.