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  • Review | Good Omens

    Review | Good Omens

    Adaptação da literatura de Neil GaimanTerry Pratchett, conhecida como Belas Maldições, Good Omens é uma minissérie em 6 episódios com um caráter satírico, que mostra a historia de dois seres divinos que se vêem obrigados a voltar a conviver juntos graças a chegada do apocalipse. A produção original da Amazon teve muitos recursos gastos em divulgação, e aposta nos seus dois atores principais para fazer sucesso, em Michael Sheen, que faz o anjo Arizaphale, e David Tennant que interpreta o demônio Crowley, em compensação, não há tantos gastos com efeitos de pós produção e afins, o foco é no texto engraçado e nas atuações do elenco estrelado.

    Primeiro há de se notar que a série  não se leva a sério, sua estética se assemelha ao que se faz na TV britânica, como é visto em Doctor Who, com efeitos especiais bem baratos, parecidos com os vistos nas produções do canal B Syfy. O programa não é exatamente trash, mas o cunho cômico ajuda a normalizar o fato de claramente não ter muito investimento em efeitos em CGI. A trilha sonora, repleta de sucessos do rock inglês – em especial Queen – também facilita a adaptação de olhos e ouvidos do espectador, além do que, ajuda a fortalecer o senso de humor que lembra bastante Dogma e outras comédias nonsense.

    O começo é um pouco truncado, mas melhora bastante seu ritmo no segundo episódio. Jon Hamm faz Gabriel, um anjo que não sabe parecer um humano normal, sendo nada sutil ao tentar disfarçar sua condição. Para emular normalidade, ele diz em um lugar publico que seu objetivo é comprar pornografia, em uma mostra do quanto o humor, apesar de bem trabalhado pode se fundamentar em idiotice implícita.

    Outro ponto importante  do caráter do seriado, é que ele adora debochar de seus espectadores, fazendo piadas com astrologia, sempre mostrando os personagens divinos acima dessas crenças mundanas, sem deixar de discutir clichês dogmáticos em especial as religiões judaico-cristãs, a começar por ter Deus dublado por Frances McDormand, uma figura feminina que apesar de forte, desafia a mentalidade misógina que é bem presente nos círculos internos das igrejas. A rivalidade do Diabo e do Divino faz criar a humanidade, e através da biografia de Adão e Eva, Crawley e Arizaphale interferem no Status Quo, de maneira muito pontual, aliás, com cenas de um chroma key terrível com a cobra do Jardim do Éden. Ambos personagens acham que suas ações não interferirão no universo, mas obviamente mudam toda a configuração das criaturas terrenas, fazendo o homem pecar, descobrir o fogo e as armas. O desespero deles aumenta quando percebem que em suas ações conjuntas, podem ter condenado o universo, e se pensa numa possibilidade de terceira via, mas se eles tem contato com os homens, obvio que eles mudam seus passos. É  incrível como essa parte da trama conversa bem com a mentalidade de primeiro contato presente em séries de ficção científica como Jornada nas Estrelas: Série Clássica.

    O drama vai aumentando seu grau com o decorrer dos outros episódio. A estética da série também melhora, cada cenário e núcleo diferente tem sua própria identidade visual e seu conjunto de personagens. Da parte dos anjos caídos, há todo uma aura pós apocalíptica que faz crescer quando o Armageddon se aproxima. Para a surpresa do grande público – não para quem conhece a obra original – há um núcleo infantil onde reside o possível/futuro Anti-Cristo, e esse personagem, feito por Sam Taylor Buck é bem humanizado, e faz lembrar muito eventos da cultura pop, como Os Goonies. Os anjos que não são os protagonistas seguem numa aura típica dos seriados da HBO, com glamour, fotografia que faz a luz prevalecer e alguns luxos.

    A postura galhofeira de Crawley  contrasta bem demais com a postura reta e conservadora de Arizaphale, e a maioria dos momentos dramáticos só funciona por esse choque cultural. As discussões sobre os anjos desencarnarem, como parte do processo apocalíptico abre possibilidades para comentar até sobre mitos gregos, como Prometheus, ligando isso ao Hiper  Mito que Joseph Campbell sempre defendeu, em uma versão quase ecumênica da origem e fim da humanidade. A brincadeira com a distância idealista entre um anjo e um demônio é muito bem exposta, mostrando que a percepção do mundo que os dois personagens não é tão diferente, pois ambos são alienados em comparação ao homem, que vive e sofre seus flagelos diariamente.

    A rebeldia de Sam é voltado para um lado não maniqueísta, é incrível a subversão da religiosidade comum, e o modo irônico que os roteiros empregam nesses seis capítulos. Mesmo a desculpa de que a confusão que ocorre no final, que trata o fim do mundo”cancelado” como um  devaneio coletivo tão grosseiro que faz o povo esquecer automaticamente o que acabou de acontecer é sensacional. Incrivelmente a historia termina ao mesmo tempo como mantenedora do status quo e ousada, pervertendo a ideia cristã de como o mundo acabaria.

    Há muita inteligência na tradução de Good Omens para um programa de TV, mostrando os anjos caídos ou não como personagens falhos, atrapalhados, e que tendo um poder imenso, podem interferir  de maneira arbitrária na vivência comum dos homens, mesmo em pequenos atos, mudando toda a situação dos seres vivos comuns, mostrando o quão frágil pode ser a obra-prima de Deus, mesmo os formados a sua imagem e semelhança. A conclusão filosófica sobre o homem e o divino é muito sagaz e inteligente, e faz sentido na maior parte dos minutos em tela.

    https://www.youtube.com/watch?v=hUJoR4vlIIs

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  • Crítica | Em Ritmo de Fuga

    Crítica | Em Ritmo de Fuga

    Trauma é comumente definido como um dano, físico ou emocional, que ocorre como resultado de algum acontecimento forte na vida do indivíduo. No caso do trauma emocional, a represália pode incluir sequelas sentimentais e até corporais. O novo filme de Edgar Wright usa em sua premissa um protagonista que sofre desse mal, graças a um evento do passado que vitimou seus pais. Em Ritmo de Fuga (Baby Driver) conta a história de Baby (Ansol Elgort), um garoto solitário, calado, que dirige para criminosos em troca do perdão de uma dívida que tem com Doc, personagem interpretado por Kevin Spacey.

    O rapaz cuja jornada o espectador acompanha possui uma estranha obsessão por música, igualando-o de certa forma ao mesmo ideal visto no personagem de Chris Pratt, em Guardiões das Galáxias também na ligação afetiva e nostálgica com a figura materna. Apesar disso, seu modus operandi lembra demais as referências que Nicolas Winding Refn utilizou em Drive, inclusive no reverenciar aos grandes filmes antigos, tanto de assalto quanto de corrida. A diferença básica entre esse e o filme do dinamarquês é a disposição de cores e a atmosfera alto astral que Wright emprega em seu filme, resultando em um produto repleto de suspense e perseguições, sem descuidar, é claro, de uma diversão desenfreada.

    Além de conduzir cenas de fuga absurdamente bem feitas e eletrizantes – fator esse muito exitoso graças especialmente a edição de som  e  a fotografia de Bill Pope – há também um cuidado em apresentar personagens que, mesmo com pouco tempo de tela, se exacerbam em carisma. Griff (Jon Bernthal), Buddy (Jon Hamm), Darling (Eiza González) e Batts (Jamie Foxx) roubam a cena sempre que interagem com Baby, seja no planejamento das contravenções, como também na ação. Mesmo Elgort supera o estigma de menino vitimado, de A Culpa É Das Estrelas, para apresentar uma nova faceta, de um garoto que mesmo do alto de seu silêncio e jeito abobalhado, consegue atingir seus objetivos, ainda que tenha que perverter seu próprio código ético em alguns momentos.

    Um dos pontos mais positivos no longa é a utilização livre dos clichês. Apesar de conter ali inúmeros arquétipos batidos, como o do negro sábio e indefeso em Joseph (CJ Jones), e da garota bela em perigo vista em Debora (Lily James), há um arco de quedas e recomeços por meio de eventos de ações extremamente inesperadas e entrópicas. A montanha de absurdos que se avolumam em torno de Baby tornam suas escolhas em eventos mais graves ainda, e fazem refletir não só sobre os rumos que o rapaz é obrigado a tomar, como também sobre a inexorabilidade do destino trágico que o cerca, sendo este, mal comparando, uma versão mais jovem de outros tantos protagonistas trágicos, como o Michael Corleone, de O Poderoso Chefão Parte 3, ao menos na questão das intenções de não estar mais presente naquele ambiente hostil.

    O maior indício físico do trauma que ocorre com Baby se manifesta no zumbido em seu ouvido, que é abafada pelas músicas que seus iPods executam. A perspectiva sonora que Wright propõe além de inserir o público no mundo novo ali estabelecido, também gera uma simpatia praticamente automática entre interlocutor e receptor. As idas e vindas desse som podem ser encarados apenas como a perspectiva do personagem sendo utilizada ou não, mas abre-se também a possibilidade de interpretação de que aquela situação incômoda somente ataque o personagem-título quando ele está executando as atividades das quais ele não deseja mais participar, reforçando a ideia de que um menino tão doce não pertence aquele ambiente repleto de adrenalina e maldade, ainda que consiga se sair bem quando é cobrado de si uma atitude mais enérgica. Essa dualidade deixa Em Ritmo de Fuga em um patamar nunca antes visto na carreira e filmografia de Wright, elevando-o a um lugar que antes não se pensava de seu cinema, agradando o nicho que sempre foi o seu, mas indo além desse público.

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  • Crítica | Minions

    Crítica | Minions

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    Meu Malvado Favorito foi uma grande surpresa de público, e provavelmente nem os mais otimistas acionistas da Illumination Entertaiment — produtora que, além da franquia composta pelos Minions e o malvado Gru (Steve Carrel), possui apenas filmes de público médio-baixo em seu currículo — imaginariam. Fora o sucesso de público, que alcançou seu ápice com Meu Malvado Favorito 2 e seus retumbantes US$ 970 milhões alcançados mundialmente, e com a memeficação dos Minions, realizar uma prequel que explica como Gru encontrou seus capangas favoritos era questão de tempo.

    Apesar das animações de gosto duvidoso, o uso dos bichinho sem vocabulário é um acerto comercial de alto valor por parte do estúdio, pois trata-se de uma eficiente forma de comunicar-se com seu principal público: crianças pequenas. É obviamente um produto muito diferente de sua concorrente atual Divertida Mente, filme da Pixar com ambições muito mais elegantes e ousadas, e por isso mais restrita em público. Se a animação da Pixar foi capaz de fazer crianças chorarem com o desaparecimento de um querido personagem, Minions sequer arranha emoções muito profundas, ou mesmo uma profunda alegria.

    A aventura sobre a busca de um vilão mestre ao qual possam servir culmina no embate dos pequenos contra a vilã Scarlet (Sandra Bullock na versão original, e Adriana Esteves na dublagem nacional) e seu marido Herbert (John Hamm na original, e Vladimir Brichta na versão nacional), e busca desde o início incendiar-se feito rastilho, usando o característico déficit de atenção dos Minions para garantir que a cada período específico de tempo o cenário mude para um próximo e com ação ainda mais estridente. Esta estratégia é comum em animações que tentam seguir o ritmo de desatenção das crianças e falar a linguagem de seus espectadores, hoje acostumados com emojis e memes, seguindo para uma comunicação mais próxima do grunhido.

    Longe de lembrar a qualidade do humor físico de Looney Tunes e seus pares, a característica periódica dos acontecimentos pode afetar a a simpatia dos mais atentos, já que garante a certeza e previsibilidade de quase tudo o que se passa em tela, enquanto as piadas de duplo sentido, que têm os adultos como alvo, soam apenas enfadonhas e deslocadas.

    Assim, o ritmo não é frenético como se espera, e em comparação com a excelente trilha sonora — que passa por The Police e se concentra em The Beatles para ornar com o cenário —, falta harmonia entre as diversas notas que o filme gostaria de alcançar.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Review | Unbreakable Kimmy Schmidt – 1ª Temporada

    Review | Unbreakable Kimmy Schmidt – 1ª Temporada

    unbreakable-kimmy-schmidtApós o hiato decorrente do fim de 30 Rock, Tina Fey volta como showrunner de um seriado, junto ao seu antigo parceiro Robert Carlock, se valendo do formato de show do Netflix para fugir da dificuldade em abarcar seu humor para grandes plateias, e retornando com o protagonismo feminino, visto também em outras de suas obras. Kimmy Schmidt (Ellie Kemper) é a heroína da vez, a única remanescente de um louco culto apocalíptico que decide, após o fim do mundo não se concretizar, enfrentar a realidade de não ser somente por ser mulher. A literal mensagem vai além do evidente viés feminista; mostra uma mulher com dificuldades em socializar, por ter vivido seus anos dourados em um ambiente subterrâneo, tornando o mito da caverna de Platão algo vívido.

    A nova vivência em um ambiente não controlado, como em um culto, faz da mulher um ser claramente ingênuo e crédulo. Todas suas ações e interações são predominantemente infantis e bizarras. A realidade a massacra, fazendo com que a dificuldade de não se encaixar dentro do padrão de normalidade seja ainda mais pesada. Os personagens em seu entorno mostram o quão difícil é seguir os próprios sonhos. Titus Andremodon (Tituss Burgess) o aspirante a cantor e ator, negro, de meia-idade e gay, não consegue o tão sonhado lugar no musical O Rei Leão. Juntos, os dois dividem o apartamento e o sonho de vencer em Nova York.

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    A saída do buraco após o rompimento com sua antiga “seita” é simbólica em muitos detalhes. Exibe a solidão do ser humano em meio à modernidade, mostra como é difícil ser mulher em uma sociedade nada igualitária e não ignora as carências emocionais de quem é solteiro. O roteiro de Fey e Carlock – co-criador da série – dialoga com questões ligadas aos índios nativos através da personagem Jacqueline Vorhess, vivida por Jane Krakowski – mais uma integrante do antigo programa –, uma rica mulher branca que emprega Kimmy, apesar de todas as suas inabilidades, e que explora uma origem distante do padrão de normalidade.

    O roteiro prossegue tão sacana e cheio de referências obscuras quanto em 30 Rock, ainda que nesta haja mais reflexão, especialmente sobre a questão social. No entanto, falta uma personagem que coopte o carisma, como era com Liz Lemon. Falta tempo e exposição para que Kimmy, Jacqueline ou Titus sejam personagens realmente queridos. A demora para engrenar acaba sendo péssimo para o show, que conta com treze episódios apenas.

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    A empatia entre público e personagens prossegue lenta até os últimos episódios, valendo-se basicamente do carisma de Kimmy, que vai descobrindo a vida de modo tardio. Cada episódio tem o nome da personagem central associado a um verbo, representando suas novas atitudes, em um formato que lembra bastante as  alcunhas dos episódios de Friends. Os eventos mostram o choque de realidade de uma pessoa que estava acostumada a um estilo de vida noventista, e que é obrigada a se modernizar e até a se relacionar romanticamente com o sexo oposto, mesmo com toda a inexperiência que lhe é peculiar.

    Os temas exploradas pelos roteiros de Tina Fey envolvem a fuga do racismo latente das ruas de Nova York, o medo de permanecer emocionalmente solitário e a busca por sucessos financeiro, usando o paralelo com a história da Gata Borralheira para remeter às transições de Kimmy Schmidt. Do mundo dos anos noventa à década de 2010, com a era da informação gritando para ganhar espaço no cotidiano de Kimmy e de cada uma das sobreviventes mulheres vindas do calabouço.

    No entanto, questões legais acometem a vida de Kimmy, como o julgamento do Reverendo Wayne, um homem barbudo e de péssima aparência que enganou as pobres mulheres, e que deveria pagar por seus pecados. Uma vez barbeado, a personagem revela a bem apessoada figura de Jon Hamm, que basicamente só pede para que sua fé seja respeitada sem restrições, dominando inclusive a retórica junto aos jurados. Após deliberar bastante, Kimmy decide enfim encarar seu receio de se ver frente a frente com o homem que tanto mal lhe fez, se assustando com a estupidez exorbitante de todos os que ouvem o enrolador pastor.

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    Ao adentrar o tribunal, a mulher mostra fibra, mas ainda fica aquém da expectativa de culpar seu algoz, a ponto de decidir ir até o bunker em que foi prisioneiro, junto as outras toupeiras, para investigar algo que pudesse incriminar o reverendo. À medida que as mulheres perdem seu tempo dentro do esconderijo, a porta vai aos poucos se fechando, até trancá-las de volta ao abrigo de onde haviam fugido. As variações de comportamento emulam a Síndrome de Estocolmo e a negação máxima da vida sentimental, por meio de suas antigas companheiras.

    Os últimos momentos mostram Kimmy fechando seu ciclo, assim como a de muitas personagens, entre eles Jacqueline, Titus, as outras mulheres toupeiras e, claro, Richard Wayne, que finalmente tem seu castigo merecido. No entanto, os rumos sentimentais da ruiva e do seu colega de quarto são irremediavelmente traçados, com retornos e saídas chocantes, com um enorme gancho para uma segunda temporada. O primeiro ano de Unbreakable Kimmy Schmidt apresenta personagens bastante ricos, mas pouco explorados diante do potencial apresentado, assim como a trajetória, que jamais justifica os melhores momentos dos roteiros de Tina Fey.

  • Crítica | O Congresso Futurista

    Crítica | O Congresso Futurista

    A indefinição do futuro é analisada, distorcida e reinventada em demasia. Ultrapassa a barreira de um mero exercício imaginativo, tocando o cerne do homem moderno e sua angústia de não saber ao certo o que lhe espera em um tempo vindouro. Especulações e projeções surgem de diversas áreas e se popularizam por meio da cultura. Recentemente, a visão de um futuro pessimista tem assolado as narrativas ficcionais, de trilogias de sucesso, que repetem sua fórmula de distopia, à retomada de grandes obras que ganham nova atenção pela análise deste momento vago.

    Baseado na obra do polaco Stanisław Lem, O Congresso do Futuro, o filme propõe uma alegórica metaficção sobre os rumos da sociedade e da representação desta por meio da cultura e do entretenimento. Interpretando uma versão de si mesma, Robin Wright é uma consagrada atriz de Hollywood considerada um ponto de resistência em meio aos recursos tecnológicos disponíveis à narrativa cinematográfica, uma das últimas atrizes que ainda não cederam ao contrato de fornecer sua imagem definitiva à captação de movimentos para, depois, se aposentarem da profissão.

    A narrativa contrapõe a tecnologia e a concepção artística, ponderando-as em uma dicotomia existencial. A tecnologia evolui a favor da arte ou a arte necessita da tecnologia como forma de existir? É evidente que, desde a criação do Cinema, especificamente, os avanços caminharam simultaneamente. Porém, diante de uma gama cada vez maior de tecnologia inserida nas produções, até onde o papel do ator será importante na elaboração de uma história?

    A indústria cinematográfica é vista como um gigante inescrupuloso, impossível de ser parado pelo descontentamento de uma atriz. Muito se discute sobre a figura pública por detrás dos atores e seu papel em relação à sociedade. Aprofundando esta análise, a captura integral dos movimentos de um ator e, consequentemente, a composição de seus papéis feita inteiramente por sistemas digitais discute a questão da própria identidade. Se reconhecemos uma pessoa pela sua composição física, como reconhecer os outros sem esta forma de identificação?

    Após uma melancólica cena em que Robin Wright aceita se transformar em um personagem digital, a trama avança dois anos e modifica sua estrutura narrativa e mergulha em um universo colorido, brilhante, composto de animação gráfica. A atriz ainda é uma das estrelas do estúdio, mesmo que não esteja presente de corpo e alma nas interpretações de seus filmes. Ao contrário de uma visão depressiva e obscura de um futuro distópico dominado por máquinas tecnológicas, são os avanços da ciência que permitem a existência deste universo fictício. Uma realidade alternativa composta por uma droga que, quando consumida, libera um universo químico no cérebro de cada um, permitindo que este seja quem ele quiser. Não há mais espaço para adequar-se a um ideal imposto por uma sociedade. Dentro da própria alquimia cerebral, qualquer fantasia é aceita e incorporada. É um mundo vivido na imaginação, no onírico, onde o que é imaginado se torna real, pois, imaginado.

    A reflexão ultrapassa o Cinema e a concepção artística, focalizando o próprio humano – aproximando-se da angústia que o homem sente em relação ao futuro indefinido. Se todos são aquilo que desejam, como é possível reconhecer o próximo, se tudo é um jogo de máscaras? Questiona a personagem de Wright. Dentro deste cenário, a personagem procura seu filho, um garoto que sofre de uma doença degenerativa no ouvido, perdendo assim seu contato auditivo com o mundo. Um paralelo que demonstra que, enquanto uma maioria decide pela alienação em um mundo falso composto pela química, o filho, mesmo desejando manter contato com certa realidade, perde, pouco a pouco, esta comunicação e, contra a própria vontade, se isola. A família de Wright.

    Também neste aspecto, a produção não deixa de ser fabular ao narrar uma história que apresenta em seu interior uma moral reflexiva sobre a conduta humana e o uso da própria ciência e da tecnologia como forma de sobrevivência. Se desde tempos remotos a sociedade progrediu com tais usos, nos tornamos escravos de nossa própria evolução? A animação dirigida por Ari Folman é o meio que representa este falso mundo imagético. São cenas que abusam da qualidade técnica e das cores apuradas a favor de uma poesia visual que se justifica pelo tema abordado na produção, que produz com qualidade uma reflexão sobre a própria arte e a humanidade, fazendo de si própria uma bela peça artística.

  • Crítica | Uivo

    Crítica | Uivo

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    A produção de Rob Epstein e Jeffrey Friedman aborda de modo mais poético e lírico a Geração Beat que Na Estrada, tomando a figura e a obra de Allen Ginsberg como temas. Howl, a obra em que o filme se baseou, abusa do lúdico e do etilismo. O registro cinematográfico é composto de cenas equivalentemente alucinógenas, salientando a sábia escolha de usar uma animação das mais primitivas – remontando aos clássicos de Walt Disney – para ilustrar as delirantes memórias do protagonista/narrador.

    Muito mais modesto que seu primo dirigido por Walter Salles, Uivo é mais competente em demonstrar as desventuras dos beats, até por não ter a pretensão de ser algo grandioso. Sua simplicidade é algo louvável, mas não o torna medíocre, muito graças à boa encarnação do (ainda não estelar) James Franco. A produção é quase artesanal, dado o seu caráter, e confessional ao extremo, competente em reproduzir a aura do escrito original.

    A variação de estilos cinematográficos garante um novo fôlego à obra, que varia entre thriller jurídico, mockumentary, beatnik, épico etc. O estourar de palavras e letras, que formam os poemas, faz um contraponto curioso com os objetos de consumo que também teimam em aparecer na tela. A falta de apego material de Ginsberg é mostrada, evidenciando os poucos bens que importavam para ele – seus óculos, sua máquina datilográfica e objetos de uso “marginal”.

    A falta de traquejo de James Franco ao ler as poesias em público é incômoda e diferente de suas boas narrações – o defeito representa o deslocamento de Allen em relação ao mundo, suas preferências carnais e a forma com que é tratado como artista iniciante em uma época em que nenhuma dessas práticas era explorada e discutida de forma igualitária e justa. Ele era um astro fora de órbita, mesmo na galáxia em que orbitavam Jack Kerouac e Neal Cassaday. A negação da existência de uma “geração” demonstra com maestria o seu pensamento. Ainda que essa declaração tenha um forte apelo, há nela algo eufemístico, visto que (ao menos no roteiro), Ginsberg deixa claro que se sentia rejeitado até mesmo pelos dois amigos, e muito por isso se deve o fato de eles não formarem um movimento, sendo apenas escritores que buscavam vender mais.

    A empatia pelo personagem é automática e nem é tanto pela belíssima poesia – utilizada de forma inteligente, pontual e nada enfadonha – mas também pela fragilidade que ele transparece.

    Para a promotoria, Howl era uma literatura suja, imoral, que propagava obscenidades, não só para os letrados, mas também ao alcance dos incautos e dos adeptos da moral e bons costumes. A disputa no tribunal não filma Ginsberg como réu; como se a batalha fosse ideológica, de dois pólos: um conservador e outro amoral e pró-arte. O que se julga é a obra e não o autor, e o resultado é favorável a ela, garantindo-lhe o direito à livre expressão.

    O final contém os destinos dos próximos a Ginsberg e resulta numa confissão positiva do autor, que, depois de muito procurar, parecer ter finalmente achado o seu lugar ao lado de seu parceiro e, claro, com seu trabalho como escritor. Uivo é um bom retrato de época e acerta demais na ambientação e no espírito daquele período.

  • Crítica | Sucker Punch: Mundo Surreal

    Crítica | Sucker Punch: Mundo Surreal

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    Existem ocasiões em que é melhor deixar as lições de moral, as críticas sociais e as grandes mensagens de lado. Ao contrário do que muita gente diz por aí, eu acredito no entretenimento por entretenimento e não vejo problema em “desligar o cérebro” para curtir um game, quadrinho ou um filme meio sem noção. Alguns diretores de cinema tem esse “cinema pipocão” como sua marca registrada e, mesmo quando adaptam obras bastante profundas, acabam não se importando com o conteúdo e capricham mesmo é na forma. É o caso, na minha opinião, de Michael Bay e do diretor encarregado do filme de hoje: Zack Snyder.

    Sucker Punch – Mundo Surreal é a primeira obra original de Snyder. O roteiro, a produção e a direção ficaram nas mãos dele e, justamente porque é um dos maiores exemplos recentes do “cinema pipocão” (superado apenas pelo, dizem, FANTÁSTICO Velozes e Furiosos 6) não foi muito bem aceito pela crítica. Não sou crítico, não entendo nada de cinema mas gosto bastante da sétima arte e afirmo, em caixa alta e negrito: SUCKER PUNCH É ANIMAL!

    A história acompanha uma jovem de cabelos loiros que, após a morte da mãe, é internada pelo padastro em uma instituição psiquiátrica para ser lobotomizada e não interferir nos planos do homem de ficar com toda a herança deixada pela falecida. Apelidada pelos responsáveis do sanatório de Babydoll, a jovem alia-se a outras 4 internas em um plano para escapar do manicômio antes que o responsável pela operação de Babydoll chegue de viagem.

    Qualquer história, até mesmo essa, possui capacidades infinitas contidas em si. Um diretor mais preocupado com transmitir uma mensagem poderia fazer dezenas de críticas e conduzir até mesmo este roteiro de forma reflexiva e encorpada. A habilidade que Snyder tem de se esquivar de tudo o que poderia fazer deste filme menos vazio, entretanto, é bastante impressionante. Confesso que, se ele buscasse qualquer coisa mais profunda, eu ficaria bastante decepcionado. Os trailers e os cartazes de Sucker Punch são extremamente honestos quanto à proposta do filme: Uma aventura fetichista e lisérgica, incoerente e bastante pirotécnica. Era isso que eu esperava, mas até mesmo eu fiquei boquiaberto com a maluquice que é esse filme.

    A história, na verdade, não passa de uma aventura mental de Babydoll, que substitui sua realidade triste por uma aventura muito mais emocionante. Em sua cabeça, Babydoll substitui o sanatório comandado pelo corrupto agente penitenciário por uma espécie de bordel com garotas escravas e gostosas que se prostituem para clientes ricos e as pessoas mais poderosas da cidade. Em sua realidade paralela, Babydoll possui uma habilidade incomparável para “dançar” (entenda como quiser) que faz com que todos à sua volta fiquem “hipnotizados” (entenda como quiser de novo) e permite que as amigas da loirinha consigam os objetos necessários para implementar a tão desejada fuga: Um mapa, um esqueiro, uma faca e uma chave. Quando começa a “dançar” (essas aspas estão ficando chatas…), Babydoll transporta as amigas e ela mesma para uma nova realidade paralela dentro da realidade paralela (qualquer semelhança com A Origem não é mera coincidência) onde elas precisam enfrentar os “monstros” que protegem os artefatos necessários para a fuga.

    As sequências de ação acontecem todas durante o enfrentamento das garotas e desses “guardiões” dos objetos que estão, de alguma forma, ligados aos artefatos em questão. Assim, as meninas enfrentam soldados nazistas mortos-vivos para recuperar o “mapa de um bunker alemão”, um dragão gigantesco para roubar a “pedra de fogo”, robôs humanoides em um trem futurista para “desarmar uma bomba” e roubá-la, e desafiam o cafetão do bordel para finalmente imprimir a tão esperada fuga. Todas essas sequências de ação são filmadas em mundos com estéticas bem diferentes entre si e tem elementos “massavéisticos” transbordando na tela que vão desde espadas, metralhadoras e um avião de guerra até robôs gigantes e seres mitológicos como orcs e dragões. Tudo isso interpretado por jovens gostosíssimas talentosas em trajes maravilhosos minúsculos. Como não poderia faltar em um filme de Zack Snyder, a câmera lenta aparece em todas as “missões”, geralmente quando uma das gostosas garotas salta ou desvia de um golpe inimigo.

    A trilha sonora é composta por versões de músicas famosas e é bem aproveitada nas sequências de ação do filme. No geral, as músicas ajudam a embalar as violentas batalhas de Babydoll, Sweat Pea, Blondie, Rocket e Amber contra os seres imaginários da cabeça doentia do Snyder. Computação gráfica que não atrapalha mas também não impressiona demais fecha a conta deste que foi um dos filmes mais doentios e confusos que eu já vi. É impossível afirmar de onde Snyder tirou toda essa maluquice, mas obviamente Christopher Nolan e seu inteligentíssimo A Origem tem uma parcela de culpa. A estrutura que Snyder utiliza em seu roteiro lembrou-me, em partes, a forma como o personagem Pi conta sua aventura no filme de Ang Lee. Quando a realidade é tão sem graça que não interessa a ninguém, nega-se a realidade…

    Como falei no início, o filme não é inteligente, não é reflexivo e muito menos profundo. Na minha opinião, é um filme muito bonito, com uma fotografia caprichada e puramente visual. Não era o intuito do Snyder trazer nenhum tipo de mensagem, como eu também acredito que não era a ideia dele quando dirigiu 300 ou Watchmen. Snyder e Bay são dois diretores que, quando trazem algum tipo de profundidade em seus filmes, o fazem de maneira totalmente inconsciente…

    Sucker Punch foi um fracasso no cinema, mas pra mim é um ótimo filme “snyderiano”. Ninguém fala bem do filme por aí, mas acho que o diretor poderia salvar essa página do Vortex nos favoritos do Internet Explorer dele para mostrar pra família que pelo menos uma pessoa gostou do filme. Entretenimento por entretenimento: Tamo junto, Snyder!

    Ouça nosso podcast sobre Zack Snyder.

  • Crítica | Atração Perigosa

    Crítica | Atração Perigosa

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    Depois de surpreender o público com uma boa direção em Medo da Verdade, Ben Affleck dá sequência a sua nova carreira sem se desapegar de uma história policial. Atração Perigosa comprova que Affleck não teve sorte de principiante e, ao contrário de sua naufragada carreira como ator, apresenta domínio ao narrar uma história.

    Baseada no romance Prince Of Thieves, de Chuck Hogan, a trama se passa em Boston, no bairro de Charlestown — alardeado no início do filme como um local conhecido pelo alto índice de assaltos a banco, um ambiente em que pais passam seus ensinamentos aos filhos como uma tradição.

    Doug MacRay (Affleck) é o mentor de um grupo de ladrões que, mesmo em um assalto bem sucedido, decide levar uma refém como segurança. Encarregado de resolver a situação, Doug se aproxima da moça à procura de um novo rumo para sua vida.

    A tensão se produz tanto dentro do próprio grupo, com MacRay desconfortável ao executar um novo golpe que colocaria o grupo em desnecessário destaque em investigações policiais, como na relação que estabelece com a vítima Claire, que acreditar viver um relacionamento saudável.

    Além da direção bem executada também nas cenas de ação, a fotografia de Robert Elswit destaca a crueza do ambiente de uma cidade que não parece encontrar espaços para a ternura e para novas oportunidades de mudança de vida. Porém, a temática de ladrão arrependido que busca mudar de vida não é nova.

    Com a receptividade positiva do filme, Affleck reconquistou parte do carisma perante ao seu público e planeja realizar uma continuação desta trama que, mesmo com algumas qualidades evidentes, me deixa com a sensação de que poderia ser melhor. Ainda que não consiga explicar a razão.

    Ouça nosso podcast sobre Ben Affleck.